Grifes
de luxo usam couro proveniente de desmatamento ilegal no Pará, diz estudo
GRIFES
INTERNACIONAIS estão comprando couro de empresas que têm vínculos com
fazendas que criam animais em terras indígenas e em áreas desmatadas
ilegalmente na Amazônia. Esta é a conclusão de um estudo publicado nesta terça-feira
(23) pela
organização não-governamental britânica Earthsight.
A
investigação, realizada em colaboração com a Repórter Brasil, analisou
decisões judiciais, imagens de satélite, registros de embarques e se infiltrou
em feiras do setor para desvendar a rede de fornecedores de couro de marcas
como Chanel, Balenciaga e Gucci.
Segundo
a Earthsight, na base desta cadeia produtiva está o frigorífico Frigol,
abatedouro apontado como comprador de gado criado em áreas embargadas por
desmatamento e em fazendas instaladas ilegalmente dentro da Terra Indígena (TI)
Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA).
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Conexão Itália-Pará
De
acordo com o estudo, a quase totalidade do couro exportado do Pará para a
Europa tem como destino a Itália. Parte desse produto é comprado pelas empresas
Conceria Cristina e Faeda, dois curtumes da região italiana de Vêneto, onde é
processado e rebatizado como couro italiano. As empresas italianas são
fornecedoras de dezenas de grifes dos setores de moda, automotivo e design de
interiores.
Além
das já citadas Chanel, Balenciaga e Gucci, a Conceria Cristina fornece o couro
adquirido do Brasil para a grife americana Coach, marca que tem a Geração Z
como público-alvo e vende bolsas entre R$1.900 e R$3.800, valores considerados
“acessíveis” para o mercado de luxo. A relação comercial entre a Coach e a
Conceria Cristina foi informada por um representante do curtume italiano aos
pesquisadores da Earthsight.
A
investigação aponta que um fornecedor-chave das empresas italianas é a
Durlicouros, maior exportador de couro do Pará para a Europa. Segundo registros
de exportação analisados pela Earthsight, a Durlicouros exportou para a Itália
90% de todos os couros produzidos no Pará entre 2020 e 2023, totalizando 14,7
mil toneladas. À Earthsight, a Durlicouros confirmou que compra as peles de
animais do frigorífico Frigol.
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Histórico de irregularidades
A
Frigol é um dos cinco maiores frigoríficos do país, com capacidade de abate de
2,4 mil cabeças de gado por dia em suas instalações no estado do Pará, de
acordo com dados do estudo da Earthsight.
Em
outubro de 2024, o Ibama multou a
Frigol e outros frigoríficos pela compra de 18 mil cabeças de gado
criadas em floresta amazônica desmatada ilegalmente nos estados do Pará e
Amazonas.
A
investigação da Earthsight obteve documentos, via pedidos de Lei de Acesso à
Informação (LAI), que apontam, segundo a ONG, que a Frigol havia comprado 3.643
cabeças de gado criadas ilegalmente em duas áreas embargadas em uma fazenda em
São Félix do Xingu (PA) em 2019. Por adquirir o animal de áreas embargadas,
onde a pecuária é proibida, a empresa foi multada em quase R$ 2 milhões.
Apesar
disso, segundo a ONG britânica, entre janeiro de 2020 e outubro de 2023 a
Frigol continuou comprando gado da propriedade com áreas embargadas. A
Earthsight analisou imagens de satélite para comprovar que não houve tempo para
a recuperação da área desmatada ilegalmente.
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Gado criado em Terra Indígena
O
frigorífico ligado à cadeia de fornecimento da Coach, Chanel, Balenciaga e
Gucci é também apontado no estudo como comprador de gado de pecuaristas
processados por criar animais ilegalmente na Terra Indígena (TI) Apyterewa, em
São Félix do Xingu (PA). Localizada no sul do Pará, a TI Apyterewa tem 773 mil
hectares. Em outubro de 2023, o governo federal iniciou a operação de
desintrusão (retirada de ocupantes irregulares). No entanto, indígenas Parakanã
que vivem no território afirmam que a tensão e os ataques
por parte dos invasores continuam.
O
estudo da Earthsight menciona uma investigação da ONG
norte-americana EIA (Agência
de Investigação Ambiental, na sigla em inglês), publicada em maio de 2024, que
apontou que uma fazenda que abastecia a Frigol havia comprado gado de sete
fazendas ilegais na TI Apyterewa. Em setembro de 2022, uma investigação
da Repórter Brasil já apontava que parte do gado criado
ilegalmente na terra indígena abastecia o frigorífico.
