sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Gustavo Tapioca: ‘O cerco à Venezuela e as eleições presidenciais no Brasil’

As bombas no Caribe, a pressão sobre a Venezuela e o realinhamento forçado da América Latina formam um único tabuleiro estratégico: o Project 2025 — plano ultraconservador que tenta recolocar a região sob hegemonia automática de Washington e isolar o Brasil de sua inserção nos BRICS e na nova ordem multipolar.

<><> A Venezuela é apenas a face visível

A crise venezuelana não pode ser lida como um episódio isolado. Ela se encaixa no cenário mais amplo do Project 2025, o documento de 920 páginas elaborado por think tanks ultraconservadores que defendem a militarização das fronteiras, o aparelhamento das instituições e a restauração explícita da Doutrina Monroe como princípio orientador para a América Latina.

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Trump negou conhecer o plano. Mas desde o primeiro dia do segundo mandato, executa ponto por ponto suas diretrizes centrais: endurecimento migratório, hostilidade aos BRICS, ampliação de sanções e pressão sobre governos que não se alinham automaticamente aos interesses de Washington.

É nesse quadro que a Venezuela precisa ser entendida. Ela não é, como repete a leitura rasa e despolitizada do debate público, uma questão de narcotráfico. É energia, petróleo pesado, logística marítima e pressão estratégica sobre o Brasil — o país-chave da região.

<><> A guerra pela geografia energética

A Venezuela possui as maiores reservas provadas de petróleo do mundo, maiores que as da Arábia Saudita. E está posicionada no ponto mais sensível do panorama energético das Américas: a fronteira marítima com o Caribe e a poucos dias de navegação da costa leste dos EUA.

Controlar a Venezuela significa controlar fluxos marítimos estratégicos; navios-tanque de petróleo pesado; cadeias de abastecimento energético; gargalos logísticos que impactam China, Índia e o BRICS+; e pressão direta sobre o Brasil.

É por isso que, em 2024–2025, os EUA elevaram o alerta sobre o espaço aéreo venezuelano, ampliaram operações navais no Caribe e passaram a agir com crescente agressividade — como na série de ataques que deixaram dezenas de pescadores mortos em águas caribenhas sob o pretexto de combate ao “narcoterrorismo”.

O Caribe se transformou no laboratório operacional da Doutrina Trump 2.0, onde drones, embarcações, helicópteros e mísseis são usados para impor controle marinho e projetar poder sobre o continente. É o campo de testes de uma estratégia maior: cercar a Venezuela para pressionar o Brasil.

<><> Os rostos humanos da guerra

A propaganda oficial fala em “alvos narco”. Mas as reportagens da AP News, The Guardian e New York Times expõem a realidade que Washington tenta ocultar: os mortos são pescadores pobres, trabalhadores informais que sustentavam famílias e comunidades inteiras. Em Trinidad e Tobago, a família de Chad “Charpo” Joseph denunciou: “Não deram devido processo. Essas águas não parecem mais nossas.” Em Saint Vincent, a família de Kenson Charles afirmou: “Ele era pescador. Trabalhou a vida inteira no mar. Não era criminoso.” Em Granada, o pai de um dos pescadores desabafou: “Se fosse traficante, estaria rico. Morreu pobre, porque era trabalhador.”

Esses testemunhos revelam a verdade crua: execuções extrajudiciais travestidas de guerra ao crime. O Caribe está sendo militarizado para que Washington controle rotas energéticas e pressione a Venezuela — e, por extensão, o Brasil. A guerra não é contra drogas. É contra geopolítica, soberania e multipolaridade.

<><> O cinturão de pressão

O movimento é claro. Para reativar sua hegemonia no hemisfério, os EUA montam um cinturão de pressão política, militar e diplomática ao redor da Venezuela — e em direção ao Brasil. 

A Argentina de Milei tornou-se alinhamento automático com Washington. O Paraguai virou ponte diplomática, logística e fiscal dos EUA na região. A Colômbia vive tensão permanente sob nove bases militares norte-americanas instaladas no país. O Equador virou laboratório de securitização, culminando na invasão da embaixada mexicana. O México enfrenta choques diretos com os EUA por imigração e soberania.

É o mapa de uma recolonização sutil, estratégica e coerente com a lógica do Project 2025 — mesmo que o documento não cite explicitamente nenhum desses países. A ação fala por ele. No núcleo do Project 2025 está a tentativa de reordenar o planeta para garantir a supremacia americana diante da ascensão chinesa.

