terça-feira, 7 de janeiro de 2025

José Reinaldo Carvalho: O retorno de Trump e os desafios da resistência ao imperialismo estadunidense

Não é possível prever com exatidão o desenrolar dos acontecimentos quanto ao que virá no ano que se inicia. Com o retorno de Donald Trump ao poder a partir do próximo dia 20, há muitas situações em aberto, devido a fatores objetivos e também porque se trata de um líder que faz o gênero da anormalidade e do histrionismo como traço de personalidade, expressando as piores características da burguesia estadunidense: egolatria, individualismo, agressividade e  supremacismo. 

Os Estados Unidos parecem entrar em uma nova e ainda mais brutal fase de sua longa história de imperialismo. Essa tendência, longe de ser exclusividade de um partido ou governo, é uma marca estrutural da política externa norte-americana, mas sob a lógica do "America First" de Trump, ela assume contornos ainda mais agressivos e perigosos. Isto se acentua na medida em que fica patente o declínio dessa superpotência, a perda do seu poder absoluto e a impossibilidade de deter a marcha da história.

Sob o pretexto de proteger seus interesses nacionais, o imperialismo estadunidense é responsável por desestabilizar nações, impor bloqueios econômicos cruéis e patrocinar guerras que ceifam milhares de vidas ao redor do mundo. Desde a América Latina até a Ásia, passando pela África e Oriente Médio, o objetivo é claro: garantir a hegemonia dos EUA a qualquer custo, mesmo que isso signifique destruir economias, subjugar povos e suprimir soberanias nacionais.

O retorno de Trump pode intensificar esses elementos, com uma retórica exclusivista e ações unilaterais. O desprezo do republicano pelos acordos e instituições internacionais e sua visão unilateralista ameaçam destruir os poucos mecanismos de cooperação global que ainda restam. 

Na América Latina, por exemplo, a tendência previsível é o aumento nos ataques contra governos progressistas e movimentos populares que resistem à lógica imperialista. Não é de se surpreender que bloqueios econômicos sejam intensificados, que golpes sejam fomentados e que animado pelo propósito de defender a primazia dos interesses norte-americanos seja empreendida uma abrangente ofensiva contra os povos.

Mas há forças e tendências que agem em sentido contrário, despertando expectativas de que os planos imperialistas podem ser derrotados.

O ano de 2024 marca um momento decisivo no avanço da multipolaridade global, evidenciado pela ascensão da China, o novo papel da Rússia, a consolidação de blocos contra-hegemônicos e a emergência do Sul Global, Dois eventos de destaque atestam isso: a cúpula do BRICS em Kazan, na Rússia, e o encontro do G20 no Rio de Janeiro. Esses eventos sinalizam mudanças importantes na conjuntura mundial, com o fortalecimento de polos que desafiam a hegemonia dos países imperialistas e a emergência do Sul Global como um ator de relevância crescente.

No campo anti-imperialista, a China e a Rússia consolidaram sua posição como pilares e  líderes do mundo multipolar. A China, com seu impetuoso desenvolvimento a expansão de iniciativas como a Nova Rota da Seda, de Desenvolvimento Global, de Segurança Global e Civilização Global, oferece um modelo alternativo ao neoliberalismo. A Rússia, por sua vez, reafirma seu papel geopolítico com ações estratégicas que vão desde o fornecimento de energia a parcerias militares e diplomáticas. Complementando esse quadro, estão os países do Sul Global. 

O BRICS de Kazan simboliza a ascensão desses  países. A entrada de novos membros amplia o alcance geopolítico e econômico do bloco, mostrando sua capacidade de reunir países diversos em torno de um objetivo comum: desafiar a unipolaridade. O BRICS agora representa uma parcela significativa da população mundial e da economia global, consolidando-se como um fórum essencial para os países do Sul Global. O G20 no Rio de Janeiro também refletiu a força crescente do Sul Global. Liderado pelo Brasil, o encontro demonstrou que as nações em desenvolvimento têm voz ativa na definição dos rumos do planeta. 

Este cenário demonstra que os povos do mundo podem unir-se em uma frente ampla contra o imperialismo estadunidense, com capacidade para denunciar suas ações, apoiar os movimentos de resistência e construir alternativas que promovam a soberania, a justiça social e a paz. O imperialismo não é invencível. Ao longo da história, foi derrotado em várias ocasiões pela coragem e determinação dos povos. Hoje, mais do que nunca, é possível resistir, acumular forças e abrir caminho para conquistar a emancipação nacional e social dos povos. 

