quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Rafael Cabral Maia: Que tal dessa vez deixarmos o Haiti em paz?

O Haiti, país caribenho com mais de onze milhões de habitantes e um dos mais explorados recantos do Sul Global, acaba de destituir seu recém-empossado primeiro-ministro. Garry Conille, escolhido para suceder a Ariel Henry, que renunciou pressionado pela violência nas ruas, foi retirado do comando da ilha pelo Conselho de Transição Presidencial em maio, após ter ficado menos de seis meses no poder. Para seu lugar, foi escolhido Alix Didier Fils-Aimé.

O país, que enfrenta uma grave crise humanitária e de segurança, perdendo o controle sobre parte de sua infraestrutura para as gangues que agem sem pudor em seu território, em breve pode ser palco de mais uma missão internacional comandada pela Organização das Nações Unidas. Essa nova missão, como a última, tem como objetivo restituir alguma estabilidade social, política e institucional ao país.

Porém, tendo em vista os últimos quatro séculos da história haitiana, a exploração espanhola, a colonização francesa, a ocupação americana, a missão brasileira e permeando tudo isso, o aproveitamento que o capital europeu e americano teve no período em detrimento do desenvolvimento do Haiti, uma pergunta chama a atenção: Por que, dessa vez, não deixamos o Haiti tentar se organizar e se recuperar sozinho? Se a ONU quer ajudar, por que simplesmente não força os países que tanto exploraram essa região do planeta a arcar com uma indenização trilionária pelos séculos de exploração de sua população e de seus recursos naturais? Enviar uma nova missão internacional para inserir novos governos fantoches, que piorarão sem sombra de dúvida a vida dos cidadãos haitianos certamente não é o caminho. Já vimos esse filme e às vezes é necessário refletir sobre o histórico de interferência numa nação soberana em defesa de ideias abstratas como “liberdade e democracia”.

·        Breve Retrospectiva

O histórico de exploração do território, de seus recursos naturais e da própria população haitiana por potências estrangeiras vem de longa data. O país, ocupado primeiramente pelos espanhóis (que insatisfeitos com a retirada de todo o ouro que podiam, aproveitaram a viagem para exterminar a população indígena taínos, que até o século XV habitava a região), foi colonizado pelos franceses entre os séculos XVII e XVIII, e finalmente pelos Estados Unidos no século XX. Há controvérsias sobre se aquilo que os americanos chamaram de “ocupação” seria uma volta ao período colonial, mas sigo a versão dos historiadores que alegam tratar-se de uma nova colonização de qualquer forma, principalmente pela forma como foi feita, ignorando totalmente a soberania haitiana.

Fato é que apenas no breve período entre a declaração da independência e a assumpção de uma dívida monstruosa com a França, o Haiti foi realmente livre. Livre, mas ignorado pelo resto do mundo, já que a horrenda onda de violência liderada pelo revolucionário Toussaint Louverture entre o final do século XVIII e início do XIX, assombrou de tal maneira os colonizadores europeus que estes excluíram o Haiti livre do comércio internacional com medo que a absurda ideia de escravizados se rebelando contra os exploradores seguisse um rumo incontrolável e chegasse às áreas mais rentáveis nos países sob seu controle.

É interessante percebermos como, em um país essencialmente agrário e com esse histórico de exploração, os homens que herdaram o domínio sobre o Estado haitiano desperdiçaram a imensa oportunidade que a independência trouxe para realizar uma reforma agrária e recolocar seus cidadãos no controle dos rumos do país. A elite que herdou o controle estatal após a declaração de independência e retirou as terras dos franceses as distribuiu entre si, deixando a população ‘novo livre’ excluída da participação no sistema econômico. Talvez a maior oportunidade para uma reforma agrária em toda a história do Haiti tenha sido desperdiçada pela pequenez da classe antes dominada e agora dominante. Infelizmente, a redistribuição das propriedades foi ignorada em favor da ampliação de seus próprios benefícios.

Incrivelmente, passada a independência ainda reinava na elite do país uma certa submissão aos europeus e principalmente ao capital vindo de fora.

·        Dívida com a França

O processo de independência durou mais de dez anos e foi marcado por uma guerra civil que vingou os anos de abusos e assassinatos cometidos contra a população escravizada. Milhares de homens, mulheres e crianças brancas europeias terminaram o início do século XIX massacrados ou expulsos do país em atos de violência sanguinários. Jean-Jacques Dessalines, primeiro governante do Haiti livre, chegou a decretar a pena de morte para todos os europeus presentes no país em 1804, assim que assumiu o poder.

