Paulo
Kliass: Petróleo na Amazônia - o que está em questão
A
proximidade da realização da COP30 em Belém do Pará tem colocado algumas
dificuldades para ser realizado um debate mais sereno e mais racional a
respeito de quais seriam as posições mais adequadas para o Brasil adotar em
relação à exploração do potencial petrolífero da chamada Margem Equatorial da
foz do Rio Amazonas. A sensibilidade elevada em razão deste importante encontro
das Nações Unidas introduz alguns ingredientes na salada geral em que se
transformou a temática da sustentabilidade.
Essa
trigésima edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas
deverá ocorrer em plena Amazônia. A decisão do governo brasileiro de hospedar o
evento no coração de uma das mais importantes reservas florestais do planeta é
fortemente carregada de simbologia política. Por um lado, coloca em evidência a
relevância de nosso país como detentor de um bioma e de um território
fundamentais para qualquer plano mundial de combate aos efeitos devastadores
que a ação do ser humano tem proporcionado no meio ambiente. No entanto, por
outro lado, o governo atual pode se colocar como vitrine, podendo ser
fragilizado nesta controvérsia a respeito da ausência de medidas efetivas para
mitigar os efeitos que a sanha tresloucada do capitalismo por lucro a qualquer
custo provoca no globo.
O
território amazônico concentra um conjunto amplo de fatores em questão no
momento atual. Ele mantém a maior área de floresta nativa do mundo, com a
impressionante capacidade de absorver gás carbônico e devolver oxigênio para a
atmosfera. Ele possui uma reserva de água nos rios e no subsolo, além do
fenômeno dos “rios voadores”. A área de dimensão continental abriga um
sem-número de espécies animais e vegetais, muitas delas ainda desconhecidas e a
grande maioria pouco conhecida e estudada. Por outro lado, ali vivem populações
originárias que buscam manter seu estilo de vida de respeito e de admiração
pela natureza.
Potencial
a ser explorado com cautela e prudência
Ocorre
que a opção estratégica adotada pelas nossas elites de abraçar o estímulo ao
modelo neocolonial de divisão internacional do trabalho converteu o Brasil, ao
longo das últimas décadas, em um grande exportador de “commodities” agrícolas,
pecuárias e minerais. Além de contribuir enormemente para o processo de
desindustrialização de nossa economia, essa trilha provocou o fortalecimento do
agronegócio em todas suas dimensões: política, econômica, tecnológica,
cultural, social e ambiental. Dentre outros aspectos devastadores, ganha relevo
o ciclo que se inicia com a derrubada ilegal da floresta por meio do
desmatamento criminoso, prossegue com a introdução da criação de gado em modo
extensivo e finalmente se completa com a chegada da soja como monocultura transgênica.
Este é
o coquetel perverso que mais contribui para o aquecimento do planeta e para a
destruição do meio ambiente. Para além de todas as adversidades contra a
sustentabilidade que o modelo carrega intrinsecamente consigo, o caso
brasileiro é ainda marcado pelo uso indiscriminado de trabalho análogo à
escravidão, pelo desrespeito aos direitos das populações indígenas e pelo
aprofundamento da já imensa concentração de renda e de patrimônio.
O
governo brasileiro, assim como a maior parte dos dirigentes de países do
chamado sul global, sempre chamou a atenção para a necessidade de os países
mais desenvolvidos assumirem suas responsabilidades na mudança de rota. Não há
mais dúvidas científicas de que caminhamos para uma catástrofe anunciada, caso
nada seja realizado efetivamente para alterar o modelo vigente em todas as
partes. No entanto, a grande resistência vem justamente de lá. Os chamados
países ricos se recusam sistematicamente a contribuir financeiramente para a
colocação em marcha de um novo sistema de produção e de um novo modo de vida.
