segunda-feira, 6 de janeiro de 2025


 

Estudo aponta aumento alarmante de desastres climáticos no Brasil nos últimos anos

Um novo estudo realizado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, com apoio do governo brasileiro e da Unesco, revelou que o Brasil tem enfrentado um número crescente de desastres climáticos nos últimos anos, informa a Folha de S. Paulo. O relatório, divulgado na sexta-feira (27), aponta que, entre 2020 e 2023, a média anual de desastres climáticos no país foi de 4.077, quase o dobro dos 2.073 desastres registrados anualmente durante as duas décadas anteriores (2000-2019).

Segundo o estudo, a crescente intensidade e frequência desses eventos refletem os impactos das mudanças climáticas no Brasil. "Os desastres climáticos têm se tornado mais frequentes e intensos nas últimas décadas, refletindo os impactos das mudanças climáticas", afirma o relatório. O levantamento, conduzido pelo braço de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), descreve a situação como um "cenário alarmante", que inclui secas, enchentes, tempestades violentas, temperaturas extremas, ciclones e deslizamentos de terra.

O estudo também observa uma correlação entre o aumento desses desastres e o aquecimento das temperaturas da superfície oceânica, apontando que fenômenos como secas e enchentes recordes em 2024 são contribuições adicionais para os desafios climáticos enfrentados pelo Brasil. O relatório enfatiza que os prejuízos econômicos causados por esses desastres também aumentaram consideravelmente. De 1995 a 2023, os danos financeiros causados por desastres climáticos no país foram estimados em R$547,2 bilhões.

Temperatura da Terra aumenta 1,5°C e escancara urgência climática

O ano de 2024 está prestes a entrar para a história como o mais quente já registrado, marcando também o primeiro período em que a temperatura média global superou 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A informação é do Observatório Copernicus, da União Europeia, que monitora as alterações climáticas globais, informa a Folha de S. Paulo.

O limite de 1,5°C foi acordado no Acordo de Paris, em 2015, como um teto para evitar consequências desastrosas das mudanças climáticas, como o desaparecimento de países insulares e impactos irreversíveis em ecossistemas. Embora o resultado de 2024 seja alarmante, os especialistas afirmam que a superação desse marco ainda não significa que o objetivo global foi abandonado. Para considerar que o limite foi definitivamente violado, seriam necessários vários anos com os termômetros acima desse patamar, explica o observatório.

Contudo, cientistas como Paulo Artaxo, físico e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acreditam que o aquecimento global a 1,5°C não é mais uma meta viável. “É mais do que óbvio que segurar o aquecimento em 1,5°C já não é mais possível”, afirma o professor da USP. Artaxo aponta que esforços devem agora se concentrar na limitação do aumento a 2°C, ressaltando a importância da COP30, que será realizada em Belém, no Brasil, em 2025.

<><> Cenário de emissões em alta

Os dados mais recentes confirmam que o planeta segue em uma trajetória preocupante. Em 2023, as emissões globais atingiram um recorde de 57,1 gigatoneladas de CO equivalente, um aumento de 1,3% em relação ao ano anterior. Segundo Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC, o aumento contínuo das emissões é um reflexo direto da persistência no uso de combustíveis fósseis. “A lógica é simples: aumento de emissões implica aumento de concentração de gases, que, por sua vez, implica aumento de temperatura”, explica Krug.

Ela destaca que o corte nas emissões ainda é tecnicamente possível, mas exige medidas urgentes e abrangentes. "O fato de superarmos temporariamente o 1,5°C não significa que já ultrapassamos a barreira do Acordo de Paris. Ainda há esperança de limitar o aumento da temperatura média global a 1,5°C até o fim do século. O problema é que as coisas estão ficando muito mais difíceis", pontua.