O ato de vingança perpetrado pela nova elite deixou os líderes europeus apavorados com as colônias que exploravam na África, América Latina e Ásia. O maior medo era que o horror que precedeu a independência da ilha caribenha chegasse às suas colônias em outros locais, o que poderia resultar no fim de seu lucrativo império de extração mineral, do cultivo da cana-de-açúcar e da exploração comercial do trabalho dos escravizados mundo afora.

Como resultado, o Haiti não foi reconhecido por nenhum país diplomaticamente. Incapaz de se reconstruir através do comércio, a ilha ficou artificialmente isolada do mercado internacional e se empobreceu, enquanto o mundo continuava a comercializar e se modernizar.

O reconhecimento internacional (incompleto, já que Estados Unidos apenas reconheceriam o Haiti independente em 1862) viria apenas em 1826, após a assinatura de um acordo com a França e o pagamento de uma “indenização”, veja só, pelos prejuízos causados aos europeus com o fim da exploração do território.

A dívida impagável, pois correspondia à época em praticamente dez vezes as receitas anuais do país, forçou o Haiti a recorrer a empréstimos internacionais justamente com os bancos franceses. Essa dívida injusta e cruel ficou pendurada no pescoço da população e dos governos haitianos até 1947, quando foi finalmente quitada.

Hoje, organizações não governamentais buscam uma reparação histórica e cobram cerca de US$ 200 bilhões do governo francês pelos prejuízos causados ao país enquanto durou o “acordo” firmado no início do século XIX. Não é um absurdo dizer que o valor da “dívida” adquirida pelo país junto a seus algozes coloniais seria um dos muitos fatores que jogaram o país no caos mais de duzentos anos após sua independência.

Também não é um absurdo dizer que a perpetuação da pobreza é fruto da continuidade da interferência estrangeira no país mesmo após o tardio reconhecimento internacional.

·        Colonização Americana entre 1915 e 1934

O período que se seguiu após a independência e a assinatura do acordo de reconhecimento internacional com a França foi também bastante conturbado internamente. Governos pouco democráticos, perpetuação das vantagens dadas à elite, tentativas de golpes e a supressão de recursos financeiros pelos franceses culminaram num estado social caótico.

O último presidente antes da entrada dos Estados Unidos no país foi Jean Vilbrun Guillaume Sam. Esse trouxe a gota d’água que faltava ao caótico ambiente político quando brigou com a elite do país e teve que fugir apenas quatro meses depois de ter tomado posse. Foi encontrado escondido na embaixada da França e linchado pela população.

A invasão da embaixada francesa foi o argumento usado pelo governo americano para invadir o Haiti e conduzi-lo da forma como bem entendesse a partir de 1915. O fato é que os Estados Unidos já estavam de olho na ilha há bastante tempo. Em 1870, o então presidente americano Ulysses Grant já havia submetido uma proposta ao Congresso visando a anexação do Haiti e da República Dominicana e foi derrotado. Nação recém-saída da guerra, os Estados Unidos tinham outras prioridades. No entanto, embora a proposta tenha sido recusada, nunca mais tiraram os olhos da região.

O professor Everaldo de Oliveira Andrade, autor de livros e artigos sobre o Haiti, reflete sobre a ocupação americana na ilha, ilustrando que ela poderia funcionar como um imenso laboratório para o estudo de práticas imperialistas que seriam utilizadas no futuro em outros países.

Assim, a nova nação colonizadora não perdeu tempo. Firme no propósito da ocupação e, nas palavras do professor Patrick Bellegarde Smith, citado por Everaldo Andrade, “dissolveu o parlamento, censurou a imprensa e correios, todos os cidadãos haitianos mais destacados foram colocados sob supervisão da inteligência militar, a imposição da lei marcial foi decretada”, além disso, “aplicou-se o uso de tribunais militares para julgar civis, a intimidação ou prisão ilegal de jornalistas, o indiscriminado assassinato de camponeses, a nomeação de um grande número de soldados em altas posições da administração civil”. Te lembra alguma coisa? Pois é.