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Brasil não pode abrir mão de forma isolada e unilateral
Pois é
neste contexto mais amplo que, no dia 20 de outubro, o Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (Ibama) resolveu finalmente conceder uma autorização à Petrobras
para a empresa iniciar a exploração, em caráter preliminar, do potencial das
reservas de petróleo em alto mar, a 500 km da divisa das costas dos estados do
Amapá e do Pará. Tal decisão, que envolve um processo que tramita desde 2013 no
órgão, foi concluída a apenas 20 dias do início da COP30. Tal decisão coloca
todos os holofotes do encontro internacional sobre as possibilidades abertas
com tal permissão da exploração das reservas de óleo no subsolo da região.
A
questão, porém, deveria ser analisada também sob o enfoque da soberania
nacional. É inegável que existe um valor incomensurável, caso convertido em
reservas internacionais, do potencial econômico ali existente e ainda
inalcançado pelo ser humano. O mesmo tipo de debate ocorreu em 2006, quando
foram anunciadas as primeiras descobertas do Pré-Sal. Naquele momento, mais uma
vez deu-se a polêmica se o Brasil deveria ou não aproveitar as possibilidades
oferecidas pela exploração daquelas novas reservas. O ponto relevante é
sabermos qual a melhor opção para o futuro de nosso país. Afinal, nossa
participação na produção global de petróleo não é determinante, a ponto de
influenciar significativamente o ritmo global de tal atividade.
Segundo dados apresentados por instituições que atuam na área, o Brasil participa
com cerca de 3% da produção mundial de óleo. Ocorre que esse ramo de atividade
é extremamente concentrado. Assim, por exemplo, os cinco maiores países
concentram 50% da produção global. Se ampliarmos a lista para as oito maiores
nações, chegaremos a 62% do total. Isso significa que uma postura isolada de
nosso país de reduzir unilateralmente a oferta de petróleo não teria o efeito
desejado de provocar a necessária diminuição do consumo de tal matéria-prima em
termos globais. Sem que seja articulado um movimento envolvendo os principais
exploradores de petróleo, iniciativas autônomas só teriam o efeito de
prejudicar economicamente os países que adotarem tal conduta.
O
Brasil tem avançado significativamente na diversificação de suas fontes de
energia, incluindo cada vez mais mecanismos renováveis, que comprometem
bastante menos a sustentabilidade e o meio ambiente. Segundo o mais recente
relatório do governo para o setor, o Balanço Energético Nacional, alcançamos a marca
de 88% de nossa eletricidade originária de fontes renováveis, um índice
bastante superior à média global e dos países da OCDE. No que se refere à
estratégia de substituição dos derivados de petróleo, o país segue ampliando a
oferta de etanol e biodiesel, além do anúncio do compromisso em aumentar
o combustível de aviação de origem
vegetal (SAF,
a sigla em inglês) no lugar do tradicional querosene.
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Transição rumo às fontes renováveis e soberania nacional
Dessa
forma, a possibilidade de continuar explorando as reservas petrolíferas se
converte em questão de soberania nacional. O modelo deveria ser alterado para
que a Petrobrás, na condição de empresa estatal responsável pela atividade,
seja a única autorizada a aprofundar essas atividades exploratórias e de
pesquisas. Tal procedimento de prudência impediria que as petroleiras
estrangeiras pudessem cometer desastres em razão de sua absoluta falta de
compromisso com qualquer projeto nacional de desenvolvimento. Ao colocar sua
empresa de economia mista na linha de frente de exploração destas novas
reservas, o governo federal se cercaria de cautela para implementar uma ação
coordenada com os demais órgãos envolvidos, como o próprio Ibama e o Ministério
Público.
Por
outro lado, o modelo deveria recuperar a ideia do Fundo Soberano, a ser
constituído a partir dos ganhos e receitas derivadas desta atividade. Esse
sistema foi pensado no início do Pré-Sal, mas, aos poucos, foi sendo
desvirtuado em sua concepção original. A partir de sua recriação, este
patrimônio financeiro deveria ser utilizado exclusivamente para a geração de
recursos na área da educação e da ciência e tecnologia. Os recursos do Fundo
Soberano não poderão ser utilizados, em nenhuma hipótese, para custear outros
tipos de despesas orçamentárias.
