49,9% dos
medicamentos incorporados ao SUS entre 2022 e 2023 não estão disponíveis
Levantamento
obtido por Futuro da Saúde aponta que 49,9% dos medicamentos incorporados ao
SUS entre 2022 e 2023 não estão disponíveis à população. Eles representam 23
dos 47 tratamentos incorporados no período para diversas doenças, como
esclerose múltipla, câncer de mama e osteoporose.
Por
lei, o Governo Federal tem 180 dias para o fornecimento de medicamentos após a
incorporação, que ocorre a partir da publicação de portaria do Ministério da
Saúde no Diário Oficial da União (DOU) após todo o processo de avaliação da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec). No entanto, o prazo nem sempre é cumprido pela pasta.
A
análise foi realizada com base em informações públicas do DOU, do Departamento
de Logística em Saúde e do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos,
Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP). A ausência de contratos e códigos para os
tratamentos indica que eles ainda não estão disponíveis.
O
atraso pode trazer impactos à saúde da população. Associações de pacientes
apontam que a demora para a disponibilização de medicamentos impacta no acesso
da população ao tratamento mais adequado, já que, via de regra, o tratamento
incorporado é melhor que o disponível atualmente no SUS. Já para a indústria
farmacêutica, afeta a organização para produção, distribuição e suporte ao
paciente.
Procurado,
o Ministério da Saúde afirma em nota que “os prazos podem ser afetados por
diversos fatores, como disponibilidade orçamentária, processos administrativos
e logísticos, entre outros. O processo de incorporação pode levar alguns meses,
e o objetivo é garantir que a decisão de incorporação seja bem fundamentada,
levando em consideração os aspectos clínicos, econômicos e sociais da
tecnologia em questão”.
Na
sexta-feira, 1 de novembro, o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do
Complexo Econômico-Industrial da Saúde, Carlos Gadelha, afirmou, em entrevista
exclusiva ao Futuro da Saúde, que o Ministério trabalha para atualizar os
prazos, respeitando as necessidades dos usuários e do Governo.
• Atraso na
disponibilidade de medicamentos incorporados ao SUS
“A
Conitec hoje é a porta de entrada para o medicamento fazer parte do SUS.
Espera-se que ela tenha um rigor e critérios claros, além do comprometimento
com a escolha de tecnologias que são sabidamente custo-efetivas. O problema é
que esperamos pela chegada do avanço de incorporação do medicamento e depois
sofremos para que ele saia do papel para que a gente não tenha que viver essa
falta de equidade entre os sistemas de saúde”, afirma Luciana Holtz, fundadora
e presidente do Instituto Oncoguia.
Os
23 medicamentos incorporados entre 2022 e 2023 que não estão disponíveis para a
população, segundo o levantamento, são indicados para tratamento de doenças
como fibrose cística, câncer de mama, câncer de pulmão, doença de Fabry,
atrofia muscular espinhal, esclerose múltipla, osteoporose, entre outras.
A
disponibilidade de medicamentos incorporados ao SUS é um desafio de anos. Seja
por falta de orçamento anual para custear a compra das novas drogas, seja por
falta de atualização dos valores de Autorização de Procedimentos Ambulatoriais
(APAC), existe historicamente uma falha no processo de oferta de novos
medicamentos a pacientes.
O
Ministério da Saúde tem buscado soluções nesse sentido, como uma possível
proposta para compras centralizadas de medicamentos oncológicos, confirmada
pela pasta ao Futuro da Saúde em julho deste ano. No entanto, não houve
atualizações sobre as discussões desse tema.
Parte
da reclamação de associações de pacientes está na falta de respostas do Governo
frente aos questionamentos sobre a situação dos medicamentos incorporados, mas
não disponíveis. É o caso da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla
(Abem), que busca respostas sobre a incorporação de um medicamento. Isso pode
impactar, inclusive, no aumento da judicialização.
“Só
há judicialização quando vemos a omissão do Estado em determinadas situações.
Ninguém gosta de fazer. Quando o paciente se socorre por essa via, é porque é a
última salvação, o último lugar que ele tem e, infelizmente, é o meio de
acesso”, afirma Sumaya Afif, diretora Jurídica e de Advocacy da Abem.
Em
meio a discussões sobre o impacto da judicialização da saúde no SUS e a recente
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca de processos que solicitam
acesso a medicamentos não incorporados, há uma pressão para que o Ministério da
Saúde resolva também a disponibilização de medicamentos já incorporados.
O
caso do Zolgensma, por exemplo, é considerado simbólico por especialistas.
Incorporado em 2022 através de um acordo de compartilhamento de risco e com
custo de 5,7 milhões de reais por unidade, o medicamento só está disponível até
o momento através da via judicial, o que eleva os gastos públicos para a sua
disponibilização e cria restrições a famílias.
• Pacientes com câncer de
mama
Um
dos principais medicamentos oncológicos aguardados é o trastuzumabe entansina.
Com indicação para câncer de mama tipo HER2 positivo, para pacientes que tenham
sido operadas em estádio III e que tenham doença residual, o tratamento foi
incorporado em setembro de 2022 e ainda não foi disponibilizado. O impacto
estimado ao SUS com a sua incorporação é de R$881.936 milhões acumulados em 5
anos, em caso de não compartilhamento de doses.