Isso exige enfraquecer o BRICS; desarticular investimentos chineses em energia e infraestrutura; reduzir a presença diplomática da Rússia; e submeter a América Latina à influência automática de Washington. A Venezuela é o atrito energético. O Caribe é o campo de teste militar. E o Brasil é o objetivo final.

<><> Por que o Brasil é o alvo central do Project 2025

O Brasil é o único país latino-americano capaz de alterar o equilíbrio global de poder. Não apenas pelo tamanho da economia, da população e do território, mas porque é o pivô político do Sul Global, membro-chave do BRICS, destino dos maiores investimentos chineses na região e único país com capacidade real de articulação diplomática independente.

É por isso que, para Washington, não basta isolar a Venezuela ou capturar Argentina e Paraguai. O objetivo real sempre foi o Brasil.

E é por isso que a eleição presidencial de 2026 se tornou a mais decisiva desde a redemocratização — capaz de definir se o Brasil seguirá como ator global ou será arrastado para o eixo de submissão do Project 2025.

<><> Mas o que acontece se a extrema-direita vencer em 2026?

Se a extrema direita alinhada ao Project 2025 vencer a eleição de 2026, três movimentos ocorrerão de forma imediata e irreversível.

O primeiro será o abandono do BRICS, encerrando um dos mais importantes projetos de reorganização do sistema internacional fora do eixo Washington–OTAN. Sair do BRICS seria declarar ao mundo que o Brasil desistiu de ser ator soberano no sistema global.

O segundo será a ruptura com a China, hoje o maior parceiro comercial, investidor tecnológico e financiador de infraestrutura do Brasil. Romper com a China não é apenas destruir exportações: é desmontar cadeias produtivas, paralisar obras logísticas, reduzir competitividade industrial e empurrar o país de volta ao padrão primário-exportador.

O terceiro será transformar o Brasil em plataforma continental da estratégia de segurança dos EUA: alinhamento automático na OEA, integração das Forças Armadas ao Comando Sul, vigilância intensificada sobre a Amazônia e uso do território brasileiro como corredor de pressão militar contra a Venezuela.

Esse tripé — saída do BRICS, ruptura com a China, alinhamento militar — não é especulação. É o modelo já implantado em países que capitularam ao cerco geopolítico norte-americano. E seus efeitos seriam devastadores: desindustrialização acelerada; dependência renovada do dólar; retorno ao receituário do FMI; desemprego em massa; desigualdade ampliada.

<><> A eleição presidência de 2026 é geopolítica, civilizatória e histórica

Politicamente, se a extrema-direita vencer, significaria a erosão da soberania, o enfraquecimento das instituições e a militarização da vida civil — pilares centrais do próprio Project 2025. O Brasil deixaria de ser um ator independente, perderia autonomia e voltaria a ser peça satélite no tabuleiro imperial. A disputa eleitoral de 2026, portanto, não é apenas eleitoral. É geopolítica, civilizatória e histórica. A queda do Brasil não seria apenas um evento eleitoral — seria um evento geopolítico global.

O cerco que começa na Venezuela, se desenrola no Caribe e avança pelo continente tem um destino claro: o Brasil. E se a extrema-direita vencer a eleição presidencial de 2026, cai junto o último contrapeso da América Latina ao Project 2025. Cai o eixo multipolar. Cai a política externa soberana. Cai o futuro.

¨      Sob pressão de Trump, que opções restam a Maduro?

Sob intensa pressão do governo dos Estados Unidos, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, deixou vencer um ultimato dado pelo presidente Donald Trump para deixar o país até a sexta-feira passada (28/11).

Ambos conversaram brevemente por telefone no dia 21 de novembro, uma sexta-feira. Trump disse a Maduro que ele tinha uma semana para deixar a Venezuela em segurança rumo ao destino de sua escolha, acompanhado de seus familiares, segundo relataram à agência de notícias Reuters pessoas informadas sobre a ligação.

Esse período de salvo-conduto expirou na sexta-feira passada, o que levou Trump a declarar, no sábado, o fechamento do espaço aéreo venezuelano.

Segundo informou inicialmente o jornal Miami Herald, Trump teria oferecido ao líder da Venezuela a chance de se salvar e salvar a sua família desde que deixasse o poder e o país imediatamente.

