sábado, 6 de dezembro de 2025

Indígenas foram alvo de espionagem, vigilância e tentativa de suborno na COP30

Povos indígenas denunciaram ao governo federal e órgãos de segurança que foram alvo de espionagem, vigilância e tentativa de suborno durante a COP30, conferência do clima da ONU realizada este mês em Belém, no Pará. Até um rastreador GPS foi encontrado no ônibus de uma das delegações de lideranças indígenas. Apesar de os casos terem sido comunicados com urgência, as autoridades não informaram sobre o resultado da investigação nem quem fez isso e por qual razão.

Um dos motoristas responsáveis pelo transporte de lideranças indígenas na COP30 relatou ter encontrado, no dia 15 de novembro, um rastreador GPS sem fio acoplado ao chassi do ônibus que levava a delegação de povos do Baixo Tapajós, composta por cerca de 77 líderes de 14 povos. O dispositivo, compatível com os vendidos pela marca SinoTrack, cabe na palma da mão, tem fixação magnética potente e é de fácil instalação.

Em vídeo obtido com exclusividade pelo Intercept Brasil, o motorista da delegação mostra exatamente o local onde encontrou o dispositivo e relata que, “quando abriu o capô do ônibus para olhar a água do radiador, logo viu o GPS grudado no chassi”. “Alguém colocou a mão por baixo do veículo e colocou ele ali”, pontuou. A empresa de transporte negou ter instalado o dispositivo e classificou o episódio como grave.

A descoberta de um rastreador e a vigilância sobre lideranças indígenas durante a COP30 revelam que, mesmo no maior palco climático do mundo, aqueles que mais protegem a Amazônia seguem expostos à intimidação — inclusive por agentes do próprio estado. Isso coloca em xeque a legitimidade das negociações climáticas brasileiras, aumenta a insegurança de povos já ameaçados por interesses do agronegócio e de projetos faraônicos na Amazônia, e viola direitos fundamentais de manifestação e participação política.

O incidente com o rastreador foi relatado em ofício recebido pelo Ministério da Justiça no início da tarde do dia 15 de novembro, no qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Apib, pediu escolta para a delegação de lideranças. No documento, a organização que representa povos indígenas informou que os episódios são uma “situação de extrema gravidade envolvendo ameaças, espionagem e riscos iminentes à integridade física e territorial das lideranças Munduruku do Médio, Alto e Baixo Tapajós (PA)”.

Os fatos são descritos da seguinte forma no ofício enviado pela Apib: “Logo no mesmo dia (sexta-feira), o povo Munduruku passou a observar a presença de pessoas estranhas no alojamento da Aldeia COP, local no qual o povo indígena, bem como todos os povos indígenas presentes em Belém/PA para a COP 30, estão alocados. Foram vistos homens de terno, nunca antes percebidos naquela parte dos dormitórios, em clara observância à delegação do povo Munduruku. Logo no dia seguinte, conforme será melhor explicado no tópico a seguir, foi encontrado um rastreador no ônibus que acompanhava as delegações do baixo Tapajós (incluídos outros povos indígenas)”.

A descoberta sobre o rastreador ocorreu na manhã do dia da Marcha dos Povos pelo Clima, em 15 de novembro. Àquela altura, indígenas já haviam relatado casos de intimidação e vigilância em Belém. No dia seguinte, 16, houve uma reunião na sede do Ministério Público Federal, MPF, no Amapá, com lideranças do baixo Tapajós. Em ofício enviado ao Ministério da Justiça, o MPF manifestou “extrema preocupação” e solicitou “atuação articulada e imediata para escolta do grupo no trajeto de retorno aos seus territórios’, alegando que “foi identificada uma situação de vigilância e potencial monitoramento ilegal que configura grave ameaça à segurança da caravana”.

Durante a Marcha, de acordo com a denúncia feita pela Apib ao Ministério da Justiça, um homem em uma caminhonete Mitsubishi abordou o motorista do ônibus dos indígenas que encontrou o rastreador e ofereceu R$ 300 para obter informações sobre os horários e trajetos do grupo. O relato cita a placa deste veículo: RWK0A82. O Intercept apurou que ele pertence à Polícia Federal, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito.

Isso significa que, ou o condutor do veículo era um agente público de segurança, ou que um agente cedeu o veículo da PF para um terceiro, que abordou o motorista. Ambas as situações são ilegais e criminosas. “É possível entender, conforme a documentação do veículo, que quem o conduzia era um policial federal. Há pouca possibilidade de que o veículo possa ter sido cedido temporariamente a outra força policial. Talvez, devido à COP, isso tenha sido possível, mas não seria o padrão’, explica Roberto Uchoa, policial federal licenciado no Brasil e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Nós questionamos a PF sobre o uso da viatura na COP30, o paradeiro dela no dia 15 de novembro em Belém e a possível atuação de um ou mais policiais federais no caso de suborno relatado pelo motorista na denúncia da Apib. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Além do rastreador e da abordagem oferecendo dinheiro por informações, lideranças Munduruku notaram a presença de homens de terno na parte dos dormitórios da Aldeia COP, local designado aos povos indígenas. No ofício, a Apib descreveu o episódio como uma “clara vigilância” direcionada à delegação.

