terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Como a curiosidade científica de Dom Pedro II influenciou suas políticas?

Poucos líderes do século 19 abraçaram a ciência com tanto fervor quanto Dom Pedro II, o último imperador do Brasil. Para ele, a curiosidade intelectual não era apenas um passatempo, mas também uma diretriz política.

Desde a construção do telégrafo até o incentivo às artes e à fotografia, sua paixão pelo conhecimento e pelas ciências moldou uma série de projetos de modernização, que projetaram o Brasil como uma nação em sintonia com o mundo europeu, e em destaque por aqui, na América do Sul.

Para tentar compreender melhor como a curiosidade científica de Dom Pedro II influenciou na sua administração política do Brasil, especialistas comentam ao Aventuras na História sobre a modernização de nossas terras durante o último reinado que tivemos, e a forma como esses avanços ocorridos por aqui implicaram na imagem do reinado brasileiro com relação ao restante do mundo.

<><> Conectando o Brasil e o mundo

Uma das áreas em que essa curiosidade se transformou mais diretamente em política pública foi a das comunicações. O historiador Paulo Rezzutti destaca que o imperador teve papel fundamental na construção da chamada linha Capanema, que conectou toda a costa brasileira por meio do telégrafo.

“O interesse do Dom Pedro II influencia até mesmo a questão do telégrafo. Você tem a criação da linha Capanema que vai unir toda a costa brasileira no telégrafo e depois também tem a questão da ligação do Brasil com a Europa por meio do cabo submarino”, comenta o historiador Paulo Rezzutti.

Dom Pedro II acompanhava de perto as novidades tecnológicas e tentava trazê-las ao país. Segundo Rezzutti ele estava “sempre antenado a tudo que estava acontecendo e tentando trazer essas coisas para cá. A maioria dos monarcas europeus também tinham isso, mas acho que não com tanta necessidade quanto ele via para o Brasil.”

“Afinal de contas”, complementa o pesquisador, “se você pensar na Europa, vários países cabem dentro do Brasil. Para esses monarcas que estavam na Europa, essa circulação de ideias, essa circulação de tecnologia era muito mais rápida do que aqui no Brasil. Então, para trazer muita coisa para cá, se não fosse o interesse científico do Dom Pedro e a vontade dele, isso não aconteceria. E muitos viam, muitos monarcas, viam ele como uma pessoa empenhada em trazer o desenvolvimento do Brasil.”

<><> Legitimação política

A modernização tecnológica também tinha um sentido simbólico. Como observa Mauro Henrique Miranda de Alcântara, autor de ‘D. Pedro II e a emancipação dos escravos’, “Pedro II transformou o Brasil no país mais ‘moderno’ da América Latina — primeira ferrovia em 1854, telégrafo transatlântico… A paixão dele pela ciência legitimava o Império como ‘civilizado’ diante das críticas republicanas”.

Nesse contexto, cada inovação — por mais técnica que parecesse — fazia parte de um esforço de construção de prestígio internacional. Mostrar o Brasil como um país atualizado com os avanços científicos significava apresentar o regime monárquico como competente, progressista e alinhado ao modelo europeu que o imperador admirava.

<><> Artes e identidade nacional

A influência da curiosidade científica de Dom Pedro II não se limitou à tecnologia, e até mesmo se estendeu à produção artística-cultural, e à construção de uma narrativa nacional. O historiador Luca Lima Lacomini explica que o imperador “buscou criar uma imagem positiva do Brasil para o exterior. Isso fazia parte do projeto nacionalista dele, que romantizou o país por meio, por exemplo, das artes“.

“Nesse momento, ele começou a contratar pintores e escritores para criar essas imagens do nosso país tropical, do qual os povos indígenas eram fundadores e eram tratados como heróis”, continua Lacomini. Foi então que surgiram grandes obras do romantismo brasileiro, como o poema ‘Ijuca Pirama’, de Gonçalves Dias, e o romance ‘Iracema’, de José de Alencar.

No entanto, isso ainda contradizia “a própria política adotada no segundo reinado, que criou, por exemplo, o programa de catequese e civilização dos índios, que, como o próprio nome diz, partia do princípio de que os nossos povos originários eram bárbaros e só seriam considerados civilizados a partir do momento em que se tornassem também cristãos.”

<><> Fotografia

Entre todas as áreas em que Dom Pedro II se envolveu, a fotografia talvez tenha sido a mais emblemática. Além de colecionador e praticante, o imperador foi o primeiro chefe de Estado fotografado regularmente — e isso não era por acaso.

“Diferente dos retratos aristocráticos tradicionais, as fotos o mostram como ‘cidadão comum'”, comenta Mauro Alcântara. Dessa forma, sua imagem pessoal também era uma clara ferramenta de comunicação política, coerente com a visão de um Estado que se pretendia moderno, racional e científico.

E as viagens internacionais que ele fazia também reforçavam esse projeto. “As viagens dele à Europa eram verdadeiras ‘diplomacia científica‘ — visitava laboratórios, universidades, mostrava o Brasil como parceiro civilizado. É o que chamo de ‘teatro político’ imperial”, apresentando o Brasil como parceiro respeitável e alinhado ao avanço do conhecimento.

<><> Contradições

Por fim, embora a curiosidade científica de Dom Pedro II tenha sido fundamental na formação do Brasil durante o Segundo Reinado, isso certamente se deu de maneiras contraditórias. Enquanto ele impulsionou obras de infraestrutura, e trouxe ao país tecnologias mais recentes, dando uma aparência mais moderna ao império, ele também serviu como projeto político que buscava legitimar a própria monarquia, e estabelecer uma identidade nacional idealizada — que, por sua vez, era muito distante da realidade para muitos brasileiros.

Assim, o último imperador do Brasil fez da ciência não apenas um campo de estudo, mas uma estratégia de governo. No fim, ajudou a estruturar um império que pretendia ser mais moderno e civilizado, embora ainda fosse preso a contradições profundas.

 

Fonte: Aventura na História

 

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