Indígenas
foram alvo de espionagem, vigilância e tentativa de suborno na COP30
Povos
indígenas denunciaram ao governo federal e órgãos de segurança que foram alvo
de espionagem, vigilância e tentativa de suborno durante a COP30, conferência
do clima da ONU realizada este mês em Belém, no Pará. Até um rastreador GPS foi
encontrado no ônibus de uma das delegações de lideranças indígenas. Apesar de
os casos terem sido comunicados com urgência, as autoridades não informaram
sobre o resultado da investigação nem quem fez isso e por qual razão.
Um dos
motoristas responsáveis pelo transporte de lideranças indígenas na COP30
relatou ter encontrado, no dia 15 de novembro, um rastreador GPS sem fio
acoplado ao chassi do ônibus que levava a delegação de povos do Baixo Tapajós,
composta por cerca de 77 líderes de 14 povos. O dispositivo, compatível com os
vendidos pela marca SinoTrack, cabe na palma da mão, tem fixação magnética
potente e é de fácil instalação.
Em
vídeo obtido com exclusividade pelo Intercept Brasil, o motorista da delegação
mostra exatamente o local onde encontrou o dispositivo e relata que, “quando
abriu o capô do ônibus para olhar a água do radiador, logo viu o GPS grudado no
chassi”. “Alguém colocou a mão por baixo do veículo e colocou ele ali”,
pontuou. A empresa de transporte negou ter instalado o dispositivo e
classificou o episódio como grave.
A
descoberta de um rastreador e a vigilância sobre lideranças indígenas durante a
COP30 revelam que, mesmo no maior palco climático do mundo, aqueles que mais
protegem a Amazônia seguem expostos à intimidação — inclusive por agentes do
próprio estado. Isso coloca em xeque a legitimidade das negociações climáticas
brasileiras, aumenta a insegurança de povos já ameaçados por interesses do
agronegócio e de projetos faraônicos na Amazônia, e viola direitos fundamentais
de manifestação e participação política.
O
incidente com o rastreador foi relatado em ofício recebido pelo Ministério da
Justiça no início da tarde do dia 15 de novembro, no qual a Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil, Apib, pediu escolta para a delegação de lideranças.
No documento, a organização que representa povos indígenas informou que os
episódios são uma “situação de extrema gravidade envolvendo ameaças, espionagem
e riscos iminentes à integridade física e territorial das lideranças Munduruku
do Médio, Alto e Baixo Tapajós (PA)”.
Os
fatos são descritos da seguinte forma no ofício enviado pela Apib: “Logo no
mesmo dia (sexta-feira), o povo Munduruku passou a observar a presença de
pessoas estranhas no alojamento da Aldeia COP, local no qual o povo indígena,
bem como todos os povos indígenas presentes em Belém/PA para a COP 30, estão
alocados. Foram vistos homens de terno, nunca antes percebidos naquela parte
dos dormitórios, em clara observância à delegação do povo Munduruku. Logo no
dia seguinte, conforme será melhor explicado no tópico a seguir, foi encontrado
um rastreador no ônibus que acompanhava as delegações do baixo Tapajós
(incluídos outros povos indígenas)”.
A
descoberta sobre o rastreador ocorreu na manhã do dia da Marcha dos Povos pelo
Clima, em 15 de novembro. Àquela altura, indígenas já haviam relatado casos de
intimidação e vigilância em Belém. No dia seguinte, 16, houve uma reunião na
sede do Ministério Público Federal, MPF, no Amapá, com lideranças do baixo
Tapajós. Em ofício enviado ao Ministério da Justiça, o MPF manifestou “extrema
preocupação” e solicitou “atuação articulada e imediata para escolta do grupo
no trajeto de retorno aos seus territórios’, alegando que “foi identificada uma
situação de vigilância e potencial monitoramento ilegal que configura grave
ameaça à segurança da caravana”.
Durante
a Marcha, de acordo com a denúncia feita pela Apib ao Ministério da Justiça, um
homem em uma caminhonete Mitsubishi abordou o motorista do ônibus dos indígenas
que encontrou o rastreador e ofereceu R$ 300 para obter informações sobre os
horários e trajetos do grupo. O relato cita a placa deste veículo: RWK0A82. O
Intercept apurou que ele pertence à Polícia Federal, conforme dados do
Departamento Nacional de Trânsito.
Isso
significa que, ou o condutor do veículo era um agente público de segurança, ou
que um agente cedeu o veículo da PF para um terceiro, que abordou o motorista.
Ambas as situações são ilegais e criminosas. “É possível entender, conforme a
documentação do veículo, que quem o conduzia era um policial federal. Há pouca
possibilidade de que o veículo possa ter sido cedido temporariamente a outra
força policial. Talvez, devido à COP, isso tenha sido possível, mas não seria o
padrão’, explica Roberto Uchoa, policial federal licenciado no Brasil e
conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Nós
questionamos a PF sobre o uso da viatura na COP30, o paradeiro dela no dia 15
de novembro em Belém e a possível atuação de um ou mais policiais federais no
caso de suborno relatado pelo motorista na denúncia da Apib. Não houve resposta
até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Além do
rastreador e da abordagem oferecendo dinheiro por informações, lideranças
Munduruku notaram a presença de homens de terno na parte dos dormitórios da
Aldeia COP, local designado aos povos indígenas. No ofício, a Apib descreveu o
episódio como uma “clara vigilância” direcionada à delegação.
“O
cenário observado durante a Conferência da Partes somou-se a um longo histórico
de ameaças e práticas de crimes diversos, incluindo tentativa de homicídio,
contra o povo Munduruku, de forma a expô-los a um maior grau de insegurança e
receio pela vida e integridade física dos indígenas pertencentes a esse povo
tradicional”, afirmou a Apib.
Além do
Ministério da Justiça, a Apib enviou a mesma comunicação sobre os episódios ao
Ministério dos Direitos Humanos, ao Ministério dos Povos Indígenas, à
Defensoria Pública da União e ao MPF. No documento, a entidade pediu proteção,
investigação e escolta diante do medo dos indígenas, “já enormemente impactados
pelas situações de racismo e silenciamento ocorridas durante a realização da
COP30”.
Dois
dias depois do pedido de ajuda, em 17 de novembro, o MPF, por meio de ofício
urgente, solicitou à Força Nacional de Segurança Pública e à Secretaria
Nacional de Segurança Pública, a Senasp, a adoção imediata de medidas de
segurança e escolta, já que o grupo com 77 lideranças pretendia iniciar a
viagem de volta para o Baixo Tapajós.
Dentro
de horas, a Força Nacional de Segurança Pública respondeu ao MPF que adotaria
gestões com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal para apoiar a
escolta. Já a Senasp informou, apenas no dia seguinte, que tomaria medidas
cabíveis através da Força Nacional, da PF e da PRF.
Perguntado
se a escolta solicitada pelos indígenas foi providenciada e se medidas para
garantir a segurança dos indígenas foram tomadas, o Ministério da Justiça
respondeu, em nota, que a “Força Nacional prestou apoio à PF e à PRF em suas
ações planejadas relativas à escolta para o deslocamento e a segurança das
lideranças indígenas do Baixo Tapajós que participaram da COP30, em Belém,
utilizando o contingente mobilizado naquela região”.
<><>
Proibição da entrada de indígenas gerou tensão
Em 12
de novembro, três dias antes de o motorista encontrar o rastreador no ônibus,
lideranças indígenas do povo Baixo Tapajós, incluindo dos Munduruku, foram
barradas na entrada da Green Zone, área que era para ser de livre acesso da
COP30. De acordo com comunicado feito pela Apib às autoridades, seguranças da
área chegaram a gritar: “não queremos baderneiros aqui dentro”. O MPF investiga
o bloqueio.
A
tensão aumentou no dia 14, quando os Munduruku realizaram protesto em frente à
Blue Zone, reivindicando participação concreta nas negociações, a revogação do
decreto que permite a abertura de corredores logísticos nos rios Tapajós,
Madeira e Tocantins, o fim da contaminação por mercúrio e medidas contra
invasões em seus territórios.
Indígenas
apontaram como uma de suas maiores preocupações a proposta de construir uma
ferrovia que liga o Mato Grosso ao Pará, cortando a região amazônica. Para o
agronegócio, a chamada Ferrogrão é vista como um salto importante na
infraestrutura de escoamento de grãos. A Confederação da Agricultura e Pecuária
do Brasil, CNA, aponta a ferrovia como peça-chave para manter a competitividade
do setor. Os indígenas, porém, a veem como mais um megaprojeto que pode causar
danos à floresta e colocar em xeque o discurso ambiental e indigenista do
governo Lula.
A
Ferrogrão, ferrovia com 933 quilômetros de extensão, é planejada há mais de uma
década por grandes multinacionais do agronegócio — ADM, Amaggi, Bunge, Dreyfus
e Cargill — e apoiada pelos governos de Michel Temer, do MDB, Jair Bolsonaro,
do PL, e Lula, do PT.
O
projeto, que visa ligar Sinop, no Mato Grosso, a Miritituba, no Pará,
atravessando uma região já marcada por desmatamento, garimpo e ocupações
ilegais, tende a ampliar a pressão econômica e a especulação fundiária na área.
O
licenciamento ainda está no início e enfrenta disputas no STF, que analisa a
redução do Parque Nacional do Jamanxim para viabilizar o traçado. Segundo
investigação da InfoAmazonia, a obra impactaria ao menos seis terras indígenas,
17 unidades de conservação e três povos isolados — com efeitos potencialmente
muito maiores do que admite o agronegócio.
Enquanto
o Ministério dos Povos Indígenas alerta para os riscos e insiste na necessidade
de consulta às comunidades afetadas, o ministro dos Transportes do governo
Lula, Renan Filho, mantém discurso favorável ao avanço da obra.
O
protesto dos indígenas na COP, entretanto, não foi em vão. Eles conseguiram um
encontro com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, e o embaixador André Corrêa do Lago, que presidiu
a COP30.