“O cenário observado durante a Conferência da Partes somou-se a um longo histórico de ameaças e práticas de crimes diversos, incluindo tentativa de homicídio, contra o povo Munduruku, de forma a expô-los a um maior grau de insegurança e receio pela vida e integridade física dos indígenas pertencentes a esse povo tradicional”, afirmou a Apib.

Além do Ministério da Justiça, a Apib enviou a mesma comunicação sobre os episódios ao Ministério dos Direitos Humanos, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Defensoria Pública da União e ao MPF. No documento, a entidade pediu proteção, investigação e escolta diante do medo dos indígenas, “já enormemente impactados pelas situações de racismo e silenciamento ocorridas durante a realização da COP30”.

Dois dias depois do pedido de ajuda, em 17 de novembro, o MPF, por meio de ofício urgente, solicitou à Força Nacional de Segurança Pública e à Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Senasp, a adoção imediata de medidas de segurança e escolta, já que o grupo com 77 lideranças pretendia iniciar a viagem de volta para o Baixo Tapajós.

Dentro de horas, a Força Nacional de Segurança Pública respondeu ao MPF que adotaria gestões com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal para apoiar a escolta. Já a Senasp informou, apenas no dia seguinte, que tomaria medidas cabíveis através da Força Nacional, da PF e da PRF.

Perguntado se a escolta solicitada pelos indígenas foi providenciada e se medidas para garantir a segurança dos indígenas foram tomadas, o Ministério da Justiça respondeu, em nota, que a “Força Nacional prestou apoio à PF e à PRF em suas ações planejadas relativas à escolta para o deslocamento e a segurança das lideranças indígenas do Baixo Tapajós que participaram da COP30, em Belém, utilizando o contingente mobilizado naquela região”.

<><> Proibição da entrada de indígenas gerou tensão

Em 12 de novembro, três dias antes de o motorista encontrar o rastreador no ônibus, lideranças indígenas do povo Baixo Tapajós, incluindo dos Munduruku, foram barradas na entrada da Green Zone, área que era para ser de livre acesso da COP30. De acordo com comunicado feito pela Apib às autoridades, seguranças da área chegaram a gritar: “não queremos baderneiros aqui dentro”. O MPF investiga o bloqueio.

A tensão aumentou no dia 14, quando os Munduruku realizaram protesto em frente à Blue Zone, reivindicando participação concreta nas negociações, a revogação do decreto que permite a abertura de corredores logísticos nos rios Tapajós, Madeira e Tocantins, o fim da contaminação por mercúrio e medidas contra invasões em seus territórios.

Indígenas apontaram como uma de suas maiores preocupações a proposta de construir uma ferrovia que liga o Mato Grosso ao Pará, cortando a região amazônica. Para o agronegócio, a chamada Ferrogrão é vista como um salto importante na infraestrutura de escoamento de grãos. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, CNA, aponta a ferrovia como peça-chave para manter a competitividade do setor. Os indígenas, porém, a veem como mais um megaprojeto que pode causar danos à floresta e colocar em xeque o discurso ambiental e indigenista do governo Lula.

A Ferrogrão, ferrovia com 933 quilômetros de extensão, é planejada há mais de uma década por grandes multinacionais do agronegócio — ADM, Amaggi, Bunge, Dreyfus e Cargill — e apoiada pelos governos de Michel Temer, do MDB, Jair Bolsonaro, do PL, e Lula, do PT.

O projeto, que visa ligar Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará, atravessando uma região já marcada por desmatamento, garimpo e ocupações ilegais, tende a ampliar a pressão econômica e a especulação fundiária na área.

O licenciamento ainda está no início e enfrenta disputas no STF, que analisa a redução do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar o traçado. Segundo investigação da InfoAmazonia, a obra impactaria ao menos seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e três povos isolados — com efeitos potencialmente muito maiores do que admite o agronegócio.

Enquanto o Ministério dos Povos Indígenas alerta para os riscos e insiste na necessidade de consulta às comunidades afetadas, o ministro dos Transportes do governo Lula, Renan Filho, mantém discurso favorável ao avanço da obra.

O protesto dos indígenas na COP, entretanto, não foi em vão. Eles conseguiram um encontro com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o embaixador André Corrêa do Lago, que presidiu a COP30.

Além disso, a denúncia dos casos do rastreador, da tentativa de suborno e do monitoramento durante a conferência reforça, segundo a Apib, o risco iminente à integridade física e à segurança de lideranças indígenas, muitas delas já incluídas em programas de proteção.

•        Após pressão, STF julgará marco temporal de terras indígenas de forma presencial

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que vai julgar de forma presencial as ações que discutem o marco temporal para demarcação de terras indígenas.

O julgamento estava previsto para ser iniciado nesta sexta-feira (5) no plenário virtual da Corte. Contudo, diante dos pedidos feitos pelas entidades que atuam em defesa dos indígenas, o caso foi pautado para o plenário físico na próxima quarta-feira (10).

Durante a sessão, não haverá votação dos ministros sobre a questão. A Corte vai ouvir as sustentações orais das partes envolvidas, e a data da votação será marcada posteriormente.

O relator das ações é o ministro Gilmar Mendes, que liberou os processos para julgamento na semana passada.

<><> Marco Temporal

Em setembro de 2023, o STF considerou que o marco temporal para demarcação de terras indígenas é inconstitucional.

Em seguida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto de lei que validou o marco.

Contudo, em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente e retomou a validade do marco.

Dessa forma, prevaleceu o entendimento de que os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Após a votação do veto presidencial, o PL, o PP e o Republicanos protocolaram no STF as ações para manter a validade do projeto de lei que reconheceu a tese do marco temporal.

Entidades que representam os indígenas e partidos governistas também recorreram ao Supremo para contestar novamente a constitucionalidade da tese.

•        A pedido do MPF, TRF1 mantém multa contra União e Incra por atraso na titulação de território quilombola no TO

Atendendo à manifestação do Ministério Público Federal (MPF), a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou recurso da União contra uma multa de R$ 5,9 milhões por descumprimento de ordem judicial. O acórdão do TRF1 manteve, por unanimidade, decisão anterior do Tribunal que havia determinado multa diária em caso de descumprimento de sentença que condenou a União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a concluírem a regularização fundiária da comunidade quilombola Água Branca, em Conceição do Tocantins (TO).

De acordo com o MPF, o processo administrativo de regularização fundiária, instaurado pelo Incra em 2008, permanece sem finalização após mais de 15 anos, configurando omissão prolongada e injustificada do Poder Público. Em 2009, o MPF propôs ação civil pública na Justiça Federal e o acórdão condenatório do TRF1 foi proferido há mais de 10 anos, sem qualquer notícia de cumprimento da decisão judicial por parte dos réus. A sentença determinou a conclusão do procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras tradicionalmente ocupadas pela comunidade quilombola.

A União alegou no recurso ao TRF1 que não teria legitimidade para ser condenada ao pagamento da multa. Porém, a própria decisão descumprida condenou expressamente os dois órgãos, reconhecendo que a regularização fundiária de territórios quilombolas é um procedimento complexo, que demanda atuação conjunta de diversos órgãos federais. Segundo explicado na manifestação do MPF, a União é responsável, inclusive, pela edição de decreto presidencial para desapropriação de imóveis privados situados no território e pela viabilização orçamentária das indenizações.

Para o MPF, a legitimidade da União também decorre de sua competência constitucional para zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas, bem como da obrigação de efetivar o direito fundamental assegurado às comunidades quilombolas pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que reconhece a propriedade definitiva das terras por elas tradicionalmente ocupadas.

Sobre o argumento de excesso no valor da multa, o MPF afirmou que ficou plenamente caracterizada a mora injustificada e a relutância insistente dos entes públicos no cumprimento da decisão judicial. Na manifestação, o órgão defendeu que a multa diária é instrumento legítimo e indispensável, previsto no Código de Processo Civil, para garantir a efetividade das decisões judiciais, especialmente diante do descumprimento reiterado e prolongado da obrigação.

O órgão ministerial ressaltou, ainda, que o valor da multa é proporcional à gravidade da omissão estatal, pois reflete a resistência prolongada da Administração Pública em cumprir uma decisão que assegura direito fundamental à titulação das terras quilombolas. Segundo o MPF, a demora injustificada viola não apenas o artigo 68 do ADCT, mas também os princípios constitucionais da eficiência administrativa e da razoável duração do processo.

Por fim, o MPF explicou que o cálculo do valor milionário levou em consideração a multa diária de R$ 1 mil aplicada durante 3.411 dias de descumprimento, contados de 18 de janeiro de 2014, quando se esgotou o prazo judicial de 360 dias para conclusão da titulação, até 22 de maio de 2023. A decisão judicial determinou, ainda, a expedição de precatório em favor do MPF para o recebimento dos valores da multa, cujo destino final será objeto de decisão judicial após o efetivo pagamento.

 

Fonte: The Intercept/Agencia Brasil/PGR 1ª Região

 

Nenhum comentário: