segunda-feira, 30 de junho de 2025

Estudo aponta 142 empresários do agronegócio envolvidos em tentativa de golpe

Quem é o “pessoal do agro”? Quais os nomes dos empresários do agronegócio que financiaram a intentona golpista liderada por Jair Bolsonaro?

Essas perguntas pairam desde 21 de novembro de 2024, quando a Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente e outras 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado. O relatório publicado naquele dia revelou a existência do plano Punhal Verde e Amarelo: uma trama de homicídio orquestrada por membros da Forças Armadas e do alto escalão do governo. O objetivo? Decretar um regime de exceção e assassinar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A participação do agronegócio no plano foi detalhada após a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República, ele afirma ter recebido cerca de R$ 100 mil em espécie. Com notas entregues em uma sacola de vinho pelo general Walter Braga Netto, que contou a Cid sobre a origem do valor: “O general Braga Netto entregou e comentou que era alguém do agro que tinha dado, mas eu não sei o nome de quem foi que passou pra ele”.

<><> Quem é esse “pessoal do agro” sem rosto, sem nome e impune?

Para responder a essa pergunta, De Olho nos Ruralistas lançou nessa quarta-feira (25) o relatório “Agrogolpistas“, que identifica 142 empresários do setor que atuaram no suporte logístico ou financeiro a atos golpistas entre o segundo semestre de 2022 e o fatídico 8 de janeiro de 2023.

com chapelão e botas, nos rincões do país. Ao longo de 89 páginas, é possível encontrar o nome de bancos e multinacionais diretamente ligadas aos empresários que financiaram o terror. Eles recebem financiamento de instituições como Santander, Rabobank e John Deere. E possuem contratos de fornecimento e parceiras com gigantes como BTG Pactual e Syngenta — esta última, parte da cadeia de financiamento da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

O dado mais alarmante diz respeito à responsabilização: salvo aqueles (poucos) que foram flagrados nos atos terroristas de 8 de janeiro, nenhum dos nomes respondeu juridicamente pelo fomento ao golpe de Estado.

OBSERVATÓRIO ANALISOU 1.452 NOMES PARA TRAÇAR RELAÇÃO COM AGRONEGÓCIO

Durante quatro meses, o núcleo de pesquisas do observatório percorreu listas de pessoas físicas e jurídicas investigadas por contratar a infraestrutura dos acampamentos golpistas — geradores, tendas, banheiros químicos, alimentos — e por viabilizar o trancamento de rodovias de norte a sul do país.

A base de dados de financiadores de atos antidemocráticos — 551 nomes, ao todo — foi complementada pela relação dos 898 réus responsabilizados criminalmente em inquéritos do STF relativos ao 8 de janeiro e pela lista de indiciados da Operação Lesa Pátria, da PF. Por último, incluímos na análise os nomes de três fazendeiros paraenses investigados por fornecer apoio aos terroristas George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues, responsáveis pela tentativa de atentado à bomba no aeroporto de Brasília, na véspera do Natal de 2022.

A partir desses dados, nossa equipe procurou identificar relações diretas com o agronegócio: propriedade de imóveis rurais registradas no cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ou no Cadastro Ambiental Rural (CAR); sociedade em empresas agropecuárias registradas na Receita Federal; e o registro de beneficiários do seguro rural pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No caso das empresas privadas indiciadas, a pesquisa foi estendida para seus sócios.

Ao todo, constatamos que 142 fazendeiros e empresários do agronegócio foram implicados por sua participação em atos antidemocráticos.

Eles correspondem a 10% de todos os nomes analisados ao longo da pesquisa. Esses dados podem — e provavelmente estão — subestimados, uma vez que são comuns os casos de pessoas físicas com homônimos e, devido à Lei Geral de Proteção de Dados, tanto as bases fundiárias do Incra quanto as da Receita Federal deixaram de exibir o número do CPF.

Só foram listados neste relatório os casos em que houve confirmação absoluta de relação com o agronegócio.

“ARCO DA SOJA” CONCENTRA 71% DOS AGROGOLPISTAS

Dos 142 fazendeiros e sócios de empresas identificados no levantamento, 74 estão baseados em Mato Grosso, 17 em Goiás e 13 na Bahia. Os três estados respondem por 71% dos nomes consolidados pelo observatório. A relação com o agronegócio é escancarada: juntos, eles compõem o principal corredor produtivo da soja no país, responsável por 47% da safra nacional.

Foi justamente desse eixo de onde saiu a maior parte dos caminhões identificados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) entre os veículos estacionados em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília: 56 dos 234 caminhões enviados ao acampamento golpista tinham origem em Sorriso (MT), o maior polo produtor de soja do mundo.

Desse total, 28 pertencem a duas famílias que se interligam. Com dez nomes na lista, o clã Bedin enviou quinze caminhões para a capital federal. Unidos aos Bedin pelos negócios e pelo casamento, os Lermen enviaram treze veículos para o QG golpista.

O grupo é liderado pelo pioneiro Argino Bedin, o “pai da soja” de Sorriso. O mesmo empresário que se calou diante da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, no Senado. Quando retornou a Sorriso, quatro dias após seu depoimento, Argino foi ovacionado em um evento de gala organizado por políticos e expoentes do agronegócio mato-grossense.

O caminho que liga o Arco da Soja às movimentações golpistas passa ainda pelas organizações de representação do agronegócio: seis empresários investigados em processos relativos ao 8 de janeiro e aos acampamentos golpistas são dirigentes da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), uma das organizações fundadoras do Instituto Pensar Agro (IPA), o braço logístico da bancada ruralista no Congresso.

Entre eles, Christiano da Silva Bortolotto, ex-presidente da Aprosoja de Mato Grosso do Sul e do Sindicato Rural de Amambai (MS), onde protagoniza um conflito histórico contra o povo Guarani-Kaiowá do Tekohá Kurusu Ambá.

TEMAS DO RELATÓRIO SERÃO EXPLORADOS EM SÉRIE DE REPORTAGENS

Nenhum dos fazendeiros suspeitos de financiar os atos golpistas foi preso ou condenado por esse motivo. Os indiciados em comissões parlamentares de inquérito — tanto do Senado quanto da Câmara Legislativa do Distrito Federal — não integram a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que definiu os seis núcleos golpistas no julgamento no STF. Também não foram processados os empresários listados na relação de donos dos caminhões flagrados no QG do Exército, divulgada pela SSP-DF.

Mesmo com a declaração de Mauro Cid que apontou o “pessoal do agro” como responsável por financiar o plano Punhal Verde e Amarelo. Mesmo que mensagens interceptadas pela Polícia Federal comprovem que os organizadores do acampamento instavam Jair Bolsonaro a sair das quatro linhas da Constituição.

A impunidade é um dos fatores centrais trazidos pelo relatório “Agrogolpistas”. O empresariado que financiou a empreitada bolsonarista saiu até agora ileso e de imagem lavada. Aos poucos, vai ficando invisível. Como se apenas tramas verde-oliva tivessem sido os fatores decisivos para a violência institucional.

As digitais do agronegócio na engrenagem do golpe podiam ser observadas desde 2022. De Olho nos Ruralistas revelou a ponta do iceberg em um dossiê intitulado “As Origens Agrárias do Terror” — publicado apenas quatro meses após os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023. Na época, o levantamento identificou as conexões agrárias de 44 empresários e políticos que atuaram na organização do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e nos bloqueios a rodovias em cinco estados.

Passados dois anos, pouco se avançou no sentido de responsabilizar os financiadores do golpismo no Brasil.

¨      Empresários do agronegócio passam impunes em inquéritos sobre golpe

Nos dois anos que se seguiram ao 8 de janeiro, a Justiça brasileira responsabilizou criminalmente 898 réus. Desse total, 527 foram condenados após prisão em flagrante dentro de prédios públicos e na Praça dos Três Poderes ou nos acampamentos ilegais em frente dos quartéis do Exército.

À exceção dos oito militares presos no curso das operações Contragolpe e Tempus Veritatis, os golpistas do 8 de janeiro são, em sua maioria, “peixes pequenos”. No rol de condenados nota-se a ausência de empresários que ajudaram a financiar não somente os acampamentos e os bloqueios rodoviários, mas também a conspiração golpista dos generais.

A falta de responsabilização de fazendeiros e donos de empresas agropecuárias que forneceram apoio logístico e financeiro ao golpe é um dos pontos centrais do relatório “Agrogolpistas“, lançado ontem (25) pelo De Olho nos Ruralistas. O estudo identificou 142 nomes ligados ao agronegócio entre os indiciados em comissões parlamentares de inquérito ou na Operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, e os investigados por órgãos estaduais, pelas polícias civil e militar e pelos Ministérios Públicos estaduais.

