Saúde
mental: para enfrentar os agravantes climáticos
Ocorreu
até sexta-feira (22/11) em Baku, no Azerbaijão, a Conferência das Nações Unidas
sobre Mudanças Climáticas de 2024 (COP 29) é um momento decisivo para avançar
em acordos e compromissos para frear os impactos das mudanças climáticas e
atender às necessidades dos países mais vulneráveis a elas. Dos muitos impactos
que as mudanças climáticas provocam (e que vêm sendo agravados pela tragédia
política geral), é considerável o impacto sobre o bem-estar – o que exige novas
respostas dos sistemas de saúde, em especial para a saúde mental. A questão é:
quais respostas temos que construir também nesse campo?
Responder
essa pergunta exige que, primeiro, a gente reflita sobre outra questão: como
cuidamos da saúde mental? O que nos leva a uma terceira (e mais importante)
pergunta: em que termos estamos definindo o que é saúde mental? É a partir de
certo entendimento sobre o que é saúde mental e o que promove saúde mental que
vamos responder com mais ou menos qualidade ao problema das mudanças
climáticas.
As
mudanças climáticas são uma realidade de enormes consequências na vida das
comunidades, como vimos nas inundações no Rio Grande do Sul e na seca da
Amazônia. Esforços internacionais, ainda insuficientes, têm sido empreendidos
para reverter esse cenário e seus impactos, principalmente na saúde, segurança
alimentar e habitação, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU) vem
afirmando. Sobre a saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) assinala que as
consequências climáticas estão entre as maiores ameaças à saúde global,
incluindo à saúde mental.
Nesse
contexto, na 77ª Assembleia Mundial de Saúde realizada em junho de 2024, foi
aprovada a resolução sobre Mudanças Climáticas e Saúde, que aponta: “Eventos e
condições climáticas extremas cada vez mais frequentes estão tendo um impacto
crescente no bem-estar, nos meios de subsistência e na saúde física e mental
das pessoas, bem como ameaçando os sistemas de saúde e as instalações de
saúde”. A necessidade de agir está posta.
Uma
abordagem individualizada será eficaz
Há
duas principais linhas de ação se constituindo para uma abordagem de saúde
mental no contexto das mudanças climáticas.
A
primeira dessas linhas parte da ideia de que as mudanças climáticas
intensificam fatores de risco para problemas de saúde mental, e podem levar ao
desenvolvimento de problemas de saúde mental e ao agravamento daqueles já
existentes. Ou seja, as mudanças climáticas, somadas a experiências de
vulnerabilidade e problemas ambientais e econômicos, podem levar ao
tensionamento das relações sociais, sentimentos de medo e tristeza, e
experiências entendidas como estresse, ansiedade e depressão.
É
nessa linha que temos observado emergirem novos conceitos para descrever
sentimentos pessoais e coletivos relativos às mudanças climáticas, como
eco-ansiedade (ou ansiedade climática) e solastalgia. A compreensão aqui é que
as mudanças climáticas podem causar sofrimento, vivido como problema de saúde
mental pelas pessoas, e que muitas vezes ganha o nome de um diagnóstico
psiquiátrico, esteja ele consolidado e ou em invenção. Daí, suas respostas se
centram na oferta de cuidados de saúde mental com abordagens mais ou menos
individualizadas.
Pensar
a resposta às mudanças climáticas a partir do coletivo
Por
sua vez, a segunda linha parte da constatação de que mudanças climáticas tornam
mais frequentes emergências relacionadas a eventos climáticos extremos, com
impactos que afetam a vida em geral, incluindo a saúde mental das pessoas.
Aqui,
a resposta consiste em integrar o componente da saúde mental nas respostas
ampliadas ao problema da emergência climática. As ações possíveis incluem
estruturação e disponibilização de serviços em vários níveis, mobilização de
suporte comunitário e apoio social, oferta de primeiros cuidados em saúde
mental para sofrimento agudo, fortalecimento dos cuidados de saúde mental
ofertados nos sistemas de saúde, proteção e promoção dos direitos das pessoas
com problemas de saúde mental graves, e construção de fluxos e mecanismos de
encaminhamentos entre serviços baseados na comunidade, incluindo os de
assistência emergencial que fornecem comida, água e abrigo.
