Rosa
Branca (Ou: Carta aos estudantes de Munique)
Homenagem
a um pequeno grupo de jovens que, em 1943, desafiou o nazismo. Imprimiram
cartas. Espalharam, em sigilo, pétalas pelos ares. A lâmina desceu – a lâmina
sempre desce. Mas uma flor cortada não está morta: sempre é possível fazer
algo!
1. Sempre é possível desafiar o impossível
Alemanha,
inverno de 1943. Jovens estudantes, poucos, é certo. Hans Scholl, estudante de
medicina recém chegado da Frente Oriental, Sophie, sua irmã mais jovem,
Alexander Schmorell, Christoph Probst, poucos…
Liselotte
Furst-Ramdohr, a amiga e simpatizante (uma das poucas a sobreviver). Outros,
poucos…
Quarenta
ao máximo, da maioria não se conhece o nome. Sabe-se que havia.
Há
sempre quem desafia o medo nos mais pequenos gestos. Pode ser escondendo
panfletos entre vassouras, preparando estênceis para ganharem vida nos muros.
Sempre é possível desafiar o impossível.
Outros,
menos ainda, podem ousar um pouco mais, depositar uma carta-protesto em uma
caixa de correio, sem remetente, anonimamente. Palavras datilografadas em
folhas brancas, mimeografadas na clandestinidade, viajando de mão em mão,
encaminhadas pelo correio ou espalhadas nos corredores de escolas, deixadas em
bancos de bonde ou praça.
Sempre
há o que fazer.
Outros,
menos ainda, podem ousar um pouco além. Pegar os estêncis e imprimir nos muros:
–
Queremos paz, não guerra!
– 300
mil soldados morreram em Stalingrado!
–
Abaixo Hitler!
Poucos
muros, é certo. Poucos jovens a desafiar o Sistema, igualmente certo. Ainda
assim, rosas podem brotar pelas caixas de correio, nos bancos das praças, nos
muros.
2. Quando o céu pesa como chumbo
Sempre
é possível vencer o medo.
Mesmo
em marcha sob passo militar, o céu pesando como chumbo. Mesmo quando tudo pode
ser treva. Mesmo quando todos podem seguir por um só caminho. Ainda assim, pode
nascer uma rosa entre coturnos. Uma flor a rasgar o metal. Uma pétala a alterar
o passo.
Eles
não tinham armas, apenas palavras escritas em porões,
lidas
na penumbra. Palavras mais afiadas que baionetas. Folhas de papel perfurantes.
Mais que a lâmina da guilhotina.
3. Jovens estudantes
Jovens
estudantes de Munique escreviam sabendo que seriam lidos por poucos, ouvidos
por menos ainda. Sabendo que seriam punidos por muitos.
Ainda
assim, escreveram.
Ainda
assim, distribuíram.
Atreveram-se.
Desafiaram
o terror.
Plantaram
uma flor.
Uma
flor
pálida
e feroz,
delicada
e indomável,
uma
Rosa Branca a desafiar Hitler.
Um
homem só?
Não,
toda uma multidão em personificação. Um Sistema de opressão sustentado por
gente cúmplice em ordem unida, do mais baixo ao mais alto escalão.
Um céu
pesando como chumbo.
Ainda
assim, desafiaram, fizeram algo, agiram.
Semearam
contra o terror e plantaram uma flor.
4. Rosas limpas de ódio
Rosas
limpas de ódio, flagrância da palavra justa, rastro de lucidez entre espinhos.
Jardim de coragem entre dedos trêmulos donde brotaram palavras que haviam
perdido significado sob a voz violenta do nazismo.
A
justiça, a honra, a liberdade, deixaram de ser linhas de um livro rasgado e
ganharam força e verdade.
As
palavras nas Cartas escritas pelos Estudantes de Munique:
-Nada é
mais indigno que obedecer em silêncio.
Eles
desafiaram o silêncio sob a mais bruta opressão. Redigiram Cartas a ecoarem sob
portas fechadas entre corações que resistiam e mentes que não se vendiam.
Naquele
tempo sombrio, sob aquele poder opressor, plantar rosas da verdade seria
sentença de morte. Eles sabiam; e ainda assim plantaram.
5. Um punhado de jovens
Mesmo
quando todos marchavam em passo marcado, ainda assim houve um punhado de jovens
que não se fez indiferente. Gente que plantou a palavra que floresce. Sempre é
possível ter coragem.
