sábado, 6 de dezembro de 2025

Perdoar traficante de direita pode? A contradição de Trump em sua guerra ‘antidrogas’

A forma como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu intervir na eleição presidencial em Honduras, ocorrida neste domingo (30/11), é, no mínimo, inovadora. Dois dias antes das eleições presidenciais, o republicano anunciou que concederia indulto ao ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández (JOH), que está detido nos EUA com uma pena final de 45 anos de prisão por exportar mais de 400 toneladas de cocaína para o território norte-americano, conforme determinado por um juiz do distrito sul de Nova York. Na semana anterior, Trump também se manifestou enfaticamente a favor do candidato do Partido Nacional de Honduras (PNH), Nasry ‘Tito’ Asfura, a quem prometeu “grande apoio” caso vença as eleições.

Pelo contrário, ele ameaçou retirar toda a ajuda a Honduras caso vencessem a candidata Rixi Moncada, do Partido Liberdade e Refundação, ou Salvador Nasralla, do Partido Liberal, a quem chamou de “comunistas”.

Com o refrão de “não desperdiçar seu dinheiro”, Trump está replicando a estratégia que usou recentemente nas eleições de meio de mandato na Argentina, na qual o partido de seu aliado, o presidente Javier Milei, saiu vitorioso. A fórmula só falhou no Equador de Daniel Noboa, onde um grande revés político foi o resultado [do referendo para uma nova Constituição no país].

<><> Uma história comum

Em 2021, Asfura apresentou-se como protegido político de JOH, visto que este não podia ser reeleito por já ter cumprido dois mandatos como presidente. Nessa eleição, o candidato conservador foi derrotado pela atual presidente, Xiomara Castro. Seu nome apareceu nos documentos do Pandora Papers e atualmente enfrenta um processo judicial, que pôde responder em liberdade após a revogação de uma proibição de saída do país. A unidade fiscal especializada contra redes de corrupção (UFERCO) de Honduras o investiga por suspeita de peculato, lavagem de dinheiro e fraude.

É importante lembrar que, poucas semanas após Castro assumir o cargo, JOH foi rapidamente transferido para os EUA, país que havia solicitado sua extradição sob a acusação de promover uma operação de “tráfico de drogas patrocinada pelo Estado”, segundo a Procuradoria. O juiz Kevin Castel, do Tribunal Distrital do Sul de Nova York, proferiu a sentença após verificar, por meio de dados de traficantes de drogas, agentes da Administração de Repressão às Drogas (DEA) e informações extraídas de outras prisões, que Hernandez pertencia a uma rede de tráfico de drogas e a promovia, para a qual fornecia proteção armada.

Uma das provas mais divulgadas foi a descoberta do caderno do narcotraficante Nery Orlando López Sanabria, vulgo ‘Magdaleno Meza’, que foi assassinado em uma prisão em Honduras em 2019, antes de JOH deixar o poder. Agentes da DEA interceptaram as comunicações do ex-presidente e confirmaram que ele fazia parte de uma vasta rede criminosa que incluía até mesmo o narcotraficante Joaquín “El Chapo” Guzmán. O objetivo? Enviar centenas de toneladas de drogas para os Estados Unidos.

O caso, conhecido como “narco-cadernos”, detalhou pagamentos de suborno a autoridades, incluindo Juan Antonio “Tony” Hernández, irmão do ex-presidente, que também cumpre pena de prisão perpétua nos EUA. No momento, não há informações se o indulto de Trump se estenderá ao parente do ex-líder centro-americano.

Trump, surpreendente como sempre, optou por “colocar as mãos no fogo” por JOH, poucas horas antes do evento eleitoral. “Concederei um perdão total e completo ao ex-presidente Juan Orlando Hernández, que, segundo muitas pessoas pelas quais tenho grande respeito, foi tratado com muita dureza e injustiça”, informou. Essa ação de Trump não apenas subverte uma decisão do sistema judiciário de seu país, mas também coloca em xeque o trabalho da DEA e sua própria retórica, que nas últimas semanas insistiu em colocar o tráfico de drogas como uma das principais calamidades que afetam os EUA.