E, como toda ocupação ou golpe precisa da aprovação de parte da população para dar certo, diversos setores da sociedade haitiana, em frangalhos após a morte do próprio presidente, torciam para que os Estados Unidos viessem salvá-los. Empresários, camponeses e membros da igreja católica presentes no país ansiavam que a invasão lhes trouxesse prosperidade.

Porém, tal qual na canção de Chico Buarque, a banda não tocou para ninguém, apenas para si mesma. O objetivo final da ocupação era afastar as raízes nacionalistas da sociedade haitiana e preparar o país para assimilar o domínio cultural, econômico e político estrangeiro sem críticas, possibilitando o mínimo de estabilidade social enquanto sofriam com a exploração de seus recursos naturais e financeiros. Em 1918, sob pressão americana, a presidência fantoche de ocasião aprova uma nova constituição permitindo que estrangeiros pudessem ser proprietários de terras, o que intensificou o domínio imperialista americano e minguou a já fraca resistência popular à ocupação.

·        A Guerra dos Cacos

O sentimento de revolta contra a ocupação, que vinha sendo gestado pela população haitiana, era motivado tanto pelo racismo das tropas americanas, seus abusos e crimes, quanto por um nacionalismo crescente originado pela perda de prestígio e poder da elite do país. Contribuíram para o colapso que levou à guerra contra os imperialistas a situação cada vez pior dos comerciantes, envolvidos com a oscilação do comércio internacional com o Haiti, a corrupção escancarada dos agentes públicos e a instabilidade do sistema político patrocinado pelos estadunidenses. Incendiaram as massas de camponeses insatisfeitos e revoltados com o sistema político e econômico o retorno de práticas feudais na agricultura e no dia a dia da reconstrução do país.

Nesse ambiente caótico, pequenas revoltas começaram a surgir, grupos rebeldes armados e municiados pelo discurso nacionalista foram duramente reprimidos pelo exército americano. Aos poucos e sucessivamente, os pequenos líderes revoltados com a ocupação americana venciam e perdiam batalhas pelo domínio de algumas áreas do país. Lideranças como Charlemagne Peralt ascendiam, eram perseguidos e assassinados. O agravamento da crise política e social fez centenas de milhares de cidadãos haitianos recorrerem à emigração para sobreviver. Camponeses saíam em massa para Cuba e República Dominicana, principalmente.

As revoltas populares e pequenos levantes continuaram a ocorrer por todo o país, sempre reprimidas com extrema violência. Como descreve o professor Everaldo de Oliveira Andrade, “a possibilidade de um renascimento independente da nação haitiana e de uma representação democrática da soberania popular foram processos interrompidos e fraturados pelo momento da expansão imperialista dos EUA no começo do século XX, mas que foram retomados sob novas formas ainda que começam a amadurecer na década de 1930”.

Como resultado da ocupação americana, todos os problemas sociais, políticos e ambientais do Haiti se agravaram. Embora houvesse uma nova sensação de estabilidade social, ela havia sido alcançada por meio de uma repressão violenta aos atos que poderiam ter formado uma oposição organizada em algum momento.

No fim, esse simulacro de estabilidade fomentou governos fantoches e submissos aos interesses do capital estrangeiro, liderados, sobretudo por representantes da guarda nacional pró Estados Unidos. O agravamento de problemas estruturais, como o aumento da dependência das exportações de produtos agrícolas, as deturpações nas cobranças de impostos e a ampliação da dívida externa deixaram ainda mais pesado o fardo do Haiti em meados do século XX.

Segundo o autor, “seguiu-se uma década de instabilidades no país, que era a expressão da fragilidade política e econômica, da submissão da classe dominante haitiana que renunciara a construir um projeto nacional que fosse alternativo à tutela dos EUA”.

Porém, a saída dos Estados Unidos do território haitiano não simbolizou uma nova independência. A Guarda Nacional, que mais tarde seria a base para o exército, continuou nas mãos da elite do país e manteve as características de perseguição à população pobre e aos pequenos agricultores.

·        A Ditadura Duvalier entre 1957 e 1971

Antigo membro dos Griots, grupo de resistência nacionalista formado no final da ocupação americana, Duvalier apresenta-se inicialmente como um defensor da cultura negra e do vodu. Grande conhecedor da cultura haitiana, conseguiu se posicionar como uma figura ao mesmo tempo mágica e popular; alguns diriam que até santo diante da população negra. A magia e o poder de sedução em torno do discurso nacionalista fizeram com que assumisse o governo do Haiti em 1957, para um mandato de seis anos. A vitória nas urnas foi amplamente contestada por seus opositores, mas os movimentos que denunciavam a fraude eleitoral foram atacados com o uso da força, e as greves que surgiram em protesto ao resultado da votação foram enfraquecidas pelo novo comandante do país.

