A
corrida contra o tempo para descobrir espécies da Amazônia antes que
desapareçam
Quando
o biólogo Rodrigo Costa Araújo, especialista em primatas, decidiu fazer seu
doutorado, ele voltou os olhos para os saguis no Arco do Desmatamento na
Amazônia, região de 500 mil km² que vai do Maranhão até o Pará e engloba também
os estados de Mato Grosso, Rondônia e Acre e que tem um dos maiores índices de
destruição da floresta.
Araújo
se embrenhou nas matas para tentar preencher as lacunas de conhecimento sobre
espécies de saguis e impulsionado pela urgência de se conhecer o máximo
possível sobre esses primatas para tentar impedir que a floresta Amazônica
sofra a mesma deterioração que a Mata Atlântica, o bioma mais devastado do
Brasil, com apenas um quarto de sua área original.
"Essa
é a informação mais básica que a gente precisa para conservar a
biodiversidade", diz Araújo, que, nos últimos 15 anos, vem tentando
entender quantas espécies de macacos existem, quais são e onde estão.
Essa
tem sido uma preocupação de outros pesquisadores, que esbarram nesta missão
empecilhos como profissionais e recursos suficientes para fazer as expedições
para explorar a imensidão da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.
Enquanto
isso, a floresta já perdeu 17% de suas áreas de vegetação nativa, segundo o
MapBiomas. A resistência a incêndios florestais da Amazônia parece estar
diminuindo em certas regiões.
Alguns
cientistas receiam que o desmatamento e as mudanças climáticas estejam
aproximando o bioma esteja de seu "ponto de não retorno", do qual a
floresta não conseguirá se recuperar.
A
pesquisa de doutorado de Araújo, concluída há cinco anos, revelou ao mundo duas
espécies de saguis, que entraram imediatamente para a lista de espécies
ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza
(IUCN).
No
trabalho, o primatologista também fez um banco de dados de 99% das espécies de
sagui a partir de análise do DNA.
Ele
também criou um banco de dados das espécies de sagui do sul da Amazônia com
informações sobre a distribuição geográfica e as características físicas dos
animais.
Uma
terceira espécie de macaco, habitante do Arco do Desmatamento ao norte do Mato
Grosso, foi descrita por Araújo, bem como por outros pesquisadores em artigo
publicado em 2018, e entrou para a lista da IUCN com grau máximo de risco de
extinção.
O
Plecturocebus grovesi está entre as 25 espécies de primatas mais ameaçadas do
mundo, segundo a organização.
Em 11
de novembro, o primatologista voltou a mergulhar na Amazônia em uma expedição
de 40 dias em busca de possíveis novas espécies que viu enquanto trabalhava em
seu doutorado.
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Celeiro de biodiversidade
Um
estudo publicado em 2021 na revista Nature destacou que 10,4% das descobertas
em potencial de novas espécies de vertebrados terrestres estão no Brasil, a
maior porcentagem entre os países analisados.
Desses
percentual do Brasil, 53% estão nas florestas tropicais úmidas, como a Amazônia
e Mata Atlântica, diz o autor do estudo, Mario Moura, professor da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB).
Para
chegar a essas conclusões, ele construiu um modelo estatístico para estimar a
probabilidade de descoberta de novos vertebrados a partir de características
tanto das espécies como das regiões onde ocorrem.
Foram
analisadas quase 33 mil espécies para revelar o padrão emergente, isso é, para
identificar os tipos de espécies e regiões onde as descobertas de novas
espécies são mais prováveis.
Com
isso, o pesquisador calculou a probabilidade que cada espécie teria de ser
descrita e, em seguida, fez a média dessa probabilidade de acordo com a área em
que a espécie ocorre.
A
porcentagem que resultou desse cálculo representa a estimativa de espécies
descobertas na região. A partir disso, é possível saber também as que ainda não
foram descobertas.
No
Brasil, estima-se que a maior parte (48%) das espécies a serem descritas são de
répteis, seguido por anfíbios (27%), mamíferos (20%) e aves (5%). Moura explica
que animais pequenos e restritos a poucas localidades são mais difíceis de
serem descobertos.
O menor
apelo popular dos répteis e anfíbios também influenciou no número de
descobertas feitas até hoje, por isso o potencial de novas espécies entre esses
animais é maior.
