Os
smartwatches estão controlando demais nossa vida?
Há uma
grande expectativa. Consigo ver a respiração fria dos meus concorrentes
enquanto eles fazem aquele movimento de "prestes a correr" perto na
linha de partida.
Estou
numa corrida comunitária de 5 km, em uma manhã de sábado, e quero competir.
Três, dois, um...
Ah,
espere. Preciso configurar meu relógio Garmin. O cara ao meu lado faz o mesmo.
Uma
pessoa atrás de nós resmunga. "Não vou sair daqui até que... Isso, GPS
pronto! Já posso dar a largada."
Na
confusão de início de corrida, é difícil ver um pulso sem um smartwatch. E não
somos apenas nós, corredores, que os usamos.
Trata-se
de uma indústria em expansão, que movimenta bilhões de reais.
Marcas
como Apple Watch, Samsung Galaxy, Garmin, Huawei Watch e Fitbit, do Google,
dominam o mercado, cada uma com uma ampla seleção de modelos diferentes para
atender a diversos estilos de vida.
A
depender do nível de tecnologia do modelo escolhido, os preços podem variar de
centenas a alguns milhares de reais.
"Isso
[o smartwatch] me deixa louco, não consigo desligar."
"Ele
me conforta... É como um amigo que me apoia."
"Pare
de dizer que eu dormi mal."
Esses
são alguns dos comentários que recebi de outros usuários de smartwatches quando
pergunto o que acham dos seus aparelhos.
Minha
opinião sobre o meu? No momento, acho ele irritante.
Ele
está me dizendo que estou fora do ritmo, e me faz pensar se as árvores sob as
quais estou correndo bloqueiam a minha conexão GPS.
Milhões
de nós prendemos esses pequenos monitores em nossos pulsos e os usamos 24 horas
por dia, 7 dias por semana — aparentemente tranquilos com o fato de que eles
estão constantemente nos rastreando.
Acabou-se
o tempo em que dependíamos deles apenas para nos dar uma ideia da nossa
contagem de passos.
Agora,
eles podem medir padrões de sono, pressão arterial, frequência cardíaca,
variabilidade da frequência cardíaca (VFC), oxigenação, níveis de glicose, VO2
máximo...
É
difícil encontrar uma função corporal que eles não são capazes de rastrear.
Mas
será que eles fazem o que dizem que fazem?
E as
estatísticas que analisamos refletem a realidade? Eles melhoram nosso bem-estar
mental e físico? Ou a infinidade de medições e mensagens motivacionais apenas
aumentam o estresse diário?
"Eu
fico um pouco obcecada com o meu", me conta Rachael Fairclough.
Embora
adore como o Apple Watch monitora suas corridas, às vezes ela acha algumas de
suas outras funções "excessivas" — como descobriu quando engravidou.
Antes
de perceber que podia ativar o modo gravidez, o smartwatch de Rachael ficava
dizendo que ela não estava sendo produtiva o suficiente.
Agora
que teve o bebê, o relógio fica dizendo que ela teve uma noite mal dormida.
"Tenho
um bebê de seis meses, não preciso que me digam que não dormi", diz
Rachael.
"Sei
disso muito bem", completa ela.
Mas
Rachel não poderia simplesmente tirar o smartwatch do pulso?
"Eu
poderia, mas tenho uma relação de amor e ódio com ele", diz ela.
"Eu
o adoro pelas informações sobre condicionamento físico. Só me pergunto se todas
as outras coisas que ele pode fazer agora não são demais para mim."
Cada
modelo de smartwatch tem sua própria maneira inovadora de monitorar sinais
vitais e interpretar dados, mas a maioria usa sensores na parte traseira do
relógio.
Eles
geralmente emitem pequenas luzes LED verdes no seu pulso, que podem monitorar o
fluxo sanguíneo e detectar a frequência cardíaca.
Dispositivos
mais avançados detectam mudanças na corrente elétrica que percorre a pele para
dar uma ideia dos níveis de estresse.
Niels
Peek, professor de Ciência de Dados na Universidade de Manchester, no Reino
Unido, afirma que, em geral, para os smartwatches, é preciso ter um
"equilíbrio delicado".
Na
visão dele, embora a tecnologia em constante evolução possa realmente salvar
vidas, "ao detectar doenças antes que os sintomas apareçam", ela
também pode transformar nós, os usuários de relógios, em "pessoas
demasiadamente preocupadas com a saúde".
Ele diz
que alguns dos modelos mais recentes podem realizar testes como
eletrocardiogramas (ECGs), que monitoram constantemente a saúde do coração.
Eles podem sinalizar se alguém está com fibrilação atrial (FA), uma atividade
elétrica anormal no coração que causa batimentos cardíacos irregulares.
