Automação,
atalho para o Comunismo?
Automação
e o futuro do trabalho, de Aaron Benanav, é um contraponto importante e
objetivo às reiteradas projeções, sejam elas infernais ou paradisíacas, sobre
um mundo onde robôs e inteligências artificiais substituiriam trabalhadores e
trabalhadoras. Descendo à miséria de uma realidade sob o domínio do capital,
Benanav redireciona o olhar dos leitores das especulações futuristas do Vale do
Silício para a precariedade contemporânea dos subempregos de um capitalismo
estagnado e suas recorrentes bolhas financeiras. Ao fazê-lo não se esquiva de
uma crítica radical que nos coloca a tarefa de um enfrentamento à constante
capacidade do capital de nos conduzir ao abismo. E é em meio a esse pesadelo
mesmo, e a partir das suas contradições, que o livro projeta também um outro
futuro, não de soluções tecnocráticas, mas de uma reorganização comunal do
próprio trabalho.
Benanav
retoma e aprofunda as análises de Robert Brenner – especialmente a partir
de The Economics of Global Turbulence, publicado em 1998 – sobre o
longo declínio do capitalismo após os anos 1970. Ao considerar os dados sobre a
economia global do pós-guerra, e particularmente do setor industrial, Brenner
indicou que a ascensão estadunidense e a reconstrução das economias de diversos
países, em especial Alemanha e Japão, resultaram em uma sobrecapacidade
industrial, o que reduziu a lucratividade e desacelerou os investimentos e a
expansão do setor como um todo, trazendo sérias consequências para a economia
mundial.
Para
Brenner, as iniciativas estatais, particularmente nos Estados Unidos, voltadas
a estimular novamente a economia não foram absolutamente ineficazes, em
especial ao longo dos anos 1990. No entanto, diante desse cenário de
sobrecapacidade e sobreacumulação de capitais na indústria, elas não
conseguiram restaurar os níveis de lucratividade e de crescimento do
pós-guerra. Mais ainda, como Brenner argumentou posteriormente, o estímulo à
economia estadunidense adveio de uma política monetária voltada à valorização
de ativos, como ações e propriedades imobiliárias, o que resultou em uma
sustentação da demanda nos Estados Unidos que, em última instância, revelou-se
frágil. Nesse contexto de desindustrialização e estagnação efetiva, formaram-se
bolhas, como a pontocom, que estourou nos anos 2000, e a imobiliária, em
2007-2008.
A
análise de Brenner fundamentou reflexões importantes sobre o contexto econômico
dos desenvolvimentos tecnológicos contemporâneos. É a partir dela, por exemplo,
que Nick Srnicek caracterizou o cenário “favorável” à plataformização do
capitalismo criado pelas políticas monetárias estadunidenses desde o fim dos
anos 1990 – especialmente durante a recuperação da crise financeira de 2008.
Com o “dinheiro barato” disponível na economia dos Estados Unidos, mas diante
dos constrangimentos da lucratividade da indústria, o capital financeiro
subsidiou os arriscados investimentos da expansão “disruptiva” das plataformas.
Na interlocução com Brenner, Benanav – que em outro ponto é crítico ao
aceleracionismo de Srnicek e sua projeção de um mundo pós-trabalho – aprofundou
o debate ao voltar-se para a questão do impacto da tecnologia sobre os
empregos.
Na
economia marcada pelo longo declínio, Automação e o futuro do trabalho apresenta
um contraponto aos discursos em voga que atribuem à tecnologia e à automação a
responsabilidade pela atual desaceleração na criação de postos de trabalho. Por
meio de uma análise dos dados internacionais sobre o crescimento da produção e da
produtividade, Benanav demonstra que é na formação de sobrecapacidade na
indústria que se encontra o cerne da baixa demanda por trabalho contemporânea –
em um contexto, ademais, em que os ganhos de produtividade são tímidos quando
comparados àqueles das duas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial.
