O
que prova que Jesus existiu?
Para a
maior parte dos historiadores contemporâneos, a existência de um homem chamado
Jesus, que viveu há cerca de 2 mil anos na região da Galileia, ficou conhecido
por suas pregações e acabou executado pelo poder romano, é tida como verdade. E
isto não é uma questão de fé — até porque essas pesquisas se limitam a buscar
evidências daquilo que é história e não do mito criado depois em torno da
figura deste ser humano.
Mas não
há nenhum objeto, nenhum artefato, nenhum resquício palpável de sua vida.
"Jesus
fazia parte de um campo socioeconômico de pessoas simples e comuns, subalternos
que viviam no limite da sobrevivência. A arqueologia não tem condições de
identificar [vestígios de] pessoas comuns e anônimas, de mapeá-las. E nem por
isso elas deixaram de existir", pontua o historiador André Leonardo
Chevitarese, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor
de, entre outros, Jesus Histórico: Uma Brevíssima Introdução.
"Precisamos
lembrar que Jesus não era um personagem importante no tempo em que ele viveu,
então não esperamos encontrar um monumento feito para ele em sua época",
exemplifica o historiador Alex Fernandes Bohrer, professor do Instituto Federal
de Minas Gerais (IFMG) e autor do livro Jesus: Um Breve Roteiro Histórico Para
Curiosos.
Aquele
homem pobre, de origem camponesa, provavelmente analfabeto, monoglota no
aramaico, que passou a maior parte da vida numa minúscula cidade — Nazaré —
localizada na periferia do império romano, até arrebanhou alguns seguidores.
Contudo, sua relevância só ganharia corpo tempos depois de sua morte, quando
seus seguidores — e os seguidores desses seguidores — acabariam fazendo uma
religião do seu legado.
Relíquias
supostamente ligadas à crucificação e morte dele, como a coroa de espinhos
guardada na Catedral de Notre-Dame, em Paris, e o tecido de linho que teria
envolvido seu cadáver, conhecido como Santo Sudário e exposto na Catedral de
Turim, na Itália, não têm autenticidade comprovada por pesquisas científicas —
há suspeitas de que seriam peças forjadas ao longo da Idade Média.
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Historiadores antigos
Para os
estudiosos, contudo, a existência do Jesus histórico se comprova por textos de
historiadores antigos que o citam e evidências arqueológicas indiretas que
confirmam o contexto descrito em passagens bíblicas sobre ele.
Autor
da obra Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus, o padre e biblista John
Paulo Meier (1942-2022) entendia ser importante buscar referências
extrabíblicas sobre o Jesus histórico, já que "as evidências bíblicas são
tendenciosas, encapsuladas em um texto teológico escrito por crentes
comprometidos".
O nome
de Jesus aparece entre autores romanos e judaicos. O historiador romano
Cornélio Tácito (56 d.C. – 118 d.C.), que notoriamente desprezava os cristãos,
mencionou-o em seu relato sobre o famoso incêndio de Roma ocorrido no ano de
64. No texto, ele diz que o imperador Nero (37-68), para "acabar com o
boato" de que teria sido ele o mandante do ato, "substituiu como
culpados e puniu das formas mais incomuns aqueles odiados por seus atos
vergonhosos, a quem a multidão chamava de cristãos". "O fundador deste
nome, Cristo, havia sido executado no reinado de Tibério pelo procurador Pôncio
Pilatos", escreve Tácito.
"Tácito,
como autores clássicos em geral, não revela as fontes que usou. Mas isso não
deve diminuir nossa confiança em suas afirmações", avalia o historiador
Lawrence Mykytiuk, professor na Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, em
artigo publicado em 2015. Em sua avaliação, Tácito "estava entre os
melhores historiadores de Roma" e "nunca era dado a escrever
descuidadamente".
Outro
autor comumente citado é Flávio Josefo (37 d.C. – 100 d.C.), historiador
judaico-romano. Ele menciona Jesus duas vezes em sua obra Antiguidades
Judaicas. O livro A Guerra dos Judeus
também cita o personagem em algumas versões, mas não há consenso se tais
trechos são autênticos ou interpolações posteriores de autores cristãos.
