O
que diz cada lado em crise sobre mudança em impeachment de ministros do STF
Gilmar
Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta quinta-feira (04/12)
o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para que o ministro reconsiderasse
sua medida cautelar que suspendeu diversos trechos da Lei do Impeachment
relativos ao afastamento de magistrados da corte.
A AGU
havia pedido na quarta-feira (03) que Mendes deixasse para o plenário do STF
decidir sobre o assunto e suspendesse a medida cautelar.
O órgão
é comandado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias — escolhido pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como sua nova indicação para o STF,
que precisa ser aprovada pelo Senado.
A
manifestação da AGU, assinada por Messias, foi apresentada em um momento
delicado para sua indicação e para a relação entre o Planalto e o Senado.
Na
terça-feira (02/12), o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil -
AP), cancelou a sabatina de Messias.
A
suspensão tem como pano de fundo a escolha de Lula, enquanto Alcolumbre apoiava
a indicação de seu aliado, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A opção
por Messias "azedou o clima político" segundo afirmou um ministro do
STF em caráter reservado à BBC News Brasil no dia da escolha de Lula.
Para
alguns analistas, a manifestação da AGU na quarta-feira foi um aceno de Messias
aos senadores — a pauta do impeachment de ministros do STF é cara aos
parlamentares.
Alcolumbre
criticou a decisão de Mendes durante a abertura da sessão no Senado na quarta.
De acordo com ele, as mudanças tentam "usurpar as prerrogativas do poder
Legislativo".
O
presidente do Senado lembrou que já existe um projeto de lei em tramitação na
Casa, de autoria de Rodrigo Pacheco, para reformar a Lei do Impeachment.
Ao
rejeitar o pedido da AGU, Gilmar Mendes argumentou que não existe no
ordenamento jurídico brasileiro a figura do "pedido de
reconsideração" — diferente de um recurso convencional, que tem
"estrutura, pressupostos e efeitos definidos".
"Trata-se,
na realidade, de expediente informal, destituído de previsão normativa e
incapaz de gerar efeitos próprios dos recursos típicos, como a suspensão ou
interrupção de prazos processuais (...)", argumentou o ministro do STF,
para quem o pedido da AGU foi "incabível".
Mendes
defendeu a validade de sua medida cautelar.
"Inexistem,
portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente proferida,
bem assim para a suspensão de seus efeitos", escreveu o decano do STF.
Na
quarta, Gilmar Mendes restringiu de forma liminar (temporária) à Procuradoria
Geral da República (PGR) a prerrogativa de entrar com um pedido de impeachment
contra os magistrados.
Em
entrevista à BBC News Brasil no mês passado, o ministro já havia dito que
pretendia julgar ainda neste ano ações protocoladas na Corte sobre o assunto.
Nas
decisões desta quarta e quinta-feira, Mendes argumentou que a "alguns
pontos" da lei que trata do impeachment de membros do Judiciário vão de
encontro à Constituição, por isso decidiu pela liminar.
Além
disso, alguns trechos da legislação afetariam a independência judicial.
"Desse
modo, tenho para mim que a medida cautelar deferida, além de encontrar fiel
amparo na Constituição Federal, mostra-se indispensável para fazer cessar um
estado de coisas manifestamente incompatível com o texto constitucional.
Inexistem, portanto, razões para alteração dos termos da decisão anteriormente
proferida, bem assim para a suspensão de seus efeitos", argumentou o
ministro nesta quinta-feira, ao rejeitar o pedido da AGU.
A
medida cautelar decidida por Mendes será analisada pelo plenário do STF em
sessão virtual agendada para começar no próximo dia 12.
As duas
ações que estão sendo discutidas no STF foram apresentadas pelo partido
Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros, que buscam
aumentar a proteção dos juízes contra pedidos de impeachment.
Pela
lei atual, qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um ministro do STF.
A AGU
argumentou ser legítimo que qualquer cidadão possa fazer isso.
"O
controle do exercício do poder pelos cidadãos decorre da soberania popular
inscrita no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, ao estatuir
que: todo o poder emana do povo", argumentou o órgão comandado por
Messias.
Um dos
trechos da lei questionados por Gilmar Mendes refere-se ao quórum necessário
para a abertura de um processo de impeachment, de maioria simples — o
equivalente aos votos de 21 senadores.
Para
Mendes, seria mais adequado — e constitucional — o quórum de dois terços dos
senadores. De acordo com o ministro, isso protegeria as garantias
constitucionais da magistratura e a autonomia do Judiciário.
O
decano do STF havia solicitado que a AGU se manifestasse sobre o tema.