François Duvalier começa seu mandato presidencial esmagando qualquer esperança que pudesse ter havido na reconstrução do Haiti, sobretudo pressionando pela manutenção do status da divisão das terras cultiváveis e evitando a participação popular no desenvolvimento econômico do país. Porém, embora o controle sobre a população estivesse fisicamente garantido pelo braço armado do governo, o ambiente de revolta da sociedade pelos séculos de exploração ainda existia e se manifestava de tempos em tempos.

Nesse sentido e sob o âmbito da guerra fria, os Estados Unidos mesmo vinte anos após a saída do país, voltaram a enxergar o Haiti como local estratégico para a permanência de sua influência sobre o Caribe e a América Latina. Sendo assim, os antigos algozes imperialistas voltam a se aproximar. Entre 1957 e 1986, quase US$ 1 bilhão foram destinados à dinastia de Duvalier para fazer frente à ascendência cubana na região.

Porém, o apoio estadunidense não se refletia apenas no afastamento da influência russa e cubana; os subornos tinham o objetivo de manter as áreas exploráveis do Haiti sob a responsabilidade do capital americano. Segundo Everaldo Andrade, “as exportações do país eram totalmente controladas por empresas dos EUA, como sisal, açúcar, cobre e bauxita”. Isso deixava pouco ou nenhum espaço para a acumulação de capital e o crescimento de negócios prósperos independentes dos recursos e da liderança estrangeira, prática que se manteve durante todos os anos de seu mandato e do de seu filho até 1986.

Embora François Duvalier tenha sido um líder popular, carismático e com discurso nacionalista, sua subserviência era evidente e ficava registrada na forma como a exploração dos recursos haitianos era realizada, como reprimia os movimentos populares que buscavam democracia e na obscena maneira como seu grupo se locupletava com os dólares americanos enquanto a população passava fome e morria de doenças totalmente evitáveis.

·        Jean-Bertrand Aristide

Em 1986, após a fuga de Jean-Claude Duvalier, filho de François Duvalier, para a Europa levando parte do fruto do roubo do país para bancos amigos na Suiça, sucessivos golpistas militares tentaram herdar o controle sobre um país em frangalhos, com extrema pobreza e crises sanitárias visíveis nas ruas.

Nesse clima de profunda incerteza sobre os rumos do país, Jean-Bertrand Aristide consegue se eleger presidente. Religioso adepto da teologia da libertação foi eleito num pleito acompanhado diretamente pela Organização das Nações Unidas, o que conferiu tamanho selo de qualidade e credibilidade ao processo eleitoral que ficou conhecido como o primeiro pleito realmente livre da história haitiana.

Mas, assumindo uma linha mais progressista no início de seu mandato, desagradou quem realmente controlava o país e foi substituído através de um golpe de Estado. Artistide somente conseguiria retornar ao Haiti e ao poder após ter firmado acordo com os Estados Unidos para, ao invés de assumir uma agenda mais progressista, assumir a linha neoliberal ditada pelo Consenso de Washington.

Aristide conseguiu ainda se reeleger presidente em 2000, quando nem sequer pestanejou e apresentou uma política econômica de cunho neoliberal. O pacote completo, com abertura ao capital estrangeiro e a privatização de empresas públicas, agradou aos americanos, e ele permaneceu no governo. Porém, nessa altura da existência do país, nenhuma política importava mais; a convulsão social e o caos urbano eram evidentes nas ruas, na fome, na exploração indiscriminada de recursos, na violência das gangues, e o racismo estrutural já tomava conta do país. Nesse cenário de guerra, Aristide sofre, ao que parece, mais um golpe de Estado e é levado novamente aos Estados Unidos.

No vácuo de poder provocado pela crise institucional, a ONU promete e promove, com orientação dos Estados Unidos e liderança imediata brasileira a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).

·        MINUSTAH e a Cólera

A missão da ONU no país começa com a prerrogativa de restaurar a estabilidade social evitando a eclosão de uma guerra civil. Pelo menos é isso que defendem os países que participaram da ação.

