sábado, 30 de novembro de 2024

O alto custo de fugir da guerra da Ucrânia para os soldados que desertam do Exército russo

Os tribunais russos registraram um número recorde de soldados que desertaram das suas unidades ou não regressaram à frente de batalha após períodos de licença, segundo uma investigação conduzida pelo Serviço Russo da BBC.

Muitos desertores se refugiam na casa de familiares, que também correm o risco de serem processados.

Na manhã de 23 de março de 2023, em uma aldeia na região de Stavropol, no sul da Rússia, um jovem chamado Dmitry Seliginenko levou sua namorada de motocicleta para pagar suas contas no escritório das autoridades locais.

Seis meses antes, ele havia sido convocado para combater na Ucrânia, em meio à mobilização militar convocada pelo presidente russo, Vladimir Putin. Ele deveria ter voltado para a frente de batalha em março deste ano.

Mas Seliginenko não retornou à sua unidade, depois de 10 dias de licença médica. Por isso, ele foi incluído na lista de pessoas procuradas pela Rússia.

Caminhando pela aldeia, o jovem foi localizado pelo seu antigo colega de classe, Andrei Sovershennov. Ele havia entrado para a polícia, depois de terminar os estudos, e avisou a polícia do exército.

Pouco tempo depois, três homens tentaram deter Seliginenko enquanto esperava sua namorada. Ele conseguiu entrar em contato com sua mãe e seu padrasto, que foram até a aldeia para intervir na situação.

A partir daqui, existem duas versões diferentes sobre o ocorrido.

Segundo a versão oficial da polícia, o padrasto de Seliginenko, Aleksandr Grachov, agarrou as algemas de Sovershennov e gritou: "Prendam a mim." Em seguida, ele teria derrubado um policial no chão e começado a agredi-lo.

A versão da família conta que Aleksandr Grachov é que teria sido lançado ao chão e agredido, ao exigir a apresentação do mandado de prisão do seu enteado.

Os dois acabaram no hospital e Grachov foi posteriormente acusado de agressão ao policial. Já Seliginenko entrou no carro dos pais e foi embora.

O incidente gerou um debate acalorado em um grupo de bate-papo criado pelos moradores da aldeia.

A família de Seliginenko afirma que seu filho não deveria sequer ter sido alistado no exército; que ele não passou por exame médico adequado para verificar se realmente seria apto para o serviço; e que foi enviado para a frente de batalha, mesmo com resultado positivo no teste para o coronavírus.

Em janeiro de 2023, Seliginenko apresentou doenças de pele, causadas pelo frio extremo. Por isso, ele recebeu uma licença para descansar.

Dois dias depois de chegar em casa, ele foi submetido a uma operação gástrica. A família defende que ele não estava apto para o serviço militar e deveria ter sido avaliado por uma comissão médica do exército.

Mas nem todos no grupo de bate-papo concordavam com estes argumentos. Em resposta, a família publicou um apelo emocionado aos seus vizinhos:

"Aqui, você está vivendo comodamente na nossa aldeia. Mas quem de vocês virá conosco para um hospital de Pyatigorsk, Budyonnovsk ou Rostov [cidades no sul da Rússia] para ver quantos soldados feridos jazem ali?"

"Antes de julgar os demais, coloquem-se no lugar da mãe e do seu filho, que já sofreram tanto... Vocês têm seus maridos e filhos ao seu lado; é melhor rezar para que o mesmo não aconteça com vocês!"

Em março de 2024, Aleksandr Grachov foi considerado culpado de agressão e multado em 150 mil rublos (1,5 mil dólares, cerca de R$ 8,9 mil). Dmitry Seliginenko não retornou à sua unidade militar e seu paradeiro é desconhecido.

Nenhum dos envolvidos quis falar com a BBC.

·        'Eles levaram todos os homens'

A centenas de quilômetros do vilarejo na região de Stavropol, outros dois casos foram levados à justiça, em um tribunal de Buriatia, uma república no outro lado da Rússia.

No banco dos réus, estavam o soldado Vitaly Petrov e sua sogra, Lidia Tsaregorodtseva. Ele havia desertado da sua unidade e ela havia tentado impedir a detenção do genro pela polícia local.

A BBC reconstruiu os acontecimentos a partir dos documentos judiciais e do testemunho de pessoas familiarizadas com o caso. Estas pessoas não serão identificadas por razões de segurança.

Vitaly Petrov tem 33 anos de idade. Ele é originário de Sharalday, na República de Buriatia, e é pai de dois filhos. Petrov foi convocado para combater na Ucrânia em 2022.

