PF
encontra discurso que seria lido por Bolsonaro para decretar golpe
Nos
autos do inquérito do planejamento de golpe pelo governo de Jair Bolsonaro, a
Polícia Federal revelou um texto do que seria o discurso de Bolsonaro para
consolidar o golpe de Estado, apreendido na sala do ex-presidente dentro do PL
em Brasília.
Trata-se
de um documento de 4 páginas que declara o estado de sítio e prevê um decreto
de Operação de Garantia da Lei e da Ordem.
“Diante
de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado
democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das
quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de
1988, declaro o Estado de sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de
Garantia da Lei e da Ordem”, diria Bolsonaro.
Nesse
texto, havia justificativas para a aplicação do estado de sítio, como supostos
abusos e irregularidades cometidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e Fake
News para argumentar que as eleições das quais Jair Bolsonaro saiu derrotado
deveriam ser canceladas.
“A
legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão
judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática”, traz
trecho do texto.
“Enquanto
‘guardiões da Constituição’, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF,
também estão sujeitos ao ‘Princípio da Moralidade’, inclusive quando promovem o
ativismo judicial”, cita outra parte.
Em
seguida, o discurso lista o que acredita terem sido situações de “ativismo
judicial” e “aparente ‘legalidade'”, como a atuação de Alexandre de Moraes, a
suposta falta de “transparência do processo eleitoral” e a multa eleitoral
imposta ao PL.
“É
importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegitimas,
ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais”, diz o
texto.
“Enfim,
são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em
verdade que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança
jurídica e de defesa às liberdades em nosso país”, completa.
Juntamente
com este documento que seria lido por Bolsonaro para a consolidação do golpe de
Estado, a PF também apreendeu um parecer jurídico que trazia justificativas
para convocar as Forças Armadas a anular o resultado das eleições e a troca de
ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Leia, abaixo, a íntegra do apontado discurso de golpe:
Ordem
e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela
“segurança jurídica” e pela liberdade” no Brasil, uma vez que não há ordem sem
segurança jurídica, nem progresso sem liberdade. Nossa Constituição Federal de
1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à “segurança
jurídica” e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e
garantias (como o direito à vida, à liberdade e à igualdade), princípios
fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade)
e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Hda sociedade brasileira.
Sem
dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que
o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a
sociedade e os agentes públicos. É dizer, numa perspectiva constitucional, a
ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legítimas no Estado
Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legítimas.
Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por
vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se
revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de
constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo à moralidade
institucional na conformação com o ato praticado.
Devemos
lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente
“princípio da moralidade” o caput de seu artigo 37.
Este
princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na
jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de
controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu
reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem
servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.
À
evidência, de forma louvável por esse precedente, a Constituição Federal de
1988 converteu a “moralidade” em fator de controle da “legalidade”, inclusive
quanto à interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas,
justamente para conferir a justa e esperada “legitimidade” aos atos praticados
pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.
Insta
dizer que o “Princípio da Moralidade Institucional” presume a probidade de todo
e qualquer agente público, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o
desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite
que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e
afastados do marco constitucional.
De
modo geral, todo servidor público (seja ele um ministro do Supremo Tribunal
Federal ou um “gari” de uma cidadezinha do interior) deve atuar sempre de
acordo com o “Princípio da Moralidade Institucional”: deve atuar de forma
íntegra e legítima, sempre de acordo com a justa legalidade!
O
“servidor público” no exercício da magistratura não pode aplicar a lei de forma
injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao
Princípio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional
não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser
considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.
O
juiz de direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida
e esperada confirmação de suas decisões à moralidade institucional.
Enquanto
“guardiões da Constituição”, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF,
também estão sujeitos ao “Princípio da Moralidade”, inclusive quando promovem o
ativismo judicial.
