sábado, 6 de dezembro de 2025

O que diz cada lado em crise sobre mudança em impeachment de ministros do STF

Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta quinta-feira (04/12) o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para que o ministro reconsiderasse sua medida cautelar que suspendeu diversos trechos da Lei do Impeachment relativos ao afastamento de magistrados da corte.

A AGU havia pedido na quarta-feira (03) que Mendes deixasse para o plenário do STF decidir sobre o assunto e suspendesse a medida cautelar.

O órgão é comandado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias — escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como sua nova indicação para o STF, que precisa ser aprovada pelo Senado.

A manifestação da AGU, assinada por Messias, foi apresentada em um momento delicado para sua indicação e para a relação entre o Planalto e o Senado.

Na terça-feira (02/12), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), cancelou a sabatina de Messias.

A suspensão tem como pano de fundo a escolha de Lula, enquanto Alcolumbre apoiava a indicação de seu aliado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A opção por Messias "azedou o clima político" segundo afirmou um ministro do STF em caráter reservado à BBC News Brasil no dia da escolha de Lula.

Para alguns analistas, a manifestação da AGU na quarta-feira foi um aceno de Messias aos senadores — a pauta do impeachment de ministros do STF é cara aos parlamentares.

Alcolumbre criticou a decisão de Mendes durante a abertura da sessão no Senado na quarta. De acordo com ele, as mudanças tentam "usurpar as prerrogativas do poder Legislativo".

O presidente do Senado lembrou que já existe um projeto de lei em tramitação na Casa, de autoria de Rodrigo Pacheco, para reformar a Lei do Impeachment.

Ao rejeitar o pedido da AGU, Gilmar Mendes argumentou que não existe no ordenamento jurídico brasileiro a figura do "pedido de reconsideração" — diferente de um recurso convencional, que tem "estrutura, pressupostos e efeitos definidos".

"Trata-se, na realidade, de expediente informal, destituído de previsão normativa e incapaz de gerar efeitos próprios dos recursos típicos, como a suspensão ou interrupção de prazos processuais (...)", argumentou o ministro do STF, para quem o pedido da AGU foi "incabível".

Mendes defendeu a validade de sua medida cautelar.

"Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos", escreveu o decano do STF.

Na quarta, Gilmar Mendes restringiu de forma liminar (temporária) à Procuradoria Geral da República (PGR) a prerrogativa de entrar com um pedido de impeachment contra os magistrados.

Em entrevista à BBC News Brasil no mês passado, o ministro já havia dito que pretendia julgar ainda neste ano ações protocoladas na Corte sobre o assunto.

Nas decisões desta quarta e quinta-feira, Mendes argumentou que a "alguns pontos" da lei que trata do impeachment de membros do Judiciário vão de encontro à Constituição, por isso decidiu pela liminar.

Além disso, alguns trechos da legislação afetariam a independência judicial.

"Desse modo, tenho para mim que a medida cautelar deferida, além de encontrar fiel amparo na Constituição Federal, mostra-se indispensável para fazer cessar um estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional. Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos", argumentou o ministro nesta quinta-feira, ao rejeitar o pedido da AGU.

A medida cautelar decidida por Mendes será analisada pelo plenário do STF em sessão virtual agendada para começar no próximo dia 12.

As duas ações que estão sendo discutidas no STF foram apresentadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que buscam aumentar a proteção dos juízes contra pedidos de impeachment.

Pela lei atual, qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um ministro do STF.

A AGU argumentou ser legítimo que qualquer cidadão possa fazer isso.

"O controle do exercício do poder pelos cidadãos decorre da soberania popular inscrita no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, ao estatuir que: todo o poder emana do povo", argumentou o órgão comandado por Messias.

Um dos trechos da lei questionados por Gilmar Mendes refere-se ao quórum necessário para a abertura de um processo de impeachment, de maioria simples — o equivalente aos votos de 21 senadores.

Para Mendes, seria mais adequado — e constitucional — o quórum de dois terços dos senadores. De acordo com o ministro, isso protegeria as garantias constitucionais da magistratura e a autonomia do Judiciário.

O decano do STF havia solicitado que a AGU se manifestasse sobre o tema. Entretanto, nesta quinta-feira, ele criticou que a resposta só tenha vindo agora.

"Após o transcurso de quase 2 (dois) meses do prazo assinalado, o ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO manifestou-se nos autos", escreveu Mendes.

