Perdoar
traficante de direita pode? A contradição de Trump em sua guerra ‘antidrogas’
A forma
como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu intervir na eleição presidencial em Honduras,
ocorrida neste domingo (30/11), é, no mínimo, inovadora. Dois dias antes
das eleições presidenciais, o republicano anunciou que concederia indulto ao
ex-presidente hondurenho Juan Orlando Hernández (JOH), que está detido nos EUA
com uma pena final de 45 anos de prisão por exportar mais de 400 toneladas de
cocaína para o território norte-americano, conforme determinado por um juiz do
distrito sul de Nova York. Na semana anterior, Trump também se manifestou
enfaticamente a favor do candidato do Partido Nacional de Honduras (PNH), Nasry
‘Tito’ Asfura, a quem prometeu “grande apoio” caso vença as eleições.
Pelo
contrário, ele ameaçou retirar toda a ajuda a Honduras caso vencessem a
candidata Rixi Moncada, do Partido Liberdade e Refundação, ou Salvador
Nasralla, do Partido Liberal, a quem chamou de “comunistas”.
Com o
refrão de “não desperdiçar seu dinheiro”, Trump está replicando a estratégia
que usou recentemente nas eleições de meio de mandato na Argentina, na qual o
partido de seu aliado, o presidente Javier Milei, saiu vitorioso. A fórmula só
falhou no Equador de Daniel Noboa, onde um grande revés político foi o
resultado [do referendo para uma nova Constituição no país].
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Uma história comum
Em
2021, Asfura apresentou-se como protegido político de JOH, visto que este não
podia ser reeleito por já ter cumprido dois mandatos como presidente. Nessa
eleição, o candidato conservador foi derrotado pela atual presidente, Xiomara
Castro. Seu nome apareceu nos documentos do Pandora Papers e atualmente
enfrenta um processo judicial, que pôde responder em liberdade após a revogação
de uma proibição de saída do país. A unidade fiscal especializada contra redes
de corrupção (UFERCO) de Honduras o investiga por suspeita de peculato, lavagem
de dinheiro e fraude.
É
importante lembrar que, poucas semanas após Castro assumir o cargo, JOH foi
rapidamente transferido para os EUA, país que havia solicitado sua extradição
sob a acusação de promover uma operação de “tráfico de drogas patrocinada pelo
Estado”, segundo a Procuradoria. O juiz Kevin Castel, do Tribunal Distrital do
Sul de Nova York, proferiu a sentença após verificar, por meio de dados de
traficantes de drogas, agentes da Administração de Repressão às Drogas (DEA) e
informações extraídas de outras prisões, que Hernandez pertencia a uma rede de
tráfico de drogas e a promovia, para a qual fornecia proteção armada.
Uma das
provas mais divulgadas foi a descoberta do caderno do narcotraficante Nery
Orlando López Sanabria, vulgo ‘Magdaleno Meza’, que foi assassinado em uma
prisão em Honduras em 2019, antes de JOH deixar o poder. Agentes da DEA
interceptaram as comunicações do ex-presidente e confirmaram que ele fazia
parte de uma vasta rede criminosa que incluía até mesmo o narcotraficante
Joaquín “El Chapo” Guzmán. O objetivo? Enviar centenas de toneladas de drogas
para os Estados Unidos.
O caso,
conhecido como “narco-cadernos”, detalhou pagamentos de suborno a autoridades,
incluindo Juan Antonio “Tony” Hernández, irmão do ex-presidente, que também
cumpre pena de prisão perpétua nos EUA. No momento, não há informações se o
indulto de Trump se estenderá ao parente do ex-líder centro-americano.
Trump,
surpreendente como sempre, optou por “colocar as mãos no fogo” por JOH, poucas
horas antes do evento eleitoral. “Concederei um perdão total e completo ao
ex-presidente Juan Orlando Hernández, que, segundo muitas pessoas pelas quais
tenho grande respeito, foi tratado com muita dureza e injustiça”, informou. Essa
ação de Trump não apenas subverte uma decisão do sistema judiciário de seu
país, mas também coloca em xeque o trabalho da DEA e sua própria retórica, que
nas últimas semanas insistiu em colocar o tráfico de drogas como uma das
principais calamidades que afetam os EUA.