¨      Economistas esperam inflação, juros altos e desaceleração global durante governo Trump

As políticas protecionistas de Donald Trump, que toma posse neste mês como presidente dos Estados Unidos, levantam sérias preocupações entre economistas globais quanto aos seus impactos no crescimento econômico. Segundo uma pesquisa realizada pelo Financial Times e pela Booth School of Business da Universidade de Chicago, divulgada pela Folha de S. Paulo, a maioria dos especialistas ouvidos acredita que a agenda de Trump pode prejudicar a economia americana a longo prazo, apesar do otimismo inicial de investidores.

A pesquisa, que ouviu mais de 220 economistas de diversas regiões, incluindo Estados Unidos, Reino Unido e Zona do Euro, apontou que as promessas de "Maganomics" — uma fusão entre o slogan "Make America Great Again" e "economia" — podem trazer resultados adversos. As propostas incluem tarifas de até 20% sobre importações, deportações em massa de imigrantes indocumentados e cortes de impostos permanentes. Apesar de Trump defender que essas políticas impulsionariam a produção interna e fechariam o déficit comercial, especialistas preveem um cenário de estagflação e retração global.

Sebnem Kalemli-Ozcan, professora da Universidade Brown e membro do painel consultivo do Federal Reserve de Nova York, destacou que "as políticas de Trump podem trazer algum crescimento a curto prazo, mas isso será às custas de uma desaceleração global que depois voltará a prejudicar os EUA". Ela também alertou para o caráter inflacionário dessas medidas, tanto no mercado interno quanto globalmente.

<><> Impactos econômicos e o contraste com o mercado

Embora a maioria dos economistas aponte para os riscos das medidas protecionistas, os mercados reagiram de maneira distinta à vitória de Trump. O índice S&P 500 encerrou 2024 com alta de 23,3%, impulsionado por cortes de impostos, desregulamentação e avanços na inteligência artificial. 

No entanto, economistas acreditam que os ganhos de curto prazo podem ser anulados pelos impactos de longo prazo. Mais da metade dos entrevistados esperam efeitos negativos moderados das políticas de Trump, enquanto 10% preveem impactos severos. Apenas um quinto dos especialistas acredita em benefícios econômicos gerais.

<><> Repercussões globais e preocupações europeias

O estudo também revelou preocupações mais profundas fora dos EUA, particularmente na Zona do Euro. Cerca de 85% dos economistas europeus preveem efeitos negativos das tarifas e políticas de Trump, com destaque para os setores industriais da Alemanha. A indústria automobilística alemã pode ser "especialmente visada," alertou Martin Wolburg, economista da Generali Investments. Além disso, tarifas elevadas sobre a China podem levar Pequim a inundar o mercado europeu com produtos de baixo custo, intensificando a concorrência.

No Reino Unido, Alpesh Paleja, economista-chefe da CBI, destacou que o impacto de segunda ordem das tarifas americanas poderia pesar sobre o crescimento europeu e, indiretamente, afetar o Reino Unido. Segundo ele, "a administração Trump será uma 'máquina de imprevisibilidade'", dificultando decisões de longo prazo.

<><> Um futuro incerto para a economia global

Apesar de previsões de crescimento mais robusto para os EUA em 2025 em comparação à Europa, o legado econômico de Trump permanece incerto. Sem um plano econômico claro, analistas continuam a basear suas projeções nas promessas de campanha e na experiência do mandato anterior. O contraste entre o otimismo dos investidores e o ceticismo dos economistas reflete os riscos e oportunidades de um cenário econômico moldado por políticas protecionistas.

 

¨      Qual o projeto de Trump para as mudanças climáticas?

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, que se diz cético em relação às mudanças climáticas, não esconde seus planos para o clima na sua segunda presidência.

Na campanha eleitoral e desde sua eleição, ele se comprometeu a aumentar a exploração de combustíveis fósseis, cancelar créditos fiscais para veículos elétricos e projetos de energia limpa, desfazer regulamentações ambientais e recuperar fundos não gastos do que ele chamou de "novo golpe verde", uma legislação climática histórica aprovada pelo atual presidente Joe Biden.

