sábado, 30 de novembro de 2024

Quem é o ‘cara do agro’ citado na investigação da PF sobre a tentativa de golpe

ENTRE FOTOS E VÍDEOS da família, uma postagem se destaca nas redes sociais de Germano Schaffel Nogueira: um vídeo de Jair Bolsonaro (PL) com a boca tapada pela palavra “censurado”, publicado horas depois de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarar o ex-presidente inelegível até 2030.

O apoio discreto a Bolsonaro nas redes se contrapõe à atuação de Nogueira nas manifestações golpistas de 2022, que buscavam impedir a posse do então presidente eleito Lula (PT).

Pecuarista do Mato Grosso, ele é apontado pela PF (Polícia Federal) como um dos elos entre o agronegócio e o general da reserva Mario Fernandes. O oficial foi preso em 19 de novembro por suspeita de elaborar um plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal)

Tornado público nesta semana pelo Supremo, o relatório da PF descreve Fernandes como “um dos [oficiais de alta patente] mais radicais”. Ex-secretário-executivo da Secretaria-geral da Presidência de Jair Bolsonaro, ele é indicado pela PF como responsável por orquestrar manifestantes acampados em quarteis após as eleições de 2022, incluindo representantes do agronegócio, como Nogueira, além de líderes de caminhoneiros, que estavam em Brasília para fortalecer o acampamento.

A PF descobriu que Nogueira foi o organizador da “Manifestação pela Liberdade”, ato realizado na Esplanada dos Ministérios em 30 de novembro de 2022 e que, segundo os investigadores, era de especial interesse do general Mario Fernandes.

O nome de Nogueira aparece em um documento enviado ao governo do Distrito Federal como o responsável pelo ato. O arquivo foi encontrado em uma comunicação enviada pelo general Fernandes ao tenente-coronel José Luiz Sávio Costa Filho, que também coordenava as atividades do acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília (DF), segundo a Polícia Federal.

Segundo o inquérito, a manifestação foi organizada com incentivo do general e tinha o objetivo de criar uma pressão popular a favor do golpe, enquanto parlamentares bolsonaristas se reuniam naquele mesmo dia no Senado para questionar o resultado das eleições.

“O evento, além de propagar informações falsas sobre as eleições, também serviu de palco para pessoas aderentes ao intento golpista defender a aplicação anômala do artigo 142 da Constituição Federal, com um falso silogismo que justificaria o respaldo constitucional de uma ação militar para reverter o resultado das eleições”, diz o relatório. O artigo 142 é usado pelos golpistas como argumento para uma intervenção militar, apesar de o STF já ter afastado qualquer interpretação de que os militares teriam um poder “moderador no país”.

No dia 30, fotos armazenadas no celular de Fernandes mostram que ele esteve na manifestação organizada por Nogueira às 7h56, horas antes do início da audiência pública no Senado. O coronel reformado também solicitou a diferentes oficiais de alta patente o envio de vídeos para “potencializar a presença do pessoal” no ato. Contudo, apesar do pecuarista ter estimado público de 2.000 pessoas, apenas 200 apoiadores se encaminharam para o ato, de acordo com reportagem do Metrópoles.

Nogueira e Fernandes mantiveram contato após a fracassada manifestação. Em troca de mensagens em 19 de dezembro de 2022 Fernandes orienta Nogueira a manter o movimento golpista.

“Meu amigo, aguarda, mantém as mesmas ações, a mesma vontade, certo? No apoio a nós, tá ok? A gente continua acreditando muito. Mesmo porque a gente considera que não existe outra saída […] Independente da solução, a gente mantém contato. Vou seguir sempre à tua disposição aqui por Brasília”, afirma o general em áudio ao pecuarista.

O advogado de Nogueira, Levi de Andrade, negou à Repórter Brasil que seu cliente seja um dos líderes das manifestações e do acampamento em frente ao exército em Brasília. Segundo o advogado, Nogueira conheceu o general Mario Fernandes no acampamento e “a partir dali surgiu uma amizade”. “Ele teve um ou dois contatos com o general, mas como bem observado na interceptação, em momento algum ele concorda ou pede qualquer ato em desacordo com a lei, e nunca mais teve contato com ele, foi só nesse período e nunca mais se conversaram”, afirma.

O pecuarista está sendo representado pelo mesmo advogado de condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023. Alguns de seus clientes são o deputado federal Zé Trovão (PL-SC), alvo de inquérito dos ataques, e o empresário do Mato Grosso Milton Baldin, que está preso desde o final de 2022, após convocar CACs (atiradores) para a diplomação de Lula em dezembro daquele ano.

•                        ‘O pessoal do agro’

As investigações da PF que levaram à prisão do general Mário Fernandes revelaram que Bolsonaro vinha sendo pressionado a usar as forças para reverter o resultado eleitoral. Parte da pressão seria de um “cara do agro”.

“O presidente tem recebido várias pressões para tomar uma medida mais, mais pesada onde ele vai, obviamente, utilizando as forças, né? … É cara do agro. São alguns deputados, né?”, disse Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, que não iria aderir ao plano golpista.

O general Mário Fernandes também afirmou em outro áudio estar orientando “o pessoal do agro” em suas ações. “A gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG”, disse o general a Mauro Cid. A única identidade revelada no relatório é o de Germano Nogueira, sem outras citações.

Segundo o advogado de Nogueira, porém, “ele nunca, jamais, representou o agronegócio”.

Pecuarista formado em medicina veterinária, Nogueira administra duas fazendas em Castanheira (MT). Informações acessadas pela Repórter Brasil mostram que ele assinou, em 2014, um Termo de Ajustamento de Conduta junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Mato Grosso se comprometendo a recuperar 36 hectares de área de preservação permanente degradada.

Segundo dados da Receita Federal, acessados inicialmente por meio do Cruzagrafos, ele também é dono de uma assessoria agropecuária em Juína (MT) e de uma empresa de segurança privada na cidade, vizinha a Castanheira. Também já foi proprietário de um clube de tiro na cidade.

O envolvimento de empresas do agronegócio e produtores rurais nos atos antidemocráticos já tinha sido alvo de investigação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do 8 de Janeiro. Um relatório da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), feito a pedido da comissão, identificou que pelo menos 12 empresas do agro enviaram caminhões para diversas manifestações em Brasília, após ser confirmada a vitória de Lula nas eleições de 2022.

A Repórter Brasil revelou também que vários empresários do agro do sul do Pará tiveram participação ativa em manifestações em frente a quarteis do Exército em Marabá (PA) e na capital federal. Outra reportagem mostrou que pecuaristas e garimpeiros usaram a conta bancária de uma empresa de informática para criar o “PIX do golpe” e financiar os atos golpistas . A CPMI descobriu posteriormente que a movimentação financeira da conta saiu de uma média de R$ 10 mil mensais para R$ 300 mil em novembro de 2022, apontando “o envolvimento de pessoas ligadas ao garimpo ilegal, empresários, fazendeiros do agronegócio e mineração como possíveis envolvidos na execução e fomento de atos antidemocráticos”.

 

Fonte: Repórter Brasil

 

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