Entretanto, nesta quinta-feira, ele criticou que a resposta só tenha vindo
agora.
"Após
o transcurso de quase 2 (dois) meses do prazo assinalado, o ADVOGADO-GERAL DA
UNIÃO manifestou-se nos autos", escreveu Mendes.
Nesta
quinta-feira, o ministro afirmou à TV Globo que sua decisão não busca proteger
ministros do Supremo como ele. Mendes destacou que a lei em vigor atualmente é
de 1950.
"Se
trata de aplicar a Constituição, é isso que estamos fazendo. Tendo em vista que
a lei, de alguma forma, ela já caducou. É de 1950, feita para regulamentar o
impeachment no processo da Constituição de 1946. Ela já passou por várias
constituições, e, agora, se coloca a sua discussão face à Constituição de
1988", afirmou o ministro.
Em
evento promovido pelo portal Jota, o ministro do STF Flávio Dino também
defendeu a revisão da lei de 1950. Ele afirmou que já foram apresentados 81
pedidos de impeachment contra ministros do Supremo.
"Isso
jamais aconteceu antes no Brasil e isso nunca aconteceu em nenhum país do
planeta Terra. Então, é preciso analisar para ver se de fato são imputações,
acusações de crime de responsabilidade. Por que agora? Porque tem 81 pedidos de
impeachment", afirmou Dino.
"Isso
agudiza a necessidade de revisão do marco normativo. Espero que esse julgamento
inclusive sirva como estímulo ao Congresso Nacional para legislar sobre o
assunto."
• A bem-vinda exigência de juridicidade no
impeachment. Por Lenio Luiz Streck
O
assunto é a decisão do ministro Gilmar Mendes na ADPF 1259, em que faz uma
filtragem constitucional da carcomida Lei 1.079 de 1950, feita no tempo em que
o Ministério Público era um braço do Executivo e nem havia a Lei Orgânica da
Magistratura. Prato cheio para os
críticos do Supremo. A acusação de autoblindagem é a mais carinhosa, vinda da
direita e da esquerda. Malu Gaspar chega a dizer “golpe do STF”, ela quem disse
que o impeachment de Dilma foi um mal necessário e que foi tudo dentro da lei.
Afinal, o que é isto–um golpe?
Aliás,
o fantasma do lavajatismo, além de tentar colocar o STF contra as cordas, volta
para nos lembrar que vivemos um “golpe permanente”: a extrema direita quer
impeachment de ministros do STF. Sem passar pela PGR. E isso é “normal”.
A
decisão de Gilmar é correta e necessária. STF e impeachment viraram meta de
campanha eleitoral. Trata-se de um revide contra o STF por causa do 8 de
Janeiro. O guardião da Constituição tem de ser esfacelado. O açougueiro de
minha rua diz: “Com esse STF não dá mais”. Eis o Zeitgeist –o espírito do tempo
pós-lavajatista e pós-8 de Janeiro. Redes sociais em delírio.
A fúria
é contra a redefinição da titularidade do pedido de impeachment, reinterpretada
por Gilmar para o colocar nas mãos do PGR (que, lembremos, tem legitimidade que
lhe é dada pelo Senado e por indicação em lista tríplice). Portanto, é caricato
o argumento de que “se retira do cidadão o poder de…”. Ora, há 99 pedidos
feitos por congressistas e cidadãos: todos sem qualquer argumento jurídico.
Então um ministro do STF pode ser limado por causa de discordância política?
Aliás,
se para processar um ministro por qualquer tipo de crime essa legitimidade é só
do PGR, por qual razão, para algo mais grave como o impeachment, esse poder se
estenda a esse ponto? Para pedir impeachment do presidente da República precisa
um quórum altíssimo; para o de ministro do STF, qualquer pessoa. E uma só. É
sério isso? Mais grave –e isso também foi objeto da decisão de Gilmar– é o
quórum de apenas maioria simples para impichar ministro, o que fazia com que
até mesmo com 11 votos um ministro da Suprema Corte pudesse ser afastado. Não
parece inconstitucional? Não mereceria um editorial? Veja-se: até ontem o
presidente do Senado tinha o poder de colocar em votação o pedido, o que lhe
dava um poder absoluto. Com quórum irrisório, o ministro fica(va) nas mãos do
presidente do Senado. Agora, com a legitimidade restrita do PGR, diminui
sobremodo o poder de barganha do presidente do Senado.
Não há
nada de estranho na decisão. Há, sim, um banho de imersão constitucional de uma
lei desatualizada. Gilmar buscou uma isonomia com a exigência do impeachment de
presidente da República: quórum de 2/3. Ademais, Gilmar poderia ter feito
diferente, como o STF fez com a Lei de Imprensa: poderia tê-la fulminado in
totum, ao menos na parte que diz respeito aos ministros do STF.
