Como
acesso cada vez mais fácil a drones dificulta combate a facções no Brasil
Imagens
da megaoperação policial realizada em outubro nos complexos do Alemão e da
Penha, no Rio de Janeiro, mostraram drones lançando granadas contra equipes
policiais.
O
episódio, que deixou ao menos 121 mortos, incluindo quatro policiais, ilustra o
risco do uso desses dispositivos em ações criminosas. E, segundo especialistas,
pode se tornar cada vez mais recorrente.
Em
média, ao menos um drone é apreendido a cada dois dias no Brasil, aponta um
levantamento feito pela Polícia Federal a pedido da BBC News Brasil, por meio
da Lei de Acesso à Informação.
O uso
de drones no Brasil é regulamentado por diversos órgãos federais, como a
Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), mas a apreensão dos equipamentos pela polícia está
ligada a casos em que há indícios de crime.
Desde
junho de 2024, quando a PF passou a compilar esse tipo de apreensão, mais de
200 equipamentos foram apreendidos.
Metade
das apreensões informadas aconteceu de uma só vez, em uma operação em Ponta
Porã, no Mato Grosso do Sul. Cem drones da marca DJI foram recolhidos e
encaminhados à Receita Federal, segundo os dados enviados. A carga, apreendida
em julho deste ano, foi estimada em cerca de R$ 348 mil.
O baixo
custo é uma das vantagens para o crime organizado: os dados do levantamento
mostram alguns equipamentos com valor estimado em R$ 3 mil por unidade.
Mas o
número de apreensões pode ser ainda maior. A PF afirmou que o levantamento é
parcial e pode ser atualizado com novos dados. Também não foram consideradas
apreensões por outras forças de segurança, como as polícias militares.
Outro
levantamento, feito em processos judiciais pela plataforma Escavador, também a
pedido da BBC, identificou um aumento de menções a drones em ações judiciais
relacionadas a organizações criminosas e tráfico de drogas: só neste ano, houve
ao menos 414 ações que citam o termo, mais do que em todos os anos anteriores.
O
inquérito que embasou a megaoperação do Rio em outubro registra várias
referências ao uso de drones pelo Comando Vermelho. Entre elas estão conversas
de lideranças da facção no WhatsApp sobre o monitoramento das comunidades com
esses equipamentos.
"Joga
ele pra dentro todo dia quando chegar no plantão. Tu levanta o drone no mar,
leva a visão", diz uma das mensagens transcritas. Em outra, um dos membros
da facção diz que o grupo deve "se adequar" à tecnologia e adquirir
drones com visão noturna, que seriam comprados.
"O
monitoramento constante da presença policial com o auxílio de drones sugere uma
estrutura organizada e bem coordenada dentro da facção, com foco em proteger
seus interesses e negócios ilegais", diz um relatório da Delegacia de
Repressão a Entorpecentes do Rio.
Esse
monitoramento seria, inclusive, a forma como lideranças do comando saberiam com
antecedência da chegada dos policiais nas comunidades, para que pudessem fugir.
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Encomenda por correio
Uma
investigação feita pela Polícia Federal no Rio identificou que um homem,
Everson Vieira Francesquet, seria responsável por importar armas, fuzis e até
drones para outra facção, o Terceiro Comando Puro (TCP).
A
investigação começou após prisão em flagrante em julho deste ano, quando
Everson foi surpreendido no momento em que retirava um bloqueador de sinais
conhecido como fuzil antidrone em uma agência dos Correios em Nova Iguaçu (RJ).
Segundo
a PF, ele tinha por função "selecionar na internet anunciantes de
bloqueadores de sinais, drones e armamento", além de fazer as compras e
entregá-las a Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão, conhecida liderança do TCP
na região.
Em uma
das conversas interceptadas, a polícia identificou relações comerciais entre
ele e vendedores de bloqueadores de sinais em Brasília. "Os interlocutores
realizavam planejamentos para a compra de bloqueadores de sinais, drones e
peças para arma de fogo, com o objetivo comum de fortalecimento do grupo
criminoso perante guerra do narcotráfico dentro das favelas", diz
relatório da Polícia Federal.
Os
diálogos mostram ainda, segundo a PF, que os suspeitos usariam os drones para
"monitorar e lançar granadas em criminosos rivais."
Em uma
das mensagens, Peixão diz que a inserção de drones e antidrones no crime
"seria um trabalho novo, que nenhuma outra favela estaria tomando tal
estratégia."
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Interceptar drone é muito mais caro
O uso
de drones por grupos armados não estatais, inclusive para fins relacionados ao
terrorismo, representa uma "ameaça grave e crescente à segurança
internacional", afirma um relatório do Escritório das Nações Unidas para o
Combate ao Terrorismo (UNOCT), elaborado em parceria com a organização Conflict
Armament Research.
O
documento analisa como essas organizações têm adquirido, modificado e utilizado
esse tipo de equipamento.
A
publicação reúne pesquisas feitas em diversos países e detalha rotas de
aquisição, adaptações estruturais e formas de emprego da tecnologia em campo.
Uma das
conclusões é que esses grupos têm usado majoritariamente drones comuns,
facilmente encontrados em lojas e na internet, mas há esforços para
modificá-los e ampliar seu alcance e capacidade ofensiva.
Dentre
as alterações possíveis está a adição de câmeras de alta qualidade e a
integração de uma carga explosiva, seja com munições convencionais ou
explosivos improvisados, por exemplo.
O
estudo aponta também que o conhecimento técnico sobre essas adaptações já é
compartilhado entre diferentes organizações criminosas.
"Existe
uma séria ameaça de que os ataques futuros não só aumentem em frequência e
alcance geográfico, mas também em letalidade, precisão e potência", diz o
relatório.
Para
Aryamehr Fattahi, pesquisadora do Bloomsbury Intelligence and Security, um
think tank dedicado à segurança, o desenvolvimento mais alarmante é a
militarização da tecnologia.
"Os
drones agora lançam explosivos durante ataques contra rivais e autoridades
policiais. O Brasil testemunhou isso em 28 de outubro de 2025, quando membros
da gangue Comando Vermelho utilizaram drones com visão em primeira pessoa (FPV)
para lançar explosivos sobre a polícia durante a Operação Contenção. Além
disso, os cartéis mexicanos realizaram 77 bombardeios com drones em 2024, em
comparação com 35 em 2023. Isso reflete o uso cada vez mais acessível e
econômico de drones em operações de grupos armados não estatais", diz.
A
guerra entre a Rússia e a Ucrânia impulsionou a adoção global de drones
criminosos, segundo especialistas, proporcionando mais transferência de
conhecimento.
"Desde
o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, os cartéis mexicanos têm adotado
cada vez mais o uso de FPVs, uma vez que os custos unitários caíram
significativamente e o conhecimento técnico se tornou acessível, permitindo
maior manobrabilidade e precisão", diz Fattahi.
A
rápida adoção tem a ver com a facilidade com que esses equipamentos podem ser
adaptados: os populares modelos DJI, um dos que mais aparecem nas apreensões da
Polícia Federal, podem transportar cargas equivalentes a granadas.
Por
outro lado, controlar esses ataques pode custar muito mais caro.
"Interceptar
um drone de US$ 20.000 (R$ 107 mil) pode exigir um míssil Patriot de US$ 2
milhões (R$ 10,7 milhões); da mesma forma, os sistemas de combate a drones das
forças policiais custam milhares de dólares para se defender contra drones FPV
de US$ 200 a US$ 500 (R$ 1 mil a R$ 2,6 mil). Essa lógica econômica, comprovada
no campo de batalha, torna a guerra com drones atraente para empresas
criminosas bem financiadas que buscam vantagem tática contra as forças de
segurança", diz a pesquisadora.
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'Há uma lacuna entre avanço tecnológico das facções e resposta das autoridades'
Bruno
Langeani, consultor sênior do do Instituto Sou da Paz, diz que há uma lacuna
"preocupante" entre o avanço tecnológico dos grupos ilícitos e a
capacidade de resposta das autoridades públicas.
Com os
drones, lembra Langeani, as facções tiram o fator surpresa das autoridades
policiais e podem reduzir a eficácia de suas operações. Outro risco é a
preparação de emboscadas.
"Drones
têm sido empregados para mapear deslocamentos de autoridades ou alvos rivais.
Foi o caso, por exemplo, do ataque ao Dr. Ruy Fontes (ex-delegado-geral do
Estado, Ruy Ferraz Fontes, assassinado em setembro) e de outros episódios em
que agentes do Estado foram identificados e perseguidos", diz.
Ele
destaca também o transporte de produtos ilícitos. "A evolução tecnológica
tem ampliado a autonomia de voo e a capacidade de carga dos drones. Com isso,
eles são usados para cruzar fronteiras com drogas, armas e contrabando; e
também para introduzir objetos proibidos em presídios — como celulares,
entorpecentes e, em alguns casos, armas de fogo."
Langeani
afirma que, embora menos frequente, os ataques feitos diretamente com os drones
tendem a crescer.
"Enquanto
isso, as instituições de segurança e defesa seguem sem treinamento para lidar
com o fenômeno. São raros os mapeamentos sistemáticos sobre o uso criminoso de
drones e ainda faltam profissionais capacitados para extrair dados dos
equipamentos e realizar perícias adequadas — essenciais para identificar
modelos, fabricantes e modificações ilegais."
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Projeto quer criminalizar e ampliar pena para uso não autorizado de drones
A
regulamentação dos drones no Brasil é compartilhada: cabe à Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac), que aprova o equipamento, à Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo
(Decea).
Mas não
há legislação clara para coibir o uso violento desses equipamentos.
Em
setembro deste ano a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da
Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que atualiza o Código Penal para
incluir crimes cometidos com drones. As penas podem ser ampliadas se os
equipamentos usarem explosivos ou armas de fogo.
O
projeto foi apresentado no ano passado, pelos deputados Alberto Fraga (PL/DF) e
Capitão Alden (PL/BA), e cita em sua justificativa um caso divulgado pela
imprensa em 2024, em que um drone foi utilizado para lançar granadas em favelas
da zona norte do Rio. O modelo, da marca DJI, foi encontrado em uma comunidade
controlada pelo Comando Vermelho.
Na
prática, a lei incluiria veículos remotamente controlados no Código Penal e
também definiria como crime a direção de aeronaves ou drones sem licenciamento,
bem como a operação sem devida autorização.
"O
uso desse aparelho em atentado dessa natureza mostra-se ser uma arma com alto
poder destrutivo, de controle extremamente difícil e que pode atingir qualquer
alvo, incluindo policiais em patrulhamento, por exemplo, além de alcançar
pessoas ao acaso, e de modo letal, afora danos patrimoniais", diz o texto.
O projeto pode ser enviado para votação no plenário.
Para
Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, seria difícil restringir o uso dos
drones, já que são produtos de uso civil, vendidos sem exigência de registro ou
controle e operáveis até por crianças.
"Uma
abordagem mais inteligente seria reforçar o controle de artefatos explosivos —
que já são considerados produtos controlados pelo Exército — e coibir sua
fabricação clandestina, como no caso das centenas de granadas artesanais
apreendidas em comunidades do Rio de Janeiro."
A DJI,
marca mais citada entre os drones apreendidos pela Polícia Federal, disse, em
nota à BBC News Brasil, que "desenvolve tecnologias voltadas à segurança e
responsabilidade, mantendo diálogo contínuo com autoridades em diversos países
para apoiar operações mais seguras com drones."
A marca
afirma que implementou recursos como sistemas avançados de geolocalização,
identificação remota e ferramentas que permitem o monitoramento de drones em
operação por autoridades qualificadas.
No
Brasil, a empresa ressaltou a importância do cumprimento das normas que regem a
operação e comercialização de drones, incluindo a homologação pela Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel), o registro na Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac) e a observância dos requisitos de operação estabelecidos
pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA).
A marca
disse ainda que apoia iniciativas "para orientar consumidores e operadores
sobre a aquisição de drones devidamente homologados, com nota fiscal e
rastreabilidade" e que "permanece à disposição das autoridades
brasileiras para colaborar sempre que solicitado, e segue empenhada no
aprimoramento constante de seus sistemas de segurança, com o objetivo de
promover o uso responsável, ético e legal da tecnologia de drones no
país."
Fonte:
BBC News Brasil

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