Rafael
Cabral Maia: Que tal dessa vez deixarmos o Haiti em paz?
O
Haiti, país caribenho com mais de onze milhões de habitantes e um dos mais
explorados recantos do Sul Global, acaba de destituir seu recém-empossado
primeiro-ministro. Garry Conille, escolhido para suceder a Ariel Henry, que renunciou pressionado pela violência
nas ruas, foi retirado do comando da ilha pelo
Conselho de Transição Presidencial em maio, após ter ficado menos de seis meses
no poder. Para seu lugar, foi escolhido Alix Didier Fils-Aimé.
O
país, que enfrenta uma grave crise humanitária e de segurança, perdendo o
controle sobre parte de sua infraestrutura para as gangues que agem sem pudor
em seu território, em breve pode ser palco de mais uma missão internacional
comandada pela Organização das Nações Unidas. Essa nova missão, como a última,
tem como objetivo restituir alguma estabilidade social, política e
institucional ao país.
Porém,
tendo em vista os últimos quatro séculos da história haitiana, a exploração
espanhola, a colonização francesa, a ocupação americana, a missão brasileira e
permeando tudo isso, o aproveitamento que o capital europeu e americano teve no
período em detrimento do desenvolvimento do Haiti, uma pergunta chama a
atenção: Por que, dessa vez, não deixamos o Haiti tentar se organizar e
se recuperar sozinho? Se a ONU quer ajudar, por que
simplesmente não força os países que tanto exploraram essa região do planeta a
arcar com uma indenização trilionária pelos séculos de exploração de sua
população e de seus recursos naturais? Enviar uma nova missão internacional
para inserir novos governos fantoches, que piorarão sem sombra de dúvida a vida
dos cidadãos haitianos certamente não é o caminho. Já vimos esse filme e às
vezes é necessário refletir sobre o histórico de interferência numa nação
soberana em defesa de ideias abstratas como “liberdade e democracia”.
·
Breve Retrospectiva
O
histórico de exploração do território, de seus recursos naturais e da própria
população haitiana por potências estrangeiras vem de longa data. O país,
ocupado primeiramente pelos espanhóis (que insatisfeitos com a retirada de todo
o ouro que podiam, aproveitaram a viagem para exterminar a população indígena
taínos, que até o século XV habitava a região), foi colonizado pelos franceses
entre os séculos XVII e XVIII, e finalmente pelos Estados Unidos no século XX.
Há controvérsias sobre se aquilo que os americanos chamaram de “ocupação” seria
uma volta ao período colonial, mas sigo a versão dos historiadores que alegam
tratar-se de uma nova colonização de qualquer forma, principalmente pela forma
como foi feita, ignorando totalmente a soberania haitiana.
Fato
é que apenas no breve período entre a declaração da independência e a assumpção
de uma dívida monstruosa com a França, o Haiti foi realmente livre. Livre, mas
ignorado pelo resto do mundo, já que a horrenda onda de violência liderada pelo
revolucionário Toussaint Louverture entre
o final do século XVIII e início do XIX, assombrou de tal maneira os
colonizadores europeus que estes excluíram o Haiti livre do comércio
internacional com medo que a absurda ideia de escravizados se rebelando contra
os exploradores seguisse um rumo incontrolável e chegasse às áreas mais
rentáveis nos países sob seu controle.
É
interessante percebermos como, em um país essencialmente agrário e com esse
histórico de exploração, os homens que herdaram o domínio sobre o Estado
haitiano desperdiçaram a imensa oportunidade que a independência trouxe para
realizar uma reforma agrária e recolocar seus cidadãos no controle dos rumos do
país. A elite que herdou o controle estatal após a declaração de independência
e retirou as terras dos franceses as distribuiu entre si, deixando a população
‘novo livre’ excluída da participação no sistema econômico. Talvez a maior
oportunidade para uma reforma agrária em toda a história do Haiti tenha sido
desperdiçada pela pequenez da classe antes dominada e agora dominante.
Infelizmente, a redistribuição das propriedades foi ignorada em favor da ampliação
de seus próprios benefícios.
Incrivelmente,
passada a independência ainda reinava na elite do país uma certa submissão aos
europeus e principalmente ao capital vindo de fora.
·
Dívida com a França
O
processo de independência durou mais de dez anos e foi marcado por uma guerra
civil que vingou os anos de abusos e assassinatos cometidos contra a população
escravizada. Milhares de homens, mulheres e crianças brancas europeias
terminaram o início do século XIX massacrados ou expulsos do país em atos de
violência sanguinários. Jean-Jacques Dessalines, primeiro governante do Haiti
livre, chegou a decretar a pena de morte para todos os europeus presentes no
país em 1804, assim que assumiu o poder.
O
ato de vingança perpetrado pela nova elite deixou os líderes europeus
apavorados com as colônias que exploravam na África, América Latina e Ásia. O
maior medo era que o horror que precedeu a independência da ilha caribenha
chegasse às suas colônias em outros locais, o que poderia resultar no fim de
seu lucrativo império de extração mineral, do cultivo da cana-de-açúcar e da
exploração comercial do trabalho dos escravizados mundo afora.
Como
resultado, o Haiti não foi reconhecido por nenhum país diplomaticamente.
Incapaz de se reconstruir através do comércio, a ilha ficou artificialmente
isolada do mercado internacional e se empobreceu, enquanto o mundo continuava a
comercializar e se modernizar.
O
reconhecimento internacional (incompleto, já que Estados Unidos apenas
reconheceriam o Haiti independente em 1862) viria apenas em 1826, após a
assinatura de um acordo com a França e o pagamento de uma “indenização”, veja
só, pelos prejuízos causados aos europeus com o fim da exploração do
território.
A
dívida impagável, pois correspondia à época em praticamente dez vezes as
receitas anuais do país, forçou o Haiti a recorrer a empréstimos internacionais
justamente com os bancos franceses. Essa dívida injusta e cruel ficou pendurada
no pescoço da população e dos governos haitianos até 1947, quando foi
finalmente quitada.
Hoje,
organizações não governamentais buscam uma reparação histórica e cobram cerca
de US$ 200 bilhões do governo francês pelos prejuízos causados ao país enquanto
durou o “acordo” firmado no início do século XIX. Não é um absurdo dizer que o
valor da “dívida” adquirida pelo país junto a seus algozes coloniais seria um
dos muitos fatores que jogaram o país no caos mais de duzentos anos após sua
independência.
Também
não é um absurdo dizer que a perpetuação da pobreza é fruto da continuidade da
interferência estrangeira no país mesmo após o tardio reconhecimento
internacional.
·
Colonização Americana
entre 1915 e 1934
O
período que se seguiu após a independência e a assinatura do acordo de
reconhecimento internacional com a França foi também bastante conturbado
internamente. Governos pouco democráticos, perpetuação das vantagens dadas à
elite, tentativas de golpes e a supressão de recursos financeiros pelos
franceses culminaram num estado social caótico.
O
último presidente antes da entrada dos Estados Unidos no país foi Jean Vilbrun Guillaume Sam. Esse
trouxe a gota d’água que faltava ao caótico ambiente político quando brigou com
a elite do país e teve que fugir apenas quatro meses depois de ter tomado
posse. Foi encontrado escondido na embaixada da França e linchado pela
população.
A
invasão da embaixada francesa foi o argumento usado pelo governo americano para
invadir o Haiti e conduzi-lo da forma como bem entendesse a partir de 1915. O
fato é que os Estados Unidos já estavam de olho na ilha há bastante tempo. Em
1870, o então presidente americano Ulysses Grant já havia submetido uma
proposta ao Congresso visando a anexação do Haiti e da República Dominicana e
foi derrotado. Nação recém-saída da guerra, os Estados Unidos tinham outras
prioridades. No entanto, embora a proposta tenha sido recusada, nunca mais
tiraram os olhos da região.
O professor Everaldo de Oliveira Andrade, autor de livros e artigos sobre o Haiti, reflete sobre a
ocupação americana na ilha, ilustrando que ela poderia funcionar como um imenso
laboratório para o estudo de práticas imperialistas que seriam utilizadas no
futuro em outros países.
Assim,
a nova nação colonizadora não perdeu tempo. Firme no propósito da ocupação e,
nas palavras do professor Patrick Bellegarde Smith, citado por Everaldo
Andrade, “dissolveu o parlamento, censurou a imprensa e correios, todos os
cidadãos haitianos mais destacados foram colocados sob supervisão da
inteligência militar, a imposição da lei marcial foi decretada”, além disso,
“aplicou-se o uso de tribunais militares para julgar civis, a intimidação ou
prisão ilegal de jornalistas, o indiscriminado assassinato de camponeses, a
nomeação de um grande número de soldados em altas posições da administração
civil”. Te lembra alguma coisa? Pois é.
E,
como toda ocupação ou golpe precisa da aprovação de parte da população para dar
certo, diversos setores da sociedade haitiana, em frangalhos após a morte do
próprio presidente, torciam para que os Estados Unidos viessem salvá-los.