Uma evidência dessa impunidade vem do relatório da CPMI do 8 de Janeiro, do Senado, que destacou o papel central dos caminhões estacionados no Quartel General (QG) do Exército, em Brasília. Os veículos serviam de palanque, auxiliavam no trânsito de mantimentos e simbolizavam a força do movimento, que ameaçava “parar o Brasil”.

Esses empresários da logística são também fazendeiros, um dado crucial que passou ao largo de boa parte das análises publicadas à época. Eles respondem por 91 das 142 entradas na lista: 64% dos nomes consolidados neste relatório. Quantos deles foram responsabilizados criminalmente por esse motivo? A resposta devastadora é: nenhum.

DEFENDIDO POR MORO, FAZENDEIRO PRESO É EXCEÇÃO ENTRE AGROGOLPISTAS

Os únicos empresários condenados presentes na lista consolidada no relatório “Agrogolpistas” são aqueles flagrados durante os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília. É o caso do fazendeiro paranaense Jorginho Cardoso de Azevedo, condenado a 17 anos de prisão por participar da invasão e depredação de prédios públicos na Praça dos Três Poderes.

Azevedo conta com o apoio de um político famoso: o senador Sérgio Moro (União-PR). Em setembro de 2024, o ex-juiz da Lava Jato usou sua conta no Instagram para criticar o tempo de pena concedido ao conterrâneo. Ele disse que intercederia junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de transferi-lo ao regime semi-aberto para tratar “graves problemas de saúde”.

Na postagem, Moro comparou a situação ao caso da esquartejadora Elize Matsunaga: “O agricultor Jorginho de Azevedo deve ficar na cadeia por 17 anos, enquanto a assassina do ex-dono da Yoki cumpre em liberdade uma pena de 16 anos e três meses”. Em abril de 2025, Alexandre de Moraes autorizou a mudança para prisão domiciliar.

O que Sérgio Moro não diz é que Azevedo foi identificado pela CPI dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), como um dos contratantes de ônibus usados para levar manifestantes a Brasília. Não se trata, portanto, de um simples patriota, um “vândalo de passagem”.

Os indiciados nas comissões parlamentares — tanto do Senado quanto da CLDF — não integram a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) que definiu os seis núcleos golpistas no julgamento no STF. Também não foram processados os empresários listados na lista de donos dos caminhões flagrados no QG do Exército.

RELATÓRIO LISTA 18 FAZENDEIROS INDICIADOS POR 8 DE JANEIRO 

A lista de 142 empresários do agronegócio consolidada no estudo “Agrogolpistas” se baseia exclusivamente em nomes implicados legalmente nas fontes oficiais. Nomes mencionados apenas em relatórios de inteligência, como o da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), divulgado pelo portal Congresso em Foco, não foram incluídos. Salvo as exceções: aqueles que também foram indiciados em outros processos relativos ao golpismo no Brasil.

É o caso de Antônio Galvan, que presidiu a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) durante a era Bolsonaro. Responsável pela radicalização ideológica da organização, ele aparece junto a outros sete líderes do setor — entre presidentes de sindicatos rurais e dirigentes das Aprosojas regionais — que foram investigados na CPMI do 8 de Janeiro, no Senado.

Datado de 10 de janeiro de 2023, dois dias após a tentativa de golpe, o relatório da Abin aponta o Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA) como articulador, pelo menos desde 2021, de manifestações golpistas. O papel do MBVA e sua relação com o general Walter Braga Netto é o tema central do terceiro capítulo do relatório. Candidato a vice-presidente em 2022, Braga Netto é o “pai” do plano Punhal Verde e Amarelo — que pretendia assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Além desses dirigentes, o núcleo do 8 de janeiro conta com cinco fazendeiros que foram alvos de busca e apreensão no inquérito na Operação Lesa Pátria. São eles: José Ruy Garcia, vereador de Inhumas (GO); Fernando Junqueira Ferraz Filho, primo do prefeito de Leopoldina (MG); Luciene Beatriz Ribeiro Cunha, pecuarista de Uberaba (MG); e Geraldo Cesar Killer, de Bauru (SP), com quem foram apreendidos US$ 142 mil em espécie.

Quem fecha o grupo é Christiano da Silva Bortolotto, ex-presidente da Aprosoja-MS e alvo da 26ª fase da Lesa Pátria. Ele é investigado por organizar comboios com ônibus e caminhões rumo a Brasília, além de estimular bloqueios de rodovias na região sul do estado. Um combo completo.

<><> Empresa que enviou caminhões para QG golpista recebeu prêmio de excelência da Syngenta

O De Olho nos Ruralistas publicou na última quarta-feira (25) o relatório “Agrogolpistas“. Ao longo de 88 páginas, o estudo analisa a atuação econômica de 142 empresários do agronegócio que atuaram no suporte logístico ou financeiro a atos golpistas entre o segundo semestre de 2022 e o fatídico 8 de janeiro de 2023.

O objetivo? Mostrar que esses fazendeiros e donos de empresas não são “peixes pequenos”. Eles estão integrados em cadeias globais: são exportadores de soja e possuem parcerias com multinacionais do setor. Dois desses casos envolvem diretamente a Syngenta, a gigante dos agrotóxicos com sede em Basileia, na Suíça — e comprada em 2017 pela estatal ChemChina.

O primeiro envolve uma empresa de Sorriso (MT), a Agrosyn Comércio e Representação de Insumos Agrícolas. O município mato-grossense lidera o levantamento do observatório, com 34 nomes sob investigação ou indiciados em processos relativos aos atos antidemocráticos instigados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Parceira regional da multinacional sino-suíça — com direito ao uso do “syn” como sufixo —, a Agrosyn figura entre as empresas que tiveram as contas bancárias bloqueadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), por participar de bloqueios rodoviários logo após a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva.

A decisão de 12 de novembro de 2022 determinou o bloqueio contra 33 pessoas jurídicas — em sua maioria, do setor de transportes de carga. Isso fez boa parte dos donos de caminhões “patriotas” enviados a Brasília ser descrita (na Justiça e na imprensa) como uma iniciativa de empresários da logística. Mas o levantamento do De Olho nos Ruralistas mostra que 26 empresas integram holdings agropecuárias ou têm, como sócios, donos de fazendas.

O caso da Agrosyn é mais direto: trata-se de uma distribuidora de agrotóxicos. A participação nos bloqueios não impediu que a empresa fosse reconhecida com o Prêmio Raízes em 2024, concedido pela Syngenta para os distribuidores que se destacam por sua excelência. Os premiados receberam uma viagem para o emirado de Dubai e as ilhas Maldivas.

SYNGENTA DIZ NÃO COMPACTUAR COM ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS

Procurada pela reportagem, a Syngenta afirma não compactuar com quaisquer atos antidemocráticos nos países em que atua. “A Syngenta está comprometida em conduzir negócios de acordo com os mais altos padrões de integridade e responsabilidade”, diz a nota de imprensa. A íntegra pode ser lida aqui.

— No que se refere à premiação, a Syngenta reforça que a avaliação de seus parceiros comerciais é contínua e leva em consideração múltiplos critérios estabelecidos internamente. Reitera, ainda, que busca garantir que suas relações comerciais estejam sempre alinhadas a princípios de responsabilidade social, ética e governança corporativa.

A Syngenta não é um ator qualquer no agronegócio brasileiro. Em 2022, De Olho nos Ruralistas mostrou no relatório “Os Financiadores da Boiada” que a fabricante de pesticidas despontava como campeã em número de reuniões com integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro: 81. A empresa está plenamente integrada ao ecossistema de financiamento do Instituto Pensar Agro, o braço logístico da Frente Parlamentar da Agropecuária. Na época da publicação do relatório, ela participava diretamente de três associações mantenedoras da bancada ruralista.

A multinacional aparece no relatório “Agrogolpistas” em um segundo caso. Ela é parceira da AvantiAgro, uma empresa de sementes e insumos com sede em Luís Eduardo Magalhães (BA) e fundada pelos irmãos Vilson e Marcelino Walker. Os dois atuam há três décadas na produção de soja e algodão no oeste baiano.

Vilson é um dos proprietários de caminhões fichados pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) dentro do acampamento golpista montado em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. Junto com os irmãos Luiz e Elton Walker — este último através da empresa Agrowalker Serviços e Transportes —, o clã enviou cinco veículos para a capital federal. Nenhum deles foi responsabilizado legalmente.

DONO DA AGROSYN FOI SÓCIO DE PREFEITO BOLSONARISTA

Além de destinar caminhões para os bloqueios rodoviários que tentavam estrangular a economia em protesto contra a vitória de Lula, a Agrosyn se relaciona com outros personagens descritos no relatório “Agrogolpistas“. O dono da empresa, Sérgio Adão Esteves, foi sócio da sojeira RD Rossato. Essa, por sua vez, tem como sócio Dilceu Rossato (Republicanos),  prefeito de Sorriso por dois mandatos não consecutivos: de 2005 a 2008 e de 2013 a 2016.

