A
poluída região dos EUA apelidada de "Corredor do Câncer"
Um dos
primeiros sinais é o cheiro, diz Shamell Lavigne, ao explicar como reconhecer
que a sua terra natal está imersa em poluição. Ela cresceu no coração do que
ficou conhecido como o "Corredor do Cancêr" (Cancer Alley, em
inglês), um trecho de aproximadamente 140 quilômetros entre Baton Rouge e Nova
Orleans, no estado de Louisiana, nos Estados Unidos.
Lá,
cerca de 200 fábricas de combustíveis fósseis e petroquímicas se aglomeram às
margens do poderoso rio Mississippi. A região responde por cerca de um quarto
da produção petroquímica dos EUA, que abastece a demanda por químicos,
fertilizantes e plásticos. Por décadas, estas instalações liberaram diversos
poluentes tóxicos no solo, na água e no ar ao redor.
As
comunidades locais também sentem que estão pagando um preço alto pelas
montanhas de plástico que o mundo produz — volume que deve dobrar ou até
triplicar nos próximos 25 anos. Os EUA estão entre os vários países, incluindo
China, África do Sul, Brasil, Irã e Arábia Saudita, que expandem sua capacidade
petroquímica.
"Eu
descreveria isso como uma zona de sacrifício", disse a ativista Lavigne,
citando o termo que se refere a áreas geográficas permanentemente prejudicada
por pesadas alterações ambientais. "Nós viramos o cordeiro sacrificial
para que o resto do mundo tenha plásticos descartáveis."
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Risco ainda subestimado
O
Corredor do Câncer ganhou o apelido sombrio por colocar seus moradores sob uma
das maiores taxas de risco de câncer nos Estados Unidos. "Há tantas casas
em cada rua afetadas pelo câncer", diz Lavigne. Às vezes é uma casa sim,
outra não, ela explica — ou até várias casas seguidas onde ao menos um ou dois
membros da família adoeceram.
A
ativista e sua mãe decidiram agir quando foi anunciada uma nova fábrica de
plásticos a poucos quilômetros da casa da família, com investimento de 9,4
bilhões de dólares (R$50 bilhões). Por meio de uma organização, elas têm
liderado a resistência local contra a poluição industrial.
Há cada
vez mais evidências de que a população corre risco. Por décadas, a área esteve
entre os 5% com maior probabilidade de desenvolver câncer no país. Perto de uma
das instalações do Corredor do Câncer, o risco foi estimado em 50 vezes maior
do que a média nacional por um relatório especializado.
Pesquisas
recentes da Universidade Johns Hopkins sugerem ainda que os riscos foram
amplamente subestimados, e a ameaça total de câncer pode ser até 11 vezes maior
que as estimativas do governo.
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Doenças respiratórias e infertilidade
Há
outros perigos à saúde. O Inventário de Liberação Tóxica dos EUA mostra que uma
variedade de poluentes nocivos é liberada no ar, na água e no solo no Corredor
do Câncer. Eles são associados a problemas respiratórios, reprodutivos,
defeitos congênitos e doenças autoimunes.
Na casa
de Lavigne, a realidade não é diferente. Ela mesma enfrentou infertilidade e um
aborto espontâneo antes de ter a filha, que cresce com sangramentos frequentes
no nariz, reações alérgicas e infecções sinusais que às vezes a impedem de ir à
escola.
Sua
filha de 10 anos limita o tempo ao ar livre para não adoecer. "É realmente
de partir o coração", diz a mãe.
O
Departamento de Qualidade Ambiental da Louisiana, no entanto, nega que os
moradores da área enfrentem cargas desproporcionais de poluição e impactos à
saúde.
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Racismo ambiental
Apesar
de ter crescido no Corredor do Câncer, Joy Banner só entendeu na vida adulta
que o problema da poluição "tinha o racismo no centro."
Ao lado
de sua irmã gêmea, ela criou o Projeto Os Descendentes (The Descendents
Project, em inglês) em 2021, para conscientizar sobre como o Corredor do Câncer
se entrelaça com o legado da escravidão. "A poluição industrial e a
proliferação que nos cercam hoje começaram há centenas de anos", diz
Banner.
Antes
de as empresas petroquímicas e de combustíveis fósseis chegarem nos anos 1960,
a escravidão alimentava as prósperas plantations de açúcar nesta parte de
Louisiana. E até hoje a maioria dos habitantes da área são negros.
As
irmãs argumentam que moradores negros, muitos descendentes de pessoas forçadas
a trabalhar nestas plantations, são hoje desproporcionalmente afetados pelas
empresas petroquímicas do Corredor do Câncer.
A
Organização das Nações Unidas (ONU) já classificou o que acontece ali como um
caso de racismo ambiental. Vários estudos apontam que moradores negros
enfrentam níveis significativamente maiores de exposição à poluição. Onde
Lavigne cresceu, a maioria das fábricas construídas desde 1958 está em bairros
majoritariamente negros.
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Regulamentação frágil
Embora
os EUA tenham regulamentações para a poluição, Banner acredita que o Corredor
do Câncer chegou ao ponto atual porque as autoridades preferiram fechar os
olhos.
"Quando
você está ao lado do rio Mississippi e tem um governo que não olha, fica
extremamente fácil vir até aqui e poluir", diz Banner.
As
empresas precisam reportar emissões à Agência de Proteção Ambiental, mas as
exigências não abrangem todos os poluentes. Além disso, dados autodeclarados
costumam subestimar a realidade.
Ativistas
criticam que empresas que excedem limites normalmente enfrentam pouco mais que
multas. Tampouco são obrigadas a instalar monitores de poluição.
Pesquisadores
da Universidade John Hopkins afirmam que há apenas um ou dois monitores em um
trecho densamente industrializado de Corredor do Câncer, insuficientes para
revelar o que as pessoas realmente respiram.
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Resistência local
A
região se tornou um ponto de resistência à expansão petroquímica. Apesar das
chances desiguais, as comunidades têm conquistado algumas vitórias.
Nos
últimos anos, a organização de Lavigne atua em conselhos locais e na
comunidade, além de pressionar bancos a retirarem seus investimentos na nova
fábrica de plásticos e ter iniciado um processo na Justiça.
"Estamos
combatendo-os desde 2018. Impedimos que entrassem na nossa área e seguimos
lutando para mantê-los fora", ela diz. "Não querer ver minha
comunidade morrer prematuramente é uma das coisas que mais me motivam."
Grupos
locais conseguiram barrar vários projetos importantes. Mas as irmãs Banner
insistem que mais pessoas precisam ainda reconhecer que ninguém deveria
sacrificar sua saúde por um emprego, enquanto a indústria petroquímica já não
gera a riqueza que gerava antes.
Alguns
ativistas temem que as batalhas mais difíceis ainda estejam por vir, já que o
governo do presidente Donald Trump promete expandir a produção de combustíveis
fósseis e reverter proteções ambientais.
Fonte:
DW Brasil

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