Economia
política da urbanização
Economia
Política da Urbanização de Paul Singer é uma obra hoje clássica da economia
política brasileira, lançada em primeira edição em 1973, demonstra como o
processo de urbanização está ligado intrinsecamente ao desenvolvimento do
capitalismo. O autor se baseia no processo de formação das cidades, buscando
integrar um conjunto de vetores como as relações de exploração econômica no
meio rural, buscando seus excedentes para alimentar a cidade, as migrações
internas e os problemas daí decorrentes.
Vale
denotar que Paul Singer foi um dos mais relevantes autores marxistas
brasileiros da contemporaneidade, como uma vasta obra que buscou desenvolver o
marxismo e, ao mesmo tempo, lidar com as especificidades da realidade
brasileira.
Os
objetivos da obra estão ligados diretamente à análise das relações
campo-cidade, assim como o processo de marginalização e as relações de
dependência do capital-comercial ao imperialismo, e, a partir disto,
compreender as semelhanças dos países da América Latina, que passaram por um
processo de industrialização tardio.
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Relação urbano e rural e a formação histórica do capitalismo
O autor
mostra como as cidades se formam, tratando das relações de classes que envolve
a extração de excedentes do campo rural, passa para um êxodo rural e trata,
também, das problemáticas da urbanização no processo de formação do
capitalismo, especialmente do capitalismo periférico latino-americano. Paul
Singer exemplifica com São Paulo para falar do processo de desenvolvimento da
urbanização, tratando especialmente do exército industrial de reserva e a
expulsão da população de baixa renda.
A
relação campo-cidade é caracterizada por um contraste, onde o campo pode ser
autossuficiente. Isto é de suma importância para garantir a relação de classes
entre a cidade e o campo, uma vez que a classe dominante (residente na cidade)
utiliza dos excedentes do campo para suprir as suas necessidades. O campo,
portanto, pode subsistir sem a cidade, porém num estado letárgico e de lento
desenvolvimento.
De
acordo com Paul Singer, a população é retirada do campo e levada para a cidade,
causando um salto para diante das forças produtivas. A cidade deixa de ser
apenas exploratória e passa também a ser centros de produção, acarretando uma
luta de classes entre senhores e servos, causando uma redefinição do seu
caráter, quando o excedente que continua a vir do campo como valor de uso,
transformando-se na mão de uma nova classe dominante, em mercadoria.
A
cidade então, deixa de ser uma sede da antiga classe dominante rural e passa a
ser o centro de uma classe rival de mercadores, especuladores, coletores de
impostos, etc.
A
expansão do cenário urbano trouxe também uma expansão da divisão de trabalho,
acarretando uma divisão entre diversos núcleos urbanos e socialmente
identificados com uma mais ampla divisão social do trabalho. A condição, de
acordo com Paul Singer, é que esta fosse unificada sob um domínio de poder
centralizado. Esta relação não ocorre de maneira espontânea.
O
crescimento da cidade leva a um aumento da necessidade de excedentes do campo,
que por consequência, precisa aumentar a sua produção para sanar suas
necessidades. Ou seja, em uma análise simplista, a cidade continua explorando o
campo, sendo uma das bases do capitalismo, que Marx previamente apontou. Paul
Singer pontua que o capitalismo surge na cidade, no centro dinâmico de uma
economia urbana, no seio da sociedade feudal, na Europa, no século XIII.
A
partir desta relação, nasceu então, a aliança entre o capital comercial e a
autocracia real, que visava manter forte a unificação política da cidade,
regida por uma burguesia, que visava um monopólio comercial mediante a expansão
colonial, além da abolição de paredes internas ao comércio. Assim, o capital
comercial triunfa sobre a hierarquização feudal, abrindo caminho para os
avanços das forças produtivas.
Para
Paul Singer, o resultado deste processo é a industrialização, sendo
necessariamente um fenômeno urbano. A indústria exige nas suas proximidades uma
grande quantidade de trabalhadores, causando um efeito duplo: se a indústria
não surge na cidade, a cidade surge ao redor da indústria.[ii] Para produzir, a
indústria precisa de uma infraestrutura que nas condições históricas postas
apenas o espaço urbano pode suprir (transportes, armazenamento, energia etc.).