A região é uma das mais pobres da Rússia. No outono de 2022, seu índice de mobilização era um dos mais altos do país, bem como o índice de mortes, segundo investigação da BBC e do portal informativo independente russo Mediazona.

Em junho de 2023, Petrov escapou de um hospital militar. Ele estava internado depois de se ausentar sem permissão e ter sido devolvido à sua unidade à força no início daquele ano.

Sua sogra afirma que ele não estava apto para o serviço militar e sentia dores de cabeça. Ela também declarou ao tribunal que Petrov havia sofrido violência e extorsão na sua unidade militar.

Os fiscais militares afirmam que Petrov simplesmente tentava evitar que fosse novamente enviado para a frente de batalha.

Durante o verão e o outono de 2023 (no hemisfério norte), Petrov se escondeu na casa da sogra. Ele passava a maior parte dos dias no bosque próximo, procurando castanhas, cogumelos e frutas silvestres, voltando para casa à noite de vez em quando, para dormir.

O ativista Grigory Sverdlin, da ONG Run to the Forest (que ajuda os soldados que desertaram do exército a fugir do país), calcula que cerca de 30% dos desertores permanecem em território russo. Os demais seguem para o exterior.

A Mediazona afirma que existem mais de 13 mil casos pendentes nos tribunais russos, por acusações de deserção e ausências sem permissão.

Em dezembro de 2023, policiais armados estiveram na casa à noite, para deter Petrov. O que ocorreu em seguida também tem diferentes versões.

Tsaregorodtseva afirma que a polícia derrubou a porta e invadiu a casa. Eles a separaram das suas duas netas pequenas, que estavam apavoradas, e começaram a revistar a residência, levantando as tábuas do piso com um machado.

Ela também afirma que os policiais não mostraram suas identificações, nem a ordem judicial. As autoridades negam a acusação, segundo os documentos judiciais. Eles também destacaram que não revistaram a casa, nem tiraram nada do lugar.

Tanto a família quanto a polícia declararam que Petrov saiu do seu esconderijo no porão e suas filhas correram na sua direção.

Nos documentos judiciais, tanto a família quanto a polícia se acusam mutuamente de violência, já que surgiu um conflito enquanto os policiais tentavam deter Petrov.

Ele foi arrastado para fora da casa e, segundo suas filhas pequenas, a polícia o atingiu com uma pistola elétrica. O principal investigador do caso foi levado ao hospital com queimaduras produzidas por água fervente durante o enfrentamento.

Petrov e Tsaregorodtseva foram processados. Ele foi condenado a seis anos de prisão por se ausentar do exército sem permissão. A sogra foi condenada a dois anos de cadeia a ao pagamento de uma indenização de 100 mil rublos (quase US$ 1 mil, cerca de R$ 5,9 mil) ao policial que ficou ferido durante o conflito.

Uma fonte familiarizada com o caso declarou à BBC que a esposa de Vitaly Petrov ficou aliviada ao saber que seu marido estava na prisão e não de volta à frente de batalha.

Outra fonte da BBC também declarou que a guerra trouxe graves consequências para os moradores das zonas rurais.

"Eles levaram todos os homens das aldeias, não ficou ninguém para fazer o trabalho duro, cuidar dos animais e preparar tudo para o inverno. Um menino está doente e o outro está morto de medo. Perdoem a expressão, mas, nas aldeias, ficaram só as mulheres, falando com as paredes."

A mesma fonte afirmou que muitos homens daquela localidade se sentiam em uma "situação impossível": eles foram enviados para a guerra, quisessem ou não, enquanto suas famílias ficavam lutando sozinhas em casa.

¨      Sete anos por deserção

Outro caso observado pela BBC foi o de um soldado condenado.

Em janeiro de 2023, Roman Yevdokimov, de uma aldeia na fronteira entre a Rússia e a Mongólia, foi condenado a sete anos de prisão por desertar da sua unidade.

Yevdokimov tem 34 anos e havia sido condenado por roubo em duas ocasiões. Ele foi chamado para o serviço militar em outubro de 2022, como parte da mobilização nacional convocada por Putin.

Yevdokimov passou apenas um mês no exército, até que se ausentou sem permissão e voltou para casa. Ele passou algum tempo refugiado no bosque e seus familiares o escondiam no porão da casa da sogra.

Por fim, as autoridades militares o capturaram e ele foi para a prisão. Mas, como criminoso condenado, ele tinha a possibilidade de ir lutar na Ucrânia, em vez de cumprir sua pena.

Yevdokimov sobreviveu por seis meses como soldado de choque e, seguindo as normas da época (hoje, modificadas), ele foi liberado e voltou para casa em abril de 2024.

