Como
a curiosidade científica de Dom Pedro II influenciou suas políticas?
Poucos
líderes do século 19 abraçaram a ciência com tanto fervor quanto Dom Pedro II,
o último imperador do Brasil. Para ele, a curiosidade intelectual não era
apenas um passatempo, mas também uma diretriz política.
Desde a
construção do telégrafo até o incentivo às artes e à fotografia, sua paixão
pelo conhecimento e pelas ciências moldou uma série de projetos de
modernização, que projetaram o Brasil como uma nação em sintonia com o mundo
europeu, e em destaque por aqui, na América do Sul.
Para
tentar compreender melhor como a curiosidade científica de Dom Pedro II
influenciou na sua administração política do Brasil, especialistas comentam ao
Aventuras na História sobre a modernização de nossas terras durante o último
reinado que tivemos, e a forma como esses avanços ocorridos por aqui implicaram
na imagem do reinado brasileiro com relação ao restante do mundo.
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Conectando o Brasil e o mundo
Uma das
áreas em que essa curiosidade se transformou mais diretamente em política
pública foi a das comunicações. O historiador Paulo Rezzutti destaca que o
imperador teve papel fundamental na construção da chamada linha Capanema, que
conectou toda a costa brasileira por meio do telégrafo.
“O
interesse do Dom Pedro II influencia até mesmo a questão do telégrafo. Você tem
a criação da linha Capanema que vai unir toda a costa brasileira no telégrafo e
depois também tem a questão da ligação do Brasil com a Europa por meio do cabo
submarino”, comenta o historiador Paulo Rezzutti.
Dom
Pedro II acompanhava de perto as novidades tecnológicas e tentava trazê-las ao
país. Segundo Rezzutti ele estava “sempre antenado a tudo que estava
acontecendo e tentando trazer essas coisas para cá. A maioria dos monarcas
europeus também tinham isso, mas acho que não com tanta necessidade quanto ele
via para o Brasil.”
“Afinal
de contas”, complementa o pesquisador, “se você pensar na Europa, vários países
cabem dentro do Brasil. Para esses monarcas que estavam na Europa, essa
circulação de ideias, essa circulação de tecnologia era muito mais rápida do
que aqui no Brasil. Então, para trazer muita coisa para cá, se não fosse o
interesse científico do Dom Pedro e a vontade dele, isso não aconteceria. E
muitos viam, muitos monarcas, viam ele como uma pessoa empenhada em trazer o
desenvolvimento do Brasil.”
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Legitimação política
A
modernização tecnológica também tinha um sentido simbólico. Como observa Mauro
Henrique Miranda de Alcântara, autor de ‘D. Pedro II e a emancipação dos
escravos’, “Pedro II transformou o Brasil no país mais ‘moderno’ da América
Latina — primeira ferrovia em 1854, telégrafo transatlântico… A paixão dele
pela ciência legitimava o Império como ‘civilizado’ diante das críticas
republicanas”.
Nesse
contexto, cada inovação — por mais técnica que parecesse — fazia parte de um
esforço de construção de prestígio internacional. Mostrar o Brasil como um país
atualizado com os avanços científicos significava apresentar o regime
monárquico como competente, progressista e alinhado ao modelo europeu que o
imperador admirava.
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Artes e identidade nacional
A
influência da curiosidade científica de Dom Pedro II não se limitou à
tecnologia, e até mesmo se estendeu à produção artística-cultural, e à
construção de uma narrativa nacional. O historiador Luca Lima Lacomini explica
que o imperador “buscou criar uma imagem positiva do Brasil para o exterior.
Isso fazia parte do projeto nacionalista dele, que romantizou o país por meio,
por exemplo, das artes“.
“Nesse
momento, ele começou a contratar pintores e escritores para criar essas imagens
do nosso país tropical, do qual os povos indígenas eram fundadores e eram
tratados como heróis”, continua Lacomini. Foi então que surgiram grandes obras
do romantismo brasileiro, como o poema ‘Ijuca Pirama’, de Gonçalves Dias, e o
romance ‘Iracema’, de José de Alencar.
No
entanto, isso ainda contradizia “a própria política adotada no segundo reinado,
que criou, por exemplo, o programa de catequese e civilização dos índios, que,
como o próprio nome diz, partia do princípio de que os nossos povos originários
eram bárbaros e só seriam considerados civilizados a partir do momento em que
se tornassem também cristãos.”
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Fotografia
Entre
todas as áreas em que Dom Pedro II se envolveu, a fotografia talvez tenha sido
a mais emblemática. Além de colecionador e praticante, o imperador foi o
primeiro chefe de Estado fotografado regularmente — e isso não era por acaso.
“Diferente
dos retratos aristocráticos tradicionais, as fotos o mostram como ‘cidadão
comum'”, comenta Mauro Alcântara. Dessa forma, sua imagem pessoal também era
uma clara ferramenta de comunicação política, coerente com a visão de um Estado
que se pretendia moderno, racional e científico.
E as
viagens internacionais que ele fazia também reforçavam esse projeto. “As
viagens dele à Europa eram verdadeiras ‘diplomacia científica‘ — visitava
laboratórios, universidades, mostrava o Brasil como parceiro civilizado. É o
que chamo de ‘teatro político’ imperial”, apresentando o Brasil como parceiro
respeitável e alinhado ao avanço do conhecimento.
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Contradições
Por
fim, embora a curiosidade científica de Dom Pedro II tenha sido fundamental na
formação do Brasil durante o Segundo Reinado, isso certamente se deu de
maneiras contraditórias. Enquanto ele impulsionou obras de infraestrutura, e
trouxe ao país tecnologias mais recentes, dando uma aparência mais moderna ao
império, ele também serviu como projeto político que buscava legitimar a
própria monarquia, e estabelecer uma identidade nacional idealizada — que, por
sua vez, era muito distante da realidade para muitos brasileiros.
Assim,
o último imperador do Brasil fez da ciência não apenas um campo de estudo, mas
uma estratégia de governo. No fim, ajudou a estruturar um império que pretendia
ser mais moderno e civilizado, embora ainda fosse preso a contradições
profundas.
Fonte:
Aventura na História

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