Luís
Nassif: Xadrez da contagem regressiva para 2026
Há
um tigre faminto atrás da porta. Mas julga-se que viabilizando o arcabouço
fiscal, todos os males serão afastados.
• Peça 1 – o austericídio
alemão
A
Alemanha vive seu pior momento no pós-guerra. O país, que já foi um dos motores
do desenvolvimento mundial, parou. O país que, em outros tempos, dominou a
indústria química, a elétrica, a siderúrgica, que inovou nas relações
trabalhistas, parou. Não conseguiu avançar na digitalização, das novas
tecnologias, derrotado pelas políticas de austeridade de Ângela Merkel – aliás,
com autocrítica dela própria em sua recém-lançada biografia.
Deixou
de investir em ciência e tecnologia, em inovação, em startups. Mais que isso, a
partir da crise de 2008 impôs o padrão austericida do Deutsche Bundesbank a
toda a União Europeia. Com o mercado europeu encolhendo, ampliou relações
comerciais com China e Rússia, tornou-se dependente do gás russo. A falta de
perspectivas, de melhoria da vida interna enfraqueceu o sucessor de Merkel,
Olaf Scholz, que buscou o álibi de todo governante fraco: inventar um inimigo
externo.
Envolveu
o país na guerra da Ucrânia, afastou-se dos dois parceiros comerciais, foi
afetado pela destruição do Nord Stream 1, o gasoduto que trazia gás da Rússia;
não autorizou o Nord Stream 2, depois de investimento de bilhões. O
austericídio matou as principais bandeiras do Partido Social-Democrata e,
agora, a Alemanha está prestes a ser tomada pela ultradireita.
• Peça 2 – o austericídio
brasileiro
Questões
climáticas elevam a inflação interna. Imediatamente amplia-se mais ainda a
grita por aumento da taxa Selic. A taxa passa a 11,25% ao ano, com perspectiva
de escalar mais ainda. Para esse nível, para estabilizar a relação dívida/PIB o
superávit primário deveria subir para 1,5%, segundo a Instituição Fiscal
Independente. Mas pode ir para 13%, para 15%.
Provavelmente
abortará o crescimento do PIB de 2025, depois da boa surpresa de 2024. Empresas
que estavam batendo na sua capacidade instalada, vão suspender investimentos: é
mais rentável e seguro investir em títulos públicos. E haverá uma explosão de
novas recuperações judiciais das pessoas jurídicas e de inadimplência das
pessoas físicas, implodindo a indústria de fundos multimercados.
No
terceiro trimestre de 2024, o país registrou 4.408 empresas em recuperação
judicial, crescimento de 10,5% em relação ao mesmo período do ano passado,
recorde histórico. Em outubro, o país registrou 68,1 milhões de consumidores
inadimplentes, cerca de 41,2% da população adulta, 1,13% a mais que no mesmo
período de 2023.
Aí,
o CEO do Verde Asset, Luis Stuhlberger, depois de várias apostas erradas,
proclama que o problema é o déficit nominal do governo. “Só Ucrânia, Rússia e
Israel, países em guerra, têm déficit tão alto quanto o Brasil”, afirmou em
entrevista ao Estadão. Como se sabe, o déficit nominal inclui os juros. Sem a
conta de juros, a situação fiscal é equilibrada. E qual a saída? Mais juros.
Os
bancos praticam taxas de spread suicidas. Se não houver tomador, não há
problema: existem as operações compromissadas, pelas quais o Banco Central
recolhe as sobras dos bancos e remunera pela CDI (Certificado de Depósito
Interbancário).
E
assim la nave va.
• Peça 3 – a estratégia
A
estratégia do governo é repetir o Lula 2: três anos de austeridade, para colher
os frutos no quarto ano. A partir do próximo ano, o Banco Central estará nas
mãos de um presidente racional e competente, que não repetirá as declarações
irresponsáveis de Roberto Campos Neto e, se tudo for bem sucedido, certamente
não trará a Selic de volta a um dígito.
Em
2008 houve um boom das commodities, que trouxe receitas adicionais
extraordinárias ao país. As sobras serviram para atender o mercado e permitir
políticas públicas criativas.
