Reflexões
sobre a Infraestrutura Urbana: saneamento básico
O
abastecimento de água sempre foi uma preocupação da nossa espécie,
principalmente quando estabeleceram as primeiras vilas e cidades. Na China, no
Egito e na Mesopotâmia as escavações indicam canalizações para coleta de água,
ou ainda coletores de esgoto, antes do segundo milênio da era cristã. No
entanto, a água encanada tornou-se comum apenas no século XX.
A
história do saneamento básico no Brasil começou em 1561 com a escavação de um
poço público, no Rio de Janeiro, evoluindo lentamente através de projetos de
abastecimento e esgotamento, como a construção dos Arcos da Lapa, em 1673, para
levar água para os chafarizes cariocas. A vinda da família real e o aumento da
população demandaram mais investimentos em infraestrutura de saneamento. Em São
Paulo, o primeiro sistema de abastecimento de água encanada, na Serra da
Cantareira, foi construído entre 1857 e 1877. No Rio de Janeiro, a primeira
rede de esgoto foi concluída em 1864.
O
médico Oswaldo Cruz teve papel importantíssimo também ao empreender campanhas
sanitárias para enfrentar as principais doenças que assolavam o país no início
do século XX, inicialmente com a criação e construção do Instituto Soroterápico
(atual Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz), em 1900. Em 1904, implementou uma
série de medidas sanitárias, com ações e decretos, inspiradas nas regras
internacionais mais modernas da época. Estas medidas apontavam as necessidades
da melhoria da qualidade de água para o consumo, como a recolha das águas
servidas. Estas duas ações eram importantes para o combate à malária e à febre
amarela, duas doenças transmitidas por mosquitos e que atingiam muitas cidades
brasileiras, inclusive o Rio de Janeiro. Implantou a vacinação compulsória
contra a varíola e criou a notificação obrigatória, feita pelos médicos e pela
população, dos casos de doenças transmissíveis, o que permite o monitoramento
da sua evolução. Nesses casos, havia também regras de isolamento para os
doentes acometidos por essas doenças, uma forma de evitar a propagação de
epidemias.
Foi o
engenheiro Saturnino de Brito, o responsável por várias obras de saneamento em
várias cidades do país – como Belo Horizonte, São Paulo e Santos, entre outras
– a fim de modernizar o meio urbano em conformidade com as mais modernas regras
sanitárias, construindo sistemas de distribuição de águas e coleta de esgoto.
No
início do século XX, Santos era o principal porto de escoamento do café, o mais
importante produto de exportação do país. A cidade sofria com alagamentos
frequentes e era assolada por epidemias – malária, febre amarela, cólera, peste
bubônica – e precisava inovar o saneamento. Saturnino de Brito projetou e
construiu o sistema de canais para solucionar os problemas da coleta de esgoto
e da drenagem, o que garantiu, também, a expansão da mancha urbana pela orla da
praia santista. Também, criou avenidas arborizadas ao lado dos canais, que
ajudam a diminuir a temperatura das horas mais quentes do dia e que atraem
pássaros que combatem os mosquitos transmissores de doenças.
Estas
medidas criaram uma incipiente política de saneamento básico no país, que só
foi se consolidando, em passos lentos, ao longo do século XX. Este processo
estabeleceu os quatro pilares do saneamento básico, que são: os serviços de
abastecimento de água; coleta e tratamento de esgoto; drenagem e manejo da água
da chuva; limpeza urbana e a gestão de resíduos sólidos (domiciliar, comercial, industrial, público,
radioativo, agrícola, eletrônico, hospitalar). Segundo o Atlas Esgotos –
Despoluição das Bacias Hidrográficas, em 2018, 43% da população possui esgoto
coletado e tratado e 12% da população utiliza-se de fossa séptica (solução
individual). Um total de 55% possui tratamento considerado adequado, 18%
têm seu esgoto coletado e não tratado, o que pode ser considerado como um
atendimento precário; e 27% não possuem coleta nem tratamento, isto é, sem
atendimento por serviço de coleta sanitária. Os dados para as diversas regiões
do país demonstram que 65% da população da região Sul tem coleta de esgoto; 63%
da região Centro-Oeste; 58% do Sudeste; 48% do Nordeste; e 33% da região Norte.
Não
coletar e tratar o esgoto impacta na captação de água para o abastecimento. O
mesmo Atlas Esgotos informa que mais de 110 mil quilômetros de trechos de rio
estão com a qualidade comprometida devido ao excesso de carga orgânica e,
destes 83.450 km não é mais permitida a captação para abastecimento público
devido à poluição e em 27.040 km a captação pode ser feita, mas requer
tratamento avançado.
Em
2025, um estudo feito pelo Instituto Trata Brasil – organização da sociedade
civil de interesse público – apresenta os seguintes números: 83,1% da população
é atendida pelo serviço público de abastecimento de água; já o serviço de
coleta de esgoto apenas atinge 55,2%.
Se
houve a ampliação do universo de residências abarcadas pelo sistema de
tratamento de resíduos, o mesmo tem acontecido com os resíduos industriais. Em
2023, 89,1% das grandes e médias empresas (com mais de 100 postos de trabalho)
têm ao menos uma iniciativa ou prática ambiental, principalmente reciclagem e
reuso (75,1%), eficiência energética 61,5%, recursos hídricos (57,1%), emissões
atmosféricas (46,3%) e uso do solo (23,9%). Não existem dados consolidados e
recentes que indiquem o percentual do tratamento de resíduos feito pelas
pequenas empresas. Dessas empresas que têm iniciativas e práticas ambientais,
53% foram influenciadas pela regulamentação, sobretudo as referentes aos temas
de resíduos sólidos, recursos hídricos, emissões atmosféricas e uso do solo.
O
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento traz dados sobre coleta
seletiva nos diversos municípios brasileiros no Diagnóstico Temático – Manejo
de Resíduos Sólidos Urbanos, de 2021. Apresenta que dos 4.900 municípios
participantes somente 1.567 forneceram dados referentes à existência ou não de
coleta seletiva porta a porta, e 1.346 informaram a porcentagem da população
atendida pelo serviço.
A
Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA) apresentou dados que
indicam que em 2022, o país reciclou 4% de seus resíduos a partir de dados da
coleta seletiva dos municípios. Quando incluem-se os catadores autônomos, a
taxa salta para cerca de 8,3% em 2024. Em 2023, o país reciclou 6,7 milhões de
toneladas de plástico, vidro, metais e papelão, o que indica que foram
produzidas no país cerca de 81 milhões de toneladas de resíduos no ano passado,
o que dá 382 quilos hab/ano.
Em
resumo, a reciclagem de resíduos ainda caminha muito devagar. No meio
industrial, é maior devido à própria legislação, que exige das instalações
industriais responsabilidade sobre os recursos utilizados. Mas a coleta
doméstica precisa ser implementada em maior escala e para isso, os médios e
pequenos municípios precisam de apoio. É evidente que os catadores autônomos
são muito importantes e devem ser estimulados, até porque este é um setor da
economia que tende a crescer. Os recursos naturais são finitos e a sociedade
precisará maximizar os materiais já extraídos.
Deve-se
lembrar que algumas bacias hidrográficas brasileiras estão gravemente poluídas,
são elas: a do rio Tietê (SP), devido ao despejo de esgoto doméstico e
industrial; a do rio Doce (MG e ES), atingida pelos desastres de Mariana e
Brumadinho, dois momentos em que houve uma invasão massiva de dejeitos da
mineração; a bacia do rio Paraíba do Sul (SP, MG e RJ), que recebe esgoto sem
tratamento e despejos de mineração; a do rio Iguaçu (PR), que é atingida pelo
despejo de lixo, metais pesados e esgotos; a do rio dos Sinos (RS), que sofre períodos de estiagem, além do
despejo de esgoto, o que ocasiona o aumento de resíduos sólidos; bacia do rio
dos Bugres (SP), localizada no litoral paulista, entre Santos e São Vicente, é
um dos mais poluídos por microplásticos do planeta, afetando a vida ribeirinha
e o ecossistema; e bacia dos rios Ipojuca e o Capiberibe (PE), estes rios estão
entre os mais poluídos do país. Estas bacias descritas são as mais críticas.