Ao
mesmo tempo, a postura benevolente de Trump em relação a um político condenado
por tráfico de drogas soa paradoxal se ele está na vanguarda da agressiva campanha que Washington
implementou no Caribe,
supostamente contra o narcotráfico, que foi acompanhada por acusações sem
provas contra os presidentes da Venezuela e da Colômbia. Vale lembrar que a
defesa de John, antes de sua sentença em junho de 2024, em um esforço para
evitar a prisão perpétua, solicitou uma redução para 40 anos. Hoje, nas
palavras de Trump, ele está a um passo de ser libertado, o que indignou a
opinião pública norte-americana. Mais do que um “duplo padrão”, há uma clara
arbitrariedade que implica que as opiniões das pessoas próximas a Trump podem
ter mais influência sobre suas políticas do que as instituições policiais e
judiciais dos EUA.
Assim,
traficantes de drogas condenados, se forem de direita, podem esperar
clemência e indulto. Enquanto isso, líderes de esquerda, sem qualquer prova, já
são condenados por qualquer acusação que se encaixe na retórica hostil do
trumpismo.
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A ofensiva dos EUA contra a América Latina tem sentido
estratégico global. Por José Reinaldo Carvalho
Nos
últimos dias, as ações do governo Trump reacenderam o debate sobre a verdadeira
motivação por trás da chamada “guerra ao narcoterrorismo” no Caribe e na
América Latina, cuja expressão maior é a operação denominada Lança do Sul, que
com todas as evidências baseia-se em falsos pretextos de combate a um
inexistente “narcoterrorismo” para ativar a busca nunca abandonada de intervir
no hemisfério e controlá-lo sob sua hegemonia. Essa retórica tem servido, na
prática, como justificativa para ameaças diretas a países soberanos, entre eles
a Venezuela e a Colômbia e, ocorre simultaneamente à intensificação das
perseguições a Cuba e à Nicarágua.
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Honduras volta à mira de Washington
Nos
últimos dias, Honduras entrou na alça de mira do imperialismo estadunidense com
a interferência aberta do próprio chefete da Casa Branca no processo eleitoral
do país centroamericano. Trump condicionou a ajuda externa a Honduras ao
resultado das eleições, expressando apoio público ao candidato de sua
preferência, numa ingerência evidente na soberania eleitoral hondurenha.
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“Lança do Sul” e o papel do Comando Sul
O
secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, anunciou em novembro o
início da operação militar “Lança do Sul”, voltada, segundo ele, contra
“narcoterroristas” no Hemisfério Ocidental. Em publicação no X, Hegseth afirmou
que a missão, conduzida pela Força-Tarefa Conjunta Lança do Sul e pelo Comando
Sul (SOUTHCOM), busca proteger o país e combater o tráfico de drogas.
O
SOUTHCOM abrange operações em 31 países da América do Sul, América Central e
Caribe. O anúncio ocorre enquanto os EUA intensificam ataques a embarcações
ligadas ao narcotráfico no Caribe e no Pacífico, e em meio ao aumento das
ameaças de agressão contra a Venezuela, com uma frota de belonaves que inclui o
porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior do mundo, à região. Em janeiro, o
Comando Sul já havia divulgado uma ação com o mesmo nome, prevendo o uso de
embarcações robóticas, lanchas interceptoras e aeronaves não tripuladas para
apoiar operações antidrogas. O Pentágono e a Casa Branca não comentaram o novo
anúncio.
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Planos de ataque à Venezuela e escalada no Caribe
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu diferentes opções de ação
relacionadas à Venezuela, incluindo possíveis ataques a instalações militares,
governamentais ou supostas rotas do narcotráfico. As forças estadunidenses já
atacaram 22 embarcações acusadas sem provas de tráfico marítimo no Caribe e no
Oceano Pacífico, tendo já assassinado 83 pessoas. Tudo indica que a matança não
vai parar. As autoridades militares dos EUA já disseram que a ordem é “matar
todos” os suspeitos de transportar drogas. Trump foi além, assegurando que os
EUA atacarão “todos os países” responsáveis pelo envio de drogas aos Estados
Unidos, uma abstrusão porquanto não há países, Estados nacionais, governos
constituídos que vendem drogas para os Estados Unidos ou quaisquer outros
países.
Governos,
forças políticas e movimentos sociais realistas e responsáveis sabem que o
rótulo de “narcoterrorismo” é utilizado como argumento político, um pretexto
para justificar uma ofensiva contra governos que não se submetem aos interesses
e desígnios geopolíticos dos EUA. O falso conceito serve à lógica
intervencionista de sempre dos Estados Unidos quando se trata de perseguir seus
objetivos na região. Esta lógica intervencionista é historicamente associada à
imposição de regimes alinhados e subordinados a Washington.