Assim,
a burguesia industrial toma o poder da cidade e o capital comercial perde seus
privilégios monopolísticos, fazendo com que se torne apenas um mero
intermediário.
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Processo migratório e superpopulação relativa
Paul
Singer analisa as migrações internas (campo à cidade) dos países em processo de
industrialização. Esse processo que se expande na América Latina na segunda
metade do século XX, mostra que a revolução industrial “original”, que começou
no século XVIII, na Inglaterra, rapidamente se expandiu, primeiramente, pela
Europa Ocidental e na América do Norte, em seguida na Europa Oriental,
especialmente em 1930 na União Soviética, além da Ásia e a América Central
(Cuba), e, igualmente recente, nas ex-colônias europeias da América Latina,
seguindo, em sua maioria, os moldes do capitalismo europeu.
A
industrialização está ligada diretamente ao processo de migração interna. Ela
não altera apenas o meio de produção, sejam técnicas ou uma maior diversidade
de produtos, ela altera também, a divisão social do trabalho. Singer (1986)
trouxe um ponto de Adam Smith (1988), onde aquele autor considera que “o limite
da divisão do trabalho é o tamanho do seu mercado”. Karl Marx (2013), porém,
entende que a divisão social do trabalho é mediada pela compra e venda dos
produtos de diferentes ramos de trabalho, pela conexão dos trabalhos parciais
na manufatura o é pela venda de diferentes forças de trabalho no mercado de
trabalho capitalista, assim como pelo emprego combinado de força de trabalho
coletiva.
Portanto,
a industrialização e a migração interna para as cidades servem, além de suprir
um exército industrial, constituem uma superpopulação relativa necessária a
expansão da acumulação, ao mesmo tempo que se estabelece um amplo mercado de
bens de consumo de trabalhadores, numa lógica que integra em meio urbano o
capital, o trabalho e a ação estatal.
Com o
aumento demográfico, fruto da dupla condição de atração populacional de outras
diversas localidades para suprir força de trabalho necessárias a acumulação
capitalista, além do crescimento populacional vegetativo, a cidade ao se
expandir torna-se um mercado cada vez mais importante para bens e serviços de
consumo. Portanto, a industrialização, naturalmente, faz surgir uma série de
novos serviços (educação, pesquisa, governamental, finanças, saúde etc.) uma
vez que a própria população e as necessidades capitalistas demandam esses
serviços.
Paul
Singer demonstra que a criação das desigualdades regionais não é um processo
espontâneo, constituindo o motor principal das migrações internas que
acompanham a industrialização nos moldes capitalistas. Gunnar Myrdal (1968) já
tinha demonstrado que há duas situações de mobilidade do capital: as que se
favorecem com isso, acumulando vantagens a partir dos efeitos da difusão do
progresso tecnológico e de expansão do capital; e as desfavorecidas, que sofrem
um empobrecimento relativo, participando do processo de acumulação, porém com
menores ganhos ou rentabilidade decrescente.
Gunnar
Myrdal (1968) considera os efeitos que a concentração industrial em
determinadas áreas tem sobre as demais. Os efeitos propulsores irradiam o
progresso para novas áreas, tornando-as áreas de imigração e não de emigração.
Os efeitos regressivos esvaziam as áreas que atingem, tornando-as
economicamente decadentes.
Esse
fenômeno se repete frequentemente em países não desenvolvidos, como é o caso do
Brasil. “A chegada à cidade de migrantes que provêm de áreas em economia de
subsistência, debilmente ligadas à divisão nacional do trabalho, não provoca
qualquer elevação da demanda pelo produto da economia urbana.