Os
animais, no entanto, não eram fornecidos diretamente para a Frigol. No Brasil,
não é incomum que o gado seja transferido de fazendas em terras desmatadas
ilegalmente ou sobrepostas a territórios indígenas para fazendas legais antes
de ser vendido para os frigoríficos, ocultando sua verdadeira origem.
O
estudo da Earthsight aponta que o MPF está processando 33 fazendeiros e duas
empresas, alegando que 47,2 mil cabeças de gado foram criadas ilegalmente na TI
Apyterewa. A Earthsight afirma ter confirmado que 14 dos fazendeiros
processados pelo MPF venderam mais de 17 mil cabeças de gado para a Frigol
entre 2020 e 2023, o suficiente para produzir 425 toneladas de couro. A ONG não
conseguiu determinar o número exato de bovinos criados originalmente na TI
Apyterewa.
“Os
consumidores de produtos de luxo esperam que os altos preços ofereçam alguma
garantia de que não estejam contribuindo para o desmatamento ou a invasão de
terras indígenas. Esta investigação mostra que essa confiança é equivocada. Até
que as marcas de moda comecem a realizar uma auditoria adequada em suas
próprias cadeias de suprimentos não podem garantir que seus produtos estejam
livres dessas ilegalidades”, afirma Rafael Pieroni, líder da equipe da
Earthsight para a América Latina.
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O que dizem as empresas
À
Earthsight, a Frigol disse que não identificou irregularidades em fornecedores
direitos acusados de adquirir gado criado dentro da TI Apyterewa. Também disse
que sua política de compras está alinhada ao Boi na Linha, protocolo de
monitoramento de aquisição de gado desenvolvido pela ONG Imaflora em parceria
com o MPF. Com isso, 100% do gado adquirido de seus fornecedores diretos,
aponta a Frigol, foi criado em conformidade com critérios socioambientais. A
empresa também afirma ser capaz de monitorar seus fornecedores indiretos de
primeiro nível – os últimos pecuaristas a fornecem aos fornecedores
diretos.
Em
posicionamento enviado à Repórter Brasil, o frigorífico ressaltou que
“esclareceu detalhadamente a cada uma das hipóteses apresentadas” no relatório
da Earthsight, “demonstrando que todas as compras de gado estão em conformidade
socioambiental”. A Frigol reforçou também que é signatária do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) da Pecuária Sustentável do Estado do Pará.
Conhecido como TAC da Carne, o acordo foi criado em 2009 e estabelece que os
frigoríficos devem se comprometer a não adquirir gado de áreas desmatadas
ilegalmente na Amazônia após 2008. Auditorias anuais são realizadas pelo MPF e
organizações parceiras para avaliar o cumprimento do pacto.
Segundo
o frigorífico, a Frigol obteve 100% de conformidade nas aquisições de gado de
seus fornecedores diretos pelos últimos três ciclos consecutivos de auditorias.
A empresa também disse ter a meta de mitigar o desmatamento por fornecedores
indiretos até 2030, “com intenção de antecipar para 2025 a mitigação do
desmatamento indireto nível 1”.
Em
resposta enviada à Earthsight, a Durlicouros não comentou relações comerciais
específicas apresentadas no estudo. A empresa disse ter o compromisso com a
“rastreabilidade e o abastecimento responsável de couro”. A empresa ressaltou
ser signatária, assim como seus fornecedores, do TAC da Carne.
Chanel,
Balenciaga e Gucci disseram à Earthsight que não usam couro brasileiro em seus
produtos. A Chanel revelou também que encerrou recentemente seu relacionamento
com a fornecedora italiana Faeda, após perder a confiança no sistema de
rastreabilidade da empresa. A Faeda afirmou que não forneceu couro brasileiro
às marcas de moda. A Conceria Cristina e a grife Coach não responderam aos
pedidos de comentário da Earthsight.
A Repórter
Brasil entrou em contato com a Durlicouros, com as marcas Coach, Chanel,
Balenciaga, Gucci e com os curtumes italianos Faeda e Conceria Cristina para
comentar o relatório da ONG britânica, mas não obteve retorno até o fechamento
deste texto. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
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Posicionamento enviado pela Frigol
FRIGOL
24 de
junho de 2025
POSICIONAMENTO
SOBRE RELATÓRIO DA ONG EARTHSIGHT
A
FriGol tem a sustentabilidade no centro de sua estratégia de negócios.
Sobre o
relatório da ONG britânica Earthsight, publicado em 23.06.2025, a FriGol
informa que, ao ser procurada pela ONG, esclareceu detalhadamente a cada uma
das hipóteses apresentadas, demonstrando que todas as compras de gado estão em
conformidade socioambiental.
