quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

Economia política da urbanização

Economia Política da Urbanização de Paul Singer é uma obra hoje clássica da economia política brasileira, lançada em primeira edição em 1973, demonstra como o processo de urbanização está ligado intrinsecamente ao desenvolvimento do capitalismo. O autor se baseia no processo de formação das cidades, buscando integrar um conjunto de vetores como as relações de exploração econômica no meio rural, buscando seus excedentes para alimentar a cidade, as migrações internas e os problemas daí decorrentes.

Vale denotar que Paul Singer foi um dos mais relevantes autores marxistas brasileiros da contemporaneidade, como uma vasta obra que buscou desenvolver o marxismo e, ao mesmo tempo, lidar com as especificidades da realidade brasileira.

Os objetivos da obra estão ligados diretamente à análise das relações campo-cidade, assim como o processo de marginalização e as relações de dependência do capital-comercial ao imperialismo, e, a partir disto, compreender as semelhanças dos países da América Latina, que passaram por um processo de industrialização tardio.

<><> Relação urbano e rural e a formação histórica do capitalismo

O autor mostra como as cidades se formam, tratando das relações de classes que envolve a extração de excedentes do campo rural, passa para um êxodo rural e trata, também, das problemáticas da urbanização no processo de formação do capitalismo, especialmente do capitalismo periférico latino-americano. Paul Singer exemplifica com São Paulo para falar do processo de desenvolvimento da urbanização, tratando especialmente do exército industrial de reserva e a expulsão da população de baixa renda.

A relação campo-cidade é caracterizada por um contraste, onde o campo pode ser autossuficiente. Isto é de suma importância para garantir a relação de classes entre a cidade e o campo, uma vez que a classe dominante (residente na cidade) utiliza dos excedentes do campo para suprir as suas necessidades. O campo, portanto, pode subsistir sem a cidade, porém num estado letárgico e de lento desenvolvimento.

De acordo com Paul Singer, a população é retirada do campo e levada para a cidade, causando um salto para diante das forças produtivas. A cidade deixa de ser apenas exploratória e passa também a ser centros de produção, acarretando uma luta de classes entre senhores e servos, causando uma redefinição do seu caráter, quando o excedente que continua a vir do campo como valor de uso, transformando-se na mão de uma nova classe dominante, em mercadoria.

A cidade então, deixa de ser uma sede da antiga classe dominante rural e passa a ser o centro de uma classe rival de mercadores, especuladores, coletores de impostos, etc.

A expansão do cenário urbano trouxe também uma expansão da divisão de trabalho, acarretando uma divisão entre diversos núcleos urbanos e socialmente identificados com uma mais ampla divisão social do trabalho. A condição, de acordo com Paul Singer, é que esta fosse unificada sob um domínio de poder centralizado. Esta relação não ocorre de maneira espontânea.

O crescimento da cidade leva a um aumento da necessidade de excedentes do campo, que por consequência, precisa aumentar a sua produção para sanar suas necessidades. Ou seja, em uma análise simplista, a cidade continua explorando o campo, sendo uma das bases do capitalismo, que Marx previamente apontou. Paul Singer pontua que o capitalismo surge na cidade, no centro dinâmico de uma economia urbana, no seio da sociedade feudal, na Europa, no século XIII.

A partir desta relação, nasceu então, a aliança entre o capital comercial e a autocracia real, que visava manter forte a unificação política da cidade, regida por uma burguesia, que visava um monopólio comercial mediante a expansão colonial, além da abolição de paredes internas ao comércio. Assim, o capital comercial triunfa sobre a hierarquização feudal, abrindo caminho para os avanços das forças produtivas.

Para Paul Singer, o resultado deste processo é a industrialização, sendo necessariamente um fenômeno urbano. A indústria exige nas suas proximidades uma grande quantidade de trabalhadores, causando um efeito duplo: se a indústria não surge na cidade, a cidade surge ao redor da indústria.[ii] Para produzir, a indústria precisa de uma infraestrutura que nas condições históricas postas apenas o espaço urbano pode suprir (transportes, armazenamento, energia etc.).

