Quando
a comoção midiática inspira novos ataques
Expor
nomes e métodos de autores de massacres tanto na imprensa quanto nas redes
sociais pode estimular novos ataques em poucos dias, funcionando como gatilho
para crimes por imitação...
A
imprensa escrita e audiovisual desempenha um papel importante na construção das
narrativas sobre violência escolar, escrevia Éric Debarbieux (1998), importante
pesquisador sobre o tema. Nesta mesma
linha, Sue Klebold (2016), mãe de um dos adolescentes que executaram o
traumático ataque à Columbine High School (EUA – 1999), afirma que quando a
cobertura da imprensa dá detalhes em excesso sobre este tipo de violência, tais
como divulgar o nome dos autores de ataques contra escolas e a sua dinâmica,
ela inspira seguidores e lhes dá um modelo em cima do qual poderão delinear
seus próprios planos. Não por acaso, duas décadas depois, no Brasil, Columbine
inspirou diretamente o ataque à Escola Estadual Raul Brasil (Suzano – 2019). A
dupla de jovens que atacou a escola em Suzano – segundo revelaram as
investigações – desejava superar o episódio de Columbine em matéria de número
de vítimas e destaque midiático.
Com a
popularização da Internet e redes sociais plataformizadas, a comoção após a
ocorrência de episódios de violência extrema em escolas ganhou novos contornos,
uma vez que a produção de conteúdos audiovisuais e textuais deixou de ser
tarefa exclusiva das redações da grande imprensa especializada e passou a
também ser produzida por quaisquer pessoas que tenham acesso a uma conta. Isso
se torna especialmente problemático quando os códigos desta comoção midiática
são amplamente compartilhados em comunidades virtuais extremistas da
machosfera, onde é conhecido que os homens que executam a violência escolar
extrema são celebrados como heróis pelos frequentadores e se tornam
demarcadores a serem superados no futuro.
Flora
Daemon (2015), jornalista e pesquisadora sobre ataques contra escolas, afirma
que alguns jovens desejam “inscrever” seus nomes na história a partir de atos
infames – não apenas como crime, mas como ato comunicacional – e transformam os
atos de violência dura em “pacotes midiáticos” que são disponibilizados de
muitas formas, incluindo uploads em sites e envio direto para emissoras de tv,
a exemplo do autor do atentado contra Virginia Tech (EUA), em 2017, que enviou
seu material para divulgação ampla na imprensa momentos antes de executar seu
plano macabro.
Nas
plataformas digitais, tanto o discurso de ódio quanto a produção de conteúdos
sobre violência se tornam ativos de amplo engajamento e o caso mais recente,
ocorrido no Cefet-Maracanã (RJ) após um homem, servidor da instituição,
assassinar a sangue frio Allane Pedrotti e Layse Costa, duas colegas de
trabalho que estavam em posição de chefia, chama nossa atenção devido à falta
massiva de uma educação crítica das mídias. A lógica do algoritmo premia
aqueles que produzem discursos calcados no sensacionalismo, ainda que por uma
“boa causa”.
A
influenciadora – e até mesmo pessoas diretamente envolvidas na situação, como
familiares das vítimas – ao publicarem sua indignação e estimularem a
divulgação do nome do assassino de Allane e Layse, caminham na contramão dos
protocolos de posvenção em casos de violência extrema. Esses protocolos foram
adotados tardiamente pela grande mídia, em abril de 2023, após uma grave onda
de ataques sucessivos contra escolas.
O
Relatório de Recomendações para o Enfrentamento do Discurso de Ódio e
Extremismo no Brasil, do Ministério dos Direitos Humanos (2023), enfatiza a
importância de estimular práticas pedagógicas no âmbito escolar e digital
capazes de limitar a espetacularização de massacres e a difusão de rumores
associados a esses eventos, buscando mitigar o efeito-imitação.
De
acordo com o relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil (D3E,
2023), a cobertura jornalística de um massacre – ao expor o nome dos autores e
os métodos empregados – pode desencadear até três novos eventos da mesma
natureza na semana seguinte. O mesmo efeito pode ocorrer com a disseminação de
postagens nas redes sociais, que funcionam como uma convocatória para crimes
por imitação (copycat crimes).
Já o
relatório Ataque às Escolas no Brasil, do MEC (2023), orienta que a educação
crítica para as mídias e a educomunicação devem atravessar os componentes
curriculares. O documento também recomenda formações que promovam o uso seguro,
consciente e responsável da internet, com foco em letramento midiático e
cidadania digital, como estratégias de enfrentamento às violências.
Ora, o
apelo midiático irrefletido mobilizado tanto pelos usuários das redes sociais
quanto pela grande imprensa criam o efeito adverso de minar a capacidade de
recuperação da comunidade escolar, além de promover o risco de que
acontecimentos da mesma natureza ocorram em outras instituições.
Após o
inaceitável episódio de feminicídio ocorrido no Cefet-Maracanã, observamos
diversas postagens em redes sociais que reivindicavam a ampla divulgação do
nome do assassino de Allana e Layse, pedido este que, em meio à revolta pela
barbaridade do ocorrido, o concederá a injusta glória de inscrever seu nome na
história a partir de seu ato infame. Este homem não pode se tornar inspiração
para outros homens sedentos por afirmar sua virilidade perante a sociedade por
meio de atos de violência.
Enquanto
não houver uma reflexão profunda sobre a visibilidade e narrativa das
violências escolares alinhadas às estratégias de educação midiática e formação
em direitos humanos, pouco avançaremos no combate à violência extrema escolar e
ao feminicídio. Justamente pelo risco do efeito-imitação que é preciso repensar
as condições de visibilidade. Não podemos permitir que a morte de Allana e
Layse inspire novas mortes de mulheres ou ataques contra escolas. Devemos
entregar aos homens que cometem atos de violência contra mulheres e escolas o
ostracismo e responsabilização por seus atos, sem direito a reivindicar um
diagnóstico psiquiátrico como atenuante para a misoginia. Misoginia não é um
transtorno psiquiátrico e, assim como a violência extremista masculina, é
estrutural e precisa ser combatida firmemente.
Fonte:
Por Isabella Mendes e Juliana Meato, no Le Monde

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