Empresários, camponeses e membros da igreja católica presentes no país ansiavam
que a invasão lhes trouxesse prosperidade.
Porém,
tal qual na canção de Chico Buarque, a banda não tocou para ninguém, apenas
para si mesma. O objetivo final da ocupação era afastar as raízes nacionalistas
da sociedade haitiana e preparar o país para assimilar o domínio cultural,
econômico e político estrangeiro sem críticas, possibilitando o mínimo de
estabilidade social enquanto sofriam com a exploração de seus recursos naturais
e financeiros. Em 1918, sob pressão americana, a presidência fantoche de
ocasião aprova uma nova constituição permitindo que estrangeiros pudessem ser
proprietários de terras, o que intensificou o domínio imperialista americano e
minguou a já fraca resistência popular à ocupação.
·
A Guerra dos Cacos
O
sentimento de revolta contra a ocupação, que vinha sendo gestado pela população
haitiana, era motivado tanto pelo racismo das tropas americanas, seus abusos e
crimes, quanto por um nacionalismo crescente originado pela perda de prestígio
e poder da elite do país. Contribuíram para o colapso que levou à guerra contra
os imperialistas a situação cada vez pior dos comerciantes, envolvidos com a
oscilação do comércio internacional com o Haiti, a corrupção escancarada dos
agentes públicos e a instabilidade do sistema político patrocinado pelos
estadunidenses. Incendiaram as massas de camponeses insatisfeitos e revoltados
com o sistema político e econômico o retorno de práticas feudais na agricultura
e no dia a dia da reconstrução do país.
Nesse
ambiente caótico, pequenas revoltas começaram a surgir, grupos rebeldes armados
e municiados pelo discurso nacionalista foram duramente reprimidos pelo
exército americano. Aos poucos e sucessivamente, os pequenos líderes revoltados
com a ocupação americana venciam e perdiam batalhas pelo domínio de algumas
áreas do país. Lideranças como Charlemagne
Peralt ascendiam, eram perseguidos e assassinados. O agravamento da
crise política e social fez centenas de milhares de cidadãos haitianos
recorrerem à emigração para sobreviver. Camponeses saíam em massa para Cuba e
República Dominicana, principalmente.
As
revoltas populares e pequenos levantes continuaram a ocorrer por todo o país,
sempre reprimidas com extrema violência. Como descreve o professor Everaldo de
Oliveira Andrade, “a possibilidade de um renascimento independente da nação
haitiana e de uma representação democrática da soberania popular foram
processos interrompidos e fraturados pelo momento da expansão imperialista dos
EUA no começo do século XX, mas que foram retomados sob novas formas ainda que
começam a amadurecer na década de 1930”.
Como
resultado da ocupação americana, todos os problemas sociais, políticos e
ambientais do Haiti se agravaram. Embora houvesse uma nova sensação de
estabilidade social, ela havia sido alcançada por meio de uma repressão
violenta aos atos que poderiam ter formado uma oposição organizada em algum
momento.
No
fim, esse simulacro de estabilidade fomentou governos fantoches e submissos aos
interesses do capital estrangeiro, liderados, sobretudo por representantes da
guarda nacional pró Estados Unidos. O agravamento de problemas estruturais,
como o aumento da dependência das exportações de produtos agrícolas, as
deturpações nas cobranças de impostos e a ampliação da dívida externa deixaram
ainda mais pesado o fardo do Haiti em meados do século XX.
Segundo
o autor, “seguiu-se uma década de instabilidades no país, que era a expressão
da fragilidade política e econômica, da submissão da classe dominante haitiana
que renunciara a construir um projeto nacional que fosse alternativo à tutela
dos EUA”.
Porém,
a saída dos Estados Unidos do território haitiano não simbolizou uma nova
independência. A Guarda Nacional, que mais tarde seria a base para o exército,
continuou nas mãos da elite do país e manteve as características de perseguição
à população pobre e aos pequenos agricultores.
·
A Ditadura Duvalier
entre 1957 e 1971
Antigo
membro dos Griots, grupo de resistência nacionalista formado no final da
ocupação americana, Duvalier apresenta-se
inicialmente como um defensor da cultura negra e do vodu. Grande conhecedor da
cultura haitiana, conseguiu se posicionar como uma figura ao mesmo tempo mágica
e popular; alguns diriam que até santo diante da população negra. A magia e o
poder de sedução em torno do discurso nacionalista fizeram com que assumisse o
governo do Haiti em 1957, para um mandato de seis anos. A vitória nas urnas foi
amplamente contestada por seus opositores, mas os movimentos que denunciavam a
fraude eleitoral foram atacados com o uso da força, e as greves que surgiram em
protesto ao resultado da votação foram enfraquecidas pelo novo comandante do
país.