Ao mesmo tempo, a postura benevolente de Trump em relação a um político condenado por tráfico de drogas soa paradoxal se ele está na vanguarda da agressiva campanha que Washington implementou no Caribe, supostamente contra o narcotráfico, que foi acompanhada por acusações sem provas contra os presidentes da Venezuela e da Colômbia. Vale lembrar que a defesa de John, antes de sua sentença em junho de 2024, em um esforço para evitar a prisão perpétua, solicitou uma redução para 40 anos. Hoje, nas palavras de Trump, ele está a um passo de ser libertado, o que indignou a opinião pública norte-americana. Mais do que um “duplo padrão”, há uma clara arbitrariedade que implica que as opiniões das pessoas próximas a Trump podem ter mais influência sobre suas políticas do que as instituições policiais e judiciais dos EUA.

Assim, traficantes de drogas condenados, se forem de direita, podem esperar clemência e indulto. Enquanto isso, líderes de esquerda, sem qualquer prova, já são condenados por qualquer acusação que se encaixe na retórica hostil do trumpismo.

¨      A ofensiva dos EUA contra a América Latina tem sentido estratégico global. Por José Reinaldo Carvalho

Nos últimos dias, as ações do governo Trump reacenderam o debate sobre a verdadeira motivação por trás da chamada “guerra ao narcoterrorismo” no Caribe e na América Latina, cuja expressão maior é a operação denominada Lança do Sul, que com todas as evidências baseia-se em falsos pretextos de combate a um inexistente “narcoterrorismo” para ativar a busca nunca abandonada de intervir no hemisfério e controlá-lo sob sua hegemonia. Essa retórica tem servido, na prática, como justificativa para ameaças diretas a países soberanos, entre eles a Venezuela e a Colômbia e, ocorre simultaneamente à intensificação das perseguições a Cuba e à Nicarágua.

<><> Honduras volta à mira de Washington

Nos últimos dias, Honduras entrou na alça de mira do imperialismo estadunidense com a interferência aberta do próprio chefete da Casa Branca no processo eleitoral do país centroamericano. Trump condicionou a ajuda externa a Honduras ao resultado das eleições, expressando apoio público ao candidato de sua preferência, numa ingerência evidente na soberania eleitoral hondurenha.

<><> “Lança do Sul” e o papel do Comando Sul

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, anunciou em novembro o início da operação militar “Lança do Sul”, voltada, segundo ele, contra “narcoterroristas” no Hemisfério Ocidental. Em publicação no X, Hegseth afirmou que a missão, conduzida pela Força-Tarefa Conjunta Lança do Sul e pelo Comando Sul (SOUTHCOM), busca proteger o país e combater o tráfico de drogas.

O SOUTHCOM abrange operações em 31 países da América do Sul, América Central e Caribe. O anúncio ocorre enquanto os EUA intensificam ataques a embarcações ligadas ao narcotráfico no Caribe e no Pacífico, e em meio ao aumento das ameaças de agressão contra a Venezuela, com uma frota de belonaves que inclui o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, à região. Em janeiro, o Comando Sul já havia divulgado uma ação com o mesmo nome, prevendo o uso de embarcações robóticas, lanchas interceptoras e aeronaves não tripuladas para apoiar operações antidrogas. O Pentágono e a Casa Branca não comentaram o novo anúncio.

<><> Planos de ataque à Venezuela e escalada no Caribe

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu diferentes opções de ação relacionadas à Venezuela, incluindo possíveis ataques a instalações militares, governamentais ou supostas rotas do narcotráfico. As forças estadunidenses já atacaram 22 embarcações acusadas sem provas de tráfico marítimo no Caribe e no Oceano Pacífico, tendo já assassinado 83 pessoas. Tudo indica que a matança não vai parar. As autoridades militares dos EUA já disseram que a ordem é “matar todos” os suspeitos de transportar drogas. Trump foi além, assegurando que os EUA atacarão “todos os países” responsáveis pelo envio de drogas aos Estados Unidos, uma abstrusão porquanto não há países, Estados nacionais, governos constituídos que vendem drogas para os Estados Unidos ou quaisquer outros países.

Governos, forças políticas e movimentos sociais realistas e responsáveis sabem que o rótulo de “narcoterrorismo” é utilizado como argumento político, um pretexto para justificar uma ofensiva contra governos que não se submetem aos interesses e desígnios geopolíticos dos EUA. O falso conceito serve à lógica intervencionista de sempre dos Estados Unidos quando se trata de perseguir seus objetivos na região. Esta lógica intervencionista é historicamente associada à imposição de regimes alinhados e subordinados a Washington.

