segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Thalys Alcântara: Assessor de Pacheco participou de venda de fazenda para pivô de escândalo do INSS

Um dos mais importantes assessores parlamentares do senador Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas Gerais, participou da venda de uma fazenda para o principal investigado pela Polícia Federal por desvios no Instituto Nacional do Seguro Social, INSS. A propriedade é conhecida como Fazenda Emparedado.

Cristiano da Cruz Santos, auxiliar parlamentar lotado no gabinete do ex-presidente do Senado desde 2019, foi intermediário de um negócio que transferiu uma área rural de 775 hectares — o equivalente a cerca de cinco vezes o Parque Ibirapuera — em Jequitinhonha, no norte de Minas, para Carlos Lopes, presidente da Conafer.

A organização é a campeã de reclamações por descontos indevidos de aposentadoria e é suspeita de desviar R$ 641 milhões de beneficiários do INSS entre 2019 e 2024. Atualmente, Lopes está foragido de um mandado de prisão preventiva.

Cristiano da Cruz Santos é um importante assessor de Pacheco. Ele representa o ex-presidente do Senado nas prefeituras do norte mineiro e chegou a ser cotado como possível candidato ao parlamento estadual ou federal nas eleições de 2026, apadrinhado por Pacheco. Atualmente, ele possui uma remuneração mensal de R$ 15,4 mil.

A fazenda Emparedado é uma área usada para criação de gado que fica próxima ao povoado de Estiva e da área urbana do município de Pedra Azul.

O local foi alvo de um mandado de busca e apreensão no último dia 13 de novembro. A ação fez parte da mesma fase da operação Sem Desconto, da PF, que prendeu o ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto, além de integrantes da Conafer, por suspeitas de envolvimentos em crimes como organização criminosa, estelionato, falsificação documental, lavagem de dinheiro e corrupção.

A Polícia Federal suspeita que a propriedade, depois de vendida a Carlos Lopes, era usada para lavar dinheiro da Conafer.

O valor declarado da propriedade é de R$ 1,2 milhão, o que equivale a cerca de R$ 7 mil por cada alqueire mineiro (unidade de medida regional equivalente a 4,48 hectares), abaixo do valor de mercado. No site Imóvel Web, é possível encontrar propriedades rurais no mesmo município que custam entre R$ 60 mil e R$ 300 mil por alqueire.

Sob reserva, um corretor de imóveis rurais da região relatou que é comum a prática de informar ao cartório valores menores do que o real para pagar menos impostos.

Apesar de Pacheco não aparecer formalmente em nenhum dos documentos da transação, fontes ligadas aos investigados na operação Sem Desconto afirmam que a negociação da compra foi feita diretamente com o ex-presidente do Senado, que seria o verdadeiro proprietário da terra.

A assessoria de imprensa de Pacheco nega qualquer relação do senador com a propriedade, tampouco com a Conafer e com Carlos Lopes.

Cristiano da Cruz, por sua vez, diz que a venda é um negócio particular de sua família e que a transação foi feita por intermédio de um corretor, sem contato direto com os atuais alvos da Polícia Federal. “O Pacheco nunca teve nada a ver com a fazenda. Pacheco nem conhece essa região”, disse.

A negociação chama a atenção não apenas pelo valor declarado da propriedade — muito abaixo do praticado no mercado —, mas pelo papel do assessor de Pacheco na negociação. Afinal, as investigações da PF apontam que Lopes e a Conafer mantinham uma extensa rede de relações e favorecimentos com políticos e agentes públicos para operar as fraudes no INSS.

<><> Silêncio sobre fazenda

A fazenda Emparedado foi adquirida pela Lagoa Alta Agropecuária e Mineração, empresa criada por Carlos Lopes em junho de 2020. Ele deixou a sociedade em outubro de 2022, transferindo o empreendimento para o nome da esposa, a veterinária Bruna Braz de Souza Santos, e dos filhos.

Durante uma fiscalização do Ibama na fazenda Emparedado, em abril de 2023, quando foi flagrado desmatamento em área de preservação, os trabalhadores presentes no local declararam para os fiscais que a terra pertencia “a um senhor de nome Carlos”.

No entanto, quando prestou depoimento na CPMI do INSS em 29 de setembro, Carlos Lopes se esquivou de uma pergunta do deputado Alfredo Gaspar, do União Brasil de Alagoas, sobre as operações da Lagoa Alta. “[Sobre] As relações comerciais da Lagoa Alta, não cabe a mim responder”, declarou Lopes na ocasião.

Além da fazenda em Jequitinhonha, a Lagoa Alta atua nas áreas de sêmen bovino e na administração de uma pedreira em Campanária, Minas Gerais, que fornece material para obras.

Ainda durante o depoimento na CPMI, Lopes foi questionado sobre terras na região de Estiva, no Vale do Jequitinhonha, e se possuía 5 mil cabeças de gado nessas propriedades, número que teria caído quase pela metade após as operações da Polícia Federal. O presidente da Conafer se reservou o direito de permanecer em silêncio para os dois questionamentos.

Quando a polícia cumpria mandado de busca na fazenda em 13 de novembro, Bruna Braz, a esposa de Carlos, foi presa em flagrante por estar com um revólver municiado debaixo do travesseiro. Ela foi solta no mesmo dia após pagar uma fiança de R$ 10 mil.

<><> Contrato de gaveta

Na escritura de venda da fazenda em 5 de novembro de 2021, Cristiano da Cruz aparece como procurador do proprietário oficial da terra, o ex-prefeito de Jequitinhonha, Antônio Bernardino Guimarães Murta – conhecido como Dino e morto em setembro de 2025 devido a um câncer.

O procurador é uma pessoa autorizada a agir em nome de outra pessoa. Ou seja, Cristiano da Cruz representava Dino na venda da fazenda.

Em ligação por telefone, o auxiliar parlamentar de Pacheco afirma que comprou a fazenda de Dino em 2017, mas não havia formalizado a transferência em cartório por conta de um impedimento no judiciário envolvendo um terceiro, que dizia ter negociado a mesma área com o ex-prefeito anteriormente.

Isso significa que o auxiliar parlamentar teria sido o dono de fato da terra entre 2017 e 2021, baseado em um “contrato de gaveta”, que é uma espécie de acordo informal de compra e venda sem registro no cartório de imóveis.

De fato, houve um impedimento para o registro da terra, por conta de uma ação judicial movida por uma pessoa chamada Osmar Silveira contra o ex-prefeito Dino. Mas a “indisponibilidade da matrícula do imóvel” só durou entre abril de 2019 e outubro de 2020, período inferior ao total de tempo da duração do contrato informal.

Segundo o auxiliar parlamentar, a compra informal da fazenda Emparedado foi realizada com recursos de sua mãe, ex-primeira dama da cidade mineira de Taiobeiras e pecuarista, Ione Lucas Mendes.

Cristiano da Cruz afirma que, já no ano de 2021, teria surgido a proposta de venda da fazenda para a empresa de Carlos Lopes, da Conafer, através de um corretor de imóveis rurais. Ele concordou, diz, pois a mãe já havia desistido de investir no local.

“Meus pais foram ficando mais velhos e não queriam mais tocar o negócio. Foi um negócio muito desgostoso para a família, entrar em uma fazenda que você não tem documento”, justifica Cristiano da Cruz.

Cristiano da Cruz diz que não teve contato com nenhum integrante do grupo de Lopes e que a operação foi sugerida e intermediada por esse corretor, de apelido Lano, que inclusive trabalhava na fazenda na época. “Eu fui procurador porque estava tentando resolver essa situação e o Dino estava em outro estado”.

Sobre o valor do alqueire abaixo do preço de mercado, o auxiliar parlamentar de Pacheco argumenta que a terra seria desvalorizada por causa dos problemas com a documentação.

Entrei em contato com os advogados do presidente da Conafer, Carlos Lopes, que segue foragido, da veterinária Bruna Braz, e do ex-prefeito Dino, mas não houve retorno até a publicação da matéria.

•        Bacellar e TH Joias: PF é a única que pode atingir o braço político do CV e do PCC. Por João Filho

Se dependesse do empenho de Tarcísio de Freitas, Cláudio Castro, Guilherme Derrite e Hugo Motta, o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, do União Brasil, não teria sido preso nesta semana. Caso o PL Antifacção fosse aprovado do jeito que eles queriam, a Polícia Federal teria que pedir autorização para o governador para conduzir a investigação contra o Comando Vermelho.

Não se pode esquecer da intensa mobilização da extrema direita para enfraquecer o papel do aparelho estatal mais preparado e qualificado para combater o crime organizado. A prisão dos aliados de Castro, os deputados Bacellar e TH Joias, não seria possível se a Polícia Federal não tivesse autonomia para investigar o caso.

O PL foi modificado e essa aberração caiu, mas não dá pra deixar passar batido. A quem interessa enfraquecer a PF justamente em um momento em que ela tem incomodado facções como o PCC e o Comando Vermelho?

É muita gente graúda na política que parece atuar como lobista do crime organizado. Os que se excitam com os massacres nas favelas são os mesmos que boicotam operações de inteligência contra o crime organizado.

Na véspera da sua prisão por tráfico de drogas, corrupção e lavagem de dinheiro para o Comando Vermelho, TH Joias foi avisado por Bacellar sobre a operação. Segundo a PF, o presidente da Alerj tentou obstruir a justiça em favor de um ex-deputado que atuava como braço político da facção. Assim como na Operação Carbono, não foi preciso entrar na favela e empilhar uma centena de cadáveres para alimentar o fetiche bolsonarista.

As operações da PF miram os peixes grandes do crime e ferem os pontos vitais do crime organizado. Os mais de 100 mortos na Penha pela PM já foram repostos pelo Comando Vermelho e o território já foi retomado. Já a prisão de TH e Bacellar decepou o braço político da facção .

O avanço das investigações da PF sobre o crime organizado no Rio de Janeiro também está conectado à ADPF das Favelas, que os bolsonaristas, especialmente o governador do Rio de Janeiro, tanto criticaram. Ajuizada pelo PSB em 2019 no STF, a ADPF estabeleceu critérios e diretrizes para reduzir a violência das operações policiais, como, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais em todas as incursões nas favelas.

Depois da aposentadoria de Barroso, a relatoria da ação passou para as mãos de Alexandre de Moraes, o que fez aumentar ainda mais a repulsa dos bolsonaristas.

Além das regras para as operações nas favelas, a ADPF determinou também que a PF abrisse inquéritos contra facções criminosas, incluindo as milícias, para investigar lavagem de dinheiro e as conexões dessas organizações com o poder público. Isso enfureceu Cláudio Castro que, após a operação mais letal da história do Rio de Janeiro, culpou a ADPF pelas dificuldades para se combater o crime:  “Ainda são o que nós chamamos de filhotes [traficantes mortos] dessa ADPF maldita. Infelizmente, um partido político ingressou (com a ação) e prejudicou demais o Rio de Janeiro”.

O prefeito, Eduardo Paes, não é da extrema direita, mas ajudou a engrossar o coro do governador contra a ADPF e a classificou como “elemento de constrangimento”. Disse ainda ser “absolutamente contra” a ação, reforçando a estapafúrdia ideia de que a ADPF engessa a polícia militar e protege o crime organizado.

O horror dessa gente à presença do aparato de inteligência mais eficiente do Estado é autoexplicativo. As investigações da Polícia Federal representam um empecilho para aqueles que nutrem o discurso fácil da “guerra ao crime” e, muitas vezes, mantém conexões com as facções criminosas. O incômodo está explícito.

O PCC ronda o governo Tarcísio, assim como o CV ronda o governo Cláudio Castro. Não parece ser coincidência o fato de que são justamente dois governadores com discurso de linha dura contra o crime e os mais empenhados em excluir a Polícia Federal do combate ao crime organizado.

É senso comum na imprensa, principalmente entre os colunistões favoritos do patronato, que a esquerda não tem bons projetos para oferecer na área de segurança pública e esse seria o seu calcanhar de Aquiles no debate público. Até certo ponto é verdade, mas o que a extrema direita, que hoje comanda as polícias militares de São Paulo e Rio de Janeiro, tem a oferecer além da matança indiscriminada? Até agora nada. Cobra-se pouco dos governadores.

Tarcísio, por exemplo, até agora não está sendo incomodado pela imprensa pelo fato de Antonio Rueda e Ciro Nogueira, aliados que estão articulando sua campanha presidencial, serem suspeitos de manterem ligações com o PCC. Ambos estão na mira da PF, a mesma que Tarcísio, através de Derrite, tentou tirar das investigações no PL Antifacção. Não é difícil imaginar o escarcéu que seria feito caso o governador fosse de esquerda. 

Talvez esteja na hora da imprensa brasileira cobrar da extrema direita novas soluções para a segurança pública. Ou melhor ainda: cobrar dela o fim do boicote às ações que efetivamente combatem o crime organizado, como a ADPF das Favelas e a atuação da PF.

Se a sociedade quiser mesmo reduzir a violência, terá de escolher entre os métodos da extrema direita, que vem falhando miseravelmente há décadas, e o uso da inteligência do Estado, que visa sufocar financeiramente as facções e descortinar suas conexões políticas. Nunca foi tão fácil escolher o caminho certo.

 

Fonte: The Intercept

 

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