Moura
nota que há um movimento para descrever novas espécies por parte dos
pesquisadores, porém eles estão pulverizados. Falta uma integração nacional ou
mesmo internacional dos esforços para desvendar as espécies desconhecidas dos
países de alta biodiversidade da Amazônia, diz o pesquisador.
No
Brasil, ele aponta como agravante a mudança do nível de incentivo a esse tipo
de trabalho conforme mudam os governos, que podem estar mais ou menos
interessados na preservação ambiental, porque isso afeta a oferta de
recorrentes e a manutenção de programas de longo prazo.
Um
estudo publicado na revista Conservation Biology em 2014 aponta o prejuízo que
isso pode causa.
A
pesquisa estimou que de 15% a 59% dos vertebrados, a depender do grupo a que os
animais pertencem e da região habitada, desapareceram antes mesmo de serem
descritas.
A
professora Ana Prudente, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), é especialista
em taxonomia de répteis e explica que diversos fatores contribuem para que a
Amazônia tenha tantas espécies ainda a serem descobertas.
Um
deles é dificuldade para alcançar regiões de difícil acesso, o que torna
necessário o uso de barco ou helicópteros.
Há
também a grande extensão da floresta em comparação com poucos taxonomistas que
vivem e trabalham ali, o que contribui para o número limitado de expedições.
A
Amazônia, por sua vez, conta com diferentes ambientes, alguns deles não existem
em outra parte do mundo. Isso favorece a biodiversidade e o endemismo, ou seja,
espécies que acontecem apenas naquele local.
Ao
longo de sua carreira, Prudente já descreveu 31 espécies de cobra e relata que,
em seu trabalho, o atual ritmo de extinção das espécies é uma preocupação
constante.
Para
acelerar o ritmo de descoberta de espécies, diz ela, é preciso gente,
especialmente para fazer uma ciência colaborativa para potencializar a produção
e o compartilhamento de conhecimento.
Prudente
coordena o grupo de pesquisa Sistemática, Biogeografia e Evolução de Répteis e
Anfíbios Neotropicais e conta com o apoio de estudantes para fazer a descrição
das espécies e de pesquisadores de outras instituições. Mas falta outro
professor no museu que também trabalhe com descrição de cobras e lagartos, diz
a pesquisadora.
"Ter
outro pesquisador trabalhando com a descrição de cobras, lagartos e sapos,
seria fundamental para que eu possa me aposentar tranquilamente e saber que
tudo que fiz terá continuação", diz.
Ainda
que cada vez mais mestres e doutores em biologia se formem no Norte do país, a
região não consegue absorver essa mão de obra, dizem pesquisadores ouvidos pela
reportagem.
Rodrigo
Costa Araújo diz que foi um dos exemplos desse problema. "Eu tive que sair
do Brasil durante o governo Bolsonaro, porque simplesmente não tinha trabalho
para mim aqui", relata.
Ele se
mudou para a Alemanha, onde passou os últimos três anos. "Agora retornei
com a mudança na perspectiva governamental e a volta dos dos investimentos na
ciência", conta o primatologista.
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Políticas para descobrir a biodiversidade
A
descoberta de uma espécie exige uma série de políticas públicas para sua
preservação, como a criação de unidades de conservação, diz Araújo. O setor
privado também precisa levar em consideração o impacto sobre os seres vivos de
grandes empreendimentos de mineração, hidrelétricas e sistemas de transmissão
de energia elétrica.
A
descoberta de espécies com a consequente criação de medidas para conservá-las
foi, aliás, um dos motivos para a redução da taxa de extinção de alguns grupos
de plantas e animais nos últimos cem anos. O estudo feito pela Universidade do
Arizona, nos Estados Unidos, mostra que taxas de extinção aumentaram nos
últimos 500 anos, mas há 100 anos tiveram seu pico.
Na
Amazônia, a destruição pode chegar muito mais rápido do que o conhecimento
dessas espécies. De acordo com Araújo, enquanto a ciência e a conservação
caminham lentamente, a exploração econômica já se expandiu para diversos
lugares.
"Enquanto
estou querendo chegar a um lugar que para a ciência é desconhecido, os
madeireiros, a mineração já chegou lá", diz Araújo.
