Rafael
Nogueira: Três notas sobre a Onda Conservadora
1.
Estamos vivendo uma onda conservadora. O conceito de “dispensação”, apresentado
por Mark Lilla em Os progressistas de ontem e do amanhã, explica bem isso: são
períodos ou eras marcados por um conjunto específico de ideias, valores e
instituições predominantes, que orientam a sociedade em um determinado rumo.
Parece que estamos em uma dispensação conservadora. Na Argentina, nos EUA, na
Holanda e na Hungria, e em ascensão rápida na Alemanha e França, vemos o
enfraquecimento da era das esquerdas. Até a interpretação de que no Brasil a
vitória do centro nas últimas eleições municipais foi acachapante me parece
ilusória. Naturalmente, eleições municipais tendem a atrair mais o centro, pela
própria natureza de pautas pragmáticas e locais, mas, ao fim, esse resultado
ainda reflete a força da onda conservadora, que carrega consigo o que encontra
no caminho. É um movimento que avança e que deve ser entendido como parte de um
ciclo, uma “dispensação”, que um dia se encerrará — e aos que testemunharem o
próximo ciclo caberá aceitar e preparar a transição.
2.
A vitória de Trump nos EUA trouxe à tona um paradoxo interessante: algumas
mulheres se indignaram, imputando aos homens a responsabilidade pela vitória do
presidente. Só que Trump obteve mais votos femininos do que as pesquisas
indicavam, revelando um distanciamento entre as percepções do feminismo e a
realidade das mulheres. Sucedeu uma grande indignação, que levou grupos
radicais a aderirem ao movimento “4B”, surgido na Coreia do Sul, resumido nas
práticas de não fazer sexo, não dar à luz, não namorar e não se casar com
homens; as iniciais de todas essas práticas, em coreano, correspondem à
consoante B. Isso me lembrou da Lisístrata de Aristófanes, que, cansada da
guerra, liderou as mulheres em uma greve de sexo. Isso também parece,
ironicamente, com a conduta das cristãs devotas, que não fazem nada disso aí
até contraírem um bom matrimônio, que, da perspetiva cristã, não é mera união
na mesma casa. Evitam a intimidade física como forma de exercer poder sobre seu
destino. A ironia é que, ao tomar essas decisões como afirmação de liberdade,
as feministas radicais reencontram os valores antigos de abstenção e disciplina
que sempre dignificaram a mulher.
3.
O futuro da esquerda talvez não esteja na aposta do identitarismo. Ninguém
aguenta mais essa coisa de woke. Em vez dele, a esquerda encontra sua chance
real ao propor um novo paradigma para a qualidade de vida, algo que o sistema
de trabalho atual ainda não consegue oferecer. Recentemente, um projeto de lei
causou polêmica ao levantar a possibilidade de reduzir a jornada de trabalho
semanal, eliminando a restrição a apenas um ou dois dias de descanso por
semana. Interessante que, nos estudos que li, os experimentos de jornadas
reduzidas mostram resultados promissores em aspectos de saúde, economia e
relações sociais. Curiosamente, ainda que a proposta parta da esquerda, o
impacto de mais tempo livre permitirá que o trabalhador aproveite sua família,
se aperfeiçoe, cultive novos interesses, consuma e, até mesmo, crie novos
projetos — um fenômeno que, com bons ajustes, poderia ser aproveitado pela
direita, canalizando-o como parte da onda atual. A direita teria a oportunidade
de adaptar essa ideia, ajustando-a aos seus princípios. Afinal, “para que tudo
continue como está, é preciso que tudo mude”.