Durante a ligação, o líder venezuelano fez uma série de pedidos, todos recusados por Trump. Maduro disse a Trump que estava disposto a deixar a Venezuela, desde que ele e seus familiares recebessem anistia legal completa, incluindo a remoção de todas as sanções dos EUA e o fim de um caso que ele enfrenta perante o Tribunal Penal Internacional, disseram três das quatro pessoas ouvidas pela Reuters.

Maduro também solicitou a suspensão das sanções contra mais de cem funcionários do governo venezuelano, muitos dos quais acusados pelos EUA de violações dos direitos humanos, tráfico de drogas ou corrupção. Maduro teria ainda pedido a Trump que a vice-presidente Delcy Rodríguez liderasse um governo interino até a realização de novas eleições na Venezuela.

Desde meados de agosto, os Estados Unidos mantêm uma forte presença naval e aérea no mar do Caribe, em águas próximas à Venezuela, incluindo o maior porta-aviões do mundo, o USS Gerald R. Ford, com o argumento de combater o tráfico de drogas e o narcoterrorismo, de que Maduro é acusado. Maduro e seu governo sempre negaram todas as acusações criminais e dizem que os EUA buscam uma mudança de regime para assumir o controle dos vastos recursos naturais da Venezuela, sobretudo o petróleo.

<><> Ofensiva terrestre "improvável"

Nesta segunda-feira, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, não descartou a possibilidade de envio de tropas americanas para a Venezuela. "Há opções disponíveis para o presidente", disse, pouco antes de uma reunião de Trump com o Conselho de Segurança Nacional, na qual seria discutida também a situação na Venezuela.

Mas o pesquisador venezuelano Jesus Renzullo, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga) em Hamburgo, disse considerar improvável que haja uma ofensiva terrestre dos EUA.

"A presença de tropas na costa caribenha é ridiculamente pequena para efetuar uma invasão eficaz do território venezuelano", afirmou Renzullo ao site de notícias alemão Tagesschau. "As forças americanas que analisam o Caribe estimam que seriam necessários 100 mil soldados para uma invasão efetiva da Venezuela." No momento, 15 mil estão estacionados perto da costa da Venezuela.

O professor David Smilde, da Universidade de Tulane e que estuda a Venezuela há mais de três décadas, diz que só quem não entende o chavismo pensa que uma demonstração de força vá causar uma mudança de governo. "Esse é exatamente o tipo de coisa que os une", afirmou Smilde sobre o envio de forças militares dos EUA, em declarações à AP.

A Venezuela vem se preparando para um possível conflito desde setembro, quando os EUA atacaram as primeiras embarcações acusadas de transportar drogas no Caribe. Desde então, os militares americanos atacaram cerca de 20 embarcações que acusaram de transportar drogas, matando mais de 80 pessoas.

No domingo, questionado se um ataque contra a Venezuela era iminente depois de ter dito, dias atrás, que operações por terra para deter supostos traficantes de drogas venezuelanos começariam "muito em breve" e de ter declarado fechado o espaço aéreo do país sul-americano, Trump respondeu: "Não tirem nenhuma conclusão precipitada disso".

<><> Chavismo demonstra coesão

A intensa pressão por parte de Trump é também um teste de lealdade para o regime de Maduro. Analistas dizem que, até agora, não há sinais de dissidência. Segundo a diretora da fundação alemã Friedrich Ebert na Venezuela, Anja Dargatz, os assessores mais confiáveis continuam a apoiar Maduro, e não há "um milímetro" de divergência entre eles, declarou ao telejornal Tagesschau.

Maduro e seus apoiadores deram uma demonstração de força nesta segunda-feira em Caracas, onde o presidente venezuelano liderou uma marcha que reuniu milhares de apoiadores que carregavam bandeiras venezuelanas e vestiam as camisetas vermelhas do partido governista. "Vivemos 22 semanas de agressão que podem ser descritas como terrorismo psicológico. Essas 22 semanas nos testaram, e o povo da Venezuela testou seu amor pela pátria", disse Maduro, em frente ao Palácio Presidencial de Miraflores.

O pesquisador Ronal Rodríguez, da Universidade del Rosario, na Colômbia, disse que o chavismo, movimento que Maduro herdou do falecido presidente Hugo Chávez, tem uma capacidade "notável" de coesão diante da pressão externa. "Quando a pressão vem do exterior, eles conseguem se unir, se defender e se proteger."

A base dessa lealdade é a rede de corrupção abençoada por Chávez e Maduro, que dá aos leais a permissão para enriquecer. Rodríguez explica que essa política frustrou tentativas anteriores de depor Maduro e o ajudou a contornar sanções econômicas e reivindicar uma vitória numa eleição perdida.