Rossato não enviou caminhões e não consta entre os investigados por atos antidemocráticos, mas é um importante ponto de interseção entre alguns envolvidos. Ele é sócio da concessionária Apasi, que controla trechos das rodovias estaduais MT-242 e da MT-491. Dois de seus sócios enviaram caminhões aos atos antidemocráticos: Ilo Pozzobon, dois veículos, e Elio Schiefelbein, um.

Bolsonarista declarado, Dilceu foi atuante durante a campanha presidencial de 2022, sempre trajado de verde e amarelo. Afirmava que aquelas eleições significavam a “luta do bem contra o mal”.

Ele também já foi sócio de Argino Bedin, o “pai da soja” de Sorriso e uma das figuras centrais do estudo. 

 

Fonte: Por Alceu Luís Castilho e Bruno Stankevicius Bassi, em De Olho nos Ruralistas

 

Em Pernambuco, projeto militar e obra viária ameaçam área de conservação da Mata Atlântica

A construção da Escola de Sargentos das Armas (ESA), anunciada em 2021, tornou-se um marco para a Região Metropolitana do Recife (RMR). Por contar com recursos assegurados pelo Exército Brasileiro na casa de R$ 1,8 bilhão, além de contrapartidas de infraestrutura do governo estadual, e diante da expectativa de geração de postos de trabalho, o projeto parecia promissor.

No entanto, a proposta enfrenta a resistência da sociedade civil e de ambientalistas devido aos possíveis impactos ambientais no local que abrigará o empreendimento: a Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe. Compreendendo oito municípios em seus mais de 30 mil hectares de extensão, a APA acolhe o maior remanescente de Mata Atlântica no trecho entre os estados de Sergipe e Rio Grande do Norte. O pouco que sobrou da floresta tropical nesta parte do mapa é fundamental, uma vez que o bioma já perdeu quase 90% de sua área original no Brasil, como alertam especialistas.

Para a área construída do complexo militar, estima-se o desmatamento de 94 hectares de floresta nativa, consequência de uma estrutura que deve receber 6 mil novos moradores. A ESA, porém, não é a única grande intervenção prevista: antes mesmo da escola, já havia no caminho a construção do chamado Arco Viário Metropolitano, que promete melhorar o tráfego em toda a RMR. O arco também gera preocupação, já que recortaria toda a área da APA, adicionando um novo fator de risco à natureza.

Somados, os dois projetos intensificam a pressão urbana dentro e ao redor da unidade de conservação. Como resultado, crescem as ameaças a regiões de corredores ecológicos, fundamentais para conectar os fragmentos da Mata Atlântica — que, com dificuldade, ainda resistem no nordeste.

No projeto inicial, a instalação do centro militar previa a retirada de 188 hectares de Mata Atlântica. Após discussões entre o Exército, o governo de Pernambuco e representantes da sociedade civil, o projeto foi redesenhado, reduzindo a estimativa de desmatamento. Apesar do recuo, pesquisadores de universidades pernambucanas se mantêm vigilantes frente a possíveis impactos, ressaltando que os danos vão além da supressão da área verde.

Segundo Isabelle Meunier, professora do departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), mesmo diante de uma diminuição da natureza potencialmente suprimida, a estrutura ainda pode trazer  riscos. “Mesmo realizado em uma APA, onde é possível haver uso sustentável [da floresta], não há justificativa técnica para o desmatamento, nem respaldo no interesse público”, diz.

<><> Empreendimentos vão na contramão de princípios da APA

A APA Aldeia-Beberibe está localizada no Centro de Endemismo Pernambuco, área biogeográfica que compreende trechos ao norte do Rio São Francisco. Essa região prioritária de conservação da Mata Atlântica abriga espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Isso aumenta de forma significativa sua importância ecológica, de acordo com Cecília Costa, doutora em Ecologia e professora do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

“A Mata Atlântica se estende pelo litoral brasileiro, mas não é homogênea”, ela explica. “Existem barreiras geográficas, como o Rio São Francisco, que, ao longo de milhares de anos, provocaram processos de especiação, dando origem a espécies únicas em determinadas regiões. O sagui Callithrix jacchus que temos aqui, por exemplo, é diferente do que temos na região sul. Há também aves ameaçadas de extinção, como o pintor-verdadeiro (Tangara fastuosa). Por sua plumagem exuberante, o pássaro tem alto valor comercial e é alvo do tráfico de animais silvestres.”

A região também conta com uma peculiaridade em sua história evolutiva, o que amplia a relevância dessa área específica, segundo a pesquisadora. Ela diz que já houve períodos de conexão entre o local e a Amazônia, o que explica a presença de espécies típicas dos dois biomas mais biodiversos do mundo em um mesmo território. Para Costa, essa rara combinação reforça o valor de se conservar a natureza que vive ali.

Além dos dois futuros empreendimentos, o crescimento acelerado da região de Aldeia, na Região Metropolitana de Recife, é outro fator que impõe riscos à Mata Atlântica. O problema não é novo: em 2010, o decreto estadual que criou a APA mencionava, entre outros objetivos, a organização do desenvolvimento local, estabelecendo delimitações geográficas para proteger mananciais e nascentes, bem como a fauna e flora. A criação da área protegida também estabelecia o pagamento por serviços ambientais, medida amparada por lei e que busca incentivar proprietários de áreas de florestas nativas a preservá-las. As duas obras que estão por vir avançam na contramão desses objetivos.

Segundo Costa, “infelizmente, os projetos institucionais previstos são incompatíveis com os objetivos da APA. Em 2020, o governo de Pernambuco inseriu no decreto um trecho sobre possíveis estratégias para que o Arco Metropolitano respeite a implantação dos corredores ecológicos. No entanto, isso não encontra nenhum respaldo técnico-científico. Hoje encontramos animais atropelados, ainda que haja na região gente sensível e que, muitas vezes, para [o carro com o objetivo de ajudar]. No caso das preguiças da espécie Bradypus variegatus, [as pessoas] até ajudam o bicho a atravessar a rua. O que vai acontecer quando uma via de fluxo rápido atravessar o maior trecho de floresta da região?”.

Atualmente, Costa coordena um projeto de monitoramento da biodiversidade que analisa os impactos antrópicos (relacionados aos efeitos da atividade humana) em território pernambucano. Entre os animais sobre os quais paira o risco de extinção, ela cita a jaguatirica (Leopardus pardalis), vítima recorrente em casos de atropelamento. Apenas na Estrada de Aldeia, que conecta o município de Camaragibe à RMR, três animais foram encontrados mortos entre 2019 e 2023.

“A presença desse felino é um forte indicativo da existência de uma cadeia alimentar equilibrada, com abundância de pequenos mamíferos e outros animais que compõem sua base alimentar”, diz Costa. “Além disso, indica boa qualidade de habitat e baixa pressão de caça. Esse é mais um sinal da vitalidade ecológica da área.”

<><> Projetos podem desatar crise hídrica e comprometer recursos naturais

Por si só, a presença de fauna silvestre na APA já justificaria a preocupação de organizações e especialistas. Há, no entanto, outra possível crise adiante: os novos projetos também podem aumentar ainda mais a escassez hídrica, trazendo imprevistos ao abastecimento público pelo uso excessivo de recursos naturais e risco de aterramento das nascentes.

A Região Metropolitana do Recife, como grande parte dos municípios pernambucanos, convive há anos com o sistema de rodízio para o abastecimento – a restrição, que varia de tempos em tempos, é diretamente ligada à falta de água disponível. Agora, várias cidades estão diante de um novo drama, uma vez que o local destinado à construção da ESA abriga as nascentes do Rio Catucá, cuja bacia e afluentes alimentam a Barragem de Botafogo. Essa estrutura é responsável pelo fornecimento da água utilizada pelos municípios de Olinda, Igarassu, Paulista e Abreu e Lima, atendendo mais de 700 mil consumidores, segundo dados da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa).

“Contamos com duas áreas de abastecimento público [de água] dentro da APA”, explica Costa. “Uma delas é a Barragem de Botafogo e outra a Barragem do Prata, que fica dentro do Parque Estadual de Dois Irmãos. Além disso, a Aldeia-Beberibe abrange uma importante reserva de água subterrânea que abastece empresas do setor de bebidas e água mineral. É a água engarrafada que chega à RMR.” Segundo ela, para manter esse serviço essencial, é necessário priorizar a conservação. “Por ser uma área de recarga de aquíferos, a APA necessita de baixa densidade populacional, de modo a permitir a manutenção das florestas. Isso, por sua vez, possibilita que a água das chuvas se infiltre, recarregando o lençol freático.”