<><> Venezuela sob cerco

A Venezuela é alvo central de uma campanha de deslegitimação, com acusações de apoiar o suposto cartel chamado Cartel de los Soles e a instituição de recompensas milionárias pela captura de seu presidente, bem como a declaração do espaço aéreo venezuelano como “fechado em sua totalidade”. A ostensiva presença de navios de guerra em águas próximas à Venezuela, já é de per si um ato de agressão, a reafirmação por parte de Trump de que todas as opções estão sobre a mesa, inclusive a militar, para derrubar o governo Venezuelano é uma ameaça que também de per si viola o Direito Internacional e agride a soberania da nação venezuelana.

<><> Resistência interna e alianças internacionais da Venezuela

Em contraponto a essa ofensiva, o governo de Nicolás Maduro se posiciona de maneira firme. Mídias internacionais instruídas pelo Departamento de Estado e a Secretaria de Guerra de Washington insinuam recuo de Maduro e inclinação a ceder à pressão estadunidense. No entanto, essas versões não se sustentam diante dos fatos recentes: longe de sinalizar rendição, o presidente venezuelano reafirma publicamente sua linha política e mantém discurso de resistência e luta. As versões difundidas sobre capitulação não encontram respaldo na realidade, simplificam e distorcem a complexidade da correlação de forças no país. Ainda segundo essas mesmas versões, Maduro estaria isolado interna e externamente, sem capacidade de reação, mas a realidade indica o contrário. Maduro preserva apoio considerável entre setores populares, conta com respaldo diplomático de aliados estratégicos e mantém coesão no dispositivo de defesa nacional. As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB), articuladas com as milícias populares bolivarianas, continuam estruturadas e leais ao governo, em prontidão máxima, evidenciando que não há sinais de rendição, mas sim de continuidade da resistência política e militar diante das investidas estrangeiras.

<><> Maduro aposta na diplomacia firme e prudente

Além disso, Caracas conta com apoio diplomático e garantias de solidariedade de potências globais como Rússia, China e Irã, atores geopolíticos que veem no cerco dos EUA uma tentativa de reafirmar sua influência na região. Dentro desse contexto tenso, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em defesa de uma solução diplomática para a crise venezuelana surge como um gesto relevante, que poderia ser reforçado com declarações e gestos explícitos de solidariedade com a Venezuela.

A postura de Maduro na conversação mantida via ligação telefônica com Trump, há cerca de duas semanas, não foi de cedência nem de radicalismo estéril e irrealista. Pelo contrário, ao relatar o diálogo, o presidente Maduro enfatizou seu compromisso com a prudência diplomática, aprendida durante seus anos como ministro das Relações Exteriores e sob a orientação do Comandante Hugo Chávez, preferindo a discrição em assuntos de grande importância e rejeitando a “diplomacia de microfone”. Nicolás Maduro disse que a conversa telefônica foi "respeitosa e cordial", defendeu o diálogo entre os Estados como um caminho para a paz e a diplomacia, em meio às crescentes ameaças e ao destacamento militar dos EUA próximo à costa venezuelana. O presidente bolivariano, agindo como um revolucionário consequente, não renunciou às suas posições de princípio nem deu sinais de ceder terreno ou manifestar qualquer tendência à capitulação.

<><> Dimensão geopolítica da ofensiva estadunidense

Para além de ser necessário resistir e enfrentar a ofensiva estadunidense contra a Venezuela, as forças anti-imperialistas devem refletir sobre matizes geopolíticos mais amplos. A estratégia atual dos EUA visa ao controle da vizinhança hemisférica, que considera seu quintal e área natural de influência e domínio, como etapa para acumular mais fora com a finalidade de recompor seu poder global, em declínio. A questão a verificar é se o intenso empenho dos EUA e o esforço concentrado na busca da hegemonia total sobre as Américas e o Caribe têm um escopo estratégico superior, consistindo em uma transição para em etapa subsequente promover um novo engajamento contra as principais potências rivais: a China e a Rússia. Observe-se que, por ora, o imperialismo estadunidense promove determinados recuos táticos relativamente à Otan, à guerra na Ucrânia e até mesmo à guerra comercial contra a China, rendendo-se à realidade dos fatos que exige uma política externa de competição mesclada com parceria e até cooperação. Em suma, o que se desenha é um renovado ciclo intervencionista. O rótulo de “narcoterrorismo” funciona como fachada. A verdadeira meta é o reordenamento do poder na América Latina, posicionando os Estados Unidos como árbitro único do destino regional, uma operação que, se consumada, comprometeria a soberania, a autodeterminação e o equilíbrio geopolítico de toda a região, que pagaria o preço da próxima empreitada dos Estados Unidos em busca da recomposição da hegemonia mundial, que exigirá o enfrentamento à China e à Rússia com um sistema de alianças regional mais robusto.