François
Duvalier começa seu mandato presidencial esmagando qualquer esperança que
pudesse ter havido na reconstrução do Haiti, sobretudo pressionando pela
manutenção do status da divisão das terras cultiváveis e evitando a
participação popular no desenvolvimento econômico do país. Porém, embora o
controle sobre a população estivesse fisicamente garantido pelo braço armado do
governo, o ambiente de revolta da sociedade pelos séculos de exploração ainda
existia e se manifestava de tempos em tempos.
Nesse
sentido e sob o âmbito da guerra fria, os Estados Unidos mesmo vinte anos após
a saída do país, voltaram a enxergar o Haiti como local estratégico para a
permanência de sua influência sobre o Caribe e a América Latina. Sendo assim,
os antigos algozes imperialistas voltam a se aproximar. Entre 1957 e 1986,
quase US$ 1 bilhão foram destinados à dinastia de Duvalier para fazer frente à
ascendência cubana na região.
Porém,
o apoio estadunidense não se refletia apenas no afastamento da influência russa
e cubana; os subornos tinham o objetivo de manter as áreas exploráveis do Haiti
sob a responsabilidade do capital americano. Segundo Everaldo Andrade, “as
exportações do país eram totalmente controladas por empresas dos EUA, como
sisal, açúcar, cobre e bauxita”. Isso deixava pouco ou nenhum espaço para a
acumulação de capital e o crescimento de negócios prósperos independentes dos
recursos e da liderança estrangeira, prática que se manteve durante todos os
anos de seu mandato e do de seu filho até 1986.
Embora
François Duvalier tenha sido um líder popular, carismático e com discurso
nacionalista, sua subserviência era evidente e ficava registrada na forma como
a exploração dos recursos haitianos era realizada, como reprimia os movimentos
populares que buscavam democracia e na obscena maneira como seu grupo se
locupletava com os dólares americanos enquanto a população passava fome e
morria de doenças totalmente evitáveis.
·
Jean-Bertrand Aristide
Em
1986, após a fuga de Jean-Claude Duvalier, filho de François Duvalier, para a
Europa levando parte do fruto do roubo do país para bancos amigos na Suiça,
sucessivos golpistas militares tentaram herdar o controle sobre um país em
frangalhos, com extrema pobreza e crises sanitárias visíveis nas ruas.
Nesse
clima de profunda incerteza sobre os rumos do país, Jean-Bertrand Aristide
consegue se eleger presidente. Religioso adepto da teologia da libertação foi
eleito num pleito acompanhado diretamente pela Organização das Nações Unidas, o
que conferiu tamanho selo de qualidade e credibilidade ao processo eleitoral
que ficou conhecido como o primeiro pleito realmente livre da história
haitiana.
Mas,
assumindo uma linha mais progressista no início de seu mandato, desagradou quem
realmente controlava o país e foi substituído através de um golpe de Estado.
Artistide somente conseguiria retornar ao Haiti e ao poder após ter firmado
acordo com os Estados Unidos para, ao invés de assumir uma agenda mais
progressista, assumir a linha neoliberal ditada pelo Consenso de Washington.
Aristide
conseguiu ainda se reeleger presidente em 2000, quando nem sequer pestanejou e
apresentou uma política econômica de cunho neoliberal. O pacote completo, com
abertura ao capital estrangeiro e a privatização de empresas públicas, agradou
aos americanos, e ele permaneceu no governo. Porém, nessa altura da existência
do país, nenhuma política importava mais; a convulsão social e o caos urbano
eram evidentes nas ruas, na fome, na exploração indiscriminada de recursos, na
violência das gangues, e o racismo estrutural já tomava conta do país. Nesse
cenário de guerra, Aristide sofre, ao que parece, mais um golpe de Estado e é
levado novamente aos Estados Unidos.
No
vácuo de poder provocado pela crise institucional, a ONU promete e promove, com
orientação dos Estados Unidos e liderança imediata brasileira a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(MINUSTAH).
·
MINUSTAH e a Cólera
A
missão da ONU no país começa com a prerrogativa de restaurar a estabilidade
social evitando a eclosão de uma guerra civil. Pelo menos é isso que defendem
os países que participaram da ação.
