Novas
revelações sobre a parceria do governo dos EUA com a Lava Jato
Uma
reunião realizada entre membros da Força-Tarefa Lava Jato e membros do governo
americano no MPF RJ em janeiro de 2016 passou despercebida da opinião pública –
até agora.
Segundo
um documento confidencial obtido pela Agência Pública, a reunião que durou dois
dias (28 e 29 de janeiro) reuniu altos membros do MPF e executivos da SEC, a
comissão de valores mobiliários do governo americano, que discutiram pormenores
do acordo para dividir a verba da multa da Petrobras, incluindo “quais seriam
os destinos aceitáveis” e como os brasileiros poderiam usá-lo, mais uma
indicação que a criação da Fundação da Lava Jato fez parte das tratativas com
os norte-americanos.
O
documento em questão estava entre os arquivos reunidos no celular de Deltan
Dallagnol que foram obtidos pela Polícia Federal na Operação Spoofing. Ele faz
parte de novos documentos obtidos pelas repórteres da Pública durante a
apuração para a audiossérie Confidencial – As Digitais do FBI na Lava Jato,
lançada em parceria com a Audible em setembro.
Durante
a reunião, os procuradores americanos também ficaram sabendo de outras
apurações que envolviam funcionários americanos de empresas investigadas pelo
MPF. Entre elas, funcionários da petroquímica Braskem, das empresas de serviços
de perfuração em alto-mar Ensco/Pride e Vintage Drilling, e da empresa de venda
de asfalto Sargeant Marine.
Outros
temas ainda mais sensíveis chamaram a atenção dos investigadores americanos. A
procuradora Laura Tessler fez uma apresentação trazendo “visão geral das
evidências que a MPF possui em relação à Rodovia Transoceânica”. Ou seja, a
Rodovia Transoceânica, que [ligaria] o noroeste do Brasil ao litoral sul do
Peru – um projeto de importância estratégica – também estava na mira dos
procuradores, e era de interesse do governo norte-americano.
Laura
Tessler também apresentou aos visitantes o caso da Refinaria de Passadena, pelo
qual a então presidente Dilma Rousseff estava sendo investigada – e foi depois
inocentada.
Do lado
brasileiro, participaram da reunião os procuradores Deltan Dallagnol, Paulo
Galvão, Diogo Castor de Mattos, Roberson Henrique Pozzobon, Laura Gonçalves
Tessler e Vladimir Aras. O grupo da SEC incluía os advogados Spencer Bendell,
Kara Brockmeyer, Lance Jasper, Samantha Martin, Jonathan Scott e Carlos Costa
Rodrigues.
O
advogado Lance Jasper, que hoje é sócio de um escritório privado de advocacia
em Los Angeles, lembrou em entrevista para a audiossérie sobre essa reunião.
“Eu me
lembro de que foi uma época muito interessante para estar no Brasil, uma época
muito intensa”, disse. “Me lembro de ser um momento muito sério para estar no
Brasil e tentei ser respeitoso quanto a isso”.
“Quanto
à investigação da Petrobras, e falando apenas do ponto de vista da SEC e do que
está disponível no registro público, não foi um caso típico do FCPA”, disse
ele, referindo-se à lei Foreing Corrupt Practices Act, que permite ao governo
dos EUA investigar casos de corrupção internaciona. “Porque não se tratava de
alguém subornando um funcionário para conseguir um contrato ou acesso a algo.
Era um esquema de apadrinhamento político, onde os benefícios para a Petrobras
como empresa eram muito menos claros”
Para
ele, entretanto, não havia interesse estratégico do governo norte-americano na
parceria com a Lava Jato. Ele diz que a corrupção na petroleira brasileira “se
tornou problema dos Estados Unidos quando a Petrobras veio e vendeu 10 bilhões
de dólares em valores mobiliários”. A SEC monitora todas as empresas que vendem
ações na bolsa de Nova York e fez parte, junto com o Departamento de Justiça,
das investigações contra a Petrobras que renderam uma multa milionária ao
governo dos EUA – 853 milhões de dólares, a maior já obtida até então com um
acordo de leniência por corrupção internacional.
Essa
foi a terceira reunião entre os membros da Força-Tarefa e o governo
norte-americano registrada pelos documentos vazados. A primeira ocorreu entre 6
e 9 de outubro de 2015 e foi feita de maneira ilegal, por não ter sido avisada
e nem aprovada pelo Ministério da Justiça. A revelação foi feita pela Agência
Pública em parceria com o The Intercept Brasil.
