sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Carlos Carvalho: O baile dos 37

A democracia não foi convidada para o “baile” organizado e encabeçado por trinta e sete (por enquanto, pois há muitos mais) criminosos fardados e civis, que tinham como objetivo básico assassinar o Presidente da República, Lula e o Vice-presidente Alckmin, eleitos democraticamente nas eleições de 2022. Além deles, também seria assassinado com requintes de crueldade, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Tudo o que se sabe até agora é resultado das investigações conduzidas pela Polícia Federal, “concluídas” e colocadas à disposição da sociedade brasileira e internacional. Entre os trinta e sete indiciados pela PF, vinte e cinco são militares, incluídos aí seis generais.

Nada como começar um novo parágrafo com uma perguntinha retórica. Ei-la: o que aconteceria com esses seis generais e seus subordinados, caso um plano nefasto como esse fosse descoberto na Rússia ou na China? Mas, como dizia minha avó materna: “o boi sabe onde fura a cerca”. E a turba fardada, que recebe salários altíssimos, que rega sua ociosidade com champagne, salmão e leite condensado à vontade, que dispõe do dinheiro público para seus comprimidinhos e próteses penianas para “resolver” seus problemas de impotência sexual, e que deixa pensões milionárias hereditárias às filhas solteiras, sabe onde e quando “furar a cerca”, pois confia plenamente, como em 1964, na impunidade. Se assim não fosse, nenhum desses senhores ousaria sequer pensar em tamanho absurdo.

O que a quadrilha dos 37 não sabia, no entanto, é que o coringa-mor não tinha “cojones” para assumir a autoria do plano e liderar seus malucos e aloprados, preferindo, como todo covarde, agir nas sombras e fugir do país para assistir de longe o resultado. A crença na impunidade e a certeza de que o golpe daria certo permitiu que a bandidagem deixasse as provas do crime (áudios, documentos impressos, imagens etc) espalhadas pelo caminho, facilitando assim, o excelente trabalho dos investigadores. Selva!

A partir da divulgação do relatório da Polícia Federal começou a surgir um festival de narrativas e ações estapafúrdias, com o objetivo de tentar desviar a atenção do caso (como a aprovação da PEC do Estupro, por exemplo). Enquanto políticos, empresários, “artistas”, padres e grupos de mídia esperneiam e se desesperam, o Exército Brasileiro, mesmo atolado até o pescoço nesse lamaçal, faz cara de paisagem, como se seus generais e seus “kids pretos” não lhe fossem parte, e que teriam agido por conta própria, quando qualquer pessoa sabe que dentro das forças militares há uma hierarquia que é rigidamente seguida, ou seja, as ordens são dadas por alguém que está acima daquele que as recebe. Em resumo, subalternos não têm vontade própria dentro de uma força militar. Se isso ocorreu no caso em questão, deduz-se que os subordinados não obedecem mais à hierarquia e, consequentemente, deveriam ser imediatamente enquadrados no RDE - Regulamento Disciplinar do Exército, aquele mesmo Regulamento sempre usado para expulsar e destruir a vida de recrutas, meninos de 18 anos, que cometem delitos leves durante o serviço militar.

Terminada a investigação (ainda vem muita coisa por aí) e decorrido todo o processo legal, com amplo direito de defesa a todos os envolvidos, como deve ser nas democracias, os civis, se condenados, devem pegar uns bons anos de cadeia pelos crimes de alta traição e abolição do Estado de Direito, entre inúmeros outros crimes previstos em lei. Os militares, por sua vez, deverão ser exonerados a bem da disciplina (ou isso só serve para praças e soldados?), com perda de salários, pensões e, imediatamente presos. Nenhum desses criminosos pode ficar impune. Se qualquer um deles sair livre, não há