Laercio
Eurich: Capitalismo e crime
O
jornal O Estado de S. Paulo publicou um editorial intitulado “A sociologia de
Lula romantiza o crime” criticando Lula e a esquerda para quem “o crime, numa
sociedade capitalista, é mero subproduto do meio, um reflexo das desigualdades.
A culpa, portanto, é da sociedade”, devido Lula ter dito que traficantes seriam
“vítimas dos usuários”, porém o referido texto é ideológico e superficial.
Afinal,
sociedade é um termo abstrato, cabe aí escravismo, feudalismo, capitalismo e
socialismo, para entendê-la precisa se concretizar mais como, por exemplo,
sociedade capitalista como exatamente dito na frase anterior “numa sociedade
capitalista”. Sociedade e sociedade capitalista não são a mesma coisa. Mas o
que é uma sociedade capitalista que é a que se está tratando aqui? É um modo de
produção onde a relação essencial é entre proprietários dos meios de produção,
os empresários produtores, e os não proprietários empregados, assalariados,
trabalhadores.
Se Lula
está falando em “vítimas dos usuários” ou o texto em “cumplicidade do consumo”
não estão falando em capitalismo, dado que a relação principal deste é entre
empresários x empregados e não entre empresários x consumidores.
Ato
continuo o texto prossegue discorrendo que “de Marx a Foucault, a cada geração
os esquerdistas conjuram a fraseologia da “violência estrutural” para dissolver
responsabilidades pessoais em sociologia” e disso sairia a tal da
“ressocialização em meio aberto”, “reeducação psicossocial” e “lapidar
eufemismos” para o crime, só que não sei Foucault, mas Marx nunca disse isso.
Marx
tratou das relações econômicas no capitalismo na sua obra O capital, cuja
contradição principal é entre proprietários e não proprietários, já mencionado.
Essa contradição é determinada pelas forças produtivas, isto é, pelo nível de
desenvolvimento do que em geral poderíamos chamar de tecnologia. Essa ao
crescer diminui o salário, desemprega, não necessita de toda a força de
trabalho disponível, etc., a partir do qual os marxistas inferem que essas
pessoas, em condições piores, tendem a cometer crimes dado a sua condição. Isso
para crimes pobres.
Mas e
os ditos crimes de colarinho que não se menciona no referido texto? Pode ser
deduzido também da contradição principal? Dado que os proprietários produzem
independentemente produtos e serviços e sendo os setores principais da
sociedade, dos quais todos precisam de algo para sobreviver e só se adquire com
dinheiro, ou seja, o dinheiro é que confere poder a quem o possui, logo
possuí-lo se consegue o que quiser, daí os crimes cujo objetivo principal é o
dinheiro.
Os
progressistas ao olharem para os criminosos como engendrados pela condição
propagariam uma “inversão moral” já que seriam condescendentes com o crime e a
“responsabilização do indivíduo é tratada como opressão burguesa, e a
indulgência, como virtude”, porém os progressistas nunca mencionaram que o
crime e os criminosos não devam ser responsabilizados, mas que o crime advém
daquelas condições do capitalismo e que para acabar ou diminuí-lo há que também
se olhar e intervir nessas condições e quem advoga que isso seria uma “inversão
moral” é quem possui uma moral burguesa ou capitalista, posto que ao assim
advogar culpabilizando apenas o indivíduo contribuem para ocultar as condições
econômicas de um modo de produção que engendra o crime.
O
“sistema”, o “mercado”, a “herança colonial” seriam os culpados “abstratos” da
esquerda, no entanto para se contrapor a esses termos o autor utiliza termos
como “teologia da inocência universal”, “satisfação narcísica”, “vitimologia”,
“monopólio da virtude”. Nada mais abstrato que essas palavras”! A abstração
“mercado” usado por Marx, sendo que “sistema” e “herança colonial” não são
termos marxistas, se trata do local onde se dá as trocas ou venda dos produtos
e serviços e onde se estabelecem os preços e esse preço interferem na produção
auferindo lucro ou prejuízo, interferindo também em falências, emprego, salário
já mencionados, sendo, portanto, um termo bastante concreto e não abstrato.