Para a sociedade civil, representada pelo Fórum Socioambiental de Aldeia, é uma prioridade garantir que os projetos de instalação do complexo militar estejam a uma distância segura da margem de rios e de outras áreas de elevada importância ecológica. A demanda segue o que é previsto no Código Florestal Brasileiro e levantou discussões que tiveram musculatura para alterar elementos do projeto: enquanto o local de construção da escola e de um batalhão segue sob análise técnica, diante de possíveis irregularidades, as vilas militares foram realocadas para um terreno próximo – já desmatado.

Os perigos ao meio ambiente também são observados em um recente estudo disponível no The Journal for Nature Conservation e produzido por pesquisadores da UFPE, UFRPE e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Nele, cientistas dizem que a ESA e o Arco Metropolitano poderiam provocar a remoção de 335 mil árvores que fazem parte dos 198 remanescentes florestais compreendidos pela APA.

De acordo com a pesquisa, é crucial que futuras abordagens estejam amparadas em critérios científicos, sobretudo nas fases que demandem a supressão florestal em paisagens já fragmentadas. “Isso se mostra crucial para mitigar os cenários alarmantes de clima extremo e perda de biodiversidade vistos no Brasil e no mundo atualmente”, diz o estudo.

<><> Os desafios que cercam o corredor ecológico

Em um horizonte de médio e longo prazo, há expectativa de piora na qualidade do habitat sob a mira dos empreendimentos. Segundo a pesquisa, “a probabilidade de conectividade [entre os trechos de floresta] diminuirá, restringindo consideravelmente a mobilidade das espécies dependentes.” O corte de território promovido pelo Arco Metropolitano (dimensionado no mapa abaixo) também aumentaria a fragmentação dos remanescentes de Mata Atlântica, colocando entraves ao desenvolvimento de um corredor ecológico que permita o fluxo de animais, de sementes e de pólen (também chamado fluxo gênico) na região.

Na ausência dessa dinâmica natural, há maior incidência de endogamia, nome dado à reprodução entre indivíduos aparentados. Com o tempo, esse fenômeno pode aumentar anomalias genéticas e doenças, reduzindo o número de certas espécies.

Garantir o fluxo gênico por meio do deslocamento adequado é fundamental para alguns animais, ainda segundo a professora Cecília Costa. Afinal, nem todos se desenvolvem como os saguis e quatis (Nasua nasua), cujos comportamentos naturais já funcionam como uma “barreira” à endogamia. Enquanto saguis machos e fêmeas migram para outros bandos, os quatis machos, ao atingirem a maturidade, são expulsos de seus grupos e forçados a buscar novos núcleos. Nesse momento, a conservação volta a revelar sua importância: para que esses animais possam encontrar novos indivíduos semelhantes, é vital que haja conexão entre grandes áreas de florestas. Se os espaços estão separados, os animais são impedidos de atravessar – ou morrem no percurso.

Diante desse cenário, o governo do estado desenvolveu em 2019 um projeto voltado à identificação de áreas propícias à criação de corredores ecológicos. A iniciativa pretende facilitar o deslocamento da fauna e promover a dispersão de sementes e pólen, dois processos fundamentais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos. Com a ameaça das construções, eventuais entraves a esse funcionamento são colocados à luz das discussões.

<><> Falta de licenciamento gera preocupação

Um outro impasse se soma aos riscos ambientais apontados previamente. Segundo a professora Meunier, o projeto ainda carece de licenciamento ambiental, o que impede a sociedade de conhecer as questões de forma ampla. “Não sabemos quais impactos a obra trará à medida que não há licenciamento. Isso é um retrocesso enorme. A licença é justamente o instrumento que permite avaliar os danos ambientais, permitindo a apresentação de medidas mitigadoras e compensatórias. A sociedade está no escuro.”

Em parte, a ausência de licenciamento é fruto de uma interpretação da Lei Complementar 140/2011, que isenta empreendimentos e atividades de caráter militar de apresentá-lo. “Essa situação se assemelha ao Projeto de Lei 2.159/2021, que tramita no Senado e fere profundamente os instrumentos da política nacional de meio ambiente”, diz a especialista. No final de maio, em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima disse que o PL “representa risco à segurança ambiental e social” no Brasil.

Meunier diz que estudos e relatórios de impacto ambiental deveriam analisar de forma detalhada os diferentes aspectos envolvidos na implantação da ESA. Em sua análise, não se trata apenas da fase de construção, mas também do funcionamento pleno da obra – incluindo a circulação de pessoas e veículos, o uso das estradas, o estacionamento dos carros, a poluição gerada e as relações socioeconômicas que a população desenvolverá nas proximidades.

<><> Projeto enfrenta protesto de moradores e da sociedade civil

Morador da APA há cinco anos, o autônomo Frederico Silva convive com um sentimento de indignação. Para ele, tanto o arco quanto a escola resultam de iniciativas que desconsideram possíveis impactos socioambientais em uma área já fragilizada pela falta de fiscalização. “O projeto viário foi muito mal elaborado e não levou em conta as mazelas que o acompanham, como a grilagem da terra e o risco elevado de acidentes envolvendo animais silvestres.”

Silva também questiona o desmatamento para a instalação de mais uma representação militar, uma vez que o Exército já possui estruturas em cidades como Garanhuns, Olinda e Jaboatão dos Guararapes. “Por que destruir a APA? Fala-se muito da quantidade de árvores que serão derrubadas para a construção da escola e de como as Forças Armadas alegam que vão reflorestar [a área] como forma de ‘compensar’. A questão, é: como compensarão a vida de animais silvestres mortos nesse processo?”.

A sociedade civil também traz críticas ao projeto. Parte delas vem em forma de manifestações, como uma passeata convocada pelo Coletivo Inter Religioso em Defesa da APA Aldeia-Beberibe, na capital Recife, no final de abril. A marcha contou com a participação da classe artística, ambientalistas, indígenas e parlamentares sob o lema “Para construir, não é preciso desmatar.”

Baseando-se em análises técnicas, a ONG Fórum Socioambiental de Aldeia também propôs locais alternativos para a construção dos dois empreendimentos, sugerindo regiões próximas, mas fora de pontos sensíveis da Mata Atlântica. Até aqui, no entanto, todas as propostas foram rejeitadas pelo Exército.

Morador de Aldeia e presidente da organização, o mestre em gestão ambiental Herbert Tejo representa diferentes vozes locais em audiências públicas, debates acadêmicos e reuniões com o poder público para alertar sobre o que está por vir: “Há inúmeras ameaças ao território de Aldeia – e de toda a ordem. Do ponto de vista ambiental, pode ser desastroso. Quando se trata da defesa do meio ambiente, as negociações com o poder público são sempre desafiadoras. Contudo, temos um arcabouço legal e muitos estudos que visam a proteção dessa área. A sociedade civil, por meio de um esforço conjunto, formulou propostas alternativas para a localização das obras. Esperamos que haja bom senso e respeito à ciência na tomada de decisão por parte de órgãos públicos.”

Tejo negocia com as entidades competentes para que ao menos a instalação da escola seja feita em um terreno que se encontra a cerca de 5 quilômetros do local originalmente escolhido – em uma área que abriga plantações de cana-de-açúcar. “Estudamos uma área de 1.700 hectares, dos quais 915 são terrenos já desmatados e de relevo plano. O Exército necessita de apenas 146 hectares para o complexo [inteiro]”, diz o representante.

<><> Poder público promete encontrar soluções, mas futuro é incerto

Em meio a denúncias, alertas e burburinhos, o governo de Pernambuco tem se posicionado de forma cautelosa diante do impasse ambiental gerado por suas propostas. Embora reconheça o compromisso institucional assumido em 2022, a atual gestão da governadora Raquel Lyra criou um grupo de trabalho intersetorial para discutir o tema. A iniciativa é liderada pela Secretaria de Meio Ambiente e conta com a participação de universidades e da sociedade civil.

Em junho deste ano, Lyra assinou termos aditivos do acordo entre o estado e os militares, ressaltando “melhorias de infraestrutura para a região”, o que reforça o interesse do atual governo em levar o projeto adiante.

Enquanto isso, autoridades da área ambiental prometem encontrar um caminho intermediário que respeite a preservação da natureza. Ana Luiza Ferreira, secretária de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha, projeta uma solução negociada. “É uma questão muito complexa. O Exército tem, efetivamente, um papel fundamental na proteção daquela área. Para o governo, também não é simples [intermediar a alteração do projeto] quando há um compromisso já firmado entre as instituições. Seguimos comprometidos em buscar a redução do impacto ambiental.”

A APA e seus habitantes, humanos ou não, seguem no aguardo dos novos capítulos de uma história tão arrastada quanto imprevisível.

