Da
Idade do Bronze a 'Wicked': as origens do chapéu de bruxa
Qual é
a primeira imagem que vem à sua mente quando você ouve falar em uma bruxa?
Talvez
seja a vassoura, relacionada à heresia e à bruxaria desde 1342, quando a
irlandesa Alice Kyteler (1280-1325) foi acusada de feitiçaria.
Ao
fazer uma busca em sua casa, um investigador encontrou o objeto subversivo,
"que ela usava para passear e galopar em qualquer situação".
Ou pode
ser o caldeirão, usado para preparar as poções em Macbeth, de William
Shakespeare (1564-1616): "Dobrem, dobrem, trabalho e problemas; o fogo
queima e o caldeirão borbulha" era o encantamento das bruxas, que se
tornou um ícone.
Mas,
talvez, a imagem mais persistente da feiticeira seja o chapéu cônico, presente
no clássico romance infantil O Maravilhoso Mágico de Oz (1900), de Frank L.
Baum (1856-1919), e em diversas oportunidades no cinema e na televisão.
O
chapéu cônico das feiticeiras pode ser observado, por exemplo, no filme O
Mágico de Oz (1939), que trouxe a assustadora interpretação da atriz Margaret
Hamilton (1902-1985) como a Bruxa Má do Oeste; nos desenhos dos créditos de
abertura da série de TV A Feiticeira (1964-1972); nos filmes de Harry Potter
(2001-2011); e, é claro, na retratação de Elphaba por Cynthia Erivo em Wicked
(2024-2025), cuja segunda parte estreou nos cinemas no mês de novembro.
Mas
alguns dos primeiros exemplos de chapéus cônicos da história são majestosas
obras-primas douradas, decoradas com símbolos astronômicos da Idade do Bronze.
Acreditava-se, na época, que os sacerdotes que os usavam tinham poder e
conhecimento divino.
Chapéus
pontiagudos já foram encontrados em múmias chinesas dos séculos 4 a 2 a.C. Elas
receberam o apelido moderno de "Bruxas de Subeshi", quando seus
túmulos foram desenterrados em 1978.
Mas
como o chapéu pontiagudo se tornou sinônimo de feitiçaria? Existem diversas
teorias a este respeito.
O uso
obrigatório de chapéus cônicos foi imposto ao longo da história como
instrumento de perseguição e identificação forçada.
As
pessoas que manifestassem opiniões ou crenças contrárias às religiões
ortodoxas, especialmente à doutrina cristã, eram chamadas de heréticas e
forçadas a usar o chapéu para identificá-las.
No
século 13, a Igreja Católica Romana obrigou homens judeus a usar chapéus
pontiagudos em forma de cone, conhecidos como chapéus judeus.
Em
1478, teve início a Inquisição Espanhola, que obrigou o uso de chapéus ou
capuzes altos e afilados, chamados de capirotes, como forma de identificação
das pessoas acusadas de heresia, apostasia (renúncia da fé), blasfêmia e
feitiçaria, entre outros crimes.
O
capirote é usado até hoje em festivais religiosos na Espanha, especialmente
durante a Semana Santa.
Teria
sido este capítulo da história um fator que levou ao ressurgimento posterior do
chapéu pontudo como símbolo de bruxaria? Existem diferentes opiniões sobre esta
hipótese.
Vários
séculos após o início da Inquisição, o artista espanhol Francisco Goya
(1746-1828) fez referência ao capirote no seu quadro O Voo das Bruxas (1798).
Nele, três feiticeiras carregam um homem flutuando no ar.
Historiadores
da arte interpretaram de diversas formas a pintura e seus chapéus cônicos.
Acredita-se que a obra seja uma crítica satírica da superstição e da
ignorância.
Criada
durante o Iluminismo, a pintura mostra as bruxas suspensas no ar com aparência
grotesca, vestindo chapéus cônicos ao lado de um burro, que simboliza a
ignorância. Seus chapéus relembram a mitra eclesiástica ou, talvez, os
capirotes usados pelos heréticos.
Abaixo
delas, dois homens reagem ao que percebem como sendo um evento demoníaco ou
sobrenatural. Alguns críticos consideram que esses homens representam o medo e
a desilusão.
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A cerveja das bruxas
Na
Idade Média, quem usava os chapéus pontiagudos eram as alewives — as mulheres
cervejeiras daquela época. Seus conhecimentos de fitoterapia fortalecem a
conexão ao uso de caldeirões para misturar poções.
"'Mulheres
inteligentes', herbalistas e idosas vêm sendo observadas com suspeita em muitas
culturas há milênios. Por isso, as mulheres cervejeiras entraram neste
grupo."
"Pessoas
supersticiosas e sem formação consideravam essas pessoas como sendo 'as
outras'", explica a especialista em álcool Jane Peyton às escritoras Tara
Nurin e Teri Fahrendorf, no seu livro A Woman's Place Is in the Brewhouse: A
Forgotten History of Alewives, Brewsters, Witches, and CEOs ("O lugar da
mulher é na cervejaria: a história esquecida das alewives, cervejeiras, bruxas
e CEOs", em tradução livre).
A
professora de História do início da Idade Moderna Laura Kounine, da
Universidade de Sussex, no Reino Unido, acredita que a associação entre as
alewives e a feitiçaria tem "um pouco de mito" e foi criada
posteriormente.
Ela
conta à BBC que, no século 16, "todos tinham um caldeirão, que as pessoas
usavam para cozinhar. Todos tinham uma vassoura e todos usavam chapéu — não
necessariamente um chapéu pontiagudo, mas algum tipo de chapéu."
"Diversos
bonés e chapéus teriam sido usados por todas as mulheres, dependendo da sua
posição social e situação conjugal", explica a professora.
Aqui,
Retrato da Sra. Salesbury com Seus Netos, do pintor John Michael Wright
(1617-1694)
Kounine
ensina a história da feitiçaria. Ela defende que, na verdade, o que
diferenciava as supostas bruxas do restante da população no início da Idade
Moderna era justamente o fato de que elas não usavam chapéu.
"Se
você observar as imagens daquela época, as realmente impressionantes como Bruxa
Andando para Trás em uma Cabra (1501-02), de Albrecht Dürer (1471-1528), ou As
Bruxas (1510), de Hans Baldung Grien (c.1484-1545), as feiticeiras são
ilustradas com a cabeça descoberta."
"Seu
cabelo livre e rebelde está solto, o que simboliza suas paixões desenfreadas e
demonstra que elas eram o inverso da ordem social moral", explica a
professora. "Você não usaria cabelo solto no início da Idade Moderna, pois
significaria que você era uma pessoa sexualmente depravada."
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O mundo invisível
O
exemplo mais antigo conhecido do chapéu cônico relacionado a uma bruxa está no
livro As Maravilhas do Mundo Invisível (1693), de Cotton Mather (1663-1728). A
obra ilustra uma feiticeira voando em uma vassoura ao lado do demônio.
Mas
Kounine ainda questiona se Mather realmente pretendia indicar que o chapéu
pontiagudo identifica uma bruxa.
"Isso
ocorre porque muitas pessoas usavam chapéus pontiagudos na época", ela
conta. "Não existe nele nada significativo relacionado a bruxas."
Pinturas
do século 17, como Retrato de Esther Inglis, de autor desconhecido, e Retrato
da Sra. Salesbury com Seus Netos Edward e Elizabeth Bagot, de John Michael
Wright (1617-1694), ilustram mulheres usando simplesmente o chapéu cônico alto
da moda da sua época, sem nenhuma conexão com a feitiçaria.
A
relação entre o chapéu pontiagudo e as bruxas veio posteriormente. Ela surgiu
nas obras de arte e nos contos infantis entre meados e o final do século 17 e
os séculos 18 e 19.
É muito
possível que a imagem do chapéu cônico, que estava na moda no século 17, seja a
que relacionamos ao longo dos séculos e que permanece até hoje, sem nenhuma
conotação ocultista explícita naquela época.
Kounine
destaca que muitas mulheres usaram chapéus cônicos ao longo da história. Elas
incluem as heroínas de contos de fadas, como Cinderela e a Bela Adormecida.
Seus
chapéus coloridos eram inspirados nos chapéus altos com formato cônico usados
pelas mulheres nobres europeias, desde o século 15.
Talvez
seja esta a indicação de que o chapéu faz contato com o mal? Kounine concorda
com esta possibilidade.