• A falsa
coragem dos covardes. Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
O
triste e lamentável episódio do bolsonarista que jogou uma bomba no Supremo,
explodiu um carro nas imediações da Câmara dos Deputados e deixou,
covardemente, uma armadilha mortal com uma bomba programada para explodir na
casa em que estava morando deve nos levar a uma série de reflexões. É
importante ressaltar que, não fosse a competência dos policiais envolvidos, que
entraram na casa com um robô antibomba e desarmaram o artefato, fatalmente
iriam morrer ou esses, ou pessoas que alugaram a casa, ao abrir as gavetas. Um
ato vil e criminoso de quem não tem nenhuma solidariedade com o próximo. Deixou
armada uma bomba que explodiria quando alguém abrisse o armário: poderia ser
uma criança, uma mulher ou um idoso. Um ato que demonstra o caráter desses
bolsonaristas dominados pelo ódio e pela violência.
É
interessante notar que eles estão tentando minimizar a ação terrorista com o
estranho argumento de que o terrorista era um lobo solitário. Ora, para mim,
esse dado, se for comprovado que é verdadeiro, é um problema adicional. Os
terroristas que se reúnem em células, as alcateias, são muito mais fáceis de
serem identificados, seguidos, fichados e, de certa forma, contidos. Os
serviços de segurança têm muitas maneiras de manter esquemas de vigilância e de
controle quando os tais lobos em grupo se organizam e deixam rastros,
comunicam-se entre si e fazem manifestações. Enfim, as equipes de inteligência
têm uma condição muito maior de localizar, para impedir um ataque, quando a
estratégia passa por uma organização criminosa.
No
entanto, quando a ação sórdida e criminosa vem de um fanático isolado, muitas
vezes é mais difícil de ser contida antes do desastre. No caso desse Tiu
França, a família e os amigos afirmam que ele era uma pessoa simples, calma,
sem usar violência e sem demonstrar periculosidade. Apenas ficou indignado e
mudou a personalidade, após a derrota do Bolsonaro. E, claro, com a lavagem
cerebral do gabinete do ódio bolsonarista. Na verdade, foi crescendo nele a
falsa coragem dos covardes.
A
vontade incontida de atender ao chamado do líder Bolsonaro, que prega que se
deve morrer pela pátria. Que dissemina o ódio e cultua a violência contra o
Supremo Tribunal e seus ministros. Que valoriza o ser mesquinho, sádico e cruel
que tem prazer em torturar. Enfim, que é, dia após dia, impregnado por valores
que exaltam a morte e a miséria humana.
Esse
é o caldo de cultura em que o fascista Bolsonaro e os seus seguidores alimentam
os tais lobos solitários. Que são trabalhados para seguir, cegamente, os
chamados - incompreensíveis para os ouvidos de quem não cultua o ódio - que
clamam, silenciosa e ardilosamente, por ações de terror em nome de um projeto
radical de endeusamento e poder. E eles, muitas vezes, se alimentam
solitariamente desse germe inoculado, sorrateiramente, com uma maldade sem
limites.
Em
nome desse fanatismo, acompanhamos milhares de pessoas batendo continência para
pneus, acampados em frente aos quartéis, vociferando contra a família dos
ministros do Supremo, ameaçando, agredindo, invadindo prédios públicos e
depredando o plenário do Supremo Tribunal - local escolhido pelo chefe da
organização como o depositário de todo o ódio.
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É
necessário estarmos todos atentos para a gravidade do momento. Existem centenas
de golpistas encarcerados e que esperam ainda uma ação espetacular do líder que
os iludiu e os levou à prisão. Tanto os que estão presos quanto os que ainda
acreditam que o golpe militar virá a qualquer momento. E a vitória de Trump nos
EUA recrudesceu o discurso golpista.
Enquanto
não se responsabilizar criminalmente os verdadeiros autores da tentativa de
implementar a Ditadura no país, os financiadores, os políticos, os militares de
alto coturno e o Bolsonaro, teremos lobos solitários e alcateias em busca de
sangue e terror. É preciso enfrentar a realidade: o Brasil não encontrará a paz
com a impunidade.
Lembrando-nos
de Bertrand Russel: “O problema do mundo é que tolos e fanáticos estão sempre
cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”.
Fonte:
O Dia
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