Sua família conta que, nos seis meses que passou na frente de batalha, ele ficou traumatizado e incapaz de retomar sua vida anterior. Agora, ele passa grande parte do tempo no bosque, onde antes se escondia da polícia do exército.

Como soldado da tropa de choque recrutado na prisão em 2023, Yevdokimov conta com um indulto oficial, anulando sua pena de sete anos por deserção. Mas não existem documentos que comprovem que ele lutou no exército e ficou ferido em combate.

Muitos veteranos de batalha recrutados na prisão tentam agora levar o Ministério da Defesa russo à justiça, para exigir o reconhecimento da sua situação.

Mas, para Yevdokimov, a viagem de quatro horas até o escritório de recrutamento mais próximo, para tentar resolver seus problemas, é simplesmente longa demais para ser considerada.

"Quando fui vê-lo, ele disse, depois de algumas doses de bebida: 'Talvez eu devesse me inscrever para ser soldado contratado?'", declarou sua irmã à BBC.

"Não vou deixar que ele vá e ele tem medo de me deixar, porque sabe o quanto me preocupo com ele. Mas ele quer voltar aos seus companheiros, porque alguns estão morrendo e ele está preocupado com eles. Está sofrendo por estar ali."

Estes casos são apenas uma pequena fração do alto número de pessoas que chegam agora aos tribunais.

Os registros oficiais demonstram que, em 2024, cerca de 800 soldados foram condenados. Eles foram acusados de terem se ausentado sem permissão, descumprido ordens ou desertado das suas unidades.

Segundo a Mediazona, este número representa o dobro do ano anterior, ou mais de 10 vezes o número de condenações antes da guerra.

Não existem estatísticas oficiais sobre o número de familiares que também foram condenados por terem ajudado os soldados desertores.

 

¨      Rússia estaria recrutando iemenitas para guerra na Ucrânia

Em sua guerra de agressão contra a Ucrânia, a Rússia não usa apenas drones de combate da China e do Irã, mas também soldados norte-coreanos e até mísseis balísticos de Pyongyang. Em breve, combatentes do Iêmen também poderão ser enviados para lutar ao lado dos russos.

Pelo menos é o que informa o jornal Financial Times. Uma reportagem afirma que a milícia islâmica houthi está recrutando em seu país soldados para se juntarem aos militares russos e já teria encaminhado centenas de mercenários iemenitas por meio de "tráfico humano" para a Rússia.

Citando pessoas envolvidas, o jornal relata que alguns dos homens foram atraídos para o Iêmen com a perspectiva de trabalho remunerado na Rússia e cidadania russa. Ao chegarem à Rússia, no entanto, foram recrutados para as Forças Armadas e imediatamente enviados para a frente de batalha na Ucrânia.

O recrutamento no Iêmen foi organizado, de acordo com o periódico, por uma empresa fundada por um importante político houthi. Um contrato de recrutamento obtido pelo jornal britânico indica que desde julho os iemenitas têm sido recrutados para as Forças Armadas russas. Desde o início da guerra no Oriente Médio, há pouco mais de um ano, a milícia houthi, apoiada pelo Irã, tem atacado seguidamente navios-tanque ocidentais, por exemplo, no Golfo de Áden.

<><> Alerta de "guerra global"

Se esses relatos forem verdadeiros, "isso seria extremamente preocupante", de acordo com o Ministério do Exterior da Alemanha. O perigo de uma "guerra global" é "sério e real", adverte o primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk. Em outras palavras: existe uma ameaça de maior internacionalização da guerra?

Ou ela já é uma realidade? Valerii Zaluzhnyi, ex-comandante-chefe das Forças Armadas ucranianas e atual embaixador da Ucrânia no Reino Unido, disse que acredita que a terceira guerra mundial já começou – porque há tempos que muitos países estão envolvidos.

Uma coisa parece clara: de acordo com as últimas estimativas, a Rússia já perdeu 700 mil soldados na guerra na Ucrânia por morte ou ferimentos. Essa é provavelmente uma das razões pelas quais cerca de 12 mil soldados da Coreia do Norte foram enviados à Rússia pelo governante Kim Jong-un e estão lutando atualmente na Ucrânia, especialmente na região de Kursk.

<><> "Não há limites para Putin"

A notícia sobre combatentes do Iêmen na Ucrânia também chegou à reunião dos ministros do Exterior do G7 na Itália. Lá, a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, disse: "Se isso for confirmado, enfatizará mais uma vez que não há limites para a guerra do presidente russo".