O livro
complementa a tese de Brenner ao indicar os problemas associados ao
deslocamento relativo dos empregos para o setor de serviços, que se seguiu à
desindustrialização em diversos países. Resgatando os diagnósticos de William
Baumol, Benanav argumenta que os entraves ao incremento da produtividade nos
serviços significam que, nesse segmento, os preços caem de maneira mais lenta,
quando comparados aos do restante da economia. Essa característica torna os
serviços ainda mais propensos à precarização do trabalho na competição por
demanda. Como, em geral, os serviços são mais fortemente marcados pelo que
ficou caracterizado como “doença dos custos” – com os salários dos
trabalhadores compondo aqui uma parte relativamente maior do preço pago pelos
consumidores –, o ataque ao trabalho intensifica-se na busca pela redução dos
preços, inclusive por meio das diversas plataformizações.
O
resultado, em termos globais, de uma sobrecapacidade e sobreacumulação na
agricultura e na indústria, junto a um setor de serviços com um lento
crescimento da produtividade, é uma estagnação econômica que, por sua vez, se
traduz na disseminação de subempregos – algo distante, portanto, do discurso da
eliminação geral de postos de trabalho por meio da tecnologia.
Por
certo, a partir dessa tendência, as posições de cada país na economia global
são fundamentais. Automação e o futuro do trabalho não perde
de vista, por exemplo, que os subempregos e a informalidade no Sul global estão
longe de ser uma novidade. Pelo contrário, estão presentes e até mesmo se
intensificaram antes mesmo do desenrolar dos processos de desindustrialização
das últimas décadas. Por outro lado, o arcabouço jurídico dos diferentes países
não é, de forma alguma, negligenciável na absorção dos impactos sobre a classe
trabalhadora do longo declínio do capitalismo contemporâneo.
Não
obstante, o diagnóstico de Benanav é o de que a profundidade dos problemas
demanda também propostas radicais para enfrentá-los. Ele retorna, assim, à
história do keynesianismo, reiterando suas limitações, mas contrariando
percepções usuais. Por exemplo, lembra que, diante das perspectivas de
saturação da acumulação de capitais, do declínio do retorno sobre investimentos
e da “maturação” das economias, Keynes e sobretudo seus seguidores mais
radicais não propuseram um estímulo à formação de mais capital fixo para
absorver força de trabalho excedente, mas a redução da jornada de trabalho e a
socialização dos investimentos, orientando-os para os interesses públicos.
Isso,
no entanto, implicaria uma disputa com o capital pelas decisões sobre os rumos
da sociedade; demandaria retirar do capital a capacidade, recorrentemente
mobilizada, de jogar países inteiros no caos através de desinvestimento e,
sobretudo, demandaria uma organização política extraparlamentar capaz de
sustentar esse enfrentamento. Diante dessas tarefas, Benanav coloca uma
importante questão a qualquer reformismo mais substantivo em um mundo
estagnado: se tamanhas forças populares um dia forem reunidas a ponto de
poderem “forçar o capital a se submeter a uma economia orientada para o
investimento público, por que não exigiriam mais?”.
As
propostas contemporâneas, à esquerda, de uma renda básica universal (RBU), por
exemplo, enfrentariam problemas semelhantes aos colocados aos keynesianos no
século passado, mas em um contexto econômico e político ainda mais difícil. O
diagnóstico do longo declínio da economia global diz respeito sobretudo a
problemas na produção e não na distribuição. Isso é, diferentemente dos
argumentos que apontam para um crescimento do desemprego, apoiado em uma alta
produtividade do trabalho, impulsionada tecnologicamente, a economia
contemporânea se vê, ao contrário, diante de uma sobrecapacidade e de uma
estagnação – em meio, ademais, a uma crise ambiental de dimensões
catastróficas.
No
argumento de Benanav, a questão não é, portanto, um problema de distribuição,
dentro de um cenário de forte crescimento econômico global, que poderia ser
corrigido através de dinheiro entregue a todos sem contrapartidas. O longo
declínio significa que qualquer renda básica universal alta o suficiente para
enfrentar desigualdades econômicas gritantes resultaria em um jogo de soma zero
entre trabalho e capital. Isso, por sua vez, apontaria para uma disputa mais
ampla com o capital pelo controle da economia e, novamente, a necessária
reunião de forças no mundo do trabalho poderosas o suficiente para tal
enfrentamento. Levaria, portanto, a questões e conflitos muito mais amplos do
que a renda básica universal e que não deveriam encerrar-se nela.