<><> Impacto global e papel do Brasil

No Brasil, as ações para conter o aquecimento global têm ficado aquém do necessário, segundo Artaxo. Ele alerta para a falta de políticas públicas eficazes, especialmente na preservação de ecossistemas. “O Brasil precisa de uma política consistente para parar a destruição dos nossos ecossistemas, dos quais dependemos tanto — inclusive para o agronegócio, em termos de serviços ecossistêmicos que produzem a chuva no Brasil central”, afirma.

Eventos climáticos extremos, como as chuvas intensas no Rio Grande do Sul e as secas severas na Amazônia, evidenciam os impactos locais do aquecimento global. Embora previsíveis em termos de tendências, a frequência e intensidade desses fenômenos superam projeções anteriores, mas não invalidam os modelos climáticos.

<><> Rumo à COP30: mitigar para sobreviver

A COP30 será uma oportunidade crucial para reposicionar o debate global sobre mitigação climática. Com a diplomacia brasileira no centro das negociações, espera-se que a agenda inclua compromissos mais firmes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e avançar na transição para fontes de energia limpa.

Embora o cenário pareça desafiador, cientistas insistem que a mobilização internacional pode reverter trajetórias mais catastróficas. “Com muito esforço, particularmente dos países desenvolvidos e dos países produtores de petróleo, podemos limitar o aquecimento a uma média global de 2°C, o que seria altamente desejável”, conclui Artaxo.

O momento exige que líderes globais se comprometam com ações concretas. A inação, alertam os especialistas, coloca o planeta em risco iminente de ultrapassar pontos de não retorno. A COP30 pode ser a última chance para evitar que os piores cenários climáticos se tornem realidade.

¨      Amazônia Legal enfrenta maior número de incêndios em quase duas décadas

A Amazônia Legal registrou, em 2024, o maior número de incêndios florestais em 17 anos, revelam dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com informações levantadas pelo governo e confirmadas pelo serviço de monitoramento atmosférico Copernicus, os incêndios atingiram níveis alarmantes, com 140.328 focos detectados por satélite, um aumento de 42% em relação aos 98.634 registrados em 2023. Este é o maior número desde 2007, quando foram contabilizados 186.463 focos de incêndio, informa a AFP, em reportagem repercutida pelo jornal O Globo.

A crise ambiental é agravada por uma seca histórica que afeta a região desde 2023. Segundo o Copernicus, a combinação de mudanças climáticas induzidas pela ação humana e o fenômeno climático El Niño criou as condições ideais para a proliferação das queimadas. Além disso, especialistas apontam que grande parte dos incêndios foi provocada intencionalmente, como forma de desmatamento para abrir áreas para a agricultura. A fumaça resultante cobriu cidades importantes como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, causando poluição intensa por semanas consecutivas.

<><> Contraste entre incêndios e desmatamento

Embora os incêndios tenham alcançado números alarmantes, o Inpe destacou um dado positivo: o desmatamento na Amazônia, no período de 12 meses até agosto de 2024, caiu mais de 30%, atingindo o menor patamar em nove anos. Esse dado reflete os esforços do governo federal na preservação do bioma. O presidente Lula (PT), que assumiu a proteção da floresta como uma prioridade, implementou políticas para reduzir o desmatamento e tem colocado o Brasil como protagonista na agenda climática global. Em novembro, Belém será sede da Conferência Climática COP30 da ONU, reforçando o papel do país no enfrentamento das mudanças climáticas.

<>< Impactos no clima e alertas científicos

Os incêndios e o desmatamento contínuo levantam preocupações sobre o papel da Amazônia no equilíbrio climático global. Cientistas alertam que o bioma está em uma encruzilhada perigosa: se a destruição persistir, a floresta pode atingir um ponto de inflexão, tornando-se uma fonte líquida de emissões de carbono, em vez de um sumidouro. Isso aceleraria ainda mais as mudanças climáticas, colocando em risco ecossistemas e comunidades em todo o planeta.