Com
certeza, a época do anúncio da liberação por parte do Ibama não foi a mais
adequada do ponto de vista da agenda política. Este tipo de decisão contribui
para aumentar ainda mais as enormes dificuldades já enfrentadas pelo Brasil
como país que hospeda a COP30. Porém, não é possível que a narrativa das
entidades ambientalistas seja a única a expressar alguma alternativa para o
complexo caso em questão. Existem alternativas que não sejam a simples
proibição de explorarmos as reservas. Se os países mais ricos se comprometerem
com uma agenda viável de respeito à sustentabilidade, o Brasil tem todas as
condições de colaborar positivamente para tanto. Mas não podemos abrir mão
desse potencial econômico de forma isolada e irresponsável para com as nossas
gerações futuras.
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MPF pede inclusão como coautor de ação de organizações
sociais contra licença da Petrobras na Foz do Amazonas
O
Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça Federal no Pará, na
segunda-feira (27), a inclusão da instituição como coautora da ação ajuizada
por organizações sociais, no último dia 22, que busca anular a licença de
operação para a perfuração de um poço de petróleo pela Petrobras na Bacia da
Foz do Amazonas. Além de se juntar às oito organizações da sociedade civil que
iniciaram o processo, o MPF pediu um prazo de 15 dias para complementar os
pedidos das entidades, reforçando os argumentos e solicitações, e defendeu a
competência da unidade da Justiça Federal no Pará para julgar o caso.
A ação,
movida pelo Laboratório do Observatório do Clima, Greenpeace Brasil,
WWF-Brasil, Instituto Internacional Arayara, Comissão Nacional para o
Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros
Marinhos (Confrem), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab),
Coordenadoria Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
do Amapá (Conaq-AP) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib),
questiona a legalidade da Licença de Operação (LO) nº 1.684/2025, emitida pelo
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) no último dia 20. A licença autoriza a atividade de perfuração marítima
de poços de petróleo no Bloco FZA-M-59, localizado na Margem Equatorial.
Na
petição, o MPF justifica a necessidade de sua inclusão pela “altíssima
relevância e complexidade dos temas jurídicos e ambientais envolvidos”. O órgão
ressalta que o caso diz respeito à proteção de uma nova fronteira exploratória
em uma região de “notória sensibilidade socioambiental” e que a medida é
necessária para a defesa do patrimônio público, do meio ambiente e dos direitos
de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais impactados.
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Defesa da competência no Pará
Um dos
pontos centrais da manifestação do MPF é a defesa da competência da Justiça
Federal no Pará, contrapondo-se a um pedido do Ibama para que o processo fosse
remetido à Justiça Federal no Amapá. O MPF argumenta que, embora o bloco de
perfuração esteja em alto-mar, o Pará é o centro da logística terrestre e
marítima do empreendimento e o local onde se materializa a maior parte dos
impactos.
Para
sustentar sua tese, o MPF se baseia no próprio Estudo de Impacto Ambiental e
Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) do projeto, que determinou que a área
de influência do empreendimento abrange diretamente 24 municípios no Pará.
Segundo o documento, essa inclusão se deu principalmente pela interferência das
embarcações de apoio na atividade de pesca artesanal.
Outros
pontos cruciais destacados pelo MPF são:
• logística
concentrada: as estruturas logísticas em terra se concentram no Pará,
com a base de apoio marítimo localizada no Porto de Belém;
• rotas
de navegação: as embarcações que partem de Belém atravessam regiões
ecologicamente sensíveis do estado, como a Baía do Guajará e a Baía do Marajó,
passando perto de vários municípios paraenses cidades e gerando impactos
diretos sobre comunidades tradicionais, em sua grande maioria no Pará;
• impacto
na pesca: o Pará é o segundo maior produtor pesqueiro do Brasil, sendo
92,1% de sua produção proveniente da pesca artesanal, e a sobreposição das
rotas de embarcações com áreas de pesca é um dos principais fatores de impacto
apontados no licenciamento; e
• gerenciamento
de resíduos: o município de Belém foi incluído na área de influência
por ser o destino dos resíduos gerados pela atividade de perfuração.