Antes
pelo contrário, o afluxo destes migrantes tem um efeito depressivo sobre esta
demanda por vários motivos: (i) certo número de migrantes, que consegue se
inserir no processo de produção urbano, remete parte de seus ganhos aos
parentes que permanecem nas áreas em economia de subsistência, reduzindo o
volume da demanda efetiva na cidade; (ii) parte dos migrantes que não conseguem
se integrar na economia urbana reproduz na cidade certos traços da economia de
subsistência sob a forma de atividades autônomas, geralmente serviços:
vendedores ambulantes, carregadores, serviços de reparação etc. Embora tais
atividades sejam desenvolvidas no âmbito espacial da cidade, elas não se acham
integradas na economia urbana capitalista; (iii) em boa medida, a oferta de
força de trabalho consequente da migração à cidade é absorvida pelos serviços
domésticos, cujo significado é nulo do ponto de vista da produção social
capitalista, podendo ser encarado como um ‘falso emprego’” Singer(1986), porém
fundamental para reprodução da força de trabalho, inclusive atuando no
rebaixamento da taxa real de salário, algo vislumbrado nos mecanismos de
“superexploração” da força de trabalho tratados por autores como Marini (2000)
e Santos (2012).
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Dependência e formação periférica das cidades latino-americanas
Paul
Singer sintetiza o tema da concentração espacial em quatro pontos: os estímulos
do mercado, que traduzem e reforçam de uma escala mínima de operação, ao
favorecer a concentração empresarial do capital, reforçando a ideia de que as
urbanizações ocorrem ao redor dos centros empresariais tratados anteriormente
pelo autor.
Outro
ponto que leva à uma concentração espacial são os custos de infraestrutura, que
parcialmente são cumpridos pelo poder público. A localização da empresa
condiciona a localização dos seus dirigentes, a decisão da localização da
empresa acaba por favorecer também a concentração espacial. E finalmente, o
ônus da concentração demográfica das regiões, representado pelo esvaziamento
econômico e demográfico de certas regiões, onde recursos naturais, estruturas
urbanas e serviços de infraestrutura passam a ser subutilizados devido a evasão
de pessoas para os centros urbanos mais estruturados.
Na
América Latina, a cidade também manteve um papel importante na manutenção da
relação campo-cidade, tendo em vista que era necessária para a repartição do
excedente rural. Parte do excedente era levado para a sede metropolitana
(Espanha e Portugal, no período colonial) sob forma de tributos e o resto
levado para mercadores que possuíam posições monopolistas. Desta forma, nasce
na América Latina, um sistema urbano criado com o objetivo de sustentar o
sistema de exploração colonial.
A
partir desta posição em que a cidade se encontra, começam a surgir nas cidades
uma nova classe de comerciantes, financistas (usuários), transportadores
(Singer, 1986). Estes, segundo o autor, alimentavam a importância da cidade
como centro político e estratégico, sendo grandes centros de redistribuição de
mercadorias entre regiões de uma mesma colônia.
Com o
crescimento econômico e o surgimento de novas necessidades nas cidades e no
campo, a cidade deixa de ser apenas um espaço comercial e passa a se tornar
também um espaço industrial. A indústria sendo uma atividade eminentemente
urbana, o seu aparecimento e expansão, torna a cidade latino-americana, pela
primeira vez desde a sua conquista produtiva. O rápido processo de urbanização
é induzido pelo forte processo de expulsão de população do campo, seja pelos
mecanismos de concentração fundiária, seja atraído pelo processo de
industrialização.
Neste
capítulo, o autor buscou fazer uma análise do estado de São Paulo, sendo
reflexo de um processo de urbanização tardio e desajustado. São Paulo é uma das
áreas que concentra capital, esvaziando economicamente outras regiões e,
naturalmente, das cidades nelas contidas (Singer, 1986).
Ao
tratar da metropolização e da concentração de capital na cidade de São Paulo, o
autor aponta dois motivos: (i) a concentração de atividades em estabelecimentos
cada vez maiores causadas pelas vantagens financeiras e; (ii) a concentração de
atividades em determinadas áreas causadas pelas chamadas economias externas de
despesas de transporte e comunicações entre empresas complementares.
Paul
Singer pontua que as atividades concentradas na metrópole paulista
proporcionaram, graças à sua maior produtividade, o excedente requerido somente
parcial solução dos problemas gerados pela sua hiper urbanização, porém longe
de resolver problemas básicos como falta de saneamento básico, longas horas no
transporte público, etc.).
São
Paulo é uma cidade que apresenta uma “explosiva” demanda de serviços urbanos.
Os mecanismos de mercado falham na sua funcionalidade quando não conseguem
equilibrar oferta e demanda. Paul Singer pontua que falham porque a oferta se
torna inelástica a curto prazo, quando se esgota a capacidade de produção. É
impossível atender uma demanda ascendente de infraestrutura quando as
respectivas provedoras de infraestruturas estão saturadas.
O
exército industrial de reserva carrega parte deste problema, uma família que
migra para São Paulo precisa de trabalho, porém, se não o consegue, não possui
fonte de renda, mas ainda é necessária uma habitação, que demanda
infraestrutura, serviços urbanos, e afins.
Paul
Singer divide as cidades em funções econômicas, onde as cidades do interior
são, em geral, centros comerciais de produtos agrícolas, muitas vezes ali mesmo
cultivados. Além disso, também apresentam uma série de serviços utilizados pelo
seu entorno, tais como escolas, hospitais, guarnições militares, desta maneira,
prestam serviços comerciais, administrativos, educacionais etc. As cidades de
porte médio, por sua vez, estabelecem “cabeças de zona”, que prestam os mesmos
tipos de serviços, porém de forma mais especializada e ampla, produtos de
melhor qualidade e maior variedade, melhor nível de escolas, clínicas
especializadas, entre outros.
A fim
de chegar a uma organização da rede urbana, é preciso que cada núcleo urbano se
especialize em algum processo produtivo ou comercial diferente de acordo com a
sua localidade e atividade que desenvolve, o que acaba gerando uma rede de
comércio entre os núcleos urbanos e dentro destes próprios núcleos. A exemplo
de uma cidade grande que possui indústria automobilística, que vende parte dos
seus automóveis para cidades médias, que retém parte destes automóveis e faz
revenda para as cidades pequenas. Já o caminho inverso é tomado por alimentos,
minérios etc. É importante ressaltar que essa dinâmica de troca entre os
núcleos urbanos, está em constante transformação, transferência de funções que
modificam as circulações de recursos etc.
Após
uma análise de núcleos urbanos, é preciso compreender o que ocorre no interior
dos componentes dos núcleos urbanos. Uma cidade que possui um parque industrial
amplo, parte da produção será consumida pela população da própria cidade, mas
importantes parcelas da produção será exportada para outros centros urbanos (ou
para outros estados ou países).
O autor
conclui que não é possível compreender a dinâmica econômica de uma cidade, sem
situá-la no contexto da rede urbana à qual pertence, e sem analisar as funções
especializadas que exerce. A quantidade e a importância das funções afetam
diretamente o tamanho das cidades, principalmente a sua economia e as suas
perspectivas de crescimento.
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Considerações finais
A
análise de Paul Singer sobre a economia política da urbanização em diversos
aspectos mantém sua atualidade e contribuição para se pensar tanto o
desenvolvimento urbano capitalista, quanto formas de regulação deste tipo de
sociedade, principalmente nas sociedades periféricas, como a brasileira.
Assim,
o autor estabelece, por exemplo, pontos importantes sobre a formação e o
planejamento das metrópoles, em especial as da América Latina que dividem uma
problemática de desigualdade comum. O autor tratou da formação das relações
campo-cidade, mostrando a integração e o grau de interação entre os fenômenos
urbanos e rurais, desfazendo a clássica dualidade que os modelos econômicos
convencionais estabelecem.
O autor
desenvolveu, ainda, a problemática macro da América Latina, considerando os
fatores de “marginalização” da população que, principalmente, não consegue se
inserir no mercado de trabalho. Por mais que o autor, ao nosso ver, ainda
mantenha uma compreensão dualista do mercado de trabalho, não aprofundando os
aspectos, em grande medida já observados por Marx (2013) de que a desocupação é
uma condição estrutural do capitalismo, porém Singer (1986) desenvolve a
central compreensão da relação entre a superpopulação relativa e a formação
periférica das cidades latino-americanas.
Economia
política da urbanização segue sendo um livro atualíssimo, tratando das
formações das cidades e das consequências das ações capitalistas, que fomentam
as análises das dinâmicas urbanas no século XXI na América Latina, exemplo de
uma construção teórica e empírica inspirado na radicalidade marxista.
Fonte:
Por Athos de Oliveira Sampaio e José
Raimundo Trindade, em A Terra é Redonda

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