Rodríguez diz que prisão e tortura podem fazer parte da punição, que geralmente é mais severa para acusados de crimes militares. A estratégia tem sido crucial para Maduro, cada vez mais autoritário, manter o controle sobre os militares, aos quais ele permite traficar drogas, petróleo, animais selvagens e uma infinidade de mercadorias em troca de quartéis leais.

"Essa tem sido uma ferramenta muito eficaz porque o chavismo sempre foi capaz de eliminar aqueles atores que, em algum momento, tentam se insurgir", disse Rodríguez à agência de notícias AP.

<><> Maduro pediu nova ligação telefônica

O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, afirmou que a designação do Cartel de los Soles, um grupo que o governo Trump afirma ser liderado por Maduro, como uma organização terrorista estrangeira oferece a Trump opções adicionais para lidar com Maduro. Hegseth não forneceu detalhes sobre quais elas seriam, mas a Reuters informou que as opções em consideração pelos EUA incluem uma tentativa de derrubar Maduro.

Segundo pessoas ligadas ao governo dos EUA, Maduro teria solicitado uma nova ligação telefônica com Trump, mas não está claro se o líder venezuelano ainda teria um salvo-conduto para deixar o poder e a Venezuela.

¨      Maduro confirma conversa com Trump e defende via diplomática para resolver crise

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, revelou na quarta-feira (03/12) detalhes de uma conversa telefônica “respeitosa e cordial” com seu homólogo norte-americano, Donald Trump, que ocorreu há aproximadamente dez dias. O líder venezuelano defendeu o diálogo entre os Estados como um caminho para a paz e a diplomacia, em meio às crescentes ameaças e ao destacamento militar dos EUA próximo à costa venezuelana.

Maduro explicou que a ligação partiu da Casa Branca e foi direcionada ao Palácio de Miraflores. Ele enfatizou seu compromisso com a prudência diplomática, aprendida durante seus anos como ministro das Relações Exteriores e sob a orientação do Comandante Hugo Chávez, preferindo a discrição em assuntos de grande importância. “Quando há coisas importantes, elas devem ser feitas discretamente. Até que aconteçam”, afirmou o Chefe de Estado.

O presidente Maduro afirmou que, se essa ligação telefônica significar um progresso rumo a um diálogo respeitoso entre a Venezuela e os Estados Unidos, a diplomacia será bem-vinda. “Os Estados Unidos, todo o seu povo, a sua juventude, estão cansados ​​de guerras intermináveis, enfatizou o presidente, observando que esses conflitos moldaram o psicológico coletivo do povo americano, citando exemplos como Vietnã, Iraque, Afeganistão e Líbia.

Nesse contexto, o presidente invocou o espírito do “Exército Unido de Libertação do Século XXI”, observando que a luta pela soberania e independência permanece relevante. Ele relembrou a resistência histórica da Venezuela durante a emancipação, recordando uma carta do general espanhol Pablo Morillo ao Rei da Espanha. Nela, Morillo expressava sua preocupação com a tenacidade do povo venezuelano diante da colonização, referindo-se a eles como “feras resolutas”.

Maduro afirmou que “eles não só foram incapazes de nos subjugar, como os expulsamos de toda a América do Sul, unidos aos nossos irmãos colombianos, panamenhos, equatorianos, peruanos, argentinos, uruguaios, chilenos e bolivianos”. O Chefe de Estado destacou a figura de Bolívar como “um gênio da unidade, da superação de intrigas e divisões; ele foi um gênio na construção de diversos corpos do exército”.

Dirigindo-se ao Ministro do Poder Popular para a Defesa, General-em-Chefe Vladimir Padrino López, o presidente explicou o feito de Bolívar de comandar “sete corpos do exército simultaneamente”. Ele enfatizou que Bolívar fez isso “sem WhatsApp, sem telefone, sem satélite” e conseguiu “reduzir a pó milhares de homens melhor armados do que nós, enviados em centenas de navios pelo Rei da Espanha para nos subjugar”. Maduro declarou que eles não podiam então, “nem jamais poderão nos derrotar, venezuelanos”, referindo-se à atual conjuntura internacional que ameaça a Venezuela.

Essas reflexões foram feitas pelo presidente Maduro durante a supervisão do andamento da Rota de Consolidação do Sistema de Governo Comunal e Popular, no bairro de San Blas, em Petare, estado de Miranda.

 

Fonte: Brasil 247/DW Brasil

 

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