O
que revela o novo mapa das facções e milícias do Rio de Janeiro
Pelo
quinto ano seguido, as milícias perderam espaço e poder na região metropolitana
do Rio de
Janeiro.
Entre
2019 e 2024, deixaram de dominar 359 mil pessoas – uma queda de quase 18%.
A
retração também aparece no território, a partir de 2020: a área sob controle ou
influência miliciana passou
de 246,4 km² para 201,2 km².
O
enfraquecimento recente das milícias provocou uma leve redução no alcance das
organizações criminosas na região metropolitana do Rio.
Nos
últimos cinco anos, houve uma queda de 5,5% no total de moradores sob algum
tipo de domínio, direto ou indireto. Mais de 200 mil pessoas deixaram de viver
sob a regra dos grupos armados.
Os
dados são da nova edição do Mapa dos Grupos Armados, relatório anual publicado
nesta quinta-feira (04/12) pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos
dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).
"Como
o valor é pequeno, não parece uma tendência de queda. Não tem nada estrutural
que nos faça acreditar que irá reduzir absurdamente nos próximos anos. Mas tem
algo para ser olhado, as possibilidades que justificam essa redução",
afirma Terine Husek Coelho, gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.
Desde
2019, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do
Ministério Público do Rio de Janeiro, liderou, a partir de investigações, uma
série de operações contra as milícias — entre elas a Intocáveis e EMBRYO.
Em
2021, Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da maior milícia do Rio, que
dominava áreas da zona oeste até a Baixada fluminense, foi morto durante uma
operação policial.
Pouco
mais de dois anos depois, Luiz Antonio da Silva Braga, o Zinho, postulante à
sucessão de Ecko, foi preso pela Polícia Federal (PF).
Outro
exemplo bem-sucedido apontado pelas especialistas é a redução do crescimento
das milícias entre 2009 e 2010, após autoridades apertarem o cerco contra os
principais líderes desses grupos e depois da CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) das Milícias, instaurada pela Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro.
Para
Daniel Hirata, coordenador do Geni/UFF, tem ficado claro que investigações
mirando o modelo de negócios de grupos armados "dão resultados", em
contraposição a ações policiais por si só.
"Tivemos
uma atuação qualificada do Ministério Público do Rio de Janeiro. Tínhamos, por
vezes, operações policiais, mas eram uma parte do processo de investigação. É
absolutamente diferente do que aconteceu recentemente na Penha e no Alemão [o
especialista se refere à Operação
Contenção, que deixou mais de 120 mortos no fim de outubro]. As
operações policiais são um instrumento da ação pública, e não uma política
pública. E nada funciona quando se confunde instrumento com política", diz
Hirata.
Terine
Husek Coelho também critica a aposta do governo estadual de Cláudio Castro (PL)
em operações policiais com uso intenso da força.
O
governador classificou a Operação Contenção como "um sucesso".
Para
Coelho, as evidências indicam que "não há retração na presença de grupos
armados nos territórios onde ele [o governo estadual] tem atuado mais
fortemente".
Apesar
do freio recente à expansão das milícias, que os especialistas atribuem em
parte a ações de investigação e inteligência, a longo prazo, esse foi o grupo
armado que teve a maior expansão na região metropolitana.
Desde o
início da série histórica, em 2007, as milícias tiveram o maior crescimento
entre os grupos criminosos: ampliaram em 315% as áreas sob controle direto (um
acréscimo de 103 km²).
Ao
somar controle (quando o uso da força impõe normas de conduta e garante
monopólios econômicos dos serviços ofertados) e influência (presença irregular,
marcada por episódios pontuais de domínio), o salto chega a 501% (mais 168
km²).
É a
primeira vez que esse relatório anual diferencia o tipo de domínio entre
controle e influência, o que ajuda a entender os métodos de atuação de cada
grupo.
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Quatro milhões de pessoas sob domínio de grupos armados
Apesar
da queda nos números, mais de 4 milhões de pessoas da região metropolitana do
Rio de Janeiro ainda vivem sob domínio de grupos armados – seja com controle
absoluto ou apenas com algum grau de influência.
Isso
representa 34,9% da população de 22 cidades.