 

Fonte: Mongabay

 

Chocolate saudável, vinho que não causa ressaca e cereais matinais nutritivos: 10 prazeres culpados… sem culpa

Todos sabemos que deveríamos estar comendo mirtilos e mais folhas verdes. Mas o que fazer quando estamos presos em um posto de gasolina na rodovia, com a opção de escolher entre salgadinhos e mais salgadinhos? Se você não consegue resistir a uma (ou duas) taças de vinho, qual é a opção mais saudável? E é possível ir à kebabaria à 1h da manhã sem sermos tomados pelo espectro de Gwyneth Paltrow?

Nem toda comida lixo é criada da mesma forma. Nutricionistas renomados sugerem as guloseimas, bebidas e alimentos ultraprocessados que representam o menor risco para a nossa saúde — e aqueles que até eles comem de vez em quando.

<><> As batatas fritas menos processadas

Embora ninguém considere salgadinhos como uma das cinco porções diárias (uma pena, já que são feitos de batata), se você dispensar as opções saborizadas, alguns pacotes não são tão ruins como lanche. "Procure uma lista de ingredientes que contenha apenas batatas e, de preferência, azeite extravirgem e talvez sal marinho", diz a Dra. Federica Amati, autora de Everybody Should Know This e nutricionista-chefe da empresa de ciências da saúde Zoe. "Eles devem ser levemente salgados, não muito salgados."

Ao contrário do que você possa pensar, essas alternativas crocantes de grão-de-bico e lentilha podem não ser melhores para você, diz Amati: “Leia o verso da embalagem com atenção, pois elas podem conter muitos aditivos, intensificadores de sabor e emulsificantes para torná-las saborosas. Muitas vezes, é melhor optar por uma versão simples e tradicional do crisp e não comer muitas. Pense em Kettle Lightly Salted, ou mesmo Walkers Ready Salted, em vez de Doritos Flamin' Hot.”

<><> Doces com baixo teor de açúcar

Muitas gomas agora afirmam ser "sem açúcar" ou "naturais" e vêm em embalagens com aparência saudável, mas será que um doce sagrado é um paradoxo? "As gomas tradicionais e os doces mastigáveis são UPFs clássicos e normalmente carregados com xarope de glicose, corantes, aromatizantes e gelatina artificiais", diz o nutricionista Rob Hobson, autor de Unprocess Your Life. "Alcaçuz puro é uma opção melhor, mas verifique o rótulo, pois o produto adequado deve conter apenas ingredientes mínimos, como melaço, farinha e extrato de anis."

Para Amati, "um doce é sempre um doce, mas opte por marcas que não contenham óleo de palma, que tem alto teor de gordura saturada. Candy Kittens e Biona são bons exemplos. Se você consumir doces com moderação e cuidar da saúde bucal depois, eles não são tão ruins."

<><> Chocolate que faz bem para você

“O chocolate amargo geralmente contém menos açúcar do que o chocolate ao leite ou o branco”, diz a nutricionista Rhiannon Lambert, autora de The Unprocessed Plate. “Optar por variedades com 75% de cacau ou mais não só reduz o teor de açúcar, como também pode contribuir para um microbioma intestinal mais diverso e próspero. O chocolate amargo é rico em polifenóis e antioxidantes que podem contribuir para a saúde cardíaca, melhorando o fluxo sanguíneo e reduzindo a inflamação.”

Para ganhar pontos extras, escolha um chocolate amargo com nozes. "Amêndoas ou avelãs fornecem gorduras saudáveis, fibras e micronutrientes como magnésio e vitamina E", diz Lambert. Mas e se você não for fã de chocolate amargo? "Escolher uma barra de chocolate ao leite que inclua nozes inteiras ainda pode ser uma opção mais equilibrada."

Amati diz que você ainda deve verificar o rótulo do seu chocolate amargo ou ao leite: "Procure por manteiga de cacau ou massa de cacau na lista de ingredientes, pois algumas marcas as substituem por gorduras mais baratas e saturadas. E evite quaisquer aditivos, emulsificantes e adoçantes." Gorduras vegetais ou de palma, lecitina, monoglicerídeos e diglicerídeos de ácidos graxos são todos sinais de alerta.

<><> Bebidas benéficas para o intestino

Todos sabemos que refrigerantes são cheios de açúcar, adoçantes artificiais e outros aditivos, mas às vezes nada cai tão bem quanto uma lata de refrigerante gelada. "Existem muitos refrigerantes probióticos no mercado", diz Amati. "Ainda não se sabe ao certo sua eficácia para a saúde intestinal, mas muitos deles têm baixo teor de açúcar e não contêm adoçantes artificiais ou açúcar adicionado, o que os torna uma boa opção."

Hobson afirma que trocar refrigerantes comuns por kombucha (chá fermentado) é uma decisão inteligente: "Opte por variedades com culturas vivas, não pasteurizadas e sem adição de açúcares". Ele prefere a Momo Kombucha ("é crua, não filtrada e preparada em pequenos lotes com ingredientes orgânicos") e a Remedy Kombucha ("é fermentada a ponto de praticamente eliminar o açúcar"). Outras marcas de kombucha com baixo teor de açúcar incluem No 1 Living, Holos e Jarr.

<><> A cerveja menos calórica

Não é à toa que chamam de "barriga de cerveja", mas será possível bebericar uma caneca sem sair da dieta? "Lagers com 'light' no nome, ou cervejas com baixo teor alcoólico, geralmente são a melhor opção", diz Lambert. "Isso porque a maior parte das calorias da cerveja vem do seu teor alcoólico – quanto maior o teor alcoólico (ABV), mais calorias ela tende a conter. Por exemplo, uma lager padrão contém cerca de 150 a 200 calorias por caneca, enquanto uma lager com baixo teor alcoólico ou light pode chegar perto de 80 a 100 calorias."

Opte por cervejas leves – a maioria das calorias da cerveja vem do seu teor alcoólico

Essas opções ainda oferecem o sabor refrescante da lager, só que com menos calorias e, muitas vezes, menos impacto na hidratação e no sono. Se você estiver controlando sua ingestão, sempre verifique o ABV e procure cervejas com cerca de 3% ou menos. A Small Beer produz uma lager com 2,1% e apenas 73 calorias por lata.

<><> O vinho com menos probabilidade de causar ressaca

Foi uma má notícia para a brigada do "tudo com moderação" quando um estudo de 2022 descobriu que mesmo uma pequena quantidade de álcool tem consequências negativas para a saúde. Mas se você vai tomar uma taça de vinho, existe alguma uva menos ruim que as outras? "Ressacas geralmente são resultado de uma toxina chamada acetaldeído (subproduto da decomposição do álcool), desidratação e compostos chamados congêneres, que são mais prevalentes em vinhos mais escuros e baratos", diz Hobson. "É por esse motivo que o vinho branco causa menos ressaca do que o tinto. Os sulfitos costumam ser os culpados, mas, a menos que você seja genuinamente sensível a eles, é improvável que sejam o problema."

No entanto, o vinho orgânico ou biodinâmico tende a ter menos aditivos em geral e, muitas vezes, níveis mais baixos de sulfitos e açúcar residual, podendo ser uma escolha melhor. Vinhos de regiões de clima mais frio, como o Vale do Loire ou partes da Alemanha, costumam ter menor teor alcoólico (11-12%), e agora você pode comprar vinhos especiais com baixo teor alcoólico que podem fazer a diferença na sua ressaca. Também é uma boa ideia optar por vinhos secos em vez de doces, pois menos açúcar pode significar menos dor de cabeça no dia seguinte.

Mas, no fim das contas, o importante é manter o ritmo, não beber de estômago vazio e beber água junto com o álcool. "Mesmo o vinho mais puro e 'natural' não vai te salvar da ressaca se você beber demais", diz Hobson.

<><> O vinho gaseificado com menos açúcar

Cuidado com as bolhas – está comprovado que o vinho com gás causa ressacas piores do que qualquer outro tipo. Mas se você quiser fazer um brinde, qual é o melhor para você? "Os vinhos com gás com rótulos Brut Nature ou Extra Brut contêm os menores níveis de açúcar residual – normalmente menos de 6 g por litro", diz Lambert. "Seja prosecco, champanhe ou cava, escolher uma dessas variedades secas é a sua melhor aposta. Evite estilos como demi-sec ou doux, que têm um teor de açúcar muito mais alto."

<><> O melhor dos cereais matinais

Cereais matinais têm má reputação em termos de UPF, mas alguns são muito mais saudáveis do que outros. "Sim, o Weetabix é tecnicamente um alimento processado, mas tem baixo teor de gordura, alto teor de fibras, é acessível e delicioso", diz Amati. "Cerca de 90% dos adultos no Reino Unido têm deficiência de fibras e cereais matinais são uma maneira fácil de aumentar sua ingestão." Amati também prefere cereais Dorset e aveia em flocos grandes. "Fazer no micro-ondas é ótimo", diz ela. "Apenas evite aveia de cozimento rápido (pois é mais processada e, portanto, aumenta o nível de açúcar no sangue) ou aromatizantes ou adoçantes."