Aliás,
o impeachment de Dilma deveria nos ter ensinado que não se pode tratar de
impeachment –qualquer deles– do modo como estava sendo feito, a ponto de o
Congresso transformar o regime presidencialista em parlamentarismo.
E é
exatamente nesse ponto é que está o maior mérito da decisão: a de colocar a
exigência de juridicidade no impeachment. Despolitizar. É o direito que deve
guiar o impeachment. E não os desejos políticos. Na mão do cidadão ou do
congressista, o pedido necessariamente não tem juridicidade. Nas mãos do PGR,
só se aceitará um pedido de impeachment sustentado em violações descritas em
lei.
A
teoria da recepção das normas exige que, de uma lei velha, apenas permaneça o
que for compatível com a Constituição. Para isso existem técnicas como a
interpretação conforme –aliás corriqueiras no STF. Onde a estranheza? Por isso,
é possível salvar velhos textos com novas roupagens. A comunidade jurídica
conhece bem isso.
Isso
vale também para os outros 2 itens da decisão: a adaptação da velha lei à Loman
(Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e a proibição de crime de hermenêutica
–pelo menos nessa parte não há maiores ataques à decisão. Afinal, isso está
superado desde quando Rui Barbosa defendeu o juiz Alcides Lima, lá no século
19, acusado de crime de interpretação.
Em
suma: se o ponto de discórdia é a transferência da legitimidade do pedido para
as mãos do PGR, então fiquemos tranquilos: agora o impeachment (e isso se
estenderá ao impeachment de presidente da República) ganha visíveis ares de
juridicidade. E isso é um ganho incomensurável.
E não precisaremos ouvir que “em 2026 teremos um Senado para impichar
ministro do STF”. A democracia exige mais de todos nós. Ou não?
• Juristas defendem decisão de Gilmar
Mendes sobre impeachment no STF
Os
juristas Rafael Valim e Walfrido Warde entraram no debate sobre os limites
constitucionais do impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),
em artigo publicado nesta sexta-feira (5), na Conjur. No texto, ambos saem em
defesa da decisão do ministro Gilmar Mendes, que revisitou dispositivos da Lei
do Impeachment de 1950 para adaptá-los à Constituição de 1988.
O
artigo destaca que muitos comentários críticos não levaram em conta a íntegra
da decisão, composta por 71 laudas. Segundo os autores, a medida não é
“teratológica” nem representa violação à separação de Poderes, contrariando a
narrativa difundida por setores contrários ao entendimento firmado pelo
ministro.
Na
decisão, Gilmar Mendes estabeleceu três pontos essenciais: a regra que permite
a qualquer cidadão denunciar ministro do STF por crime de responsabilidade não
foi recepcionada pela Constituição de 1988; o quórum para admitir e receber
denúncias não pode ser de maioria simples, devendo ser qualificado, de dois
terços dos senadores; e não é possível instaurar processo de impeachment por
discordância quanto ao mérito de decisões judiciais. A partir desse
entendimento, cabe exclusivamente ao procurador-geral da República apresentar
denúncias desse tipo.
Para
Valim e Warde, tais ajustes reforçam a proteção institucional do Supremo e
corrigem fragilidades da legislação de 1950. Os juristas sublinham que a
destituição de um ministro da Corte deve ser tratada como medida
“excepcionalíssima”, exigindo salvaguardas compatíveis com o papel
constitucional do STF. “Os comandos extraídos da decisão do ministro Gilmar
Mendes são de todo razoáveis e encontram fundamento em nosso sistema
constitucional", dizem os especialistas.
Eles
também veem na decisão um convite para que o Congresso atualize o marco legal
do impeachment, alinhando-o ao texto constitucional vigente. “A Lei do
Impeachment, a toda evidência, apresenta garantias institucionais insuficientes
em relação aos integrantes do Supremo Tribunal Federal e, por isso, mereceu
revisão à luz da Constituição de 1988".
Os
autores observam ainda que, em escala global, movimentos de extrema-direita têm
buscado enfraquecer tribunais constitucionais para abrir caminho a projetos
autoritários. Nesse cenário, avaliam que a decisão de Gilmar Mendes adiciona
uma dimensão histórica ao debate ao interromper tentativas de esvaziar o
Supremo e instrumentalizar processos de impeachment para pressionar
magistrados. “Diferentemente de Vittorio Emanuele 3º, o ministro Gilmar Mendes
resolveu interromper a Marcha sobre Roma", concluem.
Fonte:
BBC News Brasil/Brasil 247

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