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Venezuela sob cerco
A
Venezuela é alvo central de uma campanha de deslegitimação, com acusações de
apoiar o suposto cartel chamado Cartel de los Soles e a instituição de
recompensas milionárias pela captura de seu presidente, bem como a declaração
do espaço aéreo venezuelano como “fechado em sua totalidade”. A ostensiva
presença de navios de guerra em águas próximas à Venezuela, já é de per si um
ato de agressão, a reafirmação por parte de Trump de que todas as opções estão
sobre a mesa, inclusive a militar, para derrubar o governo Venezuelano é uma
ameaça que também de per si viola o Direito Internacional e agride a soberania
da nação venezuelana.
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Resistência interna e alianças internacionais da Venezuela
Em
contraponto a essa ofensiva, o governo de Nicolás Maduro se posiciona de
maneira firme. Mídias internacionais instruídas pelo Departamento de Estado e a
Secretaria de Guerra de Washington insinuam recuo de Maduro e inclinação a
ceder à pressão estadunidense. No entanto, essas versões não se sustentam
diante dos fatos recentes: longe de sinalizar rendição, o presidente
venezuelano reafirma publicamente sua linha política e mantém discurso de
resistência e luta. As versões difundidas sobre capitulação não encontram
respaldo na realidade, simplificam e distorcem a complexidade da correlação de
forças no país. Ainda segundo essas mesmas versões, Maduro estaria isolado
interna e externamente, sem capacidade de reação, mas a realidade indica o
contrário. Maduro preserva apoio considerável entre setores populares, conta
com respaldo diplomático de aliados estratégicos e mantém coesão no dispositivo
de defesa nacional. As Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB),
articuladas com as milícias populares bolivarianas, continuam estruturadas e
leais ao governo, em prontidão máxima, evidenciando que não há sinais de
rendição, mas sim de continuidade da resistência política e militar diante das
investidas estrangeiras.
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Maduro aposta na diplomacia firme e prudente
Além
disso, Caracas conta com apoio diplomático e garantias de solidariedade de
potências globais como Rússia, China e Irã, atores geopolíticos que veem no
cerco dos EUA uma tentativa de reafirmar sua influência na região. Dentro desse contexto
tenso, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em defesa de uma
solução diplomática para a crise venezuelana surge como um gesto relevante, que
poderia ser reforçado com declarações e gestos explícitos de solidariedade com
a Venezuela.
A
postura de Maduro na conversação mantida via ligação telefônica com Trump, há
cerca de duas semanas, não foi de cedência nem de radicalismo estéril e
irrealista. Pelo contrário, ao relatar o diálogo, o presidente Maduro enfatizou
seu compromisso com a prudência diplomática, aprendida durante seus anos como
ministro das Relações Exteriores e sob a orientação do Comandante Hugo Chávez,
preferindo a discrição em assuntos de grande importância e rejeitando a
“diplomacia de microfone”. Nicolás Maduro disse que a conversa telefônica foi
"respeitosa e cordial", defendeu o diálogo entre os Estados como um
caminho para a paz e a diplomacia, em meio às crescentes ameaças e ao
destacamento militar dos EUA próximo à costa venezuelana. O presidente bolivariano,
agindo como um revolucionário consequente, não renunciou às suas posições de
princípio nem deu sinais de ceder terreno ou manifestar qualquer tendência à
capitulação.
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Dimensão geopolítica da ofensiva estadunidense
Para
além de ser necessário resistir e enfrentar a ofensiva estadunidense contra a
Venezuela, as forças anti-imperialistas devem refletir sobre matizes
geopolíticos mais amplos. A estratégia atual dos EUA visa ao controle da
vizinhança hemisférica, que considera seu quintal e área natural de influência
e domínio, como etapa para acumular mais fora com a finalidade de recompor seu
poder global, em declínio. A questão a verificar é se o intenso empenho dos EUA
e o esforço concentrado na busca da hegemonia total sobre as Américas e o
Caribe têm um escopo estratégico superior, consistindo em uma transição para em
etapa subsequente promover um novo engajamento contra as principais potências
rivais: a China e a Rússia. Observe-se que, por ora, o imperialismo estadunidense
promove determinados recuos táticos relativamente à Otan, à guerra na Ucrânia e
até mesmo à guerra comercial contra a China, rendendo-se à realidade dos fatos
que exige uma política externa de competição mesclada com parceria e até
cooperação. Em suma, o que se desenha é um renovado ciclo intervencionista. O
rótulo de “narcoterrorismo” funciona como fachada. A verdadeira meta é o
reordenamento do poder na América Latina, posicionando os Estados Unidos como
árbitro único do destino regional, uma operação que, se consumada,
comprometeria a soberania, a autodeterminação e o equilíbrio geopolítico de
toda a região, que pagaria o preço da próxima empreitada dos Estados Unidos em
busca da recomposição da hegemonia mundial, que exigirá o enfrentamento à China
e à Rússia com um sistema de alianças regional mais robusto.