Cuidado com aquela granola de aparência saudável – ela pode não ser tão boa para você quanto você pensa

E cuidado com aquela granola de aparência saudável – ela pode não ser tão boa para você quanto você pensa. "Muitas são altamente processadas e contêm altos níveis de açúcar adicionado, emulsificantes e grãos refinados", diz Lambert. "Opte por aquelas com baixo teor de açúcar – idealmente menos de 5 g de açúcares livres por 100 g – e feitas com ingredientes integrais, como aveia, nozes, sementes, xarope de bordo ou mel e frutas secas." A Granola Bio&Me tem apenas 4,2 g de açúcar por 100 g, em comparação com 15 g da mesma quantidade da Jordans Simply Granola.

<><> A lição mais virtuosa

Nem todos os pedidos para viagem precisam vir acompanhados de culpa. "Em geral, evite frituras", diz Amati. "Alguns lugares cozinham com gorduras saturadas e continuam reutilizando o mesmo óleo." Em vez disso, vá a um restaurante tailandês, vietnamita ou indiano local. "Escolha a opção vegetariana, como curry de grão-de-bico, paneer ou espinafre. Todos são alimentos integrais e ricos em fibras." E não peça o arroz. "É muito melhor – e mais barato – fazer arroz em casa usando pacotes de arroz parboilizado que você pode comprar no supermercado. Quando você reaquece o arroz cozido, o amido fica mais resistente, o que é melhor para o controle do açúcar no sangue e melhora a saúde intestinal."

Hobson prefere comida turca para viagem. "Eu escolheria um wrap de shawarma de frango grelhado com salada, homus e um pão integral", diz ele. "Essa opção é balanceada com proteína magra, fibras e gorduras saudáveis. Esses tipos de lugares costumam oferecer saladas à base de vegetais frescos e grãos, como tabule, salada de bulgur ou ezme, que são ricas em fibras e outros nutrientes essenciais."

<><> O melhor sanduíche pré-embalado

Aqueles sanduíches prontos, frios e moles, nunca são os mais satisfatórios, mas se você tiver que pegar um, qual é o menor dos males do UPF? "Procure aqueles feitos com pão integral ou com sementes, pois eles fornecem mais fibras e mantêm você saciado por mais tempo do que o pão branco", diz Lambert. "Para o recheio, proteínas magras como falafel, homus, frango, ovo ou atum são boas opções, especialmente quando combinadas com salada ou vegetais crocantes. Molhos cremosos, maionese em excesso ou recheios ricos em queijo podem aumentar significativamente o teor de gordura saturada e sal, então vale a pena ser seletivo."

Em caso de dúvida, concentre-se nas fibras. "O nutriente que provavelmente falta na maioria de nós é a fibra, então, se você estiver verificando o rótulo nutricional, verifique o teor de fibra e tente escolher um que o aproxime o máximo possível de 3 g de fibra por 100 g. É uma referência útil para saber se você está consumindo uma opção mais satisfatória e benéfica para o intestino."

 

Fonte: The Guardian

 

Como os capitalistas criaram instituições financeiras internacionais para controlar o planeta

Como as instituições econômicas internacionais justificam a interferência em Estados soberanos? Como argumenta Jamie Martin em seu novo livro, The Meddlers: Sovereignty, Empire, and the Birth of Global Economic Governance, não se trata de “coerção”, mas de “cooperação”.

Meddlers traça a história da ingerência ocidental nas economias de Estados soberanos não ocidentais e as origens das instituições que governam a economia global hoje. Embora mais frequentemente associado a organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, como argumenta Martin, o Ocidente começou a criar uma economia global estruturada de acordo com seus interesses bem antes da Segunda Guerra Mundial.

Vale a pena levar a sério o relato de Martin, e não apenas porque nos permite expor a retórica de cooperação e desenvolvimento que justifica uma ordem internacional exploradora e desigual. De fato, para desafiar o capitalismo em nível local e nacional, precisamos entender como a classe capitalista organiza e projeta seu poder internacionalmente.

<><> Os primórdios da governança econômica global

Em 1944, nasceram as instituições de Bretton Woods, incluindo o FMI e o Banco Mundial. Apesar do alarde, elas, assim como outras estruturas econômicas do pós-guerra, representavam uma nova versão de uma antiga ambição de controle econômico global. De fato, como escreve Martin, mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, os impérios europeus já haviam “aperfeiçoado a arte de interferir nos assuntos alheios sem a necessidade de colonizá-los formalmente”.

Após a guerra, a Liga das Nações assumiu um papel ativo na abertura das economias dos antigos impérios Habsburgo e Otomano à exploração internacional. Crises econômicas subsequentes, como a Grande Depressão, levaram outros Estados-nação a recorrer à Liga em busca de ajuda, trocando soberania por empréstimos e outras formas de assistência. Por exemplo, no início da década de 1930, a Liga retirou o controle da China sobre seus próprios níveis tarifários, desenvolvimento industrial e produção agrícola. Tudo isso foi feito, como argumentavam os defensores da nova ordem, em prol da estabilização financeira. O que eles eram menos propensos a admitir era que os impérios centrais privilegiavam a estabilidade econômica global em detrimento da estabilidade interna de suas colônias.

Como explica Martin, outras instituições econômicas do pós-guerra foram estabelecidas na década de 1930 ou foram inspiradas por outras que o foram. Por exemplo, a Comissão Internacional de Estanho (ITC) foi criada na esteira da Grande Depressão e, segundo Martin, foi um dos primeiros experimentos em governança econômica global. Anteriormente, os cartéis britânicos dominavam o comércio global de estanho, resultado do controle do império britânico sobre as indústrias de estanho e borracha da Malásia. Para o Reino Unido, essa foi uma vantagem significativa, dada a importância dessas commodities para industriais automotivos como Harvey Firestone e Henry Ford. No entanto, a Grã-Bretanha concordou em ceder parte de sua soberania imperial à ITC para estabilizar os preços do estanho após um colapso na demanda durante a Grande Depressão.

A ITC foi bem-sucedida e inspirou outros grupos internacionais, como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), bem como cartéis que organizavam mercados globais de trigo, chá e café. Martin explica que, à medida que essas organizações passaram a governar o comércio de commodities essenciais, substituindo a competição de mercado por conluio, elas cortaram a oferta para aumentar os preços das commodities. É assim que esses cartéis garantem estabilidade econômica e lucratividade para as nações ocidentais mais ricas e suas corporações, às custas das nações mais pobres, onde as commodities são normalmente produzidas.

<><> Finanças armadas

Adiscussão do livro sobre o Banco de Compensações Internacionais (BIS) é particularmente interessante. Criado na primavera de 1930, o BIS tornou-se um modelo para instituições posteriores. Louis McFadden, um deputado republicano da Pensilvânia, chamou-o de “Liga das Nações financeira”. De fato, segundo seus apoiadores mais engajados, graças ao BIS, “não haveria necessidade de soldados nem navios de guerra. Um banco mundial, e o sistema bancário mundial por si só, poderia manter a paz”.

O BIS não atingiu exatamente esse objetivo. Tampouco interveio para ajudar países em dificuldades a estabilizar suas economias ou emprestar dinheiro para auxiliar no desenvolvimento econômico. Em vez disso, era um banco central de bancos centrais, com a capacidade de interferir na política monetária de nações soberanas. Após a Segunda Guerra Mundial, as mesmas grandes potências criaram o FMI e o Banco Mundial para desempenhar funções que estavam fora da competência do BIS, incluindo a concessão de empréstimos.

O ponto de Martin é que esses programas sempre foram concebidos como extensões do poder econômico ocidental. O BIS garantiu que os bancos centrais em todo o mundo alinhassem suas políticas monetárias com as preferidas pelo Ocidente, enquanto o FMI e o Banco Mundial emitiam empréstimos com condições que garantiriam um desenvolvimento global desigual. Enquanto isso, os cartéis que dominavam os mercados de commodities fixavam os preços independentemente dos interesses dos trabalhadores ou das nações mais pobres.

Embora o FMI e o Banco Mundial tenham aperfeiçoado a arte de emprestar dinheiro com condições onerosas, essa prática também é anterior à Segunda Guerra Mundial. O que mudou, no entanto, é que, com o tempo, as condições vinculadas a esses empréstimos se tornaram mais onerosas. As condições de “ajuste estrutural” vinculadas aos empréstimos — que se aplicam apenas aos países tomadores de empréstimos — forçaram os países em desenvolvimento a liberalizar os mercados, aumentar as taxas de juros, impor austeridade e privatizar empresas estatais.