Quem pensa o Brasil estrategicamente deveria debruçar-se numa reflexão profunda a respeito disto.

¨      O “Corolário Trump” à Doutrina Monroe. Por Marcelo Zero

Nessa data, Trump emitiu uma Mensagem Presidencial comemorativa, a qual passou relativamente despercebida. Não deveria. A mensagem é assustadora.

Nela, lê-se o seguinte:

Em 2 de dezembro de 1823, a doutrina da soberania americana foi imortalizada em prosa quando o presidente James Monroe declarou perante a nação uma verdade simples que ecoou ao longo dos séculos: Os Estados Unidos jamais vacilarão na defesa de nossa pátria, de nossos interesses ou do bem-estar de nossos cidadãos. Hoje, meu governo reafirma com orgulho essa promessa sob um novo “Corolário Trump” à Doutrina Monroe: Que o povo americano — e não nações estrangeiras nem instituições globalistas — sempre controlará seu próprio destino em nosso hemisfério. Assim, o “Corolário Trump” deixa claro que o continente americano “pertence” aos EUA e que nenhuma “nação estrangeira” ou “instituição globalista” podem exercer quaisquer influências nesse território ou “quintal”.

Trata-se de um recado claro a países como China e Rússia, e mesmo a respeitáveis instituições multilaterais, como a própria ONU e suas agências especializadas: “aqui mandamos nós”. 

E aqui podemos atuar livremente, de acordo com nossos interesses, sem respeitar regras e acordos ou quaisquer limites impostos pelo direito internacional público. 

Mais adiante, a mensagem de Trump afirma que: Nos séculos que se seguiram, a doutrina da soberania do Presidente Monroe protegeu os continentes americanos contra o comunismo, o fascismo e a interferência estrangeira, e como o 47º Presidente dos Estados Unidos, reafirmo com orgulho essa política consagrada pelo tempo. Desde que assumi o cargo, tenho buscado agressivamente uma política de "América Primeiro", de paz através da força. Restauramos o acesso privilegiado dos EUA no Canal do Panamá. Estamos restabelecendo a supremacia marítima americana. Estamos combatendo práticas antimercantis nos setores de logística e cadeia de suprimentos internacionais

Dessa forma, o uso da força, do Big Stick, é o único fundamento, bárbaro e cru, da Doutrina Monroe, sob o “Corolário Trump”.

Trump afirma, com evidente orgulho: Minha administração também está interrompendo o fluxo de drogas mortais que atravessam o México, pondo fim à invasão de imigrantes ilegais em nossa fronteira sul e desmantelando redes narcoterroristas em todo o Hemisfério Ocidental. Para defender os trabalhadores e as indústrias de nossa nação, recentemente assegurei acordos comerciais históricos com El Salvador, Argentina, Equador e Guatemala, permitindo um acesso ao mercado maior e mais ágil. Revigorada pelo meu Corolário Trump, a Doutrina Monroe está viva e forte — e a liderança americana está retornando com mais força do que nunca.

Em seu início, a Doutrina Monroe tinha uma dimensão anticolonial. Havia uma preocupação de proteger as recentes repúblicas americanas independentes contra possíveis agressões das grandes potências europeias.

Com o tempo, contudo, especialmente a partir de William McKinley e Theodore Roosevelt, a Doutrina Monroe tornou-se um claro instrumento de domínio imperial os EUA. Com Trump, e sob os parâmetros geopolíticos na nova Guerra Fria, essa doutrina ressurge com força e através da força. O Corolário Trump à Doutrina Monroe é simples e assustador: submetam-se ou sofram as consequências.

O Imperador está nu e com o grande porrete na mão. 

 

Fonte: Opera Mundi/Brasil 247

 

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