segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Francisco Alano: Diálogo im/produtivo

O movimento sindical está cada vez mais preocupado apenas com benefícios corporativos, sem cumprir seu papel de organização de classe...

O diálogo é uma ferramenta poderosa para a solução de conflitos, nas disputas e nos processos de negociações. Através do diálogo evitamos o início de guerras, assim como as terminamos quando elas acontecem.

O diálogo permite a aproximação de inimigos e o fim de desavenças familiares. Ele nos permite avançar em conquistas para os trabalhadores nos processos de negociações individuais e coletivas.

Mas para o sucesso do diálogo, é necessário que as partes interessadas estejam dispostas a ouvir e a transigir em questões importantes para todos os lados.

 É neste ponto que as dificuldades aparecem.

No Brasil durante mais de 400 anos, os negros e povos originários escravizados tentaram permanentemente estabelecer diálogo com seus proprietários, mas estes que tinham a lei e a monarquia ao seu lado e a chibata nas mãos jamais admitiram qualquer forma de diálogo que permitisse algum tipo de benefícios para os seus escravizados. Eram os senhores dos engenhos e das minas de ouro e diamante que tinham o direito sobre a vida e a morte dos seus escravos.

Muitos outros exemplos podem ser registrados, como os milhares de mortos e desaparecidos dos massacres de Canudos, Contestado, Quilombo dos Palmares e tantos outros. O diálogo foi o que menos importou em todos estes trágicos eventos. O estado escravocrata jamais se dignou a ouvir os chamados destes povos para o diálogo.

Transportando para o período mais recente, estamos presenciando ao vivo, o massacre do povo palestino e ucraniano, apesar dos apelos e pedidos de diálogo daqueles povos e de países do mundo todo, nas suas lutas por liberdade, por respeito e por reconhecimento de estados livres e soberanos.

No campo das relações de trabalho, tenho ouvido com certa frequência, inclusive de negociadores experimentados, que o diálogo é o melhor remédio para se alcançar boas negociações salariais e para conquistas de direitos para os trabalhadores.

Na prática, o resultado tem sido desalentador.

No Brasil e no estado de Santa Catarina, com o instrumento da negociação coletiva em plena vigência, mas com as fragilidades impostas pelas reformas do governo Michel Temer, pelo parlamento amplamente de direita e pelos tribunais trabalhistas e pelo STF, chegamos a um patamar “naturalizado” de arrocho salarial e extensas jornadas de trabalho.

Os trabalhadores perderam num período mais recente, conquistas históricas, impostas pelas bancadas de negociadores patronais.

Os trabalhadores, por outro lado, nunca produziram um valor tão grande de excedentes de riquezas como no período mais recente, conforme registrou um dos expositores na audiência pública realizada pelo senado federal no dia 21 de outubro de 2025, quando na sua exposição enfatizou de que o valor da produção por cada trabalhador no brasil, está em torno de 17 dólares ou r$ 900,00 por hora. Significa que um trabalhador produz em 25 dias de trabalho o valor equivalente a R$ 180.000,00. Quanto recebe a maioria dos trabalhadores, de todas as categorias de assalariados, pelos pisos salariais negociados nas convenções coletivas de trabalho? Em média, o valor de R$ 1.900,00 bruto por mês ou R$ 55,00 líquido por dia.

Mas este processo de exploração dos salários e das extensas jornadas de trabalho é apenas a ponta do “iceberg”.

O capitalismo se reinventa permanentemente para explorar cada vez mais os trabalhadores. Vimos esparramarem-se pelo Brasil as falsas cooperativas de trabalho; depois veio a terceirização ampliada até para as atividades-fins; os trabalhadores passaram a ser denominados colaboradores, parceiros , empreendedores, associados.

Como disse o professor Ricardo Antunes, em artigo publicado neste espaço, “a cada onda corporativa, a enxurrada de adulterações ganhava mais lustre catártico: ‘líder’, ‘times’, ‘metas’, ‘gestão de pessoas’, ‘inovação’, ‘sinergia’, ‘resiliência'”. Trabalhador deixou de ser trabalhador, para ser denominado “capital humano”.

A pejotização, a uberização, o MEI, o “microshifting” com blocos mais curtos e flexíveis de trabalho, trabalho intermitente, plataformas de fornecimento de mão de obra têm se ampliado assustadoramente, inclusive no comércio e serviços.

A precarização do trabalho, além dos baixos salários, extensas jornadas e a terceira jornada das mulheres, tem causado adoecimentos mentais, assédios, depressões e muitos suicídios.

No Brasil, em 2024, quase 500 mil trabalhadores e trabalhadoras se afastaram do trabalho por adoecimento mental. “Em torno de 30% da força de trabalho ocupada no Brasil sofre de burnout, doença que se caracteriza pelo esgotamento físico e mental relacionado ao trabalho”.

As novas formas de contratação, submissão e precarização contratual, como na uberização, plataformas de fornecimento de mão de obra, “ifood”, impedem o trabalhador de exercer o seu direito ao diálogo, pois a sua relação se dá com estas plataformas ou aplicativos invisíveis. Embora nestas formas de contratação aqueles que prestam seu serviço não deixem de ser também trabalhadores.

O capitalismo enquanto proposta para produzir bem-estar, felicidade e distribuição de renda fracassou redondamente. Milhões de trabalhadores continuam no desemprego e no subemprego, recebendo salários aviltantes e exercendo extensas jornadas, a fome e as guerras têm aumentado assustadoramente. Gasta-se mais matando populações indefesas ao invés de alimentar aqueles que estão morrendo de fome.

Neste quadro catastrófico, o movimento sindical está cada vez mais preocupado apenas com benefícios corporativos, sem cumprir seu papel de organização de classe.

Podemos até ter algum resultado positivo com o “diálogo”, nos processos de negociações, se estivermos dispostos a retornar fazer a luta de classe, se utilizarmos as ferramentas que ainda temos a disposição ou aquelas que eventualmente possamos conquistar, como direito amplo e irrestrito de greve; estabilidade ampla no emprego; mobilização permanente dos trabalhadores; ultratividade dos direitos já negociados; eliminação de todas as formas de precarização do trabalho; sindicatos fortes, articulados de forma classista e com estruturas que lhes deem as condições para as grandes lutas que necessariamente teremos que fazer.

•        O vínculo empregatício e a sessão da tarde. Por André Costa

Por esses dias começou no STF o julgamento sobre o reconhecimento de vínculo empregatício entre empresas de plataformas e trabalhadores plataformizados, mais conhecidos como entregadores e motoristas por aplicativo. Para uma primeira impressão, pode-se achar que o debate acima fica reduzido ao ambiente do Direito do Trabalho, porém, não é verdade. Também se escorre perigosamente para o campo do Direito Constitucional. Vejamos. 

O art.1º IV, da CF/88 diz que a República Federativa do Brasil tem como fundamento os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Mas essas não são as únicas considerações referentes à seara trabalhista. O art.7º, como se sabe, no embalo de quem o pesado passado escravocrata do país pede atenção ao tema, elenca um “pout porri” de incisos (do I ao XXXIV) que não deixam restar dúvidas da intenção dos Constituintes em proteger os trabalhadores e trabalhadoras.

Desde a percepção da relação de emprego protegida, salário mínimo fixado em lei, garantia de salário nunca inferior ao mínimo, décimo terceiro salário, adicional noturno, jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, férias, licença-maternidade, licença-paternidade, aposentadoria, dentre tantos outros, inclusive, igualdades de direito entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso etc. Todos em seus respectivos incisos.

Agora, me diga, caro leitor ou leitora, qual é o absurdo lido nesses direitos elencados? Há algo que seja irrazoável, mesmo que discordes? Sinceramente, creio que não. Há um debate flagrantemente enviesado em que simplesmente se tenta tratar dos direitos trabalhistas como uma conta meramente econômica esquecendo, muitas vezes por uma amnésia tendenciosa, da sua principal vocação: Direitos Humanos.

