Escola
cívico-militar é a doutrinação pela violência e pela falta de empatia
Dois
acontecimentos graves envolvendo escolas de São Paulo e do Paraná levam a
questionamentos sobre o projeto de escola cívico-militar que a extrema-direita
insiste em implantar como resposta aos problemas enfrentados pela educação
pública no país.
Problemas
criados por eles mesmos quando na Presidência da República, após o golpe de
Estado que tirou a presidenta Dilma Rousseff do cargo em 2016. Os cortes de
verbas foram ampliados, o descaso com a educação pública e o desprezo às
professoras e aos professores levaram ao caos.
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Como
resposta, apareceram com a escola sem partido – na verdade, a escola sem
pensamento. Derrotados, vieram com a escola cívico-militar, com a desculpa de
acabar com a indisciplina, envolvendo verbas destinadas a pagar policiais
militares para gerenciar escolas.
O que
aconteceu em São Paulo é um exemplo claríssimo de que polícia dentro de escola
só pode dar problema. Por causa de um desenho de um orixá feito por uma menina
de 4 anos, em uma atividade do currículo escolar, um pai – policial militar –
fez denúncia e seus colegas entraram armados na escola de educação infantil,
inclusive com metralhadora.
A
população reagiu e fez manifestação contra a entrada de policiais na escola,
mostrando que entende que o envolvimento de policiais com a educação nunca deu
bons resultados.
O que
se comprova com um vídeo que circula pela internet, no qual estudantes de uma
escola cívico-militar do Paraná são obrigados a cantar que a missão deles é
“entrar na favela e deixar corpo no chão”. Com total apologia à violência e à
discriminação dos mais pobres. Essa não pode ser a função da escola em parte
alguma do mundo.
A
escola deve ser local acolhedor da inteligência e do controle emocional para o
desenvolvimento pleno e consciente de crianças e jovens e, assim, construirmos
um futuro com mais justiça, liberdade e dignidade para todas as pessoas.
• Programa de militarização escolar exclui
estudantes mais pobres visando aumentar índices de desempenho
Uma
pesquisa desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP identificou que o Programa de Colégios Cívico-Militares do
Paraná (CCMPR) “preparou o terreno” em algumas unidades escolares daquele
estado para aumentar os números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb). O objetivo do CCMPR, de acordo com a geógrafa Rafaela Miyake, foi
“elitizar” a rede de ensino para argumentar que o modelo cívico-militar
apresenta bons resultados.
Contudo,
na pesquisa intitulada Geografia da expansão da militarização nas escolas da
rede pública a partir do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares,
Rafaela constata que não há nenhum estudo científico que comprove a ligação
direta entre a militarização e o aumento do Ideb. Para a pesquisadora, “o
modelo cívico-militar deveria ser considerado inconstitucional”. A dissertação
de mestrado, orientada pelo professor Eduardo Girotto do departamento de
Geografia, é uma continuação do trabalho da geógrafa desenvolvido no seu
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na FFLCH.
O CCMPR
é uma iniciativa do estado governado por Carlos Roberto Massa Júnior,
implantada com base no Decreto Federal nº 10.004, que instituiu o Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), em setembro de 2019. O documento
previa o “emprego de oficiais e praças das polícias militares e dos corpos de
bombeiros militares para atuarem nas áreas de gestão educacional,
didático-pedagógica e administrativa”, além da aplicação de recursos para a
implementação do programa.
De
acordo com a pesquisa, o número de vagas para Educação de Jovens e Adultos
(EJA) disponíveis nas escolas que aderiram ao Pecim caiu de 8.077 para 731
entre 2018 e 2023. Já com relação às escolas do CCMPR, houve queda no número de
vagas no período noturno neste mesmo intervalo: de 24,8 mil para 2,9 mil,
enquanto 14 mil vagas surgiram no período diurno. “O perfil é de uma escola com
poucos alunos, sem período noturno, sem EJA e com um perfil socioeconômico que
vai aumentando ao longo do tempo”, afirma Rafaela.