Nesta quinta-feira, o ministro afirmou à TV Globo que sua decisão não busca proteger ministros do Supremo como ele. Mendes destacou que a lei em vigor atualmente é de 1950.

"Se trata de aplicar a Constituição, é isso que estamos fazendo. Tendo em vista que a lei, de alguma forma, ela já caducou. É de 1950, feita para regulamentar o impeachment no processo da Constituição de 1946. Ela já passou por várias constituições, e, agora, se coloca a sua discussão face à Constituição de 1988", afirmou o ministro.

Em evento promovido pelo portal Jota, o ministro do STF Flávio Dino também defendeu a revisão da lei de 1950. Ele afirmou que já foram apresentados 81 pedidos de impeachment contra ministros do Supremo.

"Isso jamais aconteceu antes no Brasil e isso nunca aconteceu em nenhum país do planeta Terra. Então, é preciso analisar para ver se de fato são imputações, acusações de crime de responsabilidade. Por que agora? Porque tem 81 pedidos de impeachment", afirmou Dino.

"Isso agudiza a necessidade de revisão do marco normativo. Espero que esse julgamento inclusive sirva como estímulo ao Congresso Nacional para legislar sobre o assunto."

•        A bem-vinda exigência de juridicidade no impeachment. Por Lenio Luiz Streck

O assunto é a decisão do ministro Gilmar Mendes na ADPF 1259, em que faz uma filtragem constitucional da carcomida Lei 1.079 de 1950, feita no tempo em que o Ministério Público era um braço do Executivo e nem havia a Lei Orgânica da Magistratura.  Prato cheio para os críticos do Supremo. A acusação de autoblindagem é a mais carinhosa, vinda da direita e da esquerda. Malu Gaspar chega a dizer “golpe do STF”, ela quem disse que o impeachment de Dilma foi um mal necessário e que foi tudo dentro da lei. Afinal, o que é isto–um golpe? 

Aliás, o fantasma do lavajatismo, além de tentar colocar o STF contra as cordas, volta para nos lembrar que vivemos um “golpe permanente”: a extrema direita quer impeachment de ministros do STF. Sem passar pela PGR. E isso é “normal”. 

A decisão de Gilmar é correta e necessária. STF e impeachment viraram meta de campanha eleitoral. Trata-se de um revide contra o STF por causa do 8 de Janeiro. O guardião da Constituição tem de ser esfacelado. O açougueiro de minha rua diz: “Com esse STF não dá mais”. Eis o Zeitgeist –o espírito do tempo pós-lavajatista e pós-8 de Janeiro. Redes sociais em delírio. 

A fúria é contra a redefinição da titularidade do pedido de impeachment, reinterpretada por Gilmar para o colocar nas mãos do PGR (que, lembremos, tem legitimidade que lhe é dada pelo Senado e por indicação em lista tríplice). Portanto, é caricato o argumento de que “se retira do cidadão o poder de…”. Ora, há 99 pedidos feitos por congressistas e cidadãos: todos sem qualquer argumento jurídico. Então um ministro do STF pode ser limado por causa de discordância política?

Aliás, se para processar um ministro por qualquer tipo de crime essa legitimidade é só do PGR, por qual razão, para algo mais grave como o impeachment, esse poder se estenda a esse ponto? Para pedir impeachment do presidente da República precisa um quórum altíssimo; para o de ministro do STF, qualquer pessoa. E uma só. É sério isso? Mais grave –e isso também foi objeto da decisão de Gilmar– é o quórum de apenas maioria simples para impichar ministro, o que fazia com que até mesmo com 11 votos um ministro da Suprema Corte pudesse ser afastado. Não parece inconstitucional? Não mereceria um editorial? Veja-se: até ontem o presidente do Senado tinha o poder de colocar em votação o pedido, o que lhe dava um poder absoluto. Com quórum irrisório, o ministro fica(va) nas mãos do presidente do Senado. Agora, com a legitimidade restrita do PGR, diminui sobremodo o poder de barganha do presidente do Senado.  

Não há nada de estranho na decisão. Há, sim, um banho de imersão constitucional de uma lei desatualizada. Gilmar buscou uma isonomia com a exigência do impeachment de presidente da República: quórum de 2/3. Ademais, Gilmar poderia ter feito diferente, como o STF fez com a Lei de Imprensa: poderia tê-la fulminado in totum, ao menos na parte que diz respeito aos ministros do STF. 

