A
geração Z vive pior do que seus pais?
Postagens
que ironizam o comportamento dos jovens da geração Z têm se acumulado nas redes
sociais, conforme essa faixa, formada por quem nasceu entre 1997 e 2010, tem
chegado à idade adulta e ingressado no mercado de trabalho. Não é incomum que a
convivência com indivíduos de outras faixas etárias leve a um choque
geracional.
Mas a
geração Z, que no Brasil soma 48,8 milhões de pessoas (23,2% da população),
também cresceu em meio a instabilidades políticas, econômicas e sociais. Em
2008, o Brasil enfrentou uma recessão, em 2013 os protestos de junho alteraram
as forças políticas no poder, culminando com o impeachment da então presidente
Dilma Rousseff. Depois, veio a pandemia de covid-19, somada à inflação.
Para a
pesquisadora da FGV Social, Janaína Feijó, "essa geração tem sim uma
dificuldade adicional na hora de adquirir bens e serviços, que são uma medida
da qualidade de vida do indivíduo". Ela explica que nas últimas décadas o
reajuste nos salários não acompanhou a alta no custo de vida.
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Autenticidade e fluidez
Essas
condições desfavoráveis contribuíram para moldar o comportamento dessa geração
que é menos idealista e mais cautelosa em relação ao consumo. A consultoria
McKinsey avaliou o comportamento da geração Z e aponta que esse grupo associa
compra a uma expressão da própria autenticidade e valores pessoais. Esse grupo
valoriza a fluidez, inclusive de gênero e crença, ao contrário das gerações
anteriores.
Assim,
compromissos de longo prazo, como a compra de imóvel ou a formação de uma
família, são adiados tanto por conta das preferências pessoais quanto por causa
de condições econômicas. "A geração Z busca por mais experiências, não
necessariamente por manter ativos e eventualmente patrimônio, tal qual uma
geração de 30, 40 anos atrás, que almejava conseguir a casa própria e um
emprego com estabilidade", afirma o sócio da consultoria Delloite, Marcos
Olliver.
O
levantamento anual da Deloitte demonstrou as principais preocupações da geração
Z no Brasil: custo de vida (34%), desemprego (25%), mudança climática (24%),
saúde mental (22%) e segurança e criminalidade (18%).
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Percepção do passado
Quando
estavam na juventude, os integrantes das gerações X (1965 a 1980) e Y (1981 a
1996) também enfrentaram dificuldades: hiperinflação , confisco de poupança,
mudança do regime da ditadura militar para a democracia, além de guerras e
conflitos. No entanto, os jovens de hoje idealizam esse passado quando comparam
com sua própria realidade.
No
entanto, essa impressão ignora avanços dos quais os jovens atualmente usufruem:
o nível de desemprego é o menor da série histórica (5,6%, segundo o IBGE) e a
qualificação se tornou mais acessível (um terço dos alunos que terminam o
ensino médio vão para a graduação). Houve ainda o aumento na proporção de
mulheres e pessoas negras nas universidades e nas carreiras.
"Mas
tudo isso fez com que a concorrência também aumentasse, e o jovem sentiu a
pressão por se destacar", pondera Feijó. "Os jovens precisam ter
habilidade socioemocionais exigidas pelos empregadores, mas por não ter
experiência, não conseguem ter todos esses atributos e não conseguem entrar no
mercado de trabalho de forma efetiva."
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Saúde mental
O
estilo de vida também contribui para a sensação de piora nas condições gerais.
Nos últimos 10 anos, o consumo de ultraprocessados aumentou 5,5% entre a
população brasileira, segundo a Universidade de São Paulo (USP), 84% dos jovens
são sedentários (IBGE) e 66% dos brasileiros têm dificuldade para dormir, de
acordo com pesquisa publicada na revista Sleep Epidemiology. Além disso, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que até 21% dos jovens de 13 a 29
anos se sentem solitários com frequência.
"Perdeu-se
o convívio em espaços reais e as práticas coletivas, tínhamos vizinhanças mais
ativas que ofereciam de diferentes formas uma rede de apoio mais sólida e com
contornos mais delimitados", ressalta a psicóloga e professora da USP, Ana
Barros. Ela diz que a soma desses fatores leva à deterioração da saúde mental.
Cerca
de 40% das mulheres e 29% dos homens da geração Z afirmaram sofrer de depressão
em 2024, entre os integrantes da geração X essa proporção foi de 32% e 25%,
respectivamente, e na Y, de 38% e 31%. Os dados sobre brasileiros são da
pesquisa World Mental Health Day, da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
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Impacto das redes sociais
O
comprometimento do senso de comunidade também está relacionado ao uso das redes
sociais. Enquanto nativa digital, a geração Z cresceu seguindo o ritmo dessas
plataformas, que favorecem as conexões virtuais e o isolamento, e comprometem o
desenvolvimento de habilidades sociais dos jovens enquanto amadurecem.
"A
tecnologia mudou completamente as relações sociais, a forma como experimentamos
e construímos nossa subjetividade e o contato com o outro. Hoje a subjetivação
é feita na lógica da visibilidade e espelhamento imediatos", afirma a
psicóloga Ana Barros. "Isso gera uma necessidade de validação externa
muito instantânea, com uma pressão constante por corresponder a padrões e
expectativas que levam a sentimentos de muita angústia e sensação de
inadequação."
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Busca por bem-estar
Apesar
da piora de indicadores, o consultor Marcos Olliver aponta que a saúde mental
se tornou uma prioridade, o que avalia como positivo. "Para as outras
gerações, não havia tanto a preocupação com a questão de qualidade de vida ou
de bem-estar". Cerca de 13% dos brasileiros fazem terapia e 15% tomam
remédios para tratar questões psiquiátricas, aponta pesquisa da Vida LinkedIn.
Para 41,6%, saúde mental é uma das prioridades.
Barros
afirma que esse movimento é um ponto de virada importante. "Isso indica
que apesar das pressões inéditas que os jovens enfrentam, eles também
desenvolvem estratégias próprias da sua época, como o próprio uso das redes
sociais para formar comunidades virtuais e compartilhar o que sentem."
Em nome
desse bem-estar, eles priorizam a vida privada em relação ao trabalho, e estão
menos dispostos a se submeter a condições exaustivas: 56,2% dos jovens almejam
vagas com possibilidade de trabalho remoto e horários flexíveis, de acordo com
levantamento da Infojobs. Outros 71,6% disseram que deixariam os cargos se o
ambiente fosse tóxico ou o trabalho estiver desalinhado com seus valores.
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Nem todo genZ é igual
A
classificação em gerações não é um consenso científico. Uma vez que foca nas
diferenças e não nas convergências entre gerações, essas categorias fomentam a
ideia de que há um choque entre elas, e servem de material para memes, além de
refletir o pensamento de uma classe média alta, e não do grupo como um todo.
Feijó
assinala que pessoas com níveis de renda e educação diferentes, têm
comportamentos distintos, mesmo dentro da mesma geração.
"Geralmente,
a população preta e parda tem esses sonhos materiais muito mais latentes do que
a classe mais de renda mais elevada, composta majoritariamente por brancos ou
amarelos. Por isso, o sonho da casa própria ainda é comum entre os mais pobres,
enquanto os mais ricos já conseguem vislumbrar outras oportunidades, como ter
um negócio e investir. Então, os sonhos são diferentes, mas os desafios
permanecem."
Fonte:
DW Brasil

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