Quem
pensa o Brasil estrategicamente deveria debruçar-se numa reflexão profunda a
respeito disto.
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O “Corolário Trump” à Doutrina Monroe. Por Marcelo Zero
Nessa
data, Trump emitiu uma Mensagem Presidencial comemorativa, a qual passou
relativamente despercebida. Não deveria. A mensagem é assustadora.
Nela,
lê-se o seguinte:
Em 2
de dezembro de 1823, a doutrina da soberania americana foi imortalizada em
prosa quando o presidente James Monroe declarou perante a nação uma verdade
simples que ecoou ao longo dos séculos: Os Estados Unidos jamais vacilarão na
defesa de nossa pátria, de nossos interesses ou do bem-estar de nossos
cidadãos. Hoje, meu governo reafirma com orgulho essa promessa sob um novo
“Corolário Trump” à Doutrina Monroe: Que o povo americano — e não nações
estrangeiras nem instituições globalistas — sempre controlará seu próprio
destino em nosso hemisfério. Assim, o “Corolário Trump” deixa claro que o
continente americano “pertence” aos EUA e que nenhuma “nação estrangeira” ou
“instituição globalista” podem exercer quaisquer influências nesse território
ou “quintal”.
Trata-se
de um recado claro a países como China e Rússia, e mesmo a respeitáveis
instituições multilaterais, como a própria ONU e suas agências especializadas:
“aqui mandamos nós”.
E aqui
podemos atuar livremente, de acordo com nossos interesses, sem respeitar regras
e acordos ou quaisquer limites impostos pelo direito internacional
público.
Mais
adiante, a mensagem de Trump afirma que: Nos séculos que se seguiram, a
doutrina da soberania do Presidente Monroe protegeu os continentes americanos
contra o comunismo, o fascismo e a interferência estrangeira, e como o 47º
Presidente dos Estados Unidos, reafirmo com orgulho essa política consagrada
pelo tempo. Desde que assumi o cargo, tenho buscado agressivamente uma
política de "América Primeiro", de paz através da força. Restauramos
o acesso privilegiado dos EUA no Canal do Panamá. Estamos restabelecendo a
supremacia marítima americana. Estamos combatendo práticas antimercantis nos
setores de logística e cadeia de suprimentos internacionais.
Dessa
forma, o uso da força, do Big Stick, é o único fundamento, bárbaro e cru, da
Doutrina Monroe, sob o “Corolário Trump”.
Trump
afirma, com evidente orgulho: Minha administração também está interrompendo
o fluxo de drogas mortais que atravessam o México, pondo fim à invasão de
imigrantes ilegais em nossa fronteira sul e desmantelando redes
narcoterroristas em todo o Hemisfério Ocidental. Para defender os trabalhadores
e as indústrias de nossa nação, recentemente assegurei acordos comerciais
históricos com El Salvador, Argentina, Equador e Guatemala, permitindo um
acesso ao mercado maior e mais ágil. Revigorada pelo meu Corolário Trump,
a Doutrina Monroe está viva e forte — e a liderança americana está retornando
com mais força do que nunca.
Em seu
início, a Doutrina Monroe tinha uma dimensão anticolonial. Havia uma
preocupação de proteger as recentes repúblicas americanas independentes contra
possíveis agressões das grandes potências europeias.
Com o
tempo, contudo, especialmente a partir de William McKinley e Theodore
Roosevelt, a Doutrina Monroe tornou-se um claro instrumento de domínio imperial
os EUA. Com Trump, e sob os parâmetros geopolíticos na nova Guerra Fria, essa
doutrina ressurge com força e através da força. O Corolário Trump à
Doutrina Monroe é simples e assustador: submetam-se ou sofram as consequências.
O
Imperador está nu e com o grande porrete na mão.
Fonte:
Opera Mundi/Brasil 247

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