Assim, a burguesia industrial toma o poder da cidade e o capital comercial perde seus privilégios monopolísticos, fazendo com que se torne apenas um mero intermediário.

<><> Processo migratório e superpopulação relativa

Paul Singer analisa as migrações internas (campo à cidade) dos países em processo de industrialização. Esse processo que se expande na América Latina na segunda metade do século XX, mostra que a revolução industrial “original”, que começou no século XVIII, na Inglaterra, rapidamente se expandiu, primeiramente, pela Europa Ocidental e na América do Norte, em seguida na Europa Oriental, especialmente em 1930 na União Soviética, além da Ásia e a América Central (Cuba), e, igualmente recente, nas ex-colônias europeias da América Latina, seguindo, em sua maioria, os moldes do capitalismo europeu.

A industrialização está ligada diretamente ao processo de migração interna. Ela não altera apenas o meio de produção, sejam técnicas ou uma maior diversidade de produtos, ela altera também, a divisão social do trabalho. Singer (1986) trouxe um ponto de Adam Smith (1988), onde aquele autor considera que “o limite da divisão do trabalho é o tamanho do seu mercado”. Karl Marx (2013), porém, entende que a divisão social do trabalho é mediada pela compra e venda dos produtos de diferentes ramos de trabalho, pela conexão dos trabalhos parciais na manufatura o é pela venda de diferentes forças de trabalho no mercado de trabalho capitalista, assim como pelo emprego combinado de força de trabalho coletiva.

Portanto, a industrialização e a migração interna para as cidades servem, além de suprir um exército industrial, constituem uma superpopulação relativa necessária a expansão da acumulação, ao mesmo tempo que se estabelece um amplo mercado de bens de consumo de trabalhadores, numa lógica que integra em meio urbano o capital, o trabalho e a ação estatal.

Com o aumento demográfico, fruto da dupla condição de atração populacional de outras diversas localidades para suprir força de trabalho necessárias a acumulação capitalista, além do crescimento populacional vegetativo, a cidade ao se expandir torna-se um mercado cada vez mais importante para bens e serviços de consumo. Portanto, a industrialização, naturalmente, faz surgir uma série de novos serviços (educação, pesquisa, governamental, finanças, saúde etc.) uma vez que a própria população e as necessidades capitalistas demandam esses serviços.

Paul Singer demonstra que a criação das desigualdades regionais não é um processo espontâneo, constituindo o motor principal das migrações internas que acompanham a industrialização nos moldes capitalistas. Gunnar Myrdal (1968) já tinha demonstrado que há duas situações de mobilidade do capital: as que se favorecem com isso, acumulando vantagens a partir dos efeitos da difusão do progresso tecnológico e de expansão do capital; e as desfavorecidas, que sofrem um empobrecimento relativo, participando do processo de acumulação, porém com menores ganhos ou rentabilidade decrescente.

Gunnar Myrdal (1968) considera os efeitos que a concentração industrial em determinadas áreas tem sobre as demais. Os efeitos propulsores irradiam o progresso para novas áreas, tornando-as áreas de imigração e não de emigração. Os efeitos regressivos esvaziam as áreas que atingem, tornando-as economicamente decadentes.

Esse fenômeno se repete frequentemente em países não desenvolvidos, como é o caso do Brasil. “A chegada à cidade de migrantes que provêm de áreas em economia de subsistência, debilmente ligadas à divisão nacional do trabalho, não provoca qualquer elevação da demanda pelo produto da economia urbana.

Antes pelo contrário, o afluxo destes migrantes tem um efeito depressivo sobre esta demanda por vários motivos: (i) certo número de migrantes, que consegue se inserir no processo de produção urbano, remete parte de seus ganhos aos parentes que permanecem nas áreas em economia de subsistência, reduzindo o volume da demanda efetiva na cidade; (ii) parte dos migrantes que não conseguem se integrar na economia urbana reproduz na cidade certos traços da economia de subsistência sob a forma de atividades autônomas, geralmente serviços: vendedores ambulantes, carregadores, serviços de reparação etc. Embora tais atividades sejam desenvolvidas no âmbito espacial da cidade, elas não se acham integradas na economia urbana capitalista; (iii) em boa medida, a oferta de força de trabalho consequente da migração à cidade é absorvida pelos serviços domésticos, cujo significado é nulo do ponto de vista da produção social capitalista, podendo ser encarado como um ‘falso emprego’” Singer(1986), porém fundamental para reprodução da força de trabalho, inclusive atuando no rebaixamento da taxa real de salário, algo vislumbrado nos mecanismos de “superexploração” da força de trabalho tratados por autores como Marini (2000) e Santos (2012).

<><> Dependência e formação periférica das cidades latino-americanas

Paul Singer sintetiza o tema da concentração espacial em quatro pontos: os estímulos do mercado, que traduzem e reforçam de uma escala mínima de operação, ao favorecer a concentração empresarial do capital, reforçando a ideia de que as urbanizações ocorrem ao redor dos centros empresariais tratados anteriormente pelo autor.

Outro ponto que leva à uma concentração espacial são os custos de infraestrutura, que parcialmente são cumpridos pelo poder público. A localização da empresa condiciona a localização dos seus dirigentes, a decisão da localização da empresa acaba por favorecer também a concentração espacial. E finalmente, o ônus da concentração demográfica das regiões, representado pelo esvaziamento econômico e demográfico de certas regiões, onde recursos naturais, estruturas urbanas e serviços de infraestrutura passam a ser subutilizados devido a evasão de pessoas para os centros urbanos mais estruturados.

Na América Latina, a cidade também manteve um papel importante na manutenção da relação campo-cidade, tendo em vista que era necessária para a repartição do excedente rural. Parte do excedente era levado para a sede metropolitana (Espanha e Portugal, no período colonial) sob forma de tributos e o resto levado para mercadores que possuíam posições monopolistas. Desta forma, nasce na América Latina, um sistema urbano criado com o objetivo de sustentar o sistema de exploração colonial.

A partir desta posição em que a cidade se encontra, começam a surgir nas cidades uma nova classe de comerciantes, financistas (usuários), transportadores (Singer, 1986). Estes, segundo o autor, alimentavam a importância da cidade como centro político e estratégico, sendo grandes centros de redistribuição de mercadorias entre regiões de uma mesma colônia.

Com o crescimento econômico e o surgimento de novas necessidades nas cidades e no campo, a cidade deixa de ser apenas um espaço comercial e passa a se tornar também um espaço industrial. A indústria sendo uma atividade eminentemente urbana, o seu aparecimento e expansão, torna a cidade latino-americana, pela primeira vez desde a sua conquista produtiva. O rápido processo de urbanização é induzido pelo forte processo de expulsão de população do campo, seja pelos mecanismos de concentração fundiária, seja atraído pelo processo de industrialização.

Neste capítulo, o autor buscou fazer uma análise do estado de São Paulo, sendo reflexo de um processo de urbanização tardio e desajustado. São Paulo é uma das áreas que concentra capital, esvaziando economicamente outras regiões e, naturalmente, das cidades nelas contidas (Singer, 1986).

Ao tratar da metropolização e da concentração de capital na cidade de São Paulo, o autor aponta dois motivos: (i) a concentração de atividades em estabelecimentos cada vez maiores causadas pelas vantagens financeiras e; (ii) a concentração de atividades em determinadas áreas causadas pelas chamadas economias externas de despesas de transporte e comunicações entre empresas complementares.

Paul Singer pontua que as atividades concentradas na metrópole paulista proporcionaram, graças à sua maior produtividade, o excedente requerido somente parcial solução dos problemas gerados pela sua hiper urbanização, porém longe de resolver problemas básicos como falta de saneamento básico, longas horas no transporte público, etc.).

São Paulo é uma cidade que apresenta uma “explosiva” demanda de serviços urbanos. Os mecanismos de mercado falham na sua funcionalidade quando não conseguem equilibrar oferta e demanda. Paul Singer pontua que falham porque a oferta se torna inelástica a curto prazo, quando se esgota a capacidade de produção. É impossível atender uma demanda ascendente de infraestrutura quando as respectivas provedoras de infraestruturas estão saturadas.

