terça-feira, 26 de novembro de 2024

Rafael Nogueira: Três notas sobre a Onda Conservadora

1. Estamos vivendo uma onda conservadora. O conceito de “dispensação”, apresentado por Mark Lilla em Os progressistas de ontem e do amanhã, explica bem isso: são períodos ou eras marcados por um conjunto específico de ideias, valores e instituições predominantes, que orientam a sociedade em um determinado rumo. Parece que estamos em uma dispensação conservadora. Na Argentina, nos EUA, na Holanda e na Hungria, e em ascensão rápida na Alemanha e França, vemos o enfraquecimento da era das esquerdas. Até a interpretação de que no Brasil a vitória do centro nas últimas eleições municipais foi acachapante me parece ilusória. Naturalmente, eleições municipais tendem a atrair mais o centro, pela própria natureza de pautas pragmáticas e locais, mas, ao fim, esse resultado ainda reflete a força da onda conservadora, que carrega consigo o que encontra no caminho. É um movimento que avança e que deve ser entendido como parte de um ciclo, uma “dispensação”, que um dia se encerrará — e aos que testemunharem o próximo ciclo caberá aceitar e preparar a transição.

2. A vitória de Trump nos EUA trouxe à tona um paradoxo interessante: algumas mulheres se indignaram, imputando aos homens a responsabilidade pela vitória do presidente. Só que Trump obteve mais votos femininos do que as pesquisas indicavam, revelando um distanciamento entre as percepções do feminismo e a realidade das mulheres. Sucedeu uma grande indignação, que levou grupos radicais a aderirem ao movimento “4B”, surgido na Coreia do Sul, resumido nas práticas de não fazer sexo, não dar à luz, não namorar e não se casar com homens; as iniciais de todas essas práticas, em coreano, correspondem à consoante B. Isso me lembrou da Lisístrata de Aristófanes, que, cansada da guerra, liderou as mulheres em uma greve de sexo. Isso também parece, ironicamente, com a conduta das cristãs devotas, que não fazem nada disso aí até contraírem um bom matrimônio, que, da perspetiva cristã, não é mera união na mesma casa. Evitam a intimidade física como forma de exercer poder sobre seu destino. A ironia é que, ao tomar essas decisões como afirmação de liberdade, as feministas radicais reencontram os valores antigos de abstenção e disciplina que sempre dignificaram a mulher.

3. O futuro da esquerda talvez não esteja na aposta do identitarismo. Ninguém aguenta mais essa coisa de woke. Em vez dele, a esquerda encontra sua chance real ao propor um novo paradigma para a qualidade de vida, algo que o sistema de trabalho atual ainda não consegue oferecer. Recentemente, um projeto de lei causou polêmica ao levantar a possibilidade de reduzir a jornada de trabalho semanal, eliminando a restrição a apenas um ou dois dias de descanso por semana. Interessante que, nos estudos que li, os experimentos de jornadas reduzidas mostram resultados promissores em aspectos de saúde, economia e relações sociais. Curiosamente, ainda que a proposta parta da esquerda, o impacto de mais tempo livre permitirá que o trabalhador aproveite sua família, se aperfeiçoe, cultive novos interesses, consuma e, até mesmo, crie novos projetos — um fenômeno que, com bons ajustes, poderia ser aproveitado pela direita, canalizando-o como parte da onda atual. A direita teria a oportunidade de adaptar essa ideia, ajustando-a aos seus princípios. Afinal, “para que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”.

 

•                                    A falsa coragem dos covardes. Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

O triste e lamentável episódio do bolsonarista que jogou uma bomba no Supremo, explodiu um carro nas imediações da Câmara dos Deputados e deixou, covardemente, uma armadilha mortal com uma bomba programada para explodir na casa em que estava morando deve nos levar a uma série de reflexões. É importante ressaltar que, não fosse a competência dos policiais envolvidos, que entraram na casa com um robô antibomba e desarmaram o artefato, fatalmente iriam morrer ou esses, ou pessoas que alugaram a casa, ao abrir as gavetas. Um ato vil e criminoso de quem não tem nenhuma solidariedade com o próximo. Deixou armada uma bomba que explodiria quando alguém abrisse o armário: poderia ser uma criança, uma mulher ou um idoso. Um ato que demonstra o caráter desses bolsonaristas dominados pelo ódio e pela violência.

É interessante notar que eles estão tentando minimizar a ação terrorista com o estranho argumento de que o terrorista era um lobo solitário. Ora, para mim, esse dado, se for comprovado que é verdadeiro, é um problema adicional. Os terroristas que se reúnem em células, as alcateias, são muito mais fáceis de serem identificados, seguidos, fichados e, de certa forma, contidos. Os serviços de segurança têm muitas maneiras de manter esquemas de vigilância e de controle quando os tais lobos em grupo se organizam e deixam rastros, comunicam-se entre si e fazem manifestações. Enfim, as equipes de inteligência têm uma condição muito maior de localizar, para impedir um ataque, quando a estratégia passa por uma organização criminosa.

No entanto, quando a ação sórdida e criminosa vem de um fanático isolado, muitas vezes é mais difícil de ser contida antes do desastre. No caso desse Tiu França, a família e os amigos afirmam que ele era uma pessoa simples, calma, sem usar violência e sem demonstrar periculosidade. Apenas ficou indignado e mudou a personalidade, após a derrota do Bolsonaro. E, claro, com a lavagem cerebral do gabinete do ódio bolsonarista. Na verdade, foi crescendo nele a falsa coragem dos covardes.

A vontade incontida de atender ao chamado do líder Bolsonaro, que prega que se deve morrer pela pátria. Que dissemina o ódio e cultua a violência contra o Supremo Tribunal e seus ministros. Que valoriza o ser mesquinho, sádico e cruel que tem prazer em torturar. Enfim, que é, dia após dia, impregnado por valores que exaltam a morte e a miséria humana.

Esse é o caldo de cultura em que o fascista Bolsonaro e os seus seguidores alimentam os tais lobos solitários. Que são trabalhados para seguir, cegamente, os chamados - incompreensíveis para os ouvidos de quem não cultua o ódio - que clamam, silenciosa e ardilosamente, por ações de terror em nome de um projeto radical de endeusamento e poder. E eles, muitas vezes, se alimentam solitariamente desse germe inoculado, sorrateiramente, com uma maldade sem limites.

Em nome desse fanatismo, acompanhamos milhares de pessoas batendo continência para pneus, acampados em frente aos quartéis, vociferando contra a família dos ministros do Supremo, ameaçando, agredindo, invadindo prédios públicos e depredando o plenário do Supremo Tribunal - local escolhido pelo chefe da organização como o depositário de todo o ódio.

Publicidade

É necessário estarmos todos atentos para a gravidade do momento. Existem centenas de golpistas encarcerados e que esperam ainda uma ação espetacular do líder que os iludiu e os levou à prisão. Tanto os que estão presos quanto os que ainda acreditam que o golpe militar virá a qualquer momento. E a vitória de Trump nos EUA recrudesceu o discurso golpista.

Enquanto não se responsabilizar criminalmente os verdadeiros autores da tentativa de implementar a Ditadura no país, os financiadores, os políticos, os militares de alto coturno e o Bolsonaro, teremos lobos solitários e alcateias em busca de sangue e terror. É preciso enfrentar a realidade: o Brasil não encontrará a paz com a impunidade.

Lembrando-nos de Bertrand Russel: “O problema do mundo é que tolos e fanáticos estão sempre cheios de convicção, enquanto os sábios estão sempre cheios de dúvidas”.

 

Fonte: O Dia

 

Nenhum comentário: