segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Por que diagnósticos de TDAH estão aumentando tanto? Não há respostas fáceis. Empatia é um bom ponto de partida

Será que o aumento nos diagnósticos de TDAH significa que sentimentos normais estão sendo "patologizados em excesso"? O secretário de saúde do Reino Unido, Wes Streeting, parece suspeitar que sim. Diz-se que ele está tão preocupado com o aumento acentuado no número de pessoas que solicitam auxílio-doença que ordenou uma revisão clínica do diagnóstico de transtornos mentais, incluindo autismo e TDAH.

Fui diagnosticada com TDAH (DDA, como era mais frequentemente chamado na época) há décadas, no início dos meus 50 anos. Como escrevi no meu livro sobre o assunto, Mentes Dispersas, isso “parecia explicar muitos dos meus padrões de comportamento, processos de pensamento, reações emocionais infantis, meu vício em trabalho e outras tendências viciantes, as súbitas explosões de mau humor e completa irracionalidade, os conflitos no meu casamento e minha maneira ambivalente de me relacionar com meus filhos… Também explicava minha propensão a esbarrar em portas, bater a cabeça em prateleiras, derrubar objetos e esbarrar nas pessoas antes de perceber que elas estão ali.”

Havia um bom motivo para que Mentes Dispersas fosse meu primeiro livro concluído , já que vários outros foram abandonados no meio do caminho. Eu nunca consegui ser organizado e perseverante o suficiente para terminar um projeto tão grande até que – já na meia-idade – me reconciliei com o funcionamento estranhamente errático da minha mente.

Em retrospectiva, porém, meu " parecia explicar" foi um ato falho freudiano revelador, pois, na verdade, o diagnóstico não esclarece nada. Uma descrição útil, porém falha como explicação. Considere: "Fulano tem TDAH". Como sabemos? "Bem, ele tende a ser desatento, sua mente divaga, ele pode ser hiperativo e demonstra pouco controle dos impulsos". Por que ele apresenta essas características? "Porque ele tem TDAH". Como sabemos que ele tem TDAH? "Porque ele apresenta esses padrões". Ah, como é que ele manifesta esses traços problemáticos? "Porque ele tem TDAH". E assim seguimos, dando voltas e voltas no bosque, como Ursinho Pooh e Leitão perseguindo os Woozles e apenas duplicando suas próprias pegadas na neve.

Não há consenso sobre praticamente nenhum aspecto do TDAH. Embora tenha se tornado objeto de um debate intelectual acirrado sobre sua natureza, neurobiologia, origens – e, em alguns círculos, até mesmo sua validade –, o diagnóstico está se expandindo internacionalmente. Entre crianças na China, por exemplo, tem sido considerado “uma crescente preocupação de saúde pública”. Na Alemanha, as taxas aumentaram quase quatro vezes em pouco mais de uma década. No Reino Unido, as prescrições de medicamentos para TDAH aumentaram 18% ao ano desde o início da pandemia. Tendências semelhantes são observadas na América do Norte.

Independentemente da precisão dessas estatísticas, é evidente que, em todo o mundo globalizado, cada vez mais crianças enfrentam dificuldades com problemas de atenção, instabilidade emocional, dificuldades de aprendizagem e regulação comportamental, para não mencionar a gama de outros diagnósticos, como transtornos do espectro autista, ansiedade, "oposicionalidade", depressão ou o termo abrangente "neurodivergência".

O que concluir de tudo isso? Entre as possibilidades, podemos citar uma hiperinflação injustificada de diagnósticos, aliada, por outro lado, a um melhor reconhecimento; ou alguns atributos da cultura contemporânea que exercem uma influência nociva sobre o desenvolvimento saudável de muitas crianças. Acredito que ambos os fatores devem ser levados em consideração – principalmente o último, e com maior urgência.