O exército industrial de reserva carrega parte deste problema, uma família que migra para São Paulo precisa de trabalho, porém, se não o consegue, não possui fonte de renda, mas ainda é necessária uma habitação, que demanda infraestrutura, serviços urbanos, e afins.

Paul Singer divide as cidades em funções econômicas, onde as cidades do interior são, em geral, centros comerciais de produtos agrícolas, muitas vezes ali mesmo cultivados. Além disso, também apresentam uma série de serviços utilizados pelo seu entorno, tais como escolas, hospitais, guarnições militares, desta maneira, prestam serviços comerciais, administrativos, educacionais etc. As cidades de porte médio, por sua vez, estabelecem “cabeças de zona”, que prestam os mesmos tipos de serviços, porém de forma mais especializada e ampla, produtos de melhor qualidade e maior variedade, melhor nível de escolas, clínicas especializadas, entre outros.

A fim de chegar a uma organização da rede urbana, é preciso que cada núcleo urbano se especialize em algum processo produtivo ou comercial diferente de acordo com a sua localidade e atividade que desenvolve, o que acaba gerando uma rede de comércio entre os núcleos urbanos e dentro destes próprios núcleos. A exemplo de uma cidade grande que possui indústria automobilística, que vende parte dos seus automóveis para cidades médias, que retém parte destes automóveis e faz revenda para as cidades pequenas. Já o caminho inverso é tomado por alimentos, minérios etc. É importante ressaltar que essa dinâmica de troca entre os núcleos urbanos, está em constante transformação, transferência de funções que modificam as circulações de recursos etc.

Após uma análise de núcleos urbanos, é preciso compreender o que ocorre no interior dos componentes dos núcleos urbanos. Uma cidade que possui um parque industrial amplo, parte da produção será consumida pela população da própria cidade, mas importantes parcelas da produção será exportada para outros centros urbanos (ou para outros estados ou países).

O autor conclui que não é possível compreender a dinâmica econômica de uma cidade, sem situá-la no contexto da rede urbana à qual pertence, e sem analisar as funções especializadas que exerce. A quantidade e a importância das funções afetam diretamente o tamanho das cidades, principalmente a sua economia e as suas perspectivas de crescimento.

<><> Considerações finais

A análise de Paul Singer sobre a economia política da urbanização em diversos aspectos mantém sua atualidade e contribuição para se pensar tanto o desenvolvimento urbano capitalista, quanto formas de regulação deste tipo de sociedade, principalmente nas sociedades periféricas, como a brasileira.

Assim, o autor estabelece, por exemplo, pontos importantes sobre a formação e o planejamento das metrópoles, em especial as da América Latina que dividem uma problemática de desigualdade comum. O autor tratou da formação das relações campo-cidade, mostrando a integração e o grau de interação entre os fenômenos urbanos e rurais, desfazendo a clássica dualidade que os modelos econômicos convencionais estabelecem.

O autor desenvolveu, ainda, a problemática macro da América Latina, considerando os fatores de “marginalização” da população que, principalmente, não consegue se inserir no mercado de trabalho. Por mais que o autor, ao nosso ver, ainda mantenha uma compreensão dualista do mercado de trabalho, não aprofundando os aspectos, em grande medida já observados por Marx (2013) de que a desocupação é uma condição estrutural do capitalismo, porém Singer (1986) desenvolve a central compreensão da relação entre a superpopulação relativa e a formação periférica das cidades latino-americanas.

Economia política da urbanização segue sendo um livro atualíssimo, tratando das formações das cidades e das consequências das ações capitalistas, que fomentam as análises das dinâmicas urbanas no século XXI na América Latina, exemplo de uma construção teórica e empírica inspirado na radicalidade marxista.

 

Fonte: Por Athos de Oliveira Sampaio  e José Raimundo Trindade, em A Terra é Redonda

 

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