Com o
declínio da economia mundial e as limitações dos projetos para enfrentar seus
problemas, Benanav olha para o passado e resgata uma proposta comunista que é,
ao mesmo tempo, modesta e ambiciosa: nas tradições que vão de Étienne Cabet a
Karl Marx e Piotr Kropótkin, um mundo emancipado não pressupõe uma distante
automação total da economia, a distribuição gratuita de dinheiro e o fim de
nossas obrigações mútuas, mas uma reorganização da produção e da distribuição
que rompa com o estranhamento da economia capitalista.
A
clássica divisão e interconexão proposta por esses autores entre necessidade e
liberdade, entre trabalho e tempo livre, em uma futura sociedade emancipada, é
retomada em Automação e o futuro do trabalho para prefigurar
uma sociedade que garanta, nas palavras de Marx, o controle comunal da
produção, a organização racional do metabolismo entre seres humanos e natureza,
o mínimo emprego de forças e as “condições mais dignas e adequadas” para o
trabalho. Na contramão das jornadas exaustivas e da intensidade sufocante do
trabalho contemporâneo, o foco aqui é uma organização comunal que valorize e
garanta cada vez mais tempo livre a todas as pessoas.
Portanto,
nem um mundo pós-trabalho, nem um mundo de uma ética voltada ao trabalho, mas
uma reorganização coletiva e democrática de nossas necessidades e atividades
produtivas, não mais ditadas pela expansão incontrolável e compulsória do
capital. Não há aqui nenhuma tecnofobia, mas uma indicação de que é necessária
uma transformação radical das relações de produção para que a tecnologia seja
substantivamente empregada em um sentido emancipatório. Uma mensagem
importante, que precisa ser sublinhada, ante os aceleracionismos de esquerda ou
de direita em um mundo de emergência climática, minerações no Sul global e
colapsos ambientais múltiplos.
Automação
e o futuro do trabalho junta-se, assim, a um conjunto de diferentes
contribuições que, diante das investidas avassaladoras do capital sobre as
condições de vida e sobre a subjetividade da classe trabalhadora, mergulham na
miséria contemporânea para indicar aí a necessidade de saídas realmente
revolucionárias.
Por um
caminho diverso, há três décadas István Mészáros lançava Para além do
capital, que discorria sobre a profundidade da crise estrutural, suas
manifestações também nas experiências pós-capitalistas e a necessidade de uma
emancipação real. Na mesma época, Ricardo Antunes desconstruía os discursos que
davam adeus ao trabalho e apontava o crescimento, a complexificação e a
heterogeneidade da classe-que-vive-do-trabalho. Desde então, diante das
múltiplas metamorfoses do mundo do trabalho, Antunes analisou o crescimento do
setor de serviços, a ascensão de um infoproletariado e as desantropomorfizações
contemporâneas do trabalho que, em sua provocação, indicam que o capitalismo de
plataforma se assemelha cada vez mais à protoforma do capitalismo. É imperativo,
portanto, reinventar um novo modo de vida.
Em um
sentido convergente, mas novamente por caminhos diversos, um conjunto de
diferentes intervenções vêm, ao mesmo tempo, resgatando análises radicais em
torno do mundo do trabalho e aprofundando as questões sobre como as acumulações
de capitais são inextricáveis às destruições da natureza, aos processos de
racializações e generificações. O foco aqui também são os diagnósticos
sobre a situação contemporânea do capital e a premência das lutas cotidianas,
não perdendo de vista o horizonte de uma necessária superação radical do
capitalismo, impulsionada pela classe trabalhadora.
Investigar
sem ilusões as misérias de nossos tempos, sem ser tragado por seu realismo
estreito e cada dia mais absurdo, é uma tarefa difícil, mas imprescindível
neste momento em que as crises do capital chegam ao paroxismo. Daí a
importância de Automação e o futuro do trabalho como
instrumento de reflexão e luta contra o capital, para a construção de
economias, tecnologias e formas de vida comunais.
Fonte:
Por Murillo van der Laan, em Outras Palavras

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