Muitos veem o TDAH como uma disfunção biológica do cérebro, em grande parte enraizada na genética. Às vezes, diz-se que é a doença mental "mais hereditária", o que, na minha opinião, é como chamar o quartzo de o cristal mais mastigável. Apesar de alguns relatos anteriores, já refutados, nenhum gene ou grupo de genes jamais foi identificado como determinante, por si só, da desatenção, da hiperatividade ou do controle deficiente dos impulsos. No máximo, eles fornecem uma predisposição, mas isso está longe de ser uma predeterminação, pois os genes são ativados e desativados pelo ambiente. "Os genes afetam a sensibilidade de uma pessoa ao ambiente, e o ambiente afeta a relevância das diferenças genéticas de uma pessoa", escreveu o renomado geneticista R.C. Lewontin. "Quando o ambiente muda, tudo pode acontecer." Seja qual for a contribuição genética, ainda devemos nos perguntar quais características da vida moderna podem sabotar o desenvolvimento humano ideal.

A chave reside na unidade inextricável e multifacetada da experiência social e pessoal, da psique e da neurobiologia. O cérebro, como nos diz a neurociência, é um órgão social, cuja circuitaria e bioquímica são moduladas pela forma como o ambiente, particularmente o meio emocional, atua sobre o material genético. “A interação entre genes e experiências molda literalmente a circuitaria do cérebro em desenvolvimento e é criticamente influenciada pela responsividade mútua das relações entre adultos e crianças, especialmente nos primeiros anos da infância”, relatou um importante artigo de revisão do Centro para o Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard. Como apontado por este artigo seminal, essa interação começa ainda no período pré-natal, no útero.

E aí reside o problema. O que está acontecendo com essa indispensável responsividade entre pais e filhos sob o atual domínio neoliberal? Diante de um cenário de crescente desigualdade e insegurança econômica; isolamento cada vez maior; desmantelamento de estruturas de apoio social como a comunidade tradicional e a família extensa; fragilização da rede de proteção social; proliferação da hostilidade social; e o apelo viciante das mídias digitais – considerando tudo isso, o estresse sobre as famílias e os jovens pais torna-se cada vez mais insuportável.

Pais estressados, apesar de todo o amor e devoção que sentem e desejam transmitir aos seus filhos, encontram-se em desvantagem. Pesquisas demonstram que, quando estressados, os pais são menos pacientes, mais punitivos e mais severos com seus filhos pequenos. O estresse prejudica sua capacidade de serem calmos, receptivos e atentos. Como apontado em uma revisão feita por pesquisadores renomados: “Em ambientes mais estressantes para os pais, as crianças não apenas experimentam menos proteção contra fatores estressantes ambientais, como também são mais propensas a desenvolver relacionamentos estressantes com os cuidadores.”

Quando os pais estão estressados, as crianças também ficam, o que afeta o desenvolvimento e o funcionamento do cérebro. Além disso, quando estressadas, as crianças tendem a se desligar do mundo exterior como mecanismo de defesa. O impacto psicológico e neurotóxico comprovado das mídias digitais agrava ainda mais os riscos para o cérebro jovem.

Onde está, então, a solução? Certamente, ela deve estar enraizada em um compromisso social de apoiar mulheres grávidas e parturientes; de auxiliar famílias jovens; de não culpabilizar os pais ou estigmatizar crianças com problemas, como acontece com muita frequência; de tratar os jovens com plena compreensão e empatia em todas as instituições de educação infantil, da pré-escola à adolescência; de oferecer ajuda especial a todas as crianças que, sem culpa própria ou de seus pais, se sentem desconfortáveis com as características do TDAH e condições relacionadas. E, não menos importante, na compreensão, por parte dos profissionais de saúde, de que ajudar os pais com compaixão a lidar com seus próprios estresses emocionais e traumas não resolvidos é essencial para garantir um ambiente acolhedor para o desenvolvimento da criança.

Será que tudo isso acarretará custos financeiros, como alguns comentaristas conservadores parecem temer? Sim, uma ninharia comparada aos reais encargos econômicos e ao sofrimento humano impostos pelas atuais condições sociais, que criaram um contexto instável e até mesmo hostil para a educação dos jovens.

 

Fonte: Por Gabor Maté, em The Guardian

 

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