¨      Por que os morcegos da Mata Atlântica estão cheios de metais tóxicos no corpo

Os morcegos desempenham um papel fundamental na saúde dos ecossistemas florestais enquanto polinizadores, dispersores de sementes e controle de insetos considerados pragas agrícolas. Mas de acordo com uma nova pesquisa, os morcegos e os serviços ecossistêmicos que oferecem estão ameaçados na Mata Atlântica, bioma altamente fragmentado, onde grande parte das áreas naturais foram degradadas pela atividade agrícola e a mineração, aumentando a exposição da vida selvagem a metais pesados tóxicos.

Cientistas da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, retiraram amostras de pelos de morcegos de áreas variadas no estado – incluindo pastagens, monoculturas de eucalipto e café e agrofloresta de cacau – e testaram o material para a presença de três metais: chumbo, manganês e cobre.

“Descobrimos que os morcegos que vivem em áreas cuja paisagem é dominada pela agricultura intensiva ou por pastagens têm níveis mais altos de metais tóxicos no organismo, especialmente chumbo e manganês”, revela Julián Barillaro, líder do estudo e pesquisador de Ecologia da conservação na Universidade de Santa Cruz. Segundo ele, isso provavelmente se deve ao uso de agrotóxicos e combustíveis que contêm chumbo. A redução do habitat natural também pode ser uma das causas do aumento dessa exposição.

Outros fatores, como as diferentes espécies e o sexo dos morcegos, não afetaram a bioacumulação, levando os autores a crer que os animais entraram em contato direto com os metais pesados ao descansarem em arbustos ou árvores contaminadas e depois se limparem. Para avaliar os níveis de exposição nas diferentes monoculturas serão necessários mais estudos, diz Barrilaro, uma vez que algumas espécies de morcegos se movimentam bastante pelo território e podem ir de plantação em plantação.

Em comparação, os pesquisadores descobriram que os morcegos das áreas de agrofloresta de caucau, com maior cobertura de floresta natural, apresentaram menor nível de contaminação, embora alguns tivessem níveis elevados de cobre, provavelmente devido ao uso de fungicidas.

Essa descoberta é importante, pois sugere que a agricultura orgânica do cacau, que substitui os agrotóxicos por métodos de manejo menos danosos ao ambiente, pode ser benéfica tanto para os fazendeiros quanto para a biodiversidade, diz Barillaro. “Demonstramos que uma paisagem com mais agrofloresta é mais amigável aos morcegos do que uma paisagem de monocultura”, afirma.

“Essas descobertas são muito importantes para a conservação dos morcegos, bem como de outras espécies, pois comprovam que as monoculturas com uso intensivo de contaminantes podem afetar os animais por contato direto, não só por meio das frutas, mas também pela água”, diz Ana Luiza Destro, pesquisadora de pós-doutorado do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal de Viçosa, que não esteve envolvida no estudo.

Cacao agroforest in the Atlantic Forest. These agricultural systems saw lower levels of lead and manganese contamination but higher copper in some bats. The study underlines the finding that, of the agricultural landscapes studied, organic certified cacao farming can be the most beneficial to the health of bats and possibly other wildlife, says Julián Barillaro. Image courtesy of Martin Cervantes.

<><> Poluição diversa

Em outro estudo publicado no início deste ano, Destro e colegas descobriram que morcegos frugívoros expostos a poluentes tóxicos gerados pela mineração de bauxita e minério de ferro na Mata Atlântica sofriam impactos diretos na saúde. Os morcegos dessas áreas altamente impactadas acumulavam metais como alumínio, ferro e bário no organismo, e apresentaram evidências de danos ou inflamação no fígado, rins, cérebro e músculos, o que os pesquisadores atribuíram a esses contaminantes. Os morcegos de áreas de extração de minério de ferro apresentaram níveis ainda maiores de contaminação.

“Além da contaminação pelo aumento de metais no ambiente, o impacto sobre os animais também está intimamente ligado à perda de habitat e de fontes de alimento. Estas últimas, por sua vez, afetam a saúde dos animais, o que pode ampliar os efeitos nocivos dos contaminantes”, diz Destro. As monoculturas agrícolas também limitam o habitat e a disponibilidade de alimentos, possivelmente produzindo um efeito similar.