Isso
não significa que a pessoa está prestes a ter um ataque cardíaco, mas pode
fornecer um alerta precoce de que ela pode estar mais propensa a sofrer um
acidente vascular cerebral (AVC), um coágulo sanguíneo ou problemas cardíacos
no futuro.
Mas
interpretar esses dados é complexo. O professor Peek teme que, à medida que
mais funções forem adicionadas a esses aparelhos, as pessoas não consigam
entender completamente os dados.
"Não
estou totalmente convencido de que ser capaz de monitorar tantas coisas seja
uma boa ideia", diz ele.
A
psicóloga clínica e professora de cardiologia Lindsey Rosman concorda. Ela
realizou uma pesquisa sobre o impacto da tecnologia vestível em um grupo de
pacientes com doenças cardiovasculares.
Embora
seja um grupo pequeno e específico de pacientes, e não a população em geral, o
estudo sugeriu que 20% daqueles que usaram essas tecnologias para monitorar o
coração apresentaram ansiedade e eram "muito mais propensos a usar
recursos dos sistemas de saúde".
Ela
observou um padrão em seus pacientes: eles viam um número preocupante em seus
relógios. Ficavam preocupados. A frequência cardíaca deles aumentava. Isso os
deixava ainda mais preocupados. Daí eles verificavam novamente o aparelho. E a
frequência cardíaca aumentava de novo.
"Se
vemos estatísticas sobre nós mesmos que não entendemos completamente, é claro
que vamos querer saber mais", diz a professora Rosman.
"Verificamos,
verificamos e verificamos novamente. E aquilo se torna uma profecia
autorrealizável."
Algumas
pessoas têm uma relação um pouco mais saudável com a tecnologia.
"Isso
não vai me transformar em um atleta olímpico, nem nada do tipo", diz o
veterinário Mark Morton sobre o dispositivo Whoop preso ao seu bíceps.
"Mas
realmente me fez pensar sobre minha saúde".
O pai
de dois filhos, atualmente com 43 anos, usa um rastreador de atividades físicas
que fornece um relatório diário de como ele dormiu.
"E
isso mudou completamente minha atitude em relação ao sono", diz ele.
"Eu
costumava tomar uma ou duas cervejas perto da hora de dormir para relaxar, mas
depois percebi como isso prejudicava a qualidade do meu sono."
Agora
ele usa uma máscara de dormir, dorme em um quarto fresco e tenta não comer ou
beber no final da noite.
Tudo
isso contribuiu para que ele se sinta melhor ao acordar — o que, por sua vez,
reflete nos dados do dispositivo.
De
volta à minha corrida no parque, vocês ficarão aliviados em saber que aumentei
o ritmo. Minhas pernas estão começando a doer, e ainda precisarei encarar
aquela pequena subida na esquina. Checo meu relógio novamente.
Falta 1
km e alguém está tentando falar comigo, perguntando sobre meu ritmo.
Não
tenho tempo para isso, amigo.
Dou uma
olhada rápida no meu relógio pela enésima vez. Será que o que estou vendo está
correto?
"Depende
do que você considera correto", responde Kelly Bowden-Davies, professora
sênior do Departamento de Ciências do Esporte e do Exercício da Universidade
Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.
"Eles
não vão te dar resultados com a qualidade de um laboratório. Eles não te dão
uma leitura precisa da sua velocidade ou do ritmo em um determinado
momento."
Há
muitas variáveis — para começar, o GPS nem sempre é confiável, alerta ela.
Além
disso, se o nosso relógio se move no pulso, pode não capturar todos os dados
necessários para uma avaliação precisa.
Bowden-Davies
diz que, como não estão sujeitos às mesmas regulamentações que um dispositivo
médico, os smartwatches não podem nos dar uma imagem real da nossa saúde.
Mas o
que eles podem nos dar é uma base para trabalhar, segundo ela.
"Essa
base pode não refletir a realidade com precisão de segundos, calorias ou
metros, mas é algo pessoal, para você", avalia a especialista.
"Você
pode então descobrir o quão bem está se saindo — se ficou mais rápido, se
dormiu melhor ou se queimou mais calorias. Eles são realmente úteis para
isso."
Para
muitos de nós, esses relógios são puramente algo pessoal — nos importamos com o
nosso desempenho em comparação com o anterior.
E nem
me fale dos relógios que permitem monitorar e competir com os amigos.
Acabei
de cruzar a linha de chegada da corrida e parei meu relógio, que marcava
exatamente 22 minutos e 28 segundos.
Não é
meu melhor tempo, mas estou muito contente: meu sprint final foi excepcional,
modéstia à parte.
Com
essa informação, me despeço desse texto. Afinal, tenho alguns dados do meu
smartwatch para analisar.
Fonte:
Por Ruth Clegg, repórter de saúde e bem-estar da BBC News

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