Levantamento
do MapBiomas indica que, nos últimos 40 anos, a Amazônia perdeu 52 milhões de
hectares, o equivalente a 13% de sua área total. A expansão das zonas
modificadas pelo ser humano é recente, 83% delas surgiram entre 1985 e 2024.
Mas,
para Araújo, há outra razão que justifica o esforço para descoberta de novas
espécies, o desejo de desvendar o que existe no planeta.
"A
curiosidade de fazer de descoberta, de descobrir uma coisa nova, de trazer isso
para as pessoas, isso são coisas que me movem também. Acho que movem todos os
cientistas", diz o primatologista.
Em 1998
surgiu a Iniciativa Global de Taxonomia (GTI) durante a COP4, que aconteceu em
Buenos Aires, na Argentina. A iniciativa foi uma resposta para a capacidade
insuficiente de descobrir espécies, em especial, em países em desenvolvimento.
Durante
a COP4 um dos principais pontos foi a criação do Plano de Ação de Buenos Aires
que tinha o objetivo de fixar mecanismos para implementação do Protocolo de
Kyoto, aprovado na conferência do ano anterior com o objetivo de reduzir
emissões de gases do efeito estufa.
Neste
ano, ficou ao encargo da COP definir o Objetivo Global de Adaptação, que
pretende estabelecer metas claras para verificar como os países têm se adaptado
às mudanças climáticas.
A falta
de taxonomistas, cientistas que se dedicam a nomear, descrever e classificar
organismos continua a ser um gargalo global na descoberta da biodiversidade,
conforme editorial de 2024 publicado na revista Journal of Bioscience and
Environment Research.
No
Brasil, poucos editais estão destinados de forma específica à taxonomia,
segundo Rodrigo Costa Araújo. Um deles é o Programa de Apoio a Projetos de
Pesquisas para a Capacitação e Formação de Recursos Humanos em Taxonomia
Biológica (Protax). Desde 2005, o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) tem lançado o Protax a cada quatro ou cinco
anos. A última edição, de 2024, contou com investimento de R$ 14 milhões.
No
âmbito da Amazônia, a Iniciativa Amazônia +10 financiou em sua última chamada
expedições científicas para aumentar o conhecimento sobre a sociobiodiversidade
amazônica. A iniciativa, cujo edital foi divulgado pelo CNPq, selecionou 20
projetos para um orçamento total de R$ 78,2 milhões.
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Novos métodos para descobrir espécies
Um dos
projetos selecionados pela Amazônia +10 foi coordenado pelo botânico Charles
Zartman, professor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O
objetivo é descrever o maior número de espécies de plantas e fungos na região
da Cabeça do Cachorro no Alto Rio Negro, área caracterizada por ser um
epicentro de biodiversidade.
A
equipe pôde realizar duas expedições: uma em julho e outra em outubro deste
ano. Apesar de se sentir grato pela oportunidade de realizar a expedição,
Zartman lembra que ainda não é o suficiente para desvendar a biodiversidade da
floresta.
Entre
os parceiros do projeto, está a Universidade de Brasília (UnB), que colabora
com um método de catalogação que pode acelerar a descoberta de novas espécies.
Nele, os pesquisadores extraem e sequenciam o DNA a partir de uma pequena
amostra dos organismos que possibilita criar um banco de dados de quais
espécies existem em determinado local.
Caso,
ao sequenciar um DNA, os pesquisadores verifiquem que o material ainda não está
no banco de dados, isso significa uma nova espécie em potencial. Cabe, então,
ao taxonomista procurar a espécie correspondente DNA para descrevê-la de modo
formal, explica o professor Paulo Câmara, do Departamento de Botânica da UnB,
que parte do projeto.
O
método pode acelerar a descoberta de novas espécies ao dar uma visão mais ampla
da biodiversidade e das áreas que ainda contam com muitos DNAs não
identificados.
Por ser
uma área isolada e território indígena, as plantas da região têm menor risco de
extinção do que aquelas no epicentro do desmatamento. Mas Câmara diz que mesmo
lá, espécies ainda correm o risco de desaparecer, já que as áreas também sofre
certa pressão econômica.
"É
por isso que a gente está usando esse método, porque como o desmatamento, o
desaparecimento de espécies é muito rápido, a gente sabe que usar a taxonomia
clássica não vai conseguir suprir", diz Câmara.
Fonte:
BBC News Brasil

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