Nesse
caso, a compreensão é que as mudanças climáticas provocam emergências
climáticas em grande escala, sendo preciso responder à situação de emergência
em sua complexidade. Daí a abordagem focada na organização de sistemas e
estruturas de gestão, incluindo oferta de cuidado, em uma resposta de saúde
pública integrada às necessidades gerais das pessoas e comunidades, sendo a
saúde mental uma das dimensões da vida que é inteiramente impactada.
É
inegável que alguns grupos populacionais estão mais em risco do que outros no
contexto das mudanças climáticas, dependendo das vulnerabilidades e
desigualdades existentes. No último relatório do The Lancet Countdown, Marina
Romanello e colegas constatam que, “embora nenhuma região não seja afetada, as
populações mais vulneráveis e minoritárias, que muitas vezes contribuíram menos
para as mudanças climáticas, são desproporcionalmente afetadas”.
Isso,
elas argumentam, é “uma consequência direta de injustiças estruturais e
dinâmicas de poder prejudiciais, tanto entre os países quanto dentro deles”.
Enfrentar
as iniquidades sociais para promover saúde mental
Em
outubro de 2024, foi apresentado na Assembleia Geral das Nações Unidas um novo
relatório do Relator Especial para Pobreza e Direitos Humanos da ONU, que trata
da relação entre pobreza e saúde mental. O relatório sustenta com base em
estudos que há uma relação significativa entre situação de maior pobreza e
experiência de problemas de saúde mental. Isso se dá não exatamente pela renda
mais baixa – mas porque, em razão da desigualdade e insegurança econômica pela
diferença de renda, as pessoas de baixa renda vivem estresses constantes e
condições de vida desfavoráveis.
Fatores
como insegurança alimentar, moradia precária e vulnerabilidade a conflitos e
violência também são listados como catalisadores de problemas de saúde mental.
Afinal, são problemas na vida das pessoas. Ou seja, o contexto de vida impacta
a saúde mental – algo óbvio, mas que segue sendo negligenciado nas respostas
aos problemas de saúde mental, incluindo no cenário de mudanças climáticas,
mesmo com a relação entre saúde mental e determinantes sociais sendo há tempos
estabelecida.
É preciso lembrar que a experiência de
sofrimento se dá nos cenários da vida cotidiana e nas relações. Portanto, a
resposta em saúde mental – com foco nos indivíduos ou na organização de
sistemas – precisa partir do reconhecimento das possibilidades que são
ofertadas às pessoas e comunidades e o que é vivido por elas. Se alguém tem ou
não moradia adequada, trabalho e renda seguros e relações de suporte de
qualidade, sua experiência do impacto das mudanças climáticas muda
radicalmente. E se isso é determinante da experiência, é nisso que as políticas
públicas e legislações precisam incidir.
Reconhecer
isso é necessário para romper com uma visão restrita de causa-efeito de
mudanças climáticas e sofrimento individual – que tantas vezes é reduzido ao
nome de estresse, ansiedade e depressão, e produz frágeis respostas focadas em
terapia e medicalização que não alteram os fatores que determinam sofrimentos.
Mesmo
considerando o que tem se denominado de ecoansiedade, uma espécie de
preocupação em relação às mudanças climáticas, não é preciso muito para
concluir que é mais eficaz construir políticas e leis sérias de proteção
ambiental e de preparação de sistemas para lidar com mudanças climáticas.
Promover a experiência de segurança e amparo a partir do conhecimento de que se
tem moradia adequada, rede de suporte e trabalho assegurado – essa abordagem
vai muito mais longe do que ofertar formas individuais de terapias para lidar
com o sofrimento das pessoas.
Uma
abordagem de saúde mental na resposta às mudanças climáticas requer – como
requer qualquer abordagem de saúde mental – produzir respostas às desigualdades
sociais.
Fonte:
Por Claudia Braga, em sua coluna para o Outra Saúde
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