O mapa
mostra que 3,4 milhões de habitantes (cerca de 30% da população metropolitana)
vivem sob controle direto. Outros 600 mil são afetados de forma intermitente
pelas regras impostas por milícias e facções.
Além da
população atingida, o levantamento também dimensiona o território sob domínio
armado. As organizações criminosas atuam, somando controle e influência, em
407,2 km² da região metropolitana, o equivalente a 18,1% das áreas urbanizadas.
O controle efetivo chega a 315,9 km², ou 14% do total.
E quem
mais marca presença territorial nessa região ainda são as milícias – por mais
que tenham perdido poder nos últimos anos. Em 2024, quase 50% das áreas
dominadas ou influenciadas por organizações armadas pertenciam a elas.
Mas, ao
olhar apenas para o controle efetivo, o cenário muda: o Comando Vermelho (CV)
lidera com 47,5% das áreas completamente dominadas – equivalente a 150 km².
Essa
diferença também aparece quando o foco deixa de ser o território e passa para
as pessoas.
O CV
controla ou influencia 1,7 milhão de moradores, número ligeiramente superior ao
das milícias, com 1,66 milhão.
Ao
longo de toda a série histórica, ao contrário das milícias, o CV seguiu em
crescimento quase contínuo, ainda que em ritmo mais moderado.
Ao
longo de 18 anos, o grupo teve um aumento de 46,4% dos territórios sob seu
controle e 45,1% dos territórios controlados e influenciados.
O Terceiro
Comando Puro (TCP) também registrou crescimento, embora menor,
e permanece como terceiro grupo em extensão territorial.
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Substituição de poderes
O
enfraquecimento recente das milícias despertou a atenção das facções do tráfico
de drogas, que aproveitaram o momento para tomar os pontos antes dominados
pelas milícias.
O CV
ampliou seu domínio em 68 mil pessoas nos últimos quatro anos, consolidando um
avanço contínuo.
E o TCP
passou a controlar ou influenciar quase 100 mil moradores a mais no mesmo
período, entrando de vez na disputa pelo mapa da região metropolitana.
"O
Comando Vermelho tem um crescimento quase contínuo ao longo de todo o período.
E quem tem um peso percentual maior nessa variação [nos períodos de retração ou
expansão] são as milícias", explica Hirata.
"Milícias
crescem, sobretudo, em áreas com densidade populacional baixa, pouco
urbanizadas, através da colonização [quando não há influência ou controle de
nenhum grupo armado]. E trabalham mais com o poder de influência. Se tirar o
fator influência, o CV é hegemônico. O cenário atual, com avanço das facções, é
um momento muito mais conflituoso, porque predomina a conquista dos territórios
[com controle total] e isso significa confronto com outros grupos",
completa.
Pela
primeira vez, em 2024, as formas de expansão dos grupos armados se deram mais
pela conquista – ou seja, disputas territoriais –, do que por colonização.
Isso
porque tanto o CV quanto o TCP aumentam seu poder na base das disputas.
Para o
CV, mais da metade da expansão populacional recente ocorreu por conquista; no
caso do TCP, 68% do crescimento territorial e 77,7% do crescimento populacional
também se deram dessa forma.
O
movimento reforça o caráter cada vez mais disputado e violento da dinâmica
territorial na região metropolitana.
"Essa
diferenciação entre influência e controle, colonização e conquista, são
fundamentais para dirigir ações públicas. Não se tem de fato o enfrentamento da
expansão por colonização, que é silenciosa. Essas áreas ficam entre o rural e
urbano, têm baixa densidade populacional. Precisam de mecanismos regulatórios
do transporte, do uso do solo", argumenta Hirata.
"Do
ponto de vista da conquista, é fundamental, nesse período em que a
conflitividade é regra, termos ações de estabilização desses locais. A
população desses locais em disputa vivem no meio do fogo cruzado. É preciso
presença para parar a guerra. E não fazer como muitas vezes acontece, com a
presença do Estado como um intensificador do confronto", complementa.
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Facções e milícias na capital
Quase
metade da população da cidade do Rio vive sob influência ou controle de grupos
armados, mostra o estudo recém-publicado.