Aliás,
o desmentido ativismo judicial e a aparente “legalidade” (desprovidas de
legitimidade, contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional e, assim
injustas) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem
constitucional pelos Tribunais Superiores, senão vejamos, entre outros, algumas
situações recentes:
• as normas legítimas
autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro
Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e
Geraldo Alckmin possuem vínculos de longa data, como todos sabem);
• as decisões legítimas
permitindo a censura prévia (restringindo as prerrogativas profissionais da
imprensa e de parlamentares, por exemplo);
• as decisões afastando
muitas “causas justas” da apreciação da Justiça (o TSE não apurou a denúncia
relativa à falta de inserções de propaganda eleitoral);
• as decisões limitando a
transparência do processo eleitoral e impedindo o reconhecimento de sua
legitimidade (impedindo o acesso do Ministério da Defesa ao “código fonte” das
urnas, não apurando a denúncia do PL quanto às urnas velhas;
• e, ainda, impondo multa
arbitrária e confiscatória para constranger o PL em razão de suposta litigância
de má-fé — aliás, os dois primeiros dígitos da multa imposta coincidem com o
número do partido político em questão) e;
• as decisões abrindo a
possibilidade de revisão do “trânsito em julgado” de importantes matérias já
pacificadas pelo STF (notadamente, para prejudicar os interesses de certos e
determinados contribuintes).
É
importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegitimas,
ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais, isto
porque, são verdadeiramente inconstitucionais na medida em que ferem o
Princípio da Moralidade Institucional: maculando a segurança jurídica e na
prática se revelando manifestamente injustas. Para além deste fundamento comum
de verdadeira inconstitucionalidade, outros princípios, direitos e garantias
também restam vulnerados de forma pontual. Enfim, são normas e decisões
aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em verdade que colocam em
evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às
liberdades em nosso país.
Não
à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de
nosso discurso. Na Antiguidade, “Dar a cada um o que é seu” já era uma ideia
defendida por Aristóteles, como definição de justiça e principio de direito. No
Iluminismo, a necessidade de “resistência às leis injustas” já era uma ideia
defendida por Tomás de Aquino. Mais recentemente, após a Segunda Guerra
Mundial, Otto Bachof defendeu na Alemanha a possibilidade de controle das
normas constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer existência
de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da
Constituição e de suas normas.
[Aqui,
tratar de forma breve das decisões inconstitucionais do STF]
Afinal,
diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado
democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das
quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de
1988, declaro o Estado de sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de
Garantia da Lei e da Ordem.
• O dia pós – golpe:
Gabinete de Crise de Bolsonaro planejou ações de controle da opinião pública
A
Polícia Federal encontrou, no âmbito da investigação que apurou o planejamento
do golpe de Estado pelos aliados de Jair Bolsonaro, um documento que lista
estratégias que seriam deflagradas a partir de 16 de outubro de 2022, dia que
os golpistas acreditavam se tratar do day after da ruptura democrática, quando
começaria o que eles mesmos chamaram de “crise institucional”.
O
documento — que consta no relatório de mais de 800 páginas da PF, ao qual o GGN
teve acesso — se trata da minuta para criação do Gabinete Institucional de
Gestão de Crise, que seria implementado pelo então ministro Augusto Heleno,
titular do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República).
Além
de Heleno, Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto, Filipi Martins e outros
expoentes e membros do antigo governo foram indiciados pela Polícia Federal
nesta semana. O Supremo Tribunal Federal levantou sigilo do caso e deu vistas à
Procuradoria-Geral da República, a quem compete apresentar denúncia formal
contra os investigados.
O
Gabinete de Crise seria criado na sala de reunião suprema do segundo andar do
Palácio do Planalto, e seus colaboradores teriam de atuar 24 horas por dias, 7
dias na semana. O núcleo tinha várias missões. Entre elas, (1) assessorar Jair
Bolsonaro e o núcleo jurídico do golpe, (2) traçar estratégias de mídia para
influenciar a opinião pública, o Congresso e a comunidade internacional e (3)
convencer o maior número possível de parlamentares a aderir ao golpe.
O
golpe seria consumado por Bolsonaro em 15 de dezembro de 2022, através de um
decreto de estado de sítio ou de exceção. O ex-presidente, no entanto, não
assinou o decreto por falta de apoio dos comandos da Marinha e Exército.
“As
evidências descritas ao longo do presente relatório, demonstraram que o
comandante da marinha, Almirante ALMIR GARNIER, e o ministro da Defesa, PAULO
SÉRGIO, aderiram ao intento golpista. No entanto, os comandantes FREIRE GOMES,
do Exército e BAPTISTA JUNIOR, da Aeronáutica se posicionaram contrários a
qualquer medida que causasse a ruptura institucional no país”, informa a PF.
No
cenário de golpe concretizado, o Gabinete de Crise seria responsável por
“estabelecer discurso único, em todos os níveis, nas atividades de comunicação
social para evitar interpretações e ilações que desinformação a população” e
“designar porta-voz com notoriedade nacional e internacional”. Também seria
papel do Gabinete “minimizar as narrativas da mídias” e manter contato com
inúmeros segmentos da sociedade tidas como favoráveis ao golpe, além de
monitorar os segmentos mais resistentes.
Junto
com a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), o grupo pretendia criar uma
rede de inteligência entre agências governamentais, nos níveis estaduais e
municipais, “para atuar como gesto das informações, sensor e catalizador de
conhecimentos de inteligência oriundos da coleta de informações das
instituições e da população civil”.
O
documento também revela os principais nomes de integrantes do Gabinete de
Crise: “O GENERAL AUGUSTO HELENO seria o chefe de gabinete, tendo como
coordenador-geral o GENERAL BRAGA NETTO. Logo abaixo dos dois mais importantes,
o próprio GENERAL MARIO FERNANDES e o CORONEL ELCIO fariam parte da assessoria
estratégica. Após alguns nomes de menor relevância, a assessoria de
inteligência parece ser composta por pessoas próximas a MARIO: CORONEL AZEVEDO,
CORONEL VIEIRA DE ABREU, de apelido “VELAME”, então chefe de gabinete de MARIO
FERNANDES na Secretaria Executiva da Presidência da República e o CORONEL
KORMANN. A maioria do Gabinete é composto por militares. No entanto, destaca-se
que a Assessoria de Relações Internacionais seria ocupada pelo investigado FILIPE
MARTINS.”
De
acordo com as investigações, “a data de ativação do gabinete consta como
16/12/2022, ou seja, um dia após a realização do evento Copa 2022, que teve o
objetivo de prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES, com funcionamento
no Palácio do Planalto.”
A
possível versão final do documento que instauraria o Gabinete de Crise tinha
cerca de 30 páginas e foi impressa no Palácio do Planalto, em seis cópias. No
dia 17 de dezembro de 2022, o general Mário Fernandes, chefe-substituto da
Secretaria-Geral da Presidência da República, deixou rastros de que esteve no
Palácio do Planalto para reunião com Bolsonaro e outros militares e assessores
presidenciais.
Após
narrar o encontro, a PF descreveu que há provas suficientes para acreditar que
os golpistas pensavam em forçar a ruptura democrática mesmo sem ter executado
as ações previstas anteriormente, como prisão e execução de autoridades da
República.
“Os
elementos de prova identificados no material apreendido em poder de MARIO
FERNANDES demonstram que o grupo investigado já atuava prevendo o cenário
posterior à consumação do Golpe de Estado, vislumbrando um ambiente de crise
decorrente da ruptura institucional. Nesse sentido, planejaram a criação de um
Gabinete vinculado à Presidência da República, que seria composta em sua
maioria por militares e alguns civis, liderados pelos generais AUGUSTO HELENO e
BRAGA NETTO, para assessorar o então presidente da República JAIR BOLSONARO na
implementação das ações previstas no Decreto golpista, criando uma rede de
inteligência e contra-inteligência para monitorar o cenário pós golpe e ainda
atuar o campo informacional para obter o apoio da opinião pública interna e
internacional.”
Fonte:
Jornal GGN
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