Sobre o
monitoramento de fornecedores diretos, a companhia é signatária do TAC da
Pecuária Sustentável do Estado do Pará e usa o Protocolo
Boi na Linha, do
Imaflora, como base para realizar o monitoramento. Periodicamente, faz
auditorias independentes apresentadas ao Ministério Público Federal no Pará
(MPF – PA) e, pelos últimos três ciclos consecutivos de auditorias, obteve
100% de conformidade nas aquisições de gado de seus fornecedores diretos, conforme pode ser verificado no
resultado divulgado pelo MPF-PA, comprovando que os fornecedores diretos
não produzem em áreas de desmatamento, em terras indígenas ou em unidades de
conservação, e que estão fora da lista de organizações envolvidas com trabalho
escravo.
Seguindo
o Protocolo Boi na Linha, para o critério de desmatamento ilegal, as análises
são feitas em um sistema de geomonitoramento no qual são inseridos os mapas
georreferenciados das fazendas fornecedoras (base oficial do CAR – Cadastro
Ambiental Rural) e as bases oficiais do PRODES Amazônia/INPE, constantemente
atualizados, e analisada a sobreposição com polígonos de desmatamento nas
imagens. Além disso, antes de qualquer compra de gado é verificado se a
propriedade consta na lista de terras embargadas pelo Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Se constar,
bloqueamos o fornecedor e não realizamos a compra.
Enfatizamos
ainda que, em alinhamento com nossas políticas de sustentabilidade e com
Protocolo Boi na Linha, não compramos gado criado ilegalmente em terra
indígena. Antes de concluir qualquer negociação, um dos critérios avaliados
pela empresa, através de mapa georreferenciado, com base no CAR (Cadastro
Ambiental Rural), é se a propriedade possui sobreposição com a Terra Indígena
em situação “declarada” ou fase mais avançada do processo de demarcação. Assim,
quando é identificada alguma irregularidade em qualquer critério do Protocolo,
a propriedade é bloqueada e não pode fornecer para a FriGol.
O
monitoramento socioambiental não se restringe ao bioma Amazônia. Desde 2018, a
FriGol implantou o protocolo de monitoramento para todos os estados onde tem
unidades de produção, ou seja, monitora 100% dos fornecedores diretores em
todos os biomas onde atua (Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica).
Adicionalmente,
a companhia leva as informações socioambientais para todos os produtos in
natura que chegam aos clientes e consumidores no mercado interno e externo,
através de QRCodes nas embalagens. Esse protocolo foi desenvolvido dentro da
unidade de produção de Lençóis Paulista (e é usado em todas as unidades), em
parceria com a Ecotrace Solutions, com dados seguros e via Blockchain. Desde o
fim de 2023, os QRCodes passaram a informar também de qual bioma o gado veio.
Ainda
para fornecedores diretos, a FriGol foi o primeiro frigorífico a implantar
o Protocolo de Monitoramento Voluntário de
Fornecedores de Gado no Cerrado, em julho de 2023, mesmo antes da
publicação definitiva do protocolo, que ocorreu no dia 22/04/2024. O protocolo
é coordenado pelas organizações Proforest, Imaflora e National Wildlife
Federation – NWF.
Sobre
os fornecedores indiretos, em linha com as melhores práticas, no Pará, a FriGol
realiza também o monitoramento de 100% dos Fornecedores Indiretos Nível
1 (ou seja, fornecedores de gado que vendem para nossos fornecedores
diretos) através do sistema de monitoramento Visipec, fornecido pela NWF,
utilizando o Protocolo GTFI, do Grupo de Trabalho dos Fornecedores Indiretos.
Atendendo à solicitação da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) ao setor de carne bovina no
Brasil., tanto
os resultados de 2023 quanto de 2024 deste monitoramento estão disponíveis em
nosso website.
A
FriGol tem como meta de mitigar o desmatamento por indiretos até 2030, com
intenção de antecipar para 2025 a mitigação do desmatamento indireto nível 1.
Estamos
comprometidos em atuar em conjunto com as instituições do setor, com a cadeia
produtiva e com o poder público para avançarmos. Acreditamos que, no país que
tem o maior rebanho do mundo, apenas a rastreabilidade individual dos animais
para fins socioambientais possibilitará mitigar o desmatamento em todos os elos
da cadeia pecuária.
Por
isso, a FriGol está trabalhando em alinhando com o estado do Pará, que vem se
desenvolvendo de forma pioneira para se tornar o primeiro estado do Brasil com
monitoramento individual de animais com foco em critérios socioambientais.
Em
paralelo, a companhia apoia iniciativas privadas para monitorar individualmente
animais, por isso, aderimos ao Protocolo
Primi, único
em funcionamento no estado do Pará e que tem se tornado referência no
monitoramento individual de animais.
Atenciosamente,
FriGol S.A.
Fonte:
Repórter Brasil

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