Em
2024, 2,5 milhões de moradores da capital (42,4% do total de habitantes),
espalhados em 212 km² (31,6% da área total da cidade), estavam nessa situação.
Considerando
o domínio total, com controle armado, esse número cai para 2,2 milhões de
pessoas (36,3%) e 22,5% do território total (equivalente a 157 km²)
É a
cidade fluminense com a maior proporção de territórios e população dominados ou
influenciados por grupos armados.
E essa
expansão tem se intensificado desde 2007. Nesses 18 anos, houve um aumento de
173% nas áreas tomadas pelos grupos armados, com alta de 49% do domínio
populacional.
As
milícias são as principais responsáveis pela tomada desses novos territórios.
De 2007
a 2024, elas deram um salto no controle e influência territorial e
populacional: de 31 km² para 157 km²; de 604 mil pessoas para 1,3 milhão.
Apesar da hegemonia das milícias, esses grupos lideram majoritariamente na zona
oeste; nas outras regiões quem manda é o CV.
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Segurança pública: preocupação nacional
A
segurança pública deve ser um dos principais temas debatidos nas eleições de
2026, apostam os especialistas.
Segundo
pesquisa da Atlas/Bloomberg realizada entre outubro e novembro com 5,5 mil
pessoas, a maior preocupação dos brasileiros (63%) passou a ser o tráfico de
drogas e a criminalidade.
A
corrupção, que há anos figurava como a principal preocupação, caiu para segundo
lugar.
Atentos
a essa demanda do eleitorado, políticos têm tentado emplacar projetos na área.
No
Congresso, duas propostas tramitam ao mesmo tempo: a PEC da
Segurança Pública e a chamada PL Antifacção.
As duas
propostas escancaram a disputa política em torno do tema.
De
autoria do Executivo, a proposta de emenda à Constituição (PEC) busca criar um
sistema coordenado, inspirado no Sistema Único de Saúde (SUS), para padronizar
protocolos, integrar bancos de dados, unificar estatísticas e garantir repasses
estáveis às forças de segurança.
A
proposta estabelece diretrizes nacionais obrigatórias, sem interferir no
comando das polícias estaduais, e inclui guardas municipais entre os órgãos de
segurança, ampliando a rede de atuação.
O
objetivo é criar uma espinha dorsal comum para operações e estatísticas em todo
o país.
O
projeto de lei (PL) Antifacção segue um caminho diferente: aposta numa resposta
mais dura.
O texto
tipifica crimes ligados ao domínio territorial armado e ataques coordenados,
prevendo até 40 anos de prisão para integrantes de grupos criminosos e penas
que podem chegar a 66 anos para líderes.
A
versão aprovada na Câmara, porém, não é a original do governo: foi alterada
pelo relator Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança de São
Paulo, que incorporou emendas, principalmente de parlamentares da oposição e da
bancada da segurança.
Derrite
endureceu o texto, ampliou tipos penais, retirou mecanismos de integração entre
PF, Receita e Banco Central e redistribuiu os recursos provenientes de bens
confiscados, privilegiando estados e fundos de segurança.
Para
seus apoiadores, o substitutivo dá uma resposta firme ao crime organizado; para
críticos, enfraquece justamente a inteligência financeira que sustentava o
plano original do governo.
Daniel
Hirata reconhece que a segurança pública vai "pautar o debate
nacional", mas critica a influência das pesquisas de opinião nas decisões
políticas.
Um
desses levantamentos, do Instituto Datafolha, mostrou que 57% dos moradores do
Rio avaliaram positivamente a Operação Contenção, que teve como alvo o CV em
outubro.
O apoio
não foi apenas local: uma pesquisa da AtlasIntel mostrou que 55,2% dos
brasileiros aprovaram o trabalho realizado pelos policiais na ação.
"Pode
ser que as ações sejam direcionadas para produzir mais confrontos. A pesquisa
de opinião ficou tão importante que não se faz mais nada para solucionar os
problemas. Os esforços, tanto de governos de direita quanto de esquerda, ficam
só no nível da percepção da segurança pública", conclui Hirata.
Fonte:
BBC News Brasil

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