Francisco
Alano: Diálogo im/produtivo
O
movimento sindical está cada vez mais preocupado apenas com benefícios
corporativos, sem cumprir seu papel de organização de classe...
O
diálogo é uma ferramenta poderosa para a solução de conflitos, nas disputas e
nos processos de negociações. Através do diálogo evitamos o início de guerras,
assim como as terminamos quando elas acontecem.
O
diálogo permite a aproximação de inimigos e o fim de desavenças familiares. Ele
nos permite avançar em conquistas para os trabalhadores nos processos de
negociações individuais e coletivas.
Mas
para o sucesso do diálogo, é necessário que as partes interessadas estejam
dispostas a ouvir e a transigir em questões importantes para todos os lados.
É neste ponto que as dificuldades aparecem.
No
Brasil durante mais de 400 anos, os negros e povos originários escravizados
tentaram permanentemente estabelecer diálogo com seus proprietários, mas estes
que tinham a lei e a monarquia ao seu lado e a chibata nas mãos jamais
admitiram qualquer forma de diálogo que permitisse algum tipo de benefícios
para os seus escravizados. Eram os senhores dos engenhos e das minas de ouro e
diamante que tinham o direito sobre a vida e a morte dos seus escravos.
Muitos
outros exemplos podem ser registrados, como os milhares de mortos e
desaparecidos dos massacres de Canudos, Contestado, Quilombo dos Palmares e
tantos outros. O diálogo foi o que menos importou em todos estes trágicos
eventos. O estado escravocrata jamais se dignou a ouvir os chamados destes
povos para o diálogo.
Transportando
para o período mais recente, estamos presenciando ao vivo, o massacre do povo
palestino e ucraniano, apesar dos apelos e pedidos de diálogo daqueles povos e
de países do mundo todo, nas suas lutas por liberdade, por respeito e por
reconhecimento de estados livres e soberanos.
No
campo das relações de trabalho, tenho ouvido com certa frequência, inclusive de
negociadores experimentados, que o diálogo é o melhor remédio para se alcançar
boas negociações salariais e para conquistas de direitos para os trabalhadores.
Na
prática, o resultado tem sido desalentador.
No
Brasil e no estado de Santa Catarina, com o instrumento da negociação coletiva
em plena vigência, mas com as fragilidades impostas pelas reformas do governo
Michel Temer, pelo parlamento amplamente de direita e pelos tribunais
trabalhistas e pelo STF, chegamos a um patamar “naturalizado” de arrocho
salarial e extensas jornadas de trabalho.
Os
trabalhadores perderam num período mais recente, conquistas históricas,
impostas pelas bancadas de negociadores patronais.
Os
trabalhadores, por outro lado, nunca produziram um valor tão grande de
excedentes de riquezas como no período mais recente, conforme registrou um dos
expositores na audiência pública realizada pelo senado federal no dia 21 de
outubro de 2025, quando na sua exposição enfatizou de que o valor da produção
por cada trabalhador no brasil, está em torno de 17 dólares ou r$ 900,00 por
hora. Significa que um trabalhador produz em 25 dias de trabalho o valor
equivalente a R$ 180.000,00. Quanto recebe a maioria dos trabalhadores, de
todas as categorias de assalariados, pelos pisos salariais negociados nas
convenções coletivas de trabalho? Em média, o valor de R$ 1.900,00 bruto por
mês ou R$ 55,00 líquido por dia.
Mas
este processo de exploração dos salários e das extensas jornadas de trabalho é
apenas a ponta do “iceberg”.
O
capitalismo se reinventa permanentemente para explorar cada vez mais os
trabalhadores. Vimos esparramarem-se pelo Brasil as falsas cooperativas de
trabalho; depois veio a terceirização ampliada até para as atividades-fins; os
trabalhadores passaram a ser denominados colaboradores, parceiros ,
empreendedores, associados.
Como
disse o professor Ricardo Antunes, em artigo publicado neste espaço, “a cada
onda corporativa, a enxurrada de adulterações ganhava mais lustre catártico:
‘líder’, ‘times’, ‘metas’, ‘gestão de pessoas’, ‘inovação’, ‘sinergia’,
‘resiliência'”. Trabalhador deixou de ser trabalhador, para ser denominado
“capital humano”.