Hans e
Sophie, irmãos de sangue e sonho, fizeram da folha de papel
sua
arma mais pura. Jovens de religião luterana, fecharam os olhos para rezar
e
abriram os olhos para lutar.
Com a
Rosa Branca, estudantes de Munique sob o manto do nazismo plantaram com papel,
com palavra, com silêncio, com a dignidade de quem sabe que resistir é a forma
mais elevada de existir.
6. A derradeira Carta
Foi a
sexta e última carta, lançada como chuva de pétalas de rosa. Panfletos a regar
mentes estudantis quando o medo era a língua oficial e o preço da verdade, a
própria vida.
– O
nome da Alemanha permanecerá para sempre desonrado se a juventude alemã não se
levantar finalmente, vingar e expiar, destruir seus algozes.
Do
pátio da universidade, rosas esvoaçaram:
– Nada
é mais indigno que obedecer sem alma, que dobrar o joelho à brutalidade.
Dois
irmãos apenas, Hans e Sophie, desafiaram todo o Sistema.
Um
zelador da universidade viu os jovens a espalharem rosas e pétalas, poderia ter
permanecido em silêncio; mas não, denunciou, apontou.
Com sua
banalidade fez o mal,
olhos,
ouvidos e mãos
a
serviço da opressão,
como
tantos milhões o são.
Misturados
à multidão ainda na universidade, identificados pela Gestapo foram levados à
prisão.
7. Tribunal sem Justiça
Regimes
de opressão abusam de todos os poderes que usurpam. Podem simplesmente
desaparecer com as pessoas, torturar, esmurrar, humilhar, eletrocutar, afogar,
enforcar, matar…
Comportam-se
como donos da vida e da morte. Não só sob o nazismo, mas em todos regimes de
opressão, sejam ditaduras ou autocracias dos poucos ou dos muitos. O regime
nazista poderia simplesmente matar, mas era preciso demonstrar. Dar o exemplo,
atemorizar com a justiça imunda.
Os
irmãos, jardineiros de rosas brancas. Outro companheiro, Christoph, pai de duas
crianças, também autor da Carta, foram levados ao tribunal sem justiça.
O
infame juiz, martelo em punho, rugia contra os jovens acorrentados e indefesos.
No tribunal, apenas os fardados. Ainda assim, os jovens estudantes de Munique
desafiaram e amedrontaram os agentes da injustiça.
– Vocês
não nos derrotam!
Disse
Sophie. Tão menina, olhos firmes, voz altiva.
Ao fim,
a sentença: morte por guilhotina.
Em
poucos dias a lâmina desceu; a lâmina sempre desce.
Mas a
palavra havia sido lançada.
8. Chuva de Rosas
Os
papéis atravessaram fronteiras, ultrapassaram pelotões.
Nas
mãos de quem?
Não se
sabe.
Talvez
um diplomata estrangeiro, talvez uma professora…
Alguém,
não importa quem.
Sempre
é possível desafiar o impossível.
Verão
de 1943.
Uma
chuva de pétalas brancas cobre as cidades da Alemanha. Milhares, talvez mais de
milhão de cópias da derradeira Carta. Esvoaçando, lançadas por aviões das
tropas aliadas, chegando aonde os estudantes de Munique jamais sonharam
alcançar.
– O
nome da Alemanha será manchado para sempre, a menos que a juventude tenha
coragem de lutar.” – estava escrito nas pétalas da Rosa Branca.
9. A palavra justa voou
Mesmo
com os jovens decapitados, os amigos perseguidos, o movimento desmontado, a
Carta apreendida. Mesmo assim a palavra justa voou mais forte que o silêncio
armado.
O fio
da lâmina da guilhotina não pôde cortar a verdade, apenas a entregou ao vento.
E o vento levou.
– Cada
um tem o dever moral de resistir! – estava escrito nas pétalas da Rosa Branca.
10. A rosa floriu
Os
jovens do movimento Rosa Branca resistiram no último suspiro, no último golpe,
nas últimas palavras. Uma rosa cortada não é uma rosa morta, é broto para outra
rosa. Cortar uma rosa não impede que ela floresça outra vez.
–
Leiam!
–
Pensem!
–
Resistam!
A chuva
de pétalas da Rosa Branca ensinou: sempre é possível fazer algo para vencer o
impossível.
A rosa
floriu
no frio
de Munique,
na dor
de Stalingrado,
na
vergonha dos que sentiram o peso
da
mentira suja de sangue.
Fonte:
Por Célio Turino, em Outras Palavras

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