“As
pacientes estão perdendo a chance de serem curadas, porque existe um tempo
correto. Hoje, quando falamos de medicina de precisão, é o tempo correto para a
paciente correta também. Essa situação é muito frustrante”, afirma Holtz.
Comercializado
como Kadcyla, o medicamento é fabricado pela Roche. O produto foi aprovado pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2019 e, mesmo após a
incorporação da Conitec, não está disponível para os pacientes do SUS como
política de saúde. Apenas algumas instituições com mais recursos o oferecem ou
as pacientes conseguem o direito ao tratamento por decisão judicial.
Em
nota, a farmacêutica afirma que “há cinco anos, o país conta com uma inovação
que tem o potencial de manter as pacientes em um cenário curativo, mas ela não
está disponível a quem mais precisa dela. Uma realidade que temos o dever de
transformar o mais rápido possível”. Ela ainda afirma que tem se colocado à
inteira disposição dos órgãos públicos para colaborar e trazer mais celeridade
ao processo de disponibilização.
A
Roche aponta que, com base em dados disponíveis do DATASUS, aproximadamente
sete novas pacientes por dia chegam à saúde pública com um quadro de câncer de
mama HER2 positivo em estágio inicial e que não tiveram resposta completa após
o tratamento neoadjuvante, aquele realizado antes da cirurgia ou radioterapia,
cenário em que o trastuzumabe entansina entraria.
Holtz
explica que o Oncoguia já buscou contato com o Ministério da Saúde em
diferentes oportunidades. “Em alguns momentos a questão era custo, porque o
orçamento já havia sido concluído, então não iria conseguir comprar um novo
medicamento. Em outros momentos era o Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT)”, explica a presidente.
O
câncer de mama é uma das condições que aguardam a publicação do PCDT, o que
pode impactar na chegada do tratamento para a população. O texto de
recomendação final foi aprovado em abril de 2024, mas não houve publicação no
Diário Oficial da União. Não há previsão de quando será publicado.
“O
PCDT também vai ajudar muito em não ter mais essa questão do meu SUS ser
diferente do seu SUS. Porque, uma vez resolvida a questão do financiamento,
temos quase certeza de que essa falta de equidade não vai acontecer. Hoje o
maior pedido tem sido para que a incorporação de fato aconteça”, defende a
presidente do Oncoguia.
• Medicamento oral para
esclerose múltipla
Outro
medicamento que se encontra nessa situação é a cladribina oral. Produzido pela
Merck, é uma terapia não infusional para pacientes com esclerose múltipla
remitente recorrente altamente ativa, doença degenerativa grave que afeta o
funcionamento do corpo humano.
“É
uma inovação no tratamento que também já estava disponível nos principais
sistemas de saúde do mundo, como Reino Unido, Austrália e outros. A Merck já vinha há alguns anos nesse trabalho com o
Ministério da Saúde, tentando oferecer todas as evidências necessárias, todas
as informações para a incorporação do produto. Felizmente, no ano passado, a
gente teve a boa notícia dessa incorporação”, afirma Clóvis Brito, diretor de
acesso da farmacêutica.
O
principal diferencial do produto é ser oral, não demandando deslocamento de
paciente e equipes de saúde dedicadas para fazer a infusão, como ocorre nos
tratamentos convencionais para esse tipo de esclerose múltipla. Segundo a
Merck, dados do DATASUS apontam para um grande deslocamento de pacientes, com
cerca de 45% deles fazendo o tratamento fora do seu município.
“É
importante lembrar que o Brasil é um pequeno continente e que tem pessoas que
não moram em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, lugares que efetivamente
não sentem tanto a desigualdade. É um medicamento que não exige que esse
paciente falte ao trabalho ou aos estudos para fazer uma infusão”, afirma Afif,
da ABEM.
No
entanto, não houve ainda a disponibilização para os pacientes do SUS. No caso
do PCDT para esclerose múltipla, o Ministério da Saúde publicou em 26 de
setembro sua atualização. A pasta afirma, em nota, que o medicamento está em
“processo de aquisição”. Ainda, aponta que existem outros 7 tratamentos
incorporados para a doença.
“Entendemos
a dinâmica da Conitec, o processo é moroso. Estar na posição deles também é
desconfortável, porque depende de uma ação política, efetivamente. O Ministério
poderia ter um cuidado em promover as informações mais atualizadas”, observa
Afif, que aponta o modelo de fila de registro da Anvisa como um case a ser
seguido para o processo de incorporação e disponibilização de medicamentos.
Clóvis
Brito, da Merck, explica que a falta de previsibilidade sobre a compra do
Ministério impacta na organização do mercado farmacêutico. Isso porque envolve
produção, preparação, logística e treinamento de equipes, que irão dar suporte
a médicos e pacientes.
“Não
é uma característica só para a Merck, mas posso falar aqui em nome da
indústria. São processos complexos e a gente reconhece isso, principalmente se
tratando do maior sistema de saúde universal do mundo. Reconhecemos a
necessidade de que isso seja feito da forma mais criteriosa possível. Mas
trabalhamos com cronogramas e, obviamente, eles têm um impacto, porque é uma
cadeia muito longa”, afirma Brito.
Fonte:
Futuro da Saúde
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