Barillaro diz que os danos fisiológicos encontrados nos estudos das áreas de mineração corroboram as preocupações levantadas em seu artigo: “juntos, esses estudos enfatizam que as ameaças significativas que os morcegos sofrem em decorrência das atividades humanas, e a necessidade urgente de políticas para combater não só a poluição direta, mas também a degradação de habitat, além de promover o manejo sustentável das paisagens.”

Embora seja desafiador ligar essas descobertas aos impactos mais amplos sobre o ecossistema e a saúde humana, ambos os pesquisadores dizem que é muito provável que o ambiente esteja poluído com toxinas, e isto é um risco potencial para outras espécies e para os seres humanos.

“Se o ambiente está contaminado, se os animais estão contaminados, isso inevitavelmente atingirá os seres humanos”, diz Destro. “Seja pela cadeia alimentar, pela ingestão de água contaminada ou mesmo pela inalação do ar.”

“Este estudo mostra que há muitos metais pesados [nas áreas degradadas] capazes de afetar a saúde humana, principalmente das pessoas que trabalham diretamente nas plantações”, concorda Barillaro. A exposição a esses metais pode ser ainda maior se os trabalhadores não dispuserem de equipamento de proteção individual. O chumbo é especialmente preocupante tanto para os morcegos quanto para os humanos, pois é mais nocivo e está ligado a uma série de condições graves de saúde.

<><> Consequências mais amplas

As descobertas de ambos os estudos apontam para os riscos às populações de morcegos e aos serviços ecossistêmicos que eles oferecem aos seres humanos. Os morcegos não só desempenham um papel fundamental na regeneração das florestas por meio da polinização de plantas ou dispersão de sementes como também são essenciais no controle de pragas. Pesquisas sugerem que os morcegos, juntamente com as aves, são muito importantes para as plantações de cacau.

Diante de outras pressões como a perda de habitat e o acesso a alimentos, a poluição pode aumentar o risco de extinções locais. E isso pode gerar outras consequências: uma pesquisa feita nos EUA  e publicada no começo do ano estabeleceu uma ligação entre o declínio geral das populações de morcego e o aumento do uso de inseticidas agrícolas com o crescimento da mortalidade infantil humana nas áreas afetadas.

Na Mata Atlântica, o papel dos morcegos pode ser especialmente importante, uma vez que o bioma, sitiado por áreas degradadas, enfrenta o desmatamento severo há décadas, colocando em risco espécies de árvores e da fauna. Sem populações de morcegos saudáveis, a resiliência dos fragmentos remanescentes de floresta pode ser impactada, afetando sua regeneração, dizem os pesquisadores. “Se a saúde desses animais estiver ameaçada, as florestas e sua capacidade de se regenerar também estarão cada vez mais em risco”, explica Destro.

Proteger as florestas remanescentes, adotar práticas de agricultura sustentável, como a agrofloresta de cacau, priorizar a regeneração da floresta tropical e minimizar o uso de agrotóxicos são todos passos essenciais para ajudar as espécies de morcegos, diz Barillaro. Abordagens mais sustentáveis de mineração e medidas para reduzir a poluição por rejeitos também são necessárias.

Embora ambos os estudos tenham se concentrado em áreas altamente fragmentadas da Mata Atlântica, é provável que o padrão de bioacumulação de toxinas encontrado seja semelhante em outras regiões tropicais degradadas pela agricultura e pela mineração no mundo, acrescenta Barillaro. “Isto provavelmente está acontecendo com os morcegos e outras espécies de vida selvagem em outros locais onde há transformação do uso do solo, degradação e monocultura, porque nessas áreas [os animais] estão potencialmente mais expostos a contaminantes.”

 

Fonte: Brasil 247/Mongabay

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