Mas
aquela primeira visita pode ter sido mais importante para o governo americano
do que se sabia antes. Segundo outro documento obtido pela reportagem para a
audiossérie, vieram para o Brasil mais representantes do governo americano
naquela mesma época.
A
revelação consta de uma lista de vistos concedidos a representantes do governo
americano para o Brasil nos anos de 2015 e 2016. A lista foi enviada pela
Secretaria de Estado das Relações Exteriores do Itamaraty ao Deputado Federal
Ivan Valente após um pedido de esclarecimentos.
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Agentes do FBI
A lista
revela que dois agentes do FBI, Michele Marie Tucker e Michael Roderick, vieram
ao Brasil de 14 a 18 de setembro de 2015, aos cuidados do adido legal Steven L
Moore, que esteve envolvido nas investigações da Lava-Jato e esteve na visita à
sede do MPF em Curitiba.
Outros
agentes do FBI que obtiveram visto para ir à Curitiba entre 3 e 10 de outubro
foram Mark Schweers e Jeff Pfeiffer. Mas, na mesma semana, os advogados da SEC
Spencer Evan Bendell e Lance Jasper
também vieram ao Brasil para participar da visita à Curitiba, e não estavam na
lista oficial entregue por Deltan Dallagnol à PGR.
Além
deles, outros nomes chamam a atenção: os agentes do FBI Deborah Ann Washignton
e Christopher Joseph Sedmak vieram aos Brasil entre setembro e outubro de 2015
para prestar assistência ao adido Steve Moore.
O
documento revela ainda que a agente Leslie Backshies, agente filha de
brasileiros e que chegou a comandar o esquadrão de corrupção internacional do
FBI, veio mais vezes ao Brasil do que se sabia. Há um registro de entrada entre
14 e 18 de julho de 2017. A visita chama a atenção porque ocorreram pouco antes
a assinatura do acordo do governo americano com a Petrobrás, em setembro de
2017.
Leslie
era uma das principais investigadoras envolvidas nos casos de corrupção
envolvendo a Petrobras e Odebrecht, e foi descrita pelo seu chefe do FBI como
tendo feito “um trabalho tremendo” e “crítico para o FBI” durante a parceria
com o MPF de Curitiba. Sua trajetória foi retratada em uma reportagem da Pública em 2020.
Outros
funcionários do governo americano estiveram por aqui naquela mesma época.
Entre
os dias entre 12 e 16 de agosto de 2017, o procurador do Departamento de
Justiça dos EUA, Mark Edward Bini, esteve em SP, aos cuidados de Deltan
Dallagnol.
Thimothy
S Pack, descrito como um “funcionário do FBI” vem “para prestar assistência
administrativa” a Steve L Moore” de 10 a 27 de setembro de 2015.
O
documento do Itamaraty também traz nomes de agentes secretos, militares e
agentes da DEA que vieram ao Brasil no mesmo período – e que não têm relação
com a investigação da Lava Jato. Abaixo, publicamos o documento na íntegra.
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“Hawala Dealers”
A
relação com os americanos mais além da parceria é demonstrada por outro
documento vazado, uma apresentação em PowerPoint feito por Deltan Dallagnol
para uma apresentação sobre a Força-Tarefa Lava Jato na Universidade de
Harvard, nos EUA, em abril de 2016.
No
documento, Deltan explica que a origem da lava jato teve como origem o
monitoramento de operadores Hawala Dealers – os doleiros –, uma comunidade que
atraía enorme interesse e monitoramento do governo americano, segundo um
documento diplomático da embaixada dos EUA em Assunção vazado pelo WikiLeaks.
No
PowerPoint, Deltan Dallagnol também acusava o presidente Lula de fazer parte do
“verdadeiro esquema criminoso” e detalhava como o MPF estava coordenando a
campanha pela aprovação das 10 Medidas Contra a Corrupção.
Além de
novos documentos, a audiossérie Confidencial – As digitais do FBI na Lava Jato
ouviu relatos inéditos de procuradores, policiais federais, advogados e
acusados dos casos de corrupção investigados pela Lava Jato. A série complete
pode ser ouvida na Audible.
Fonte:
Por Natalia Viana, Alice Maciel, e Amanda Audi, em Agência Pública

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