Não se
pode esquecer que a bacia do São Francisco está sendo atingida cada vez mais
pelo despejo de esgoto doméstico e industrial sem tratamento, por toneladas de
agrotóxicos usados na agricultura, a poluição da mineração e do garimpo,
problemas agravados pelo desmatamento da mata ciliar. Além disso, os rios da
bacia do rio Amazonas também enfrentam o problema do mercúrio, oriundo da
mineração ilegal, sendo que estudos indicam que as microbacias que compõem a
região estão bastante impactadas pelos despejos deste metal pesado.
É
dentro desta perspectiva das bacias hidrográficas que as companhias
governamentais de controle e monitoramento serão cada vez mais importantes e
precisarão de tecnologia sofisticada para fiscalizar as emissões de poluentes e
recuperar aquelas atingidas pela poluição. Devemos relembrar que, no Brasil, em
1968 foi criada a primeira dessas empresas; em
1973, já denominada Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB),
consolidou sua atuação como responsável por controlar, fiscalizar, monitorar,
preservar e recuperar a qualidade das águas, do ar e do solo. A CETESB é
referência para questões ambientais junto à ONU e à Organização Mundial da
Saúde. Hoje, todos os estados e o
Distrito Federal têm a sua própria companhia, irmãs da CETESB. Elas são
fundamentais para garantir o controle da poluição.
O
Brasil detém 12% das reservas de água doce do planeta, perfazendo 53% dos
recursos hídricos da América do Sul. Grande parte das fronteiras do país é
definida por corpos d’água – são 83 rios fronteiriços e transfronteiriços –
sendo que suas bacias ocupam 60% do território nacional –, além de bacias
hidrográficas nacionais e de aquíferos. Os dois maiores aquíferos do mundo
estão no Brasil: o Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA), também denominado
de Aquífero Alter do Chão, localizado sob a bacia amazônica, que se estende
pelo Brasil, Equador, Peru e Colômbia; o segundo aquífero de água doce do mundo
é o Aquífero Guarani, que abrange principalmente o Sul, partes do Sudeste e do
Centro-Oeste do Brasil, partes do Paraguai, Argentina e Uruguai, e corre o risco
de ser privatizado. O país possui grandes recursos hídricos, mas a distribuição
é desigual e preocupante, devido à perda de água e à poluição.
Portanto,
a depender do projeto de país que acabemos por adotar, projeto que sai das
urnas, uma pergunta deverá ser feita antes dos pleitos: a água é um bem público
ou pode ser privatizada?
Outro
elemento importante a considerar: os problemas de saneamento ocorrem nos
municípios, no espaço territorial em que as pessoas realmente vivem. Cabe ao
prefeito, autoridade máxima na estrutura administrativa do poder executivo
local, o dever de organizar os serviços públicos de interesse da cidade,
inclusive com a cooperação da União e do Estado, segundo a Constituição
Federal.
A
aplicação dos recursos públicos deve obedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei complementar 101/2000) e ao que for fixado na lei orçamentária anual do
município, proposta pelo prefeito e validada pela Câmara Municipal. O prefeito
deve, entre outras funções, zelar pela boa administração da cidade e isto
implica em exercer o controle do erário, planejar e concretizar obras, sejam da
construção civil ou da área social. À secretaria de infraestrutura urbana
municipal cabe executar obras públicas municipais: pavimentar, recuperar ruas e
estradas do município. Também a limpeza pública e manutenção de praças,
parques, jardins e prédios municipais além da limpeza das galerias de águas
pluviais, garantindo o escoamento e evitando alagamentos. Essas obras devem ser
realizadas após processos de licitação de projetos apresentados por empresas e
pessoas especializadas.
Estes
entes federativos, portanto, devem ter por base um projeto de sociedade plural
e inclusivo, a fim de ampliar os benefícios do saneamento básico e do meio
ambiente à vida das pessoas.
Fonte:
Por Beatriz Zaterka Giroldo e Tânia Gerbi Veiga, no Le Monde

Nenhum comentário:
Postar um comentário