Não
à unificação de processos – O MPF também argumentou pela improcedência do
pedido de reunião do processo com outro, que tramita na Justiça Federal no
Amapá. Segundo o MPF, não há justificativas para a unificação porque, embora
ambos os casos se refiram ao Bloco FZA-M-59, eles são fundamentalmente
diferentes, tanto no que se pede à Justiça quanto nos motivos pelos quais se
fazem esses pedidos.
O MPF
explica que a ação no Amapá, ajuizada em junho de 2025, impugnou um ato
preparatório, a decisão que aprovou um plano de proteção à fauna e determinou a
realização da Avaliação Pré-Operacional (APO). Naquela época, a licença de
operação ainda não havia sido concedida. Já a ação no Pará, ajuizada em
outubro de 2025, ataca o autorizativo: a própria Licença de Operação nº
1.684/2025.
As
causas de pedir também são distintas. A ação no Amapá foca em vícios
procedimentais e na violação de direitos indígenas e quilombolas, como a
ausência da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) e a recusa em
analisar o impacto do tráfego aéreo sobre comunidades indígenas no entorno do
aeroporto de Oiapoque. Por outro lado, a ação no Pará se baseia em falhas
ambientais críticas, como o uso de uma modelagem hidrodinâmica reconhecidamente
defasada e inconsistente, a violação dos princípios da prevenção e precaução, e
a incompatibilidade do empreendimento com os compromissos climáticos
brasileiros.
Para o
MPF, a reunião dos processos “prejudicaria a celeridade processual e a análise
aprofundada das distintas questões de fato”.
. Falhas
apontadas pela ação –
A ação civil pública que o MPF agora busca reforçar detalha uma série de
fragilidades técnicas e vícios insanáveis no processo de licenciamento
conduzido pelo Ibama. As organizações autoras argumentam que a concessão da
licença ocorreu sob forte pressão política e em contradição com as
recomendações técnicas do próprio corpo de analistas do Ibama, que chegaram a
recomendar o indeferimento da licença em abril de 2023.
Entre
as principais deficiências apontadas na ação estão:
• base
hidrodinâmica defasada: a licença foi concedida com base em um modelo
hidrodinâmico que utiliza dados de 2013, considerado inconsistente e
desatualizado para representar as complexas correntes marítimas da região. A
própria licença, de forma contraditória, exige que a Petrobras apresente uma
“nova modelagem” somente após a perfuração dos poços, ou seja, depois de expor
a área ao risco;
• subdimensionamento
de riscos: um estudo da Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW),
anexado ao processo, concluiu que a modelagem de dispersão de óleo subestima a
quantidade de óleo que afundaria em caso de acidente, desconsiderando a alta
concentração de sedimentos do Rio Amazonas e o efeito do uso de dispersantes
químicos. O estudo aponta que o óleo afundado poderia atingir diretamente o
Grande Sistema de Recifes da Amazônia;
• ausência
de estudos e de consulta prévia: o processo avançou sem a realização
do Estudo de Componente Indígena e Quilombola e sem a consulta prévia, livre e
informada às comunidades tradicionais e povos indígenas que serão afetados,
violando a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
• falta
de avaliação climática: o licenciamento não analisou os impactos
climáticos do empreendimento, tanto em relação às emissões de gases de efeito
estufa decorrentes da exploração quanto à compatibilidade do projeto com as
metas climáticas do Brasil.
Com a
manifestação, o MPF se posiciona formalmente ao lado das entidades da sociedade
civil, buscando fortalecer a ofensiva jurídica contra um empreendimento que,
segundo apontado nas manifestações, representa um grave risco para um dos
ecossistemas mais sensíveis e menos conhecidos do planeta.
Fonte:
Outras Palavras/MPF - Pará