A retórica de Trump ecoa as propostas delineadas no Projeto 2025, um manual de 900 páginas publicado pela ultraconservadora Heritage Foundation. Embora Trump tenha se distanciado publicamente do plano, vários de seus autores foram nomeados para cargos importantes do futuro governo.

Entre eles está Russ Vought, que, como principal funcionário da área de orçamento, ajudaria a definir as prioridades do governo e que, no Projeto 2025, enfatizou a importância da "agenda do presidente".

<><> "Uma administração muito destrutiva"

"Não temos ilusões de que este não será um governo destrutivo", disse Rachel Cleetus, diretora de políticas para clima e energia da União de Cientistas Preocupados (UCS), com sede nos EUA. "Ele é anticientífico em sua essência."

Cleetus não acredita que o governo vá usar a pesquisa climática consolidada para "orientar a boa formulação de políticas" e agir no "interesse público", apontando que muitos dos indicados de Trump não têm nem mesmo a experiência mais básica para o cargo.

"Em vez de julgamento independente e conhecimento especializado, há muita lealdade, quase como se fosse um culto, a um presidente que assumiu uma postura muito forte contra a energia limpa, completamente comprometido com os interesses dos combustíveis fósseis", disse ela à DW.

E com as duas câmaras do Congresso controladas pelos republicanos e a Suprema Corte de maioria conservadora, pelo menos até as eleições de meio de mandato em 2026, Cleetus disse que restam "pouquíssimas barreiras" para resistir aos planos de Trump.

"Tudo isso junto é um cenário muito preocupante", disse ela.

<><> Cortes orçamentários e leis enfraquecidas na Agência de Proteção Ambiental

O escolhido por Trump para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA), o ex-congressista de Nova York Lee Zeldin, se opôs à proteção ambiental e aos investimentos em energia limpa durante seu mandato no Legislativo.

Ao anunciar sua escolha em 11 de novembro, o presidente eleito disse que Zeldin ajudaria a "liberar o poder das empresas americanas e, ao mesmo tempo, manter os mais altos padrões ambientais, incluindo o ar e a água mais limpos do planeta".

Como chefe da EPA, Zeldin deve desmantelar regras rigorosas introduzidas pela administração Biden para controle da poluição do ar e da água, extração de combustíveis fósseis, biodiversidade e substâncias tóxicas – uma repetição do que Trump ordenou que a EPA fizesse quando substituiu Barack Obama em 2017.

"Eles falam sobre ar limpo e água limpa, mas estão [planejando] reverter todos esses [...] padrões de poluição que são especificamente projetados para proteger a saúde das pessoas e o meio ambiente", disse Cleetus. "Eles estão falando em cortar orçamentos e atacar a equipe em todas essas agências."

Mandy Gunasekara, chefe de gabinete da EPA durante a primeira presidência de Trump e autora colaboradora do Projeto 2025, disse ao jornal The New York Times em outubro que o plano para o segundo mandato de Trump seria "demolir e reconstruir" suas estruturas.

Durante a primeira presidência de Trump, a agência viu seu orçamento estagnar e teve que lidar com a perda de mais de 1,1 mil funcionários, muitos desmoralizados pelo enfraquecimento ou remoção de mais de 100 regras ambientais.

Para o diretor executivo do Sierra Club, Ben Jealous, a nomeação de Zeldin "revela as intenções de Donald Trump de, mais uma vez, vender nossa saúde, nossas comunidades, nossos empregos e nosso futuro aos poluidores corporativos".

"Precisamos de uma mão firme e experiente na EPA para mobilizar recursos federais para combater as mudanças climáticas e utilizar todo o poder da lei para proteger as comunidades da poluição tóxica", disse a presidente da Earthjustice, Abigail Dillen, em um comunicado em 12 de novembro. "Lee Zeldin não é essa pessoa."

·        Foco em petróleo e gás

Um dos principais focos da campanha de Trump foi sua promessa de turbinar a extração de combustíveis fósseis que aquecem o planeta – um setor que já teve lucros recordes nos últimos anos. Assim como no Projeto 2025, ele defende restaurar a independência energética dos Estados Unidos e cortar os preços de energia pela metade.