Considerada
um sucesso diplomático, a missão brasileira no Haiti durou treze anos (2004-2017) e deixou “mais de 30 mil mortos, em decorrência da cólera,
mais de 2 mil vítimas de abusos sexuais, e 700 mil pessoas ficaram doentes”. É
o que afirma Wisly Joseph, em artigo intitulado “história da crise
sócio-política do Haiti: como tudo chegou ao ponto atual?”.
Em
outras palavras, o legado deixado pela MINUSTAH foi a promoção de estupros, morte e abusos cometidos em
comunidades pobres da ilha caribenha.
Em
belíssimo artigo intitulado “ONU introduz epidemia de cólera no Haiti”, feito por Cristine Koehler Zanella e Maria Carolina Silveira
Beraldo, professoras do projeto Brasil-Haiti escrevem sobre a introdução da
cólera no país através da presença da MINUSTAH.
O
absurdo descrito pelas professoras está no fato da cólera nunca ter sido
desenvolvida no país caribenho apesar da precária infraestrutura de saneamento
existente. Ou seja, a contaminação deveria e precisaria ter vindo de fora. As
primeiras pesquisas indicavam que a origem da contaminação se deu em um dos
rios do país através da “introdução maciça de material fecal no curso do rio
Artibonite de uma só vez”, provavelmente provocadas por tropas nepalesas que
faziam parte da missão.
Constrangida
pela introdução da doença, a ONU tenta desacreditar as primeiras pesquisas e
envia seus próprios pesquisadores ao país em 2011. Infelizmente para a
entidade, esse novo relatório chegou às mesmas conclusões, responsabilizando
diretamente a ação humana pela introdução da doença, mas de maneira um tanto
contraditória, sem apontar o dedo para a MINUSTAH e afirmando como causa uma
“confluência de circunstâncias”.
·
Instabilidade Política
Atual
Enquanto
durou a MINUSTAH novos governos fantoches foram introduzidos em eleições nada
democráticas e que acabaram resultando em piora do quadro político. Michel
Martelly, um desses fantoches, seria um dos grandes responsáveis pela
redistribuição de parte das poucas terras que ainda restavam nas mãos dos
camponeses pobres para a iniciativa privada, beneficiando especificamente uma
família da elite haitiana e uma multinacional americana conhecida de todos nós.
Por
ironia do destino, Martelly tem sido apontado pelo Departamento do Tesouro
americano como um dos grandes responsáveis pelo tráfico de drogas no país, já
sofreu algumas sanções e corre o risco de ser preso. O que só prova que para os
Estados Unidos está tudo bem deslocar milhares de famílias pobres de suas
terras e deixá-las morrer de fome para beneficiar a indústria americana, mas
tráfico de drogas é demais. Sobretudo se os dólares acabarem voando na direção
contrária.
Michel
Martelly tem como sucessor Jovenel Moise, que tenta, mais uma vez sob pressão
dos Estados Unidos, levantar dados de pessoas e empresas ligadas ao tráfico de
drogas no país e acaba assassinado, segundo reportagem do El País, por um grupo de mercenários colombianos. A instabilidade
gerada pela morte do presidente é jogada no colo de Ariel Henry, que assume em
2021 em meio ao total descontrole das gangues, da violência e da miséria.
Sem
controle de nada e ameaçado diariamente, Henry não consegue terminar o mandato
e é forçado a renunciar em março de 2024. No novo vácuo deixado pela saída de
Henry, um conselho político começa a eleger os líderes, mas um a um eles vão
entrando e saindo do poder, seja por brigas internas ou pela pressão das
gangues, que controlam parte do país, seja pelos empresários ou pelo tráfico de
drogas. O último a ser destituído foi Garry Conille, que havia assumido o cargo
apenas em junho deste ano e ficou menos de seis meses no poder.
¨ Nova Missão de Paz
Hoje,
diante da desintegração total do Haiti, resultado dos séculos de exploração e
humilhação, a Organização das Nações Unidas estuda uma nova missão de paz no
país caribenho. A pergunta que não quer calar sobre o Haiti hoje não é
meramente o que devemos fazer para ajudar, e sim, tendo em vista todos os
séculos de exploração de seu território e de sua população e a situação
catastrófica que os interesses europeus e americanos deixaram na ilha
caribenha, por que finalmente não o deixamos em paz para resolver seus próprios
problemas com o tempo e a forma que desejarem? Se o mundo dito desenvolvido
quer novamente colocar o dedo na ferida haitiana deveria primeiro encontrar uma
forma de restituir tudo aquilo que deve ao país.
Fonte:
Le Monde
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