Além
disso, a denúncia dos casos do rastreador, da tentativa de suborno e do
monitoramento durante a conferência reforça, segundo a Apib, o risco iminente à
integridade física e à segurança de lideranças indígenas, muitas delas já
incluídas em programas de proteção.
• Após pressão, STF julgará marco temporal
de terras indígenas de forma presencial
O
Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que vai julgar de forma presencial as
ações que discutem o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
O
julgamento estava previsto para ser iniciado nesta sexta-feira (5) no plenário
virtual da Corte. Contudo, diante dos pedidos feitos pelas entidades que atuam
em defesa dos indígenas, o caso foi pautado para o plenário físico na próxima
quarta-feira (10).
Durante
a sessão, não haverá votação dos ministros sobre a questão. A Corte vai ouvir
as sustentações orais das partes envolvidas, e a data da votação será marcada
posteriormente.
O
relator das ações é o ministro Gilmar Mendes, que liberou os processos para
julgamento na semana passada.
<><>
Marco Temporal
Em
setembro de 2023, o STF considerou que o marco temporal para demarcação de
terras indígenas é inconstitucional.
Em
seguida, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o projeto de lei que
validou o marco.
Contudo,
em dezembro de 2023, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente e
retomou a validade do marco.
Dessa
forma, prevaleceu o entendimento de que os indígenas somente têm direito às
terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da
promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na
época.
Após a
votação do veto presidencial, o PL, o PP e o Republicanos protocolaram no STF
as ações para manter a validade do projeto de lei que reconheceu a tese do
marco temporal.
Entidades
que representam os indígenas e partidos governistas também recorreram ao
Supremo para contestar novamente a constitucionalidade da tese.
• A pedido do MPF, TRF1 mantém multa
contra União e Incra por atraso na titulação de território quilombola no TO
Atendendo
à manifestação do Ministério Público Federal (MPF), a 5ª Turma do Tribunal
Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou recurso da União contra uma multa de
R$ 5,9 milhões por descumprimento de ordem judicial. O acórdão do TRF1 manteve,
por unanimidade, decisão anterior do Tribunal que havia determinado multa
diária em caso de descumprimento de sentença que condenou a União e o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a concluírem a regularização
fundiária da comunidade quilombola Água Branca, em Conceição do Tocantins (TO).
De
acordo com o MPF, o processo administrativo de regularização fundiária,
instaurado pelo Incra em 2008, permanece sem finalização após mais de 15 anos,
configurando omissão prolongada e injustificada do Poder Público. Em 2009, o
MPF propôs ação civil pública na Justiça Federal e o acórdão condenatório do
TRF1 foi proferido há mais de 10 anos, sem qualquer notícia de cumprimento da
decisão judicial por parte dos réus. A sentença determinou a conclusão do
procedimento de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras tradicionalmente ocupadas pela comunidade quilombola.
A União
alegou no recurso ao TRF1 que não teria legitimidade para ser condenada ao
pagamento da multa. Porém, a própria decisão descumprida condenou expressamente
os dois órgãos, reconhecendo que a regularização fundiária de territórios
quilombolas é um procedimento complexo, que demanda atuação conjunta de
diversos órgãos federais. Segundo explicado na manifestação do MPF, a União é
responsável, inclusive, pela edição de decreto presidencial para desapropriação
de imóveis privados situados no território e pela viabilização orçamentária das
indenizações.
Para o
MPF, a legitimidade da União também decorre de sua competência constitucional
para zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições
democráticas, bem como da obrigação de efetivar o direito fundamental
assegurado às comunidades quilombolas pelo artigo 68 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (ADCT), que reconhece a propriedade definitiva das
terras por elas tradicionalmente ocupadas.
Sobre o
argumento de excesso no valor da multa, o MPF afirmou que ficou plenamente
caracterizada a mora injustificada e a relutância insistente dos entes públicos
no cumprimento da decisão judicial. Na manifestação, o órgão defendeu que a
multa diária é instrumento legítimo e indispensável, previsto no Código de
Processo Civil, para garantir a efetividade das decisões judiciais,
especialmente diante do descumprimento reiterado e prolongado da obrigação.
O órgão
ministerial ressaltou, ainda, que o valor da multa é proporcional à gravidade
da omissão estatal, pois reflete a resistência prolongada da Administração
Pública em cumprir uma decisão que assegura direito fundamental à titulação das
terras quilombolas. Segundo o MPF, a demora injustificada viola não apenas o
artigo 68 do ADCT, mas também os princípios constitucionais da eficiência
administrativa e da razoável duração do processo.
Por
fim, o MPF explicou que o cálculo do valor milionário levou em consideração a
multa diária de R$ 1 mil aplicada durante 3.411 dias de descumprimento,
contados de 18 de janeiro de 2014, quando se esgotou o prazo judicial de 360
dias para conclusão da titulação, até 22 de maio de 2023. A decisão judicial
determinou, ainda, a expedição de precatório em favor do MPF para o recebimento
dos valores da multa, cujo destino final será objeto de decisão judicial após o
efetivo pagamento.
Fonte:
The Intercept/Agencia Brasil/PGR 1ª Região

Nenhum comentário:
Postar um comentário