Sim, o nome é este mesmo: direitos humanos. Se há qualquer receio com a definição, esse sentimento diz mais sobre você do que sobre o corrente texto. Nesse contexto, o trabalho, a partir do momento que entra na lógica economicamente produtiva, automaticamente atrai um olhar de zelo humano pelas relações desiguais nos polos envolvidos e justapostos. E quem faz chamar a atenção é o próprio percurso da história com a escravização de pessoas, inclusive, por métricas hodiernamente terríveis como a racial.

E o que tem a ver o julgamento do vínculo citado logo na primeira linha desse texto já alongado a testar a sua paciência? Absolutamente tudo. Diferentemente do aludido, o vínculo empregatício não é uma prisão ou uma escravidão legal, consentida, é exatamente o contrário. A lógica é, já que você estará vendendo a sua força de trabalho, não mandará no seu próprio tempo, que seja lhe garantida uma segurança mínima, numa relação que a priori não se inicia por amor (pode até terminar), mas por necessidade.

O vínculo empregatício não é um cadeado, é apenas um compromisso de direitos assumidos. E qual seria o interesse de tantas pessoas a falarem mal do vínculo, a quererem deslegitimar essa importante relação jurídica? Primeiro, veja o lado dessa pessoa nessa relação e se a opinião dela, antes de mais nada, está atrelada ao interesse econômico. E não há nenhum problema nisso. Apenas pra deixar claro.

Às vezes essas pessoas inocentemente escutam tanto uma determinada ideia ou opinião que passam a acreditar na sua verdade absoluta. Isso acontece muito, praticamente o tempo todo, com os direitos trabalhistas. Alguém em algum lugar está falando mal sem sequer saber o que se passa realmente pelos interesses de quem demoniza simplesmente pactuar dignidade numa relação desigual.

O fato é que uma norma trabalhista está imune a defeitos? Óbvio que não. Como qualquer outra norma jurídica, também surgiu de interesses humanos e de todas as imperfeições da nossa natureza. Então pode ser questionada? Sim, pode. Mas pare pra pensar um pouco, você, caro leitor ou leitora, acha mesmo que na maioria das vezes o debate das leis trabalhistas se dá pelos motivos certos? Sinceramente, acho que não.

Por isso, tenhamos muita atenção com esse julgamento do vínculo empregatício entre empresas de plataformas e trabalhadores plataformizados. Na verdade, há uma construção histórica desde a década 90 aqui no Brasil de favorecer as relações de trabalho precarizadas, a começar pela própria terceirização, inclusive, em atividades-fins, chancelada pelo STF no Tema 725 de repercussão geral. Todas essas relativizações dos legisladores e julgadores, porém, esqueceram um pequeno detalhe: a Constituição Federal de 1988 e a sua vocação.

Aliás, aqui talvez se entre no ponto mais sensível desse texto, o papel da Justiça do Trabalho e do STF. Sabe-se que a Constituição, por mais que tenha força jurídica, na verdade, é uma carta de intenção. Principalmente em estados instáveis em regimes políticos como o brasileiro. Porém, todavia, contudo, entretanto, tal condição não permite aos magistrados e magistradas simplesmente ignorarem a vocação social democrata, de Estado de Bem-Estar Social, do nosso texto constitucional e aplicarem, sem qualquer freio, normas infraconstitucionais em detrimento do aludido pelas normas constitucionais, aliás, a única hierarquia mais revelada entre as leis e logo ela ignorada.

Não se engane, nesse julgamento, serão colocadas tecnicidades, especificidades, não para esmiuçar o caso, mas para confundi-lo. Pelo fetiche da tecnologia vão desdizer o que o caminho da história diz todos os dias. Tentarão lhe fazer achar que é algo diferente ou inédito que nunca se viu. Mas, nesse momento, não se esqueça, esse julgamento é um déjà vu. É um filme de Sessão da Tarde.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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