Em
relação de que os progressistas desmoralizariam “toda contestação como
repressão “fascista”, este surge exatamente quando os lucros caem, ou seja, o
capitalismo entra em crise, piorando as condições sociais, atribuindo essa
piora as classes mais baixas, imigrantes, minorias, etc., que estariam
“onerando” a sociedade daí a crise e não que esta é inerente ao próprio
capitalismo.
Em
relação aos “militantes que celebram terroristas e ditadores” e “recriminam a
punição a delinquentes como “violência estatal” apesar de não se mencionar de
que “ditadores” se está falando infere-se que devem ser Nicolás Maduro, Fidel
Castro, etc., justamente dos, principalmente Cuba, que modificaram aquelas
relações capitalistas de propriedade e não propriedades, isto é, a propriedade
passou de ser de todas as pessoas e geridas por elas através de um
planejamento, isto é, não há ninguém que lucra. Todo o produzido é distribuído
para todos.
Não é à
toa que os EUA, representante do último estágio do capitalismo e que Vladimir
Lênin definiu como imperialismo, passaram a classificar o crime organizado como
terroristas com vistas a intervir nestes países dos “ditadores” e que o texto
do Estadão está fazendo o mesmo quando diz que “celebram terroristas” já que
aqui trata-se de crime organizado e não terrorismo. Na lei brasileira os crimes
estão tipificados no código penal e o terrorismo na lei 13.260/16, já que
possuem características diferentes. Em tempo: o que se “recrimina” não é a
punição, mas ela sem o devido processo legal, pois esse sim é algo ditatorial!
A
esquerda, via “mílicias marxistas”, dos anos 1970, teria ensinado o “léxico de
guerra cultural” e “táticas de guerrilha urbana” ao Comando Vermelho só que não
é possível pensar uma organização criminosa só a partir de quem ou o que lhes
foi ensinada, se é que algo lhes foi ensinado, sem pensar nas condições de
periferia, ou seja, local de vida daquela força de trabalho não empregada ou
sub empregada pelo capitalismo e da corrupção de autoridades ávidas por
dinheiro e que não são criados pelos marxistas.
Menciona
que “juízes progressistas libertam criminosos com dezenas de reincidências”,
“desativam hospitais de custódia e despejam psicopatas em “ambientes
comunitários”. “ONGs financiadas por facções filmam documentários sobre
“direitos humanos”, porém onde está a referência? E que a lei passa a ser uma
“ficção”, esquecendo que classificar crime organizado como terrorismo é
justamente a lei ser ficção, pois é usar uma lei, a do terrorismo, para
caracterizar um grupo como algo que ele não é. A lei pensada apenas como pena
também é ficção, posto que ela também implica o processo penal.
A
“esquerda se compadece dos criminosos, mais(sic) abandona os pobres”. Muito
pelo contrário. Quando a esquerda elabora que o crime advém de condições
econômicas do capitalismo como desemprego, subemprego, baixos salários, etc,
sendo desta condição que surge a possibilidade de terem “filhos aliciados” ela
justamente acredita que a diminuição ou até o fim de crimes está em melhorar
essas condições o que, consequentemente, diminui a pobreza, logo os pobres e
atribuir o crime apenas aos indivíduos, e neste caso, pensando só a partir da
pobreza (e os crimes do “colarinho branco”?) sem pensar ou intervir também nas
condições que faz com que ele seja um criminoso é perpetuar o crime.
Mas por
que será que esse texto só fala de crimes como algo do indivíduo e relacionado
ao pobre e não menciona ele relacionado também a corrupção de autoridades,
lavagem de dinheiro, transações financeiras irregulares, etc.? Por que será é
tão difícil direcionar o combate ao crime também a essa outra parte?
• Precisamos descolonizar o poder. Por
João Raphael Ramos dos Santos
“A
violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma
derrota.” - Jean-Paul Sartre, filósofo e escritor francês
“Poder
e violência são opostos; onde um domina absolutamente, o outro está ausente” -
Hannah Arendt, filósofa política
“Poder
é fazer com que o outro faça o que você quer e sem o uso da violência real.” -
Max Weber, sociólogo e economista alemão
“Sempre
estivemos em guerra” - Ailton Krenak, filósofo e membro da Academia Brasileira
de Letras
“Mesmo
que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade” - Antônio Bispo dos
Santos, filósofo e mestre de ofícios quilombola
No dia
28 de outubro de 2025, o Rio de Janeiro acordou com o eco de uma megaoperação
policial nos complexos da Penha e do Alemão.
Mais de
120 mortos, corpos espalhados pelas ruas, uma ação que o governador chamou de
“sucesso” contra o narcoterrorismo, mas que organizações de direitos humanos
rotularam como o maior massacre da história recente do Brasil – superando até o
infame Carandiru, em 1992, onde 111 presos foram executados, em São Paulo.
Policiais
e traficantes armados, tiroteios intermináveis: uma guerra urbana que deixou
bairros inteiros em luto e terror.
Mas
esse banho de sangue não é um acidente isolado. Ele ecoa uma longa cadeia de
chacinas que marcam a história do Rio e do Brasil. Lembrem-se de Jacarezinho,
em 2021, com 28 mortos em uma operação “limpeza”; Vigário Geral, em 1993, onde
21 moradores da favela foram mortos vivos por policiais vingativos; e a Chacina
da Candelária, em 1993, com crianças de rua assassinadas a sangue frio. No
Brasil, de Carandiru a Eldorado dos Carajás, em 1996, com 19 sem-terra mortos
pela PM, essas ações revelam um padrão: a violência estatal contra os
periféricos, os pobres, os negros e indígenas, é tratada como rotina.
Esse
padrão não nasce do nada. Ele é um legado cultural direto do extermínio
colonial e imperialista que fundou esta nação.
Desde a
chegada dos europeus, o Brasil foi construído sobre o genocídio sistemático dos
povos indígenas – das bandeiras paulistas que dizimavam aldeias inteiras aos
massacres nos quilombos, como Palmares, destruído no século 17.
A
escravidão africana, com milhões mortos nas senzalas e nos navios, reproduzia
técnicas de dominação total: o corpo negro como descartável, a vida periférica
como mero obstáculo ao “progresso”.
O
imperialismo europeu, com suas guerras de conquista na África e na América,
ensinou que certos corpos – os “bárbaros”, os “selvagens” – podiam ser
exterminados sem remorso, sem julgamento, em nome da civilização.
Aimé
Césaire, em seu “Discurso sobre o Colonialismo”, alertou que o colonialismo não
é apenas exploração econômica, mas uma escola de desumanização: “É o
colonialismo que, na Europa, preparou os fascismos”, diz ele, mostrando como a
violência banalizada nas colônias retorna para assombrar os próprios
colonizadores.
No
Brasil pós-colonial, essa violência se internaliza, tornando-se endêmica.
Achille Mbembe, em “Necropolítica”, aprofunda isso: a soberania moderna não é
só biopolítica – gerir a vida –, mas necropolítica, o poder de ditar quem deve
morrer.
Nas
favelas do Rio, como nas banlieues africanas pós-coloniais, o Estado exerce
essa necropolítica: operações que “deixam morrer” ou “fazem morrer” populações
estigmatizadas, reproduzindo as técnicas coloniais de cerco, execução sumária e
exposição de corpos como troféus de guerra.
Essas
megaoperações de hoje – com drones e narrativas de “baque no crime” – não
inovam; elas reciclam o arsenal colonial. O cerco aos morros espelha os cercos
às aldeias indígenas; os corpos expostos nas ruas, como em 28 de outubro,
evocam as cabeças de escravizados fugidos cravadas em postes.
É um
legado cultural profundo: o extermínio como método de controle social, onde a
favela é o novo território colonial, habitado por “outros” cujas vidas não
contam. Enquanto o Estado celebra “vitórias”, ignora que essa violência
perpetua o ciclo, fortalecendo o medo e a desigualdade que alimentam o crime.
Para
romper esse ciclo, precisamos descolonizar não só a história, mas a prática do
poder. Senão, os massacres continuarão, ecoando das florestas antigas às ruas
do Rio.
Fonte:
A Terra é Redonda/Opera Mundi

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