Neste processo, a campanha de Trump cortejou agressivamente o setor de petróleo, dizendo aos seus principais executivos em uma reunião privada em abril passado que ele derrubaria leis ambientais, se eleito. Entre os participantes, conforme relatado inicialmente pelo jornal The Washington Post, estava o governador de Dakota do Norte, Doug Burgum, escolhido por Trump para chefiar o Departamento do Interior e o recém-criado Conselho Nacional de Energia.

Chris Wright, um cético em relação ao clima e indicado por Trump para chefiar o Departamento de Energia, é CEO da Liberty Energy, uma empresa de geração de energia com foco em gás natural. Ele tem defendido combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás com entusiasmo, argumentando em um relatório da empresa de janeiro de 2024 que "não existe energia 'limpa' ou 'suja'".

"Trump está enchendo seu governo de executivos vindos de algumas das maiores empresas de combustíveis fósseis", escreveu a organização ambientalista Sierra Club em seu site. "Eles querem afrouxar as regulamentações, reverter o progresso da energia limpa e destruir nosso planeta para seu lucro."

Ao parabenizar Trump por sua vitória em 6 de novembro, Tim Tarpley, presidente da associação comercial Energy Workforce & Technology Council, disse que previa que o novo governo agiria rapidamente para aumentar o fracking (fraturamento hidráulico, processo utilizado na extração de petróleo e gás natural) em terras federais e acelerar as licenças para projetos de petróleo e gás, inclusive no Golfo do México.

·        Trump vai atacar a energia limpa e os carros elétricos

Projetos de energia renovável e veículos elétricos (EVs) também estarão na mira de Trump em janeiro. O republicano está tentando reverter regras federais para reduzir as emissões de gases de veículos e conceder bilhões em créditos fiscais ao consumidor para projetos de energia limpa e carros elétricos.

As medidas foram aprovadas por Biden em 2022 como parte da Lei de Redução da Inflação (IRA), e podem ser desidratadas a despeito das dezenas de milhares de novos empregos criados nos últimos anos por projetos de energia limpa e veículos elétricos.

Analistas do setor, no entanto, apostam que não será tão fácil para Trump seguir com estes planos. Alguns dos fundos já estão investidos em projetos em todo o país – operações de extração de lítio na Califórnia, fábricas de painéis solares no Texas e fábricas de baterias e carros elétricos na Geórgia. E apesar das críticas dos republicanos à legislação, os empregos contam com algum apoio bipartidário.

Quase 60% dos projetos de energia limpa anunciados desde 2022 estão em distritos congressionais republicanos, de acordo com um relatório de setembro de 2024 da E2, uma organização sem fins lucrativos que defende políticas econômicas ambientais – em estados como Geórgia, Carolina do Norte, Carolina do Sul, Michigan, Arizona e Indiana, que ajudaram a eleger Trump. Espera-se que esses projetos acrescentem mais de 400 bilhões de dólares (R$ 2,4 bilhões) ao produto interno bruto dos EUA nos próximos anos.

Destacando o crescimento da energia renovável em lugares como China, Índia e Brasil, Cleetus disse que qualquer reversão das disposições da IRA seria "destrutiva" e arriscaria "deixar os EUA para trás nessa revolução global de energia limpa", com cadeias de suprimentos sendo estabelecidas em outros lugares.

"Acho que haveria muita oposição de entidades estaduais e locais, de empresas e de trabalhadores", disse ela.

<><> Problemas climáticos cada vez mais difíceis de ignorar

Embora a série de mudanças sob Trump tenha alarmado os especialistas ambientais, Cleetus disse que isso não acontecerá da noite para o dia. "Há muitas coisas que não podem ser desfeitas apenas com o toque de uma caneta", afirmou ela, citando o complexo processo regulatório e administrativo, além dos desafios legais. "Podemos esperar que as vias legais sejam muito acessadas durante o governo Trump."

E mesmo com Trump planejando uma série de ordens executivas em seu primeiro dia, que não exigiriam aprovação do Congresso, a legislação ou os desafios legais poderiam atrasar a entrada em vigor.

"O clima agora se tornou uma questão de primeira linha na diplomacia global", disse a especialista, apontando os laços cada vez mais complexos com questões comerciais, de segurança e econômicas. "Muitos países em desenvolvimento, países de baixa renda, estão enfrentando impactos absolutamente catastróficos das mudanças climáticas. Portanto, os EUA terão dificuldade em separar seus interesses geopolíticos do clima."

 

Fonte: Jornal GGN/DW Brasil

 

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