Considerada um sucesso diplomático, a missão brasileira no Haiti durou treze anos (2004-2017) e deixou “mais de 30 mil mortos, em decorrência da cólera, mais de 2 mil vítimas de abusos sexuais, e 700 mil pessoas ficaram doentes”. É o que afirma Wisly Joseph, em artigo intitulado “história da crise sócio-política do Haiti: como tudo chegou ao ponto atual?”.

Em outras palavras, o legado deixado pela MINUSTAH foi a promoção de estupros, morte e abusos cometidos em comunidades pobres da ilha caribenha.

Em belíssimo artigo intitulado “ONU introduz epidemia de cólera no Haiti”, feito por Cristine Koehler Zanella e Maria Carolina Silveira Beraldo, professoras do projeto Brasil-Haiti escrevem sobre a introdução da cólera no país através da presença da MINUSTAH.

O absurdo descrito pelas professoras está no fato da cólera nunca ter sido desenvolvida no país caribenho apesar da precária infraestrutura de saneamento existente. Ou seja, a contaminação deveria e precisaria ter vindo de fora. As primeiras pesquisas indicavam que a origem da contaminação se deu em um dos rios do país através da “introdução maciça de material fecal no curso do rio Artibonite de uma só vez”, provavelmente provocadas por tropas nepalesas que faziam parte da missão.

Constrangida pela introdução da doença, a ONU tenta desacreditar as primeiras pesquisas e envia seus próprios pesquisadores ao país em 2011. Infelizmente para a entidade, esse novo relatório chegou às mesmas conclusões, responsabilizando diretamente a ação humana pela introdução da doença, mas de maneira um tanto contraditória, sem apontar o dedo para a MINUSTAH e afirmando como causa uma “confluência de circunstâncias”.

·        Instabilidade Política Atual

Enquanto durou a MINUSTAH novos governos fantoches foram introduzidos em eleições nada democráticas e que acabaram resultando em piora do quadro político. Michel Martelly, um desses fantoches, seria um dos grandes responsáveis pela redistribuição de parte das poucas terras que ainda restavam nas mãos dos camponeses pobres para a iniciativa privada, beneficiando especificamente uma família da elite haitiana e uma multinacional americana conhecida de todos nós.

Por ironia do destino, Martelly tem sido apontado pelo Departamento do Tesouro americano como um dos grandes responsáveis pelo tráfico de drogas no país, já sofreu algumas sanções e corre o risco de ser preso. O que só prova que para os Estados Unidos está tudo bem deslocar milhares de famílias pobres de suas terras e deixá-las morrer de fome para beneficiar a indústria americana, mas tráfico de drogas é demais. Sobretudo se os dólares acabarem voando na direção contrária.

Michel Martelly tem como sucessor Jovenel Moise, que tenta, mais uma vez sob pressão dos Estados Unidos, levantar dados de pessoas e empresas ligadas ao tráfico de drogas no país e acaba assassinado, segundo reportagem do El País, por um grupo de mercenários colombianos. A instabilidade gerada pela morte do presidente é jogada no colo de Ariel Henry, que assume em 2021 em meio ao total descontrole das gangues, da violência e da miséria.

Sem controle de nada e ameaçado diariamente, Henry não consegue terminar o mandato e é forçado a renunciar em março de 2024. No novo vácuo deixado pela saída de Henry, um conselho político começa a eleger os líderes, mas um a um eles vão entrando e saindo do poder, seja por brigas internas ou pela pressão das gangues, que controlam parte do país, seja pelos empresários ou pelo tráfico de drogas. O último a ser destituído foi Garry Conille, que havia assumido o cargo apenas em junho deste ano e ficou menos de seis meses no poder.

¨      Nova Missão de Paz

Hoje, diante da desintegração total do Haiti, resultado dos séculos de exploração e humilhação, a Organização das Nações Unidas estuda uma nova missão de paz no país caribenho. A pergunta que não quer calar sobre o Haiti hoje não é meramente o que devemos fazer para ajudar, e sim, tendo em vista todos os séculos de exploração de seu território e de sua população e a situação catastrófica que os interesses europeus e americanos deixaram na ilha caribenha, por que finalmente não o deixamos em paz para resolver seus próprios problemas com o tempo e a forma que desejarem? Se o mundo dito desenvolvido quer novamente colocar o dedo na ferida haitiana deveria primeiro encontrar uma forma de restituir tudo aquilo que deve ao país.

 

Fonte: Le Monde

 

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