Em
Antiguidades Judaicas, há uma menção incidental quando ele está identificando
Tiago, líder da igreja em Jerusalém — o autor o define como "irmão de
Jesus que é chamado Messias". Mykytiuk comenta que ao usar Jesus para
identificar claramente "Tiago, o assunto da discussão", o historiador
acaba deixando claro que Jesus havia sido "uma pessoa real".
O outro
trecho, mais longo, é envolto em polêmica. Porque a versão que se conhece traz
algumas colocações claramente cristãs, sugerindo que houve deturpações ao longo
dos séculos. Contudo, pela análise textual comparativa com outros escritos de
Josefo e a comparação com uma tradução árabe descoberta no século 20, a maior
parte dos historiadores concorda que parte do texto é autêntica — ou seja:
sobre um relato não religioso acerca da figura histórica, cristãos
acrescentaram elementos teológicos.
Assim,
extrai-se que "por volta dessa época vivia Jesus, um homem sábio",
"um mestre de pessoas" que "conquistou muitos judeus e muitos
gregos". Diz ainda que morreu crucificado, mas que "a tribo dos
cristãos, assim chamada após ele, não está extinta até hoje".
Outros
historiadores abordaram Jesus. Por exemplo, Plínio, o Jovem (61 d.C. – 114
d.C.), que registrou a existência de uma adoração primitiva a ele.
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Na época, ninguém contestou sua existência
Há
ainda evidências documentais indiretas da existência de Jesus. O teólogo Robert
Van Voorst, autor de Jesus Outside The New Testament: An Introduction to the
Ancient Evidence olha para os documentos produzidos por rabinos da época para
afirmar que "nenhum judeu [daquele período] que se opôs ao cristianismo
negou ou questionou a historicidade de Jesus".
Em seu
livro, ele lembra que "se alguém no mundo no mundo antigo tinha uma razão
para não gostar da fé cristã, eram os rabinos". Portanto, "argumentar
que Jesus nunca existiu, mas foi uma criação dos primeiros cristãos, teria sido
a polêmica mais eficaz contra o cristianismo". "Todas as fontes
judaicas trataram Jesus como uma pessoa totalmente histórica. Os rabinos usaram
os eventos reais da vida de Jesus contra ele", aponta Van Voorst.
Na
arqueologia, são evidências indiretas que também atestariam, no entendimento de
pesquisadores, a existência do Jesus real. "De uma figura sem muita
expressividade no primeiro século, que era importante apenas para aqueles que o
conheciam, não esperamos encontrar vestígios diretos. Mas há os
indiretos", diz Bohrer. "Que, somados e colocados num prisma
histórico, permitem tecer um panorama geral."
Ele
cita túmulos "de pessoas ligadas à história de Jesus", como o ossário
de Caifás, descoberto em 1990 e que pode ser do sumo-sacerdote de mesmo nome —
embora não haja consenso entre os pesquisadores. E também do anel atribuído ao
governador romano Pôncio Pilatos, descoberto em 1968 e analisado em 2018.
"Existe uma série de elementos que demonstram que aquele contexto
existiu", comenta o historiador.
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A cidadezinha de Jesus
Chevitarese
lembra de outro trabalho recente, o realizado pelo arqueólogo Ken Dark,
professor do King's College, de Londres, e autor do livro Archaelogy of Jesus'
Nazareth. Ao longo de 14 anos, Dark realizou um extenso trabalho arqueológico
em busca dos resquícios da cidade de Nazaré dos tempos de Jesus — inclusive
para provar que o povoado existia naquela época.
"Ele
constatou, do ponto de vista estratigráfico, que Nazaré existia desde a segunda
metade do século 2º antes da Era Comum", pontua Chevitarese. Na análise do
arqueólogo, a cidade onde Jesus morou era paupérrima e tinha de 300 a 500
habitantes.
"Portanto,
a arqueologia demonstra, do ponto de vista de um cenário histórico, que é
plenamente coerente a existência de Nazaré, de Jesus e de tantos outros
camponeses daquela primeira metade do primeiro século", conclui o
professor da UFRJ.
Fonte:
DW Brasil

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