“Quando
você fecha o noturno e o EJA, você aumenta o Ideb. Porque são esses alunos que
trabalham, reprovam, não vão para a escola etc. Então, realmente, quando você
fecha isso, você sobe o Ideb”, explica. Ao todo, até 2024, 312 escolas foram
militarizadas no estado, segundo o governo do Paraná.
O
estudo não analisa escolas militares. Ele abrange apenas aquelas que eram civis
e que, em algum momento, tiveram corporações militares inseridas no interior de
suas unidades a partir de políticas educacionais. Por isso o nome
cívico-militar.
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Quanto mais desigual, melhor
Tanto a
antiga proposta de militarização nacional quanto a estadual têm como princípios
a preferência às escolas públicas em vulnerabilidade social e a igualdade de
oportunidades. No Paraná, também é proibido realizar processos seletivos para a
entrada de estudantes. Rafaela defende que o modo como essas escolas operam
fere os princípios da Constituição e dos próprios programas, já que elas estão
tomando medidas que aumentam o perfil socioeconômico dos matriculados e,
portanto, excluem classes mais baixas.
Para
Rafaela, além da revogação do programa nacional em 2023, o decreto deveria ter
sido interpretado como inconstitucional e proibido de ser aplicado no País. “A
partir do momento que não proibiu, Lula abriu espaço para os estados e
municípios que já tinham escolas cívico-militares, principalmente do programa
nacional, incorporarem essas escolas em programas próprios. Como aconteceu no
Paraná, por exemplo.”
O TCC
da geógrafa retoma um estudo do Instituto Mauro Borges de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (IMB), que aponta que o alto rendimento das escolas
militarizadas não está, necessariamente, vinculado à gestão militar. O
instituto menciona que são os investimentos que permitem a “qualidade de
formação do corpo docente; ótimas condições estruturais; recursos financeiros
para além do disponibilizado pelo Estado; alto perfil socioeconômico dos
discentes”, escreve Rafaela.
A
pesquisadora destaca que a infraestrutura das escolas do programa paranaense
está “dentro de um campo de exceção” em relação às outras instituições da rede
pública. O estudo de mestrado mostra que há maior disponibilidade de
equipamentos nos colégios do CCMPR, como quadras cobertas, laboratórios de
informática e ciências e bibliotecas. “Esses equipamentos fazem parte do Custo
Aluno-Qualidade Inicial e são fundamentais para a dinâmica de ensino e
aprendizagem na escola”, completa.
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Dois pesos, uma medida
Rafaela
diz que os programas cívico-militares são consequência do avanço do
neoliberalismo na América Latina, que vem desde os anos 1990. Essa ideologia
propõe inserir a dinâmica corporativa das empresas privadas nas políticas e
instituições públicas, com o objetivo de gerar lucro. No caso das escolas, a
ideia é inserir uma gestão de excelência que gere altos desempenhos.
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“Existem
várias formas de atuação do neoliberalismo na educação. Minha dissertação é um
diagnóstico para mostrar o quão infundadas são as políticas neoliberais para o
Brasil. Pode ser que deu certo lá na Europa, mas aqui são políticas
impraticáveis com a realidade territorial que vive o nosso País”, diz Rafaela.
A
estudiosa afirma que, ao invés de melhorar as escolas, esse modelo de
administração cria “ilhas de excelência” que maquiam as desigualdades sociais.
Essas ilhas agrupam classes mais altas e com notas maiores e excluem, por
exemplo, estudantes que trabalham.
Por
isso, ela critica o uso isolado do Ideb como critério de comparação e afirma
que esse modo de medir desempenhos é perverso. “Quando eu pego um dado
isoladamente e uso ele para medir qualidade em um território tão desigual
quanto é o nosso, é como naquele meme: chame um macaco, um peixe e um elefante
e fale: “Escale uma árvore”. Não tem como [comparar], entendeu?”, explica a
pesquisadora.
Fonte:
Por Professora Francisca, em Brasil 247/Jornal da USP

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