Agora,
há a perspectiva de uma guerra comercial, comandada pelos Estados Unidos. Mais
que isso. A variável de ajuste, na política monetária, é o câmbio. Aumentando
os juros, entram mais dólares, ocorre uma apreciação do real reduzindo os
preços dos produtos comercializáveis – e aumentando a insegurança para o
investimento produtivo, que é o que realmente interessa.
Agora,
o governo Trump promete, de um lado, aumentar as tarifas de importação; de
outro, reduzir a tributação sobre as empresas. Mais tarifas, mais inflação,
mais juros; menos impostos, mais lucros, mais dividendos. Nos dois casos, os
EUA serão um sorvedouro de dólares, trazendo um complicador a mais para a
política monetária: as taxas de juros não responderão apenas às altas de
preços, mas aos movimentos de juros nos Estados Unidos. E cada espirro de
Trump, ou de Ellon Musk, sacudirá o mercado.
• Peça 4 – o perigo atrás
do muro
Analise
todos os fatores que impediram o golpe de Bolsonaro. Um dos principais foi a
formação do Alto Comando e a falta de consenso em relação ao golpe.
Mas
a operação da PF afastará definitivamente Bolsonaro e deixará o bolsonarismo em
mãos mais hábeis, como Tarcísio de Freitas. Em pouco tempo no governo de São
Paulo, Tarcisio transformou a Polícia Militar em uma máquina de matar,
politizou a organização, promoveu uma queima dos principais ativos públicos,
tentou investir sobre a USP, a Fapesp e, agora, a Fundação Padre Anchieta. É um
desastre administrativo.
O
que um presidente como ele, ou como Romeu Zema, ou como Ronaldo Caiado, fariam
com a democracia brasileira, depois dos ensinamentos sobre o fracasso do golpe
de Bolsonaro? O que fariam com o sistema de promoção das Forças Armadas ou
mesmo com a instituição do Alto Comando?
A
mídia transformou uma gestão amplamente medíocre de Tarcísio, em um governo
modelo. A operação da PF contra o golpe tem merecido ampla cobertura por ser
novidade, e por ser Bolsonaro. Não há nenhum sinal de que a imprensa tenha
aprendido os valores democráticos, mesmo passando o que passou no governo
Bolsonaro.
Por
outro lado, os grandes grupos nacionais – os novos poderosos – sonham com um
governo que lhes entregue a Petrobras e os bancos públicos.
Há
um tigre faminto atrás da porta. Mas julga-se que viabilizando o arcabouço
fiscal, todos os males serão afastados.
• Peça 5 – os trunfos do
país
Paradoxalmente,
o país vive sua grande oportunidade, com a transição energética e com a
aproximação com a China. Todos esses fatores exigem mudanças radicais no
governo.
Há
tempos cobra-se aqui um Plano de Metas, com metas e prazos definidos, com
formação interministerial e com participação da sociedade civil, tal como foi o
Plano de Metas de JK ou o New Deal.
Há
dois protótipos iniciais que poderiam servir de modelo. Um, os estudos
apresentados pela comunidade científica no 5o. Encontro Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação. Outro, as comissões montadas entre o Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio e a China, para analisar os pontos de
colaboração entre ambos os países.
Os
temas definidos podem servir de base para um planejamento muito mais
abrangente, no qual as possibilidades de parceria com a China sejam apenas um
componente.
Contra
o empreendedorismo individual da ultradireita, há o empreendedorismo
colaborativo que poderia ser abraçado pelo governo, na forma de Arranjos
Produtivos Digitais, estímulo ao cooperativismo, parceria com o sistema S e com
as associações de classe.
Mas
esse trabalho exigiria uma reforma ministerial que injetasse imaginação e
iniciativa ao governo. Por enquanto, o que se vê são ministérios sociais e
culturais acossados pela falta de verbas, espalhando o desânimo até em setores
historicamente ligados a causas progressistas. Como ocorreu, aliás, com a
Social Democracia alemã.
Há
uma contagem regressiva para 2026. E uma bomba nas eleições de 2026, que poderá
implodir o que resta de sonho brasileiro.
Fonte:
Jornal GGN
Nenhum comentário:
Postar um comentário