Ela
indica a peça de 1621 A Bruxa de Edmonton, de William Rowley (c.1585-1626),
Thomas Dekker (c.1572-1632) e John Ford (1586-c.1639). Nela, uma feiticeira
conversa com o demônio na forma de um cão preto chamado Tom.
Ao
longo da história, costumava-se dizer que o demônio se vestia de preto.
"Grande
parte do motivo foi o fato de que as obras de arte da época eram xilogravuras
e, por isso, elas precisavam ser pretas, mas também era costume dizer que as
bruxas se reúnem na escuridão da noite", explica Kounine.
"Por
isso, existe uma associação entre as artes sombrias, a noite e a
clandestinidade. Você não sabe quem é a feiticeira, sob o manto da escuridão. O
preto se torna o símbolo do mal e das trevas."
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A recuperação da bruxa
A
percepção moderna da feiticeira como uma mulher idosa hedionda se deve, em
grande parte, ao romance de Baum, O Maravilhoso Mágico de Oz.
Seu
livro infantil sobre as aventuras de Dorothy Gale e seu grupo de companheiros
desajustados em Oz foi adaptado para o cinema e lançado em 1939.
O filme
O Mágico de Oz trouxe a Bruxa Má do Oeste de Hamilton, gargalhando com sua pele
verde e nariz recurvado, que segue causando pesadelos em diversas gerações de
crianças, a cada reprise na TV.
Mas o
feminismo incentivou as mulheres a reivindicar características e estilos de
vida antes associados às pessoas acusadas de feitiçaria ao longo da história.
Elas incluem a forte solidariedade feminina, curas holísticas e a independência
dos homens, até os valores ecofeministas e a autonomia sexual.
Surgiu,
então, uma compreensão mais sutil do arquétipo da bruxa. Agora, ela é
considerada uma encarnação radical da batalha contra a misoginia e a opressão
patriarcal.
Um
exemplo é a expressão popular que ilustra de tudo, de legendas no Instagram até
almofadas: "Somos as filhas das bruxas que vocês não conseguiram
queimar."
Ou, nas
palavras de Kounine, "a bruxa, agora, é um símbolo de autoempoderamento,
subversão do patriarcado e feminismo."
O
romance Wicked (1995), de Gregory Maguire, deu origem ao musical de sucesso da
Broadway e, agora, aos dois filmes Wicked.
Com
ele, a Bruxa Má do Oeste ganhou um nome (Elphaba) e uma história de vida que
gera empatia com uma personagem proscrita, tida como vilã por defender os menos
afortunados.
A
recuperação da bruxa como uma personagem incompreendida e as representações
inspiradoras da cultura pop — como Samantha, de A Feiticeira, e Prue, Piper,
Phoebe e Paige Halliwell, da série Charmed: Jovens Bruxas (1998-2006) — fizeram
com que o chapéu cônico deixasse de ser tão sinistro.
E isso
também se deve, em parte, ao estilista vencedor do Oscar de Wicked, Paul
Tazewell. Ele reinterpretou aquele chapéu "hediondo", como diz
Glinda, para que refletisse melhor o relacionamento de Elphaba com a Terra.
"Ele
traz reflexão e nostalgia, com uma silhueta reconhecida, mas transformada em
algo próprio pela forma como se curva", declarou Tazewell ao portal The
Cut.
Com sua
nova visão sobre o tema da bruxa malvada, Wicked pode receber o crédito de
suavizar o assustador chapéu cônico. Afinal, como defende Laura Kounine, não há
nada de inerentemente horripilante nele.
O
chapéu de bruxa é apenas um objeto aberto a interpretações, que impregnamos ao
longo de séculos de mitologia com um significado, que foi transmitido pela arte
e pelas histórias. E o significado desses mitos se altera ao longo do tempo.
Pagãos
contemporâneos consideram o chapéu como um condutor de energia. Já as crianças
ainda clamam por ele na época do Halloween.
Na
verdade, o chapéu de bruxa foi a roupa do Dia das Bruxas mais popular no Google
em 2021, antes mesmo de surgir a fascinação por Wicked.
As
xilogravuras, os retratos e os contos de fadas influenciaram a cultura material
moderna do chapéu cônico. E, da mesma forma, sua versão atual ajudará a
inspirar a compreensão das gerações futuras.
Fonte:
BBC Culture

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