Os países em desenvolvimento, por sua vez, têm muito pouco poder de decisão sobre isso. Os conselhos do FMI e do Banco Mundial são projetados para garantir que esses países permaneçam à margem do processo decisório. Essas práticas são, como argumenta Martin, “a extensão de uma política financeira com mais de um século de história”.

De fato, na história recente, o FMI e o Banco Mundial intensificaram seu controle sobre a economia mundial. Após o colapso da União Soviética, bem como a crise financeira asiática na década de 1990, o FMI emitiu uma nova onda de empréstimos para ajuste estrutural, estendendo o neoliberalismo a países como Rússia e México. E durante a pandemia, o FMI continuou a impor condições aos empréstimos, uma prática que, segundo Martin, dificilmente será abandonada.

A questão é que o mercado mundial nunca foi livre. Em vez disso, ele foi mantido por instituições econômicas que sustentam e dependem do domínio geopolítico e econômico do Ocidente.

<><> Implicações para os dias atuais

Para Martin, a solução não é um retorno ao nacionalismo econômico nem uma transformação radical do sistema econômico global. Como ele conclui,

Um recuo para políticas nacionalistas é perigosamente inadequado para os problemas globais do século XXI. Mas também é evidente que a governança da economia mundial precisa ser radicalmente repensada para que se torne plenamente compatível, pela primeira vez, com a real autodeterminação econômica e a autogovernança democrática — e para todos os Estados, independentemente de seus históricos de soberania e posições imaginadas em uma ordem global hierárquica.

Martin defende uma rede de segurança mundial e a expansão dos Direitos Especiais de Saque (DSEs), o que daria liquidez e segurança aos países tomadores de empréstimo, mas sem condições. Ele também argumenta que as instituições que regem a economia mundial devem incluir mais representantes de fora dos EUA, sob pena de colapso sistêmico. No entanto, embora algumas dessas propostas sejam apoiáveis, elas também indicam a maior limitação política dos Interventores. Apesar das críticas que levanta, Martin aceita a existência das instituições cuja história ele revela.

No entanto, como a narrativa histórica de Martin deixa claro, as classes capitalistas das economias ocidentais dominantes construíram a Organização Mundial do Comércio, o FMI, o Banco Mundial e o BIS para estender seu controle sobre o globo. É por isso que, para combater o neoliberalismo de forma eficaz em nível local, será necessário lutar por um novo sistema internacional genuinamente democrático.

 

Fonte: Por Dan Smith – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

 

Heba Ayyad: Israel X Irã - uma guerra em que não há vencedores nem vencidos

Os Estados Unidos finalmente cederam à pressão israelense e lançaram ataques aéreos contra as principais instalações nucleares do Irã, localizadas em Isfahan, Natanz e Fordo.

As consequências de uma guerra de maior escala podem ser desastrosas tanto para o Irã quanto para o Oriente Médio. A região, que mal havia se recuperado da invasão imprudente do Iraque sob o governo de George W. Bush, pode, mais uma vez, se ver à beira do colapso. Isso favorece o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, mas prejudica outras partes envolvidas.

Netanyahu finalmente alcançou seu objetivo há muito almejado: declarou guerra ao Irã em 13 de junho de 2025, buscando atingir diversos objetivos simultaneamente. No entanto, os ataques ocorreram em um momento político crítico para ele. Sua frágil coalizão governista atravessava seu ponto mais instável, enfrentando ameaças de deserção de pelo menos dois membros. Ainda assim, pela primeira vez em meses, Netanyahu encontrou-se em uma posição politicamente fortalecida no cenário doméstico, ainda que temporariamente. A maioria dos israelenses se uniu em torno da “bandeira”, apoiando o início da guerra por seu país.

O ataque massivo e inesperado ao Irã rapidamente evoluiu para um conflito de grande escala. Os iranianos, há muito tempo cientes da possibilidade de um ataque israelense, já haviam decidido que reagiriam caso isso ocorresse — e foi exatamente o que fizeram. Pouco mais de uma semana após o início dos confrontos, a escalada de ataques e contra-ataques consolidou-se em uma guerra sem perspectiva de resolução.

Quanto aos objetivos finais de Netanyahu, eles ainda são incertos. Três cenários são considerados possíveis: primeiro, o desmantelamento do programa nuclear iraniano; segundo, o enfraquecimento e a fragmentação do Irã; e terceiro, uma mudança de regime. Esses objetivos podem ser complementares, não necessariamente excludentes entre si. Não está claro se Netanyahu iniciou os ataques com um plano estratégico definido ou se aproveitou a oportunidade para infligir sérios danos ao Irã — especialmente diante do enfraquecimento do chamado Eixo da Resistência e da existência de uma vasta rede de inteligência israelense dentro do território iraniano.

<><> Irã se prepara para uma guerra de atrito

Parece que o establishment militar iraniano vem se preparando para uma prolongada guerra de atrito.

A declaração de vitória por parte de Israel, assim como as manifestações de diversos políticos israelenses e o apelo do presidente dos Estados Unidos para que o Irã se "renda incondicionalmente", mostraram-se, em grande parte, prematuros. Tais declarações refletem um mal-entendido fundamental acerca da mentalidade da liderança civil e militar iraniana. No passado, os líderes da República Islâmica não cederam a ameaças — ao contrário, endureceram suas posições.

Nos últimos anos, o Irã aumentou o nível de enriquecimento de urânio para uma taxa sem precedentes de 60%, em resposta às exigências ocidentais para desmantelar seu programa nuclear e à imposição de duras sanções que visavam forçá-lo a recuar. Simultaneamente, revelou centrífugas mais avançadas.

Não há qualquer indício de que irá ceder às exigências israelenses e estadunidenses desta vez, independentemente do preço que venha a pagar.

De fato, enquanto especialistas militares ocidentais e líderes israelenses se preparavam para declarar uma vitória iminente de Israel, o Irã continuava seus devastadores ataques com mísseis contra cidades israelenses em todo o território. O objetivo final de Israel parece estar se modificando a cada dia. Embora tenha iniciado os ataques com a meta declarada de desmantelar o programa nuclear iraniano, esse objetivo evoluiu para incluir a mudança de regime e, talvez, até mesmo o enfraquecimento da integridade territorial do Irã.

Agora, Israel exige o desmantelamento do sistema de defesa aérea iraniano — o único meio eficaz de defesa do país, como demonstrado nos últimos dias. Políticos israelenses passaram a discutir publicamente a possibilidade de oferecer garantias de segurança a minorias étnicas iranianas, caso optem por se separar do país.

Os líderes iranianos não se esqueceram do que ocorreu no Iraque, na Líbia e na Síria. No fim da década de 1990, Saddam Hussein destruiu as armas de destruição em massa de seu país sob pressão do Ocidente e da Organização das Nações Unidas. Ainda assim, em 2003, o Iraque foi atacado e teve seu território ocupado sob o pretexto de ocultar tais arsenais. Após o desmembramento do país e sob ocupação, as forças estadunidenses procuraram por essas armas — mas não encontraram nenhuma.

Na Líbia, mesmo após Muammar Gaddafi ter desmantelado o programa nuclear do país em dezembro de 2003, o Ocidente promoveu sua derrubada humilhante poucos anos depois. Na Síria, Israel confiscou equipamentos militares sírios importantes e destruiu o que restava logo após o colapso do regime de Bashar al-Assad.

<><> Preparação iraniana para uma guerra prolongada

Para evitar um destino semelhante, os líderes iranianos tomaram medidas para garantir a continuidade das operações estatais diante de acontecimentos imprevistos. O aiatolá Ali Khamenei teria adotado a medida incomum de nomear potenciais sucessores. Ele encarregou a Assembleia de Peritos — órgão constitucional responsável por escolher o Líder Supremo — de selecionar um entre três candidatos não identificados, caso ocorra sua morte. 

Khamenei também esteve envolvido, como líder supremo do país, no planejamento meticuloso da sucessão de líderes militares, caso Israel venha a assassinar mais deles.

Líderes civis e militares iranianos acreditam que os objetivos de Israel vão além da eliminação do programa nuclear do país. Segundo essa perspectiva, Israel pretende redesenhar o mapa não apenas do Irã, mas de todo o Oriente Médio. O objetivo seria manter um Irã fraco, dividido e indefeso, dependente dos Estados Unidos e de seus aliados regionais. Nessa lógica, nem a derrota para Israel nem a rendição aos Estados Unidos são opções aceitáveis. Ao contrário, o Irã parece estar se preparando para uma guerra prolongada, buscando alavancar seu tamanho e resiliência a fim de minar a determinação e os recursos de Israel.