Em entrevista à DW, Roderich Kiesewetter, especialista em relações exteriores do partido conservador alemão União Democrata Cristã (CDU), não se surpreende com a notícia. "A Rússia tem tido enormes problemas com recursos há algum tempo, tanto em termos de material em determinadas áreas quanto de pessoal. Agora, precisa pagar quantias muito altas de incentivo para a mobilização de soldados russos", afirma.

Ele afirma que há muito tempo Putin trabalha em estreita colaboração com o grupo terrorista islâmico Hamas e com as milícias houthi, ambos apoiados pelo Irã. "Portanto, não é de surpreender que combatentes iemenitas estejam sendo recrutados. Há indícios de que não se trata de terroristas houthis, mas de iemenitas que estão sendo atraídos para a Rússia com falsas promessas e depois recrutados à força."

<><> Tema de campanha eleitoral na Alemanha

Repetidamente, os políticos na Alemanha estão alertando contra uma nova expansão da guerra, tanto militarmente, em termos de pessoal, quanto financeiramente. Juntamente com os EUA, a Alemanha é atualmente um dos mais fortes apoiadores da Ucrânia. No entanto, é mais do que incerto o papel que os americanos desempenharão no futuro sob o comando do novo presidente Donald Trump.

Na campanha eleitoral para a nova eleição em fevereiro de 2025, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, quer se apresentar como um "chanceler da paz". Apesar das intensas solicitações de Kiev, ele está se recusando a entregar o sistema de mísseis Taurus, que também pode atingir alvos na Rússia. Recentemente, disse: "Embora sejamos o maior e mais confiável apoiador da defesa do país, não estamos fazendo certas coisas – fornecendo mísseis de cruzeiro, por exemplo, aceitando que as armas perigosas que fornecemos possam ser usadas para atacar alvos nas profundezas do interior da Rússia".

Portanto, a questão da expansão cada vez maior da guerra na Ucrânia provavelmente também caracterizará a campanha eleitoral alemã. Um levantamento recente conduzido pelo instituto de pesquisa de opinião Infratest-Dimap aponta que 61% dos eleitores são contra o fornecimento do sistema Taurus à Ucrânia.

 

¨      'Porcentagem cresce exponencialmente': deserção corrói Exército ucraniano, admite mídia

A taxa de deserção na Ucrânia está crescendo mensalmente e prejudicando ainda mais a situação precária de suas Forças Armadas que mesmo com a mobilização à força não conseguem recrutar pessoas nesse momento drástico para Kiev, diz artigo da Associated Press.

Os últimos tempos são considerados por muitos especialistas um dos piores para a Ucrânia de todo o período do conflito, já que há meses as Forças Armadas ucranianas têm recuado constantemente, perdendo, às vezes, vários povoados em um dia.

Neste contexto, a moral dos militares ucranianos, não só soldados, frequentemente mobilizados à força, mas também oficiais, está em um nível muito baixo e só diminui.

"Unidades inteiras abandonaram seus postos, deixando as linhas defensivas vulneráveis e acelerando as perdas territoriais", cita o jornal comandantes militares e soldados entrevistados.

Chega ao ponto de alguns se recusarem a lutar mesmo no campo de batalha e confrontar seus comandantes, segundo o artigo.

Foi isso que aconteceu durante a libertação da cidade importante em Donbass Ugledar pelas tropas russas em outubro de 2024.

De acordo com um oficial anônimo da 72ª Brigada das Forças Armadas da Ucrânia entrevistado pela Associated Press, algumas companhias tiveram só dez pessoas de 120 necessários, enquanto 20% deste número desapareceram por causa da deserção.

"A porcentagem está crescendo exponencialmente a cada mês", acrescentou.

Ele nomeou a deserção como uma das principais razões da perda de Ugledar, admitindo que o país já extraiu o máximo do povo ucraniano.

Soldados do 1.430º Regimento de Infantaria Motorizada de Guarda das Forças

Um dos exemplos de como desertar do Exército o artigo cita tirar uma licença médica e nunca mais voltar. Alguns dos soldados recebem a licença por infringirem a si próprios.

"Esse problema é crítico. Este é o terceiro ano de guerra, e esse problema só vai aumentar", disse Aleksandr Kovalenko, um analista militar de Kiev.

Embora o número oficial dos casos criminais abertos contra desertores ucranianos seja mais de 100 mil, uma fonte do jornal familiarizado com assuntos militares disse que o real pode atingir até 200 mil pessoas.

Em meio a essa situação, o Ocidente está exigindo das autoridades ucranianas que diminuam o limite inferior da mobilização até 18 anos, para recrutar o maior número possível de homens adultos do país.

 

Fonte: BBC News Rússia/DW Brasil/Sputnik Brasil

 

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