Aliás, o impeachment de Dilma deveria nos ter ensinado que não se pode tratar de impeachment –qualquer deles– do modo como estava sendo feito, a ponto de o Congresso transformar o regime presidencialista em parlamentarismo.

E é exatamente nesse ponto é que está o maior mérito da decisão: a de colocar a exigência de juridicidade no impeachment. Despolitizar. É o direito que deve guiar o impeachment. E não os desejos políticos. Na mão do cidadão ou do congressista, o pedido necessariamente não tem juridicidade. Nas mãos do PGR, só se aceitará um pedido de impeachment sustentado em violações descritas em lei. 

A teoria da recepção das normas exige que, de uma lei velha, apenas permaneça o que for compatível com a Constituição. Para isso existem técnicas como a interpretação conforme –aliás corriqueiras no STF. Onde a estranheza? Por isso, é possível salvar velhos textos com novas roupagens. A comunidade jurídica conhece bem isso.

Isso vale também para os outros 2 itens da decisão: a adaptação da velha lei à Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e a proibição de crime de hermenêutica –pelo menos nessa parte não há maiores ataques à decisão. Afinal, isso está superado desde quando Rui Barbosa defendeu o juiz Alcides Lima, lá no século 19, acusado de crime de interpretação.

Em suma: se o ponto de discórdia é a transferência da legitimidade do pedido para as mãos do PGR, então fiquemos tranquilos: agora o impeachment (e isso se estenderá ao impeachment de presidente da República) ganha visíveis ares de juridicidade. E isso é um ganho incomensurável.  E não precisaremos ouvir que “em 2026 teremos um Senado para impichar ministro do STF”. A democracia exige mais de todos nós. Ou não?

•        Juristas defendem decisão de Gilmar Mendes sobre impeachment no STF

Os juristas Rafael Valim e Walfrido Warde entraram no debate sobre os limites constitucionais do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em artigo publicado nesta sexta-feira (5), na Conjur. No texto, ambos saem em defesa da decisão do ministro Gilmar Mendes, que revisitou dispositivos da Lei do Impeachment de 1950 para adaptá-los à Constituição de 1988.

O artigo destaca que muitos comentários críticos não levaram em conta a íntegra da decisão, composta por 71 laudas. Segundo os autores, a medida não é “teratológica” nem representa violação à separação de Poderes, contrariando a narrativa difundida por setores contrários ao entendimento firmado pelo ministro.

Na decisão, Gilmar Mendes estabeleceu três pontos essenciais: a regra que permite a qualquer cidadão denunciar ministro do STF por crime de responsabilidade não foi recepcionada pela Constituição de 1988; o quórum para admitir e receber denúncias não pode ser de maioria simples, devendo ser qualificado, de dois terços dos senadores; e não é possível instaurar processo de impeachment por discordância quanto ao mérito de decisões judiciais. A partir desse entendimento, cabe exclusivamente ao procurador-geral da República apresentar denúncias desse tipo.

Para Valim e Warde, tais ajustes reforçam a proteção institucional do Supremo e corrigem fragilidades da legislação de 1950. Os juristas sublinham que a destituição de um ministro da Corte deve ser tratada como medida “excepcionalíssima”, exigindo salvaguardas compatíveis com o papel constitucional do STF. “Os comandos extraídos da decisão do ministro Gilmar Mendes são de todo razoáveis e encontram fundamento em nosso sistema constitucional", dizem os especialistas.

Eles também veem na decisão um convite para que o Congresso atualize o marco legal do impeachment, alinhando-o ao texto constitucional vigente. “A Lei do Impeachment, a toda evidência, apresenta garantias institucionais insuficientes em relação aos integrantes do Supremo Tribunal Federal e, por isso, mereceu revisão à luz da Constituição de 1988".

Os autores observam ainda que, em escala global, movimentos de extrema-direita têm buscado enfraquecer tribunais constitucionais para abrir caminho a projetos autoritários. Nesse cenário, avaliam que a decisão de Gilmar Mendes adiciona uma dimensão histórica ao debate ao interromper tentativas de esvaziar o Supremo e instrumentalizar processos de impeachment para pressionar magistrados. “Diferentemente de Vittorio Emanuele 3º, o ministro Gilmar Mendes resolveu interromper a Marcha sobre Roma", concluem.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247

 

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