Impeachment,
10 anos: Por onde anda Eduardo Cunha?
Há uma
década, ex-presidente da Câmara deu pontapé para trâmite que levaria à queda de
Dilma – e meses depois assistiu à própria derrocada. Hoje solto, Cunha tenta
recuperar influência, desta vez em Minas Gerais.
Brasília,
2 de dezembro de 2015. Deputados do PT anunciam no início da tarde que
pretendem fornecer os votos cruciais para a continuidade de um processo de
cassação contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, à época acossado
por revelações da Operação Lava Jato.
Cunha,
que matinha há meses uma relação conflituosa com o cambaleante governo federal,
liderado pelo PT, retaliou poucas horas depois: autorizando o início do trâmite
de um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
Mesmo
desgastado por acusações envolvendo contas secretas na Suíça, ele
protagonizaria nos meses seguintes aquele que seria o ápice da sua influência
política: a articulação da queda de Dilma, em meio a um processo de
derretimento da aprovação da petista e protestos de rua. A abertura do processo
contra Dilma seria oficializada pela Câmara em votação em abril do ano
seguinte, em sessão presidida por Cunha.
"Que
Deus tenha misericórdia desta nação", disse Cunha ao anunciar seu voto
pelo impedimento. Na mesma sessão, deputados de esquerda, indignados com as
táticas de Cunha, o chamaram de "gângster", "ladrão" e
"corrupto".
Mas a
própria queda de Cunha não tardaria. Menos de três semanas depois, os 459 dias
do deputado à frente da presidência da Câmara chegariam ao fim, por ordem do
Supremo Tribunal Federal (STF), que suspeitava que o parlamentar estava
obstruindo investigações.
Afastado
e sem a caneta da presidência, Cunha viu erodir sua influência sobre seus
colegas do fisiológico Centrão. Terminado seu papel no avanço do impeachment na
Câmara, ele também deixaria de ser tolerado pela oposição e passaria a ser
visto cada vez mais como um constrangimento crescente para o novo governo
Michel Temer.
Em
setembro de 2016, Cunha, acabaria cassado pela Câmara, por 450 votos a 10. No
mês seguinte, sem mandato, foi preso por ordem do então juiz Sergio Moro.
Essa
não seria a primeira queda de Cunha, que já havia sido pivô nos anos 1990 de
outros escândalos no Rio de Janeiro, sua base eleitoral original, que o levaram
a migrar para diferentes grupos políticos e o forçaram em vários momentos a
reconstruir sua influência.
Uma
década depois de iniciar o impeachment de Dilma, o ex-deputado tenta de novo
uma reviravolta política.
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Prisão e condenações
Após
deixar a Câmara, Cunha ainda acumulou condenações por corrupção passiva,
lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
O
ex-deputado passaria quase três anos e meio detido em regime fechado, primeiro
em Curitiba e depois no presídio de Bangu, no Rio. Em março de 2020, em meio à
pandemia, passou para a prisão domiciliar.
A
partir de 2021, no entanto, a sorte de Cunha começou a mudar, com o fim da Lava
Jato e a anulação pelo STF de processos da operação. Em maio daquele ano, teve
sua última ordem de prisão domiciliar revogada, e estava livre.
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Eleição da filha e primeira tentativa de retorno frustrada
Enquanto
esteve preso, Cunha passou para a filha, Danielle, sua antiga base eleitoral no
Rio de Janeiro, construída pelo ex-deputado no final dos anos 1990 junto ao
eleitorado neopentecostal. Danielle, ou Dani Cunha, tentaria se eleger para a
Câmara em 2018 associando a candidatura ao pai, sem sucesso.
Uma
nova tentativa seria feita em 2022, desta vez resultando na eleição de Dani
Cunha. Ela teve a campanha turbinada com a injeção pelo MDB de R$ 2 milhões do
fundo eleitoral, uma soma que ultrapassava valores de candidatos veteranos.
Paralelamente,
Cunha, já solto, conseguiu em 2022 uma liminar que suspendeu temporariamente
sua inelegibilidade. Deixando o espaço no Rio para a filha, ele registrou
candidatura no estado de São Paulo, e se filiou ao PTB de Roberto Jefferson. A
inelegibilidade voltou a ser imposta pouco depois, mas Cunha ainda assim
conseguiu assegurar que seu número permanecesse nas urnas.
Mirando
no eleitorado antipetista, Cunha propagandeou seu antigo papel no impeachment.
"Eu não conduzi o impeachment só com a aceitação do pedido. Eu fiz de tudo
para que fosse aprovado. Eu articulei, eu lutei para isso. O impeachment foi a
maior conquista da minha vida política", disse, em uma das peças de
campanha.
No
entanto, sem ter montado uma base efetiva em São Paulo, fracassou nas urnas,
recebendo somente 5 mil votos.
A
candidatura ainda revelaria que os anos de turbulência não haviam prejudicado
as finanças de Cunha. Ele continuava rico, tendo declarado patrimônio de R$
14,1 milhões à Justiça Eleitoral.
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Construindo base em Minas Gerais para 2026
Após o
fracasso em São Paulo, Cunha, hoje com 67 anos, se voltou para Minas Gerais. No
final de 2024, passou a construir metodicamente uma rede de influência regional
baseada no cultivo do eleitorado evangélico, como parte de um plano para se
candidatar a deputado federal pelo estado.
É uma
tática que Cunha já havia adotado no Rio de Janeiro nos anos 1990, quando sua
carreira no meio político sofreu um primeiro baque após seu nome ser envolvido
no "esquema PC", pivô do impeachment de Collor (1990-1992). Nos anos
seguintes, Cunha recuperou influência se metamorfoseando em político
evangélico, segmento em ascensão à época
No
momento, Cunha tem participado de cultos em Minas Gerais. Em abril, na
inauguração de um templo em Araxá, recebeu elogios públicos do pastor Valdemiro
Santiago.
Em
Minas, Cunha também tem resgatado outra estratégia que ajudou a pavimentar sua
primeira vitória no Rio como deputado federal em 2002: presença e controle de
rádios evangélicas.
Nos
últimos meses, Cunha vem adquirindo ou abrindo várias estações em Minas Gerais.
Cinco delas já operam na Zona da Mata, região que faz divisa com o Rio de
Janeiro, incluindo estações em Juiz de Fora e Guarani.
Outra
foi inaugurada em julho em Belo Horizonte, e contém um segmento transmitido de
hora em hora chamado "Versículo da hora - com Eduardo Cunha".
Há
também estações em Uberaba e Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Até o momento,
Cunha já soma mais de dez rádios em operação, agregadas como "Rede 89
Maravilha”. No início de novembro, Cunha
disse que o plano envolve implementar 23 rádios.
"Transmitimos
fé, esperança e a Palavra de Deus", diz o slogan da rede.
Inicialmente,
Cunha passou a adquirir as rádios de maneira discreta, por meio de seu genro,
mas depois passou a participar ativamente da programação, comandando programas
que misturam debates sobre política e religião. Também passou a falar
abertamente sobre seus planos para 2026.
Cunha
ainda tem usado a rede para avançar em outras frentes. Em Uberaba, sua rádio
passou a patrocinar um clube de futebol. Em abril, Cunha, que é flamenguista,
gravou um vídeo desejando sorte ao Uberaba Sport Club na segunda divisão do
campeonato mineiro.
Além de
se reunir com vereadores pelo estado, Cunha ainda tem tentado se aproximar do
agronegócio local, num movimento similar aos seus tempos de Câmara, quando
transitava tanto entre evangélicos quanto empresários. Em abril, participou da
abertura da Expozebu, uma das maiores feiras pecuárias do mundo, em Uberaba,
além de tomar parte num leilão de gado.
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Inelegibilidade ainda paira sobre planos
Cunha
atualmente está filiado ao partido Republicanos e chegou a abrir no primeiro
semestre negociações com o PL de Jair Bolsonaro, mas as conversas não
avançaram.
Até o
fim de novembro. ele ainda não havia oficializado sua mudança de domicílio
eleitoral de São Paulo para Minas – o prazo termina em abril de 2026.
Mas,
mesmo com eventual transferência, os planos de Cunha ainda esbarram na
inelegibilidade. Apesar de ter conseguido anular suas condenações, o
ex-deputado ainda enfrenta as consequências da cassação pela Câmara em setembro
de 2016.
Após a
curta janela aberta por uma liminar que permitiu a candidatura em 2022, Cunha
teve a Inelegibilidade reconfirmada pelo STF.
Apesar
de terem se passado mais de oito anos após a cassação, prazo máximo da Lei da
Ficha Limpa, a punição de Cunha passou a contar a partir daquele que teria sido
o último dia remanescente de mandato, 31 de janeiro de 2019. Ou seja, sua
inelegibilidade deveria durar até 2027.
Para
tentar encurtar o prazo, Cunha passou a contar com o auxílio da filha, a
deputada Dani Cunha, hoje no União Brasil, que promoveu um projeto para alterar
os prazos da Ficha Limpa. Uma das mudanças propostas parecia especialmente
desenhada para o pai: o prazo de oito anos começaria a contar a partir da
cassação. No caso de Cunha, a data retroagiria para 2024.
A
iniciativa avançou com sucesso no Congresso entre junho e setembro, apesar de
críticas de defensores da Ficha Limpa. No entanto, o presidente Lula acabou
vetando diversos trechos.
A
mudança que passou a estabelecer a data de cassação como marco para
inelegibilidade permaneceu, mas Lula barrou a possibilidade de que a medida
pudesse ser aplicada retroativamente a políticos já cassados, deixando Cunha no
limbo.
Os
vetos de Lula ainda podem ser derrubados pelo Congresso, a exemplo do que
aconteceu na semana passada com o projeto de lei do licenciamento ambiental.
Especialistas também apontam que, mesmo com a manutenção dos vetos, as mudanças
que passaram já abrem brecha para contestação judicial.
Cunha
tem tentado sinalizar em entrevistas que não está preocupado, alegando que já
se considera elegível desde 2022.
Enquanto
isso, continua a expandir sua influência em Minas Gerais. Mas seus giros pelo
estado não são livres de incidentes. Em junho, ao desembarcar em Confins, na
grande Belo Horizonte, foi vaiado e chamado de "ladrão” por bolsonaristas
que estavam no local aguardando a chegada do ex-presidente Jair Bolsonaro que
viajava coincidentemente no mesmo voo.
Fonte:
DW Brasil

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