A
pejotização, a uberização, o MEI, o “microshifting” com blocos mais curtos e
flexíveis de trabalho, trabalho intermitente, plataformas de fornecimento de
mão de obra têm se ampliado assustadoramente, inclusive no comércio e serviços.
A
precarização do trabalho, além dos baixos salários, extensas jornadas e a
terceira jornada das mulheres, tem causado adoecimentos mentais, assédios,
depressões e muitos suicídios.
No
Brasil, em 2024, quase 500 mil trabalhadores e trabalhadoras se afastaram do
trabalho por adoecimento mental. “Em torno de 30% da força de trabalho ocupada
no Brasil sofre de burnout, doença que se caracteriza pelo esgotamento físico e
mental relacionado ao trabalho”.
As
novas formas de contratação, submissão e precarização contratual, como na
uberização, plataformas de fornecimento de mão de obra, “ifood”, impedem o
trabalhador de exercer o seu direito ao diálogo, pois a sua relação se dá com
estas plataformas ou aplicativos invisíveis. Embora nestas formas de
contratação aqueles que prestam seu serviço não deixem de ser também
trabalhadores.
O
capitalismo enquanto proposta para produzir bem-estar, felicidade e
distribuição de renda fracassou redondamente. Milhões de trabalhadores
continuam no desemprego e no subemprego, recebendo salários aviltantes e
exercendo extensas jornadas, a fome e as guerras têm aumentado
assustadoramente. Gasta-se mais matando populações indefesas ao invés de
alimentar aqueles que estão morrendo de fome.
Neste
quadro catastrófico, o movimento sindical está cada vez mais preocupado apenas
com benefícios corporativos, sem cumprir seu papel de organização de classe.
Podemos
até ter algum resultado positivo com o “diálogo”, nos processos de negociações,
se estivermos dispostos a retornar fazer a luta de classe, se utilizarmos as
ferramentas que ainda temos a disposição ou aquelas que eventualmente possamos
conquistar, como direito amplo e irrestrito de greve; estabilidade ampla no
emprego; mobilização permanente dos trabalhadores; ultratividade dos direitos
já negociados; eliminação de todas as formas de precarização do trabalho;
sindicatos fortes, articulados de forma classista e com estruturas que lhes
deem as condições para as grandes lutas que necessariamente teremos que fazer.
• O vínculo empregatício e a sessão da
tarde. Por André Costa
Por
esses dias começou no STF o julgamento sobre o reconhecimento de vínculo
empregatício entre empresas de plataformas e trabalhadores plataformizados,
mais conhecidos como entregadores e motoristas por aplicativo. Para uma
primeira impressão, pode-se achar que o debate acima fica reduzido ao ambiente
do Direito do Trabalho, porém, não é verdade. Também se escorre perigosamente
para o campo do Direito Constitucional. Vejamos.
O
art.1º IV, da CF/88 diz que a República Federativa do Brasil tem como
fundamento os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa. Mas essas não
são as únicas considerações referentes à seara trabalhista. O art.7º, como se
sabe, no embalo de quem o pesado passado escravocrata do país pede atenção ao
tema, elenca um “pout porri” de incisos (do I ao XXXIV) que não deixam restar
dúvidas da intenção dos Constituintes em proteger os trabalhadores e
trabalhadoras.
Desde a
percepção da relação de emprego protegida, salário mínimo fixado em lei,
garantia de salário nunca inferior ao mínimo, décimo terceiro salário,
adicional noturno, jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, férias,
licença-maternidade, licença-paternidade, aposentadoria, dentre tantos outros,
inclusive, igualdades de direito entre o trabalhador com vínculo empregatício
permanente e o trabalhador avulso etc. Todos em seus respectivos incisos.
Agora,
me diga, caro leitor ou leitora, qual é o absurdo lido nesses direitos
elencados? Há algo que seja irrazoável, mesmo que discordes? Sinceramente,
creio que não. Há um debate flagrantemente enviesado em que simplesmente se
tenta tratar dos direitos trabalhistas como uma conta meramente econômica
esquecendo, muitas vezes por uma amnésia tendenciosa, da sua principal vocação:
Direitos Humanos.