Resta saber se o Irã possui capacidade para suportar uma guerra de atrito prolongada. Isso dependerá de suas capacidades militares, da estabilidade política interna e do desempenho da economia. Teria o país capacidade militar para sustentar um conflito duradouro contra Israel — e, eventualmente, contra os Estados Unidos? Com base no comportamento dos líderes militares iranianos até agora, eles demonstram confiança na capacidade de sobreviver a Israel em uma guerra prolongada.

Vale destacar que, nos primeiros dias do conflito, o Irã recorreu com frequência ao uso de mísseis mais antigos e tecnologicamente ultrapassados, supostamente com o intuito de desgastar as capacidades defensivas de Israel e aumentar o custo de operação de seu sistema antimísseis — em troca de drones e projéteis relativamente baratos. No entanto, nos últimos dias, o Irã passou a utilizar mísseis mais modernos e letais, como evidenciado pelo ataque realizado contra Israel na manhã de 19 de junho.

No plano econômico, o Irã tem enfrentado sérias dificuldades, fruto de anos de sanções e de má gestão. Contudo, é um erro presumir que as dificuldades econômicas acelerarão a queda da República Islâmica. A ideia de que “a pobreza gera revolução” raramente se confirma na história. Via de regra, são os ricos que se rebelam em busca de maiores ganhos, enquanto os pobres e destituídos se ocupam com a luta diária pela sobrevivência.

Além disso, guerras costumam criar suas próprias economias, por meio das quais as elites mantêm seu poder e, por vezes, enriquecem, enquanto o restante da população luta para sobreviver. Uma guerra prolongada poderia dizimar o que resta da classe média iraniana. Ainda assim, é improvável que contribua diretamente para o colapso do sistema político vigente.

<><> A questão mais importante permanece

A questão mais importante permanece: a República Islâmica possui o capital político necessário para sobreviver e sair ilesa de uma guerra prolongada? Nos últimos anos, o regime iraniano parece ter se esforçado para corroer a legitimidade interna que antes desfrutava entre os iranianos urbanos das classes média e alta. Em vez de conquistar corações e mentes, promoveu e defendeu uma ideologia rígida e intransigente — impregnada de intolerância, misoginia e noções arcaicas de política divina.

Não é surpreendente que muitos iranianos — especialmente os que compõem a diáspora — enxerguem a guerra contra Israel como uma oportunidade para, finalmente, libertar o país da teocracia. No entanto, até o momento, esses iranianos pró-guerra parecem representar apenas uma minoria, frente a uma maioria esmagadora cujos sentimentos nacionalistas foram abalados pelo ataque israelense.

Embora seja difícil interpretar o humor público dentro do país, o ciberespaço iraniano está repleto de conteúdos nacionalistas, inclusive entre opositores da República Islâmica. Khamenei e seu regime podem não gozar de grande popularidade entre a maioria dos iranianos, mas o ódio direcionado a invasores estrangeiros — ou a governantes impostos por potências externas — costuma ser ainda maior.

Ao mesmo tempo, um sentimento de medo do desconhecido prevalece entre iranianos de todas as classes sociais. Por isso, muitos seguem o conselho do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que os conclamou a “deixar Teerã”. As estradas que saem da cidade estão congestionadas; as ruas, normalmente movimentadas, estão agora quase vazias. A maioria das lojas e restaurantes está fechada, e as estações de metrô estão sendo usadas como abrigos. Os iranianos culpam “três loucos” pela situação atual: Netanyahu, Trump e Khamenei.

<><> Guerras e lições da história

Em meio a toda a discussão sobre as terríveis consequências da intervenção dos Estados Unidos na guerra de Israel contra o Irã, uma lição simples da história parece ter sido esquecida: quando uma superpotência entra em guerra contra uma potência média — seja os Estados Unidos contra o Vietnã ou o Iraque, ou a Rússia contra a Ucrânia —, pode causar enormes baixas e danos significativos à infraestrutura, mas dificilmente consegue “vencer” a guerra.

Nenhum dos presidentes norte-americanos à época da Guerra do Vietnã pôde reivindicar vitória naquele conflito. Décadas mais tarde, o presidente George W. Bush declararia, orgulhosamente, “missão cumprida”, apenas para mergulhar o Iraque em um atoleiro sem fim, enquanto os Estados Unidos enfrentavam a ameaça do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS) no Oriente Médio e em outras regiões.

<><> O cenário atual e a resposta iraniana

Hoje, muitos em Israel expressam gratidão a Trump por "ter cumprido a missão". No entanto, na realidade, este pode ser apenas o início de uma jornada repleta de riscos para todos os envolvidos, já que todas as atenções agora se voltam ao Irã, para saber como o país reagirá à participação dos Estados Unidos no ataque.

No passado, a resposta do Irã a ataques norte-americanos foi proporcional e cuidadosamente calculada. Foi o que ocorreu em janeiro de 2020, quando o Irã atacou bases estadunidenses no Iraque em retaliação ao assassinato do general Qassem Soleimani, ferindo 100 soldados norte-americanos, mas tomando cuidado para evitar um grande número de vítimas. A reação iraniana, desta vez, pode seguir o mesmo padrão: controlada e planejada para evitar uma escalada maior. Contudo, é frequentemente difícil impedir o agravamento dos conflitos durante confrontos militares. Com base nas dolorosas lições da história, podemos estar à beira de mais um ciclo sombrio para o Irã, o Oriente Médio e os Estados Unidos. 

Ainda assim, as chances de uma solução diplomática não desapareceram completamente, como evidenciado pelas reuniões recentes em Genebra entre os ministros das Relações Exteriores do Irã, Reino Unido, França e Alemanha, além da troca de mensagens entre o Irã e os Estados Unidos. A possibilidade de encontrar uma saída para esse impasse ainda existe.

<><> Reconfiguração da segurança e futuro do Irã

A estrutura de segurança na região tem passado por uma fase de transição já há algum tempo. Um dos principais objetivos de Israel nesta guerra é modificar a natureza dos atuais arranjos de segurança no Oriente Médio. No entanto, o desfecho pode não ser exatamente como os líderes israelenses imaginam. Caso o Irã saia ileso deste conflito, será forçado a buscar formas novas e mais eficazes de se defender contra futuros ataques israelenses.

Muitos iranianos acreditam que a guerra atual deve evidenciar a necessidade de armar seu programa nuclear civil. Mais do que nunca, as vozes dentro do Estado iraniano que defendem a manutenção do caráter pacífico do programa nuclear têm sido marginalizadas.

No plano interno, nenhuma nação permanece a mesma após uma guerra. Caso a República Islâmica resista, é provável que busque atenuar seu rigor na imposição de normas sociais, culturais e políticas. Uma futura república islâmica pode vir a ser menos rígida em seu caráter religioso e mais próxima de um modelo republicano, o que abriria espaço para o surgimento de setores mais moderados e pragmáticos dentro do próprio regime. Diversos políticos iranianos — especialmente os de esquerda — vêm discutindo a necessidade de algum tipo de reconciliação nacional. Se esses atores políticos permanecerem ativos após o fim da guerra, talvez tenham, enfim, a oportunidade de transformar seus discursos em realidade concreta.

<><> Conclusão

O Irã é apenas uma peça dentro do jogo de xadrez conduzido por Netanyahu. Basta um breve retorno no tempo para perceber que o ataque do movimento Hamas contra Israel, em 7 de outubro de 2023, ofereceu-lhe o pretexto ideal para liberar o poderio militar israelense sobre Gaza. Logo em seguida, vieram os ataques ao Líbano e, depois, o saque à Síria. Agora, há uma guerra entre Israel e o Irã — e poucos enxergam esse comportamento como normal.

Sem dúvida, a liderança iraniana não está isenta de culpa. Seu discurso inflamado sobre "apagar Israel do mapa" remonta a várias décadas. No entanto, responder a esse discurso com bombas não é uma solução.

Um dos principais motivos por trás do ataque de Netanyahu ao Irã é desviar a atenção global de Gaza. Enquanto Israel e Irã trocam bombardeios em ciclos de ataques e contra-ataques, o genocídio em Gaza continua implacável. E, nesse sentido, Netanyahu parece ter vencido: conseguiu desviar os olhos do mundo do que está acontecendo em Gaza — ao menos por enquanto.

O ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, encontrou-se com seus homólogos e consultou-os durante a reunião da Organização para a Cooperação Islâmica em Istambul. Ele revelou que, desde o início das hostilidades com Israel, manteve contatos diretos com Steve Witkoff, principal negociador do presidente Trump nas negociações nucleares.

O comportamento militar iraniano — limitado ao lançamento de mísseis contra Israel apenas em resposta a ataques israelenses — demonstra sua intenção de conter a ampliação do conflito e reduzir o ritmo da escalada. Caso se confirmem os relatos sobre a comunicação iraniana com Omã e Catar, isso estaria em consonância com os objetivos do Irã de encerrar a guerra o mais rápido possível.

 

Fonte: Brasil 247