Sim, o
nome é este mesmo: direitos humanos. Se há qualquer receio com a definição,
esse sentimento diz mais sobre você do que sobre o corrente texto. Nesse
contexto, o trabalho, a partir do momento que entra na lógica economicamente
produtiva, automaticamente atrai um olhar de zelo humano pelas relações
desiguais nos polos envolvidos e justapostos. E quem faz chamar a atenção é o
próprio percurso da história com a escravização de pessoas, inclusive, por
métricas hodiernamente terríveis como a racial.
E o que
tem a ver o julgamento do vínculo citado logo na primeira linha desse texto já
alongado a testar a sua paciência? Absolutamente tudo. Diferentemente do
aludido, o vínculo empregatício não é uma prisão ou uma escravidão legal,
consentida, é exatamente o contrário. A lógica é, já que você estará vendendo a
sua força de trabalho, não mandará no seu próprio tempo, que seja lhe garantida
uma segurança mínima, numa relação que a priori não se inicia por amor (pode
até terminar), mas por necessidade.
O
vínculo empregatício não é um cadeado, é apenas um compromisso de direitos
assumidos. E qual seria o interesse de tantas pessoas a falarem mal do vínculo,
a quererem deslegitimar essa importante relação jurídica? Primeiro, veja o lado
dessa pessoa nessa relação e se a opinião dela, antes de mais nada, está
atrelada ao interesse econômico. E não há nenhum problema nisso. Apenas pra
deixar claro.
Às
vezes essas pessoas inocentemente escutam tanto uma determinada ideia ou
opinião que passam a acreditar na sua verdade absoluta. Isso acontece muito,
praticamente o tempo todo, com os direitos trabalhistas. Alguém em algum lugar
está falando mal sem sequer saber o que se passa realmente pelos interesses de
quem demoniza simplesmente pactuar dignidade numa relação desigual.
O fato
é que uma norma trabalhista está imune a defeitos? Óbvio que não. Como qualquer
outra norma jurídica, também surgiu de interesses humanos e de todas as
imperfeições da nossa natureza. Então pode ser questionada? Sim, pode. Mas pare
pra pensar um pouco, você, caro leitor ou leitora, acha mesmo que na maioria
das vezes o debate das leis trabalhistas se dá pelos motivos certos?
Sinceramente, acho que não.
Por
isso, tenhamos muita atenção com esse julgamento do vínculo empregatício entre
empresas de plataformas e trabalhadores plataformizados. Na verdade, há uma
construção histórica desde a década 90 aqui no Brasil de favorecer as relações
de trabalho precarizadas, a começar pela própria terceirização, inclusive, em
atividades-fins, chancelada pelo STF no Tema 725 de repercussão geral. Todas
essas relativizações dos legisladores e julgadores, porém, esqueceram um
pequeno detalhe: a Constituição Federal de 1988 e a sua vocação.
Aliás,
aqui talvez se entre no ponto mais sensível desse texto, o papel da Justiça do
Trabalho e do STF. Sabe-se que a Constituição, por mais que tenha força
jurídica, na verdade, é uma carta de intenção. Principalmente em estados
instáveis em regimes políticos como o brasileiro. Porém, todavia, contudo,
entretanto, tal condição não permite aos magistrados e magistradas simplesmente
ignorarem a vocação social democrata, de Estado de Bem-Estar Social, do nosso
texto constitucional e aplicarem, sem qualquer freio, normas
infraconstitucionais em detrimento do aludido pelas normas constitucionais,
aliás, a única hierarquia mais revelada entre as leis e logo ela ignorada.
Não se
engane, nesse julgamento, serão colocadas tecnicidades, especificidades, não
para esmiuçar o caso, mas para confundi-lo. Pelo fetiche da tecnologia vão
desdizer o que o caminho da história diz todos os dias. Tentarão lhe fazer
achar que é algo diferente ou inédito que nunca se viu. Mas, nesse momento, não
se esqueça, esse julgamento é um déjà vu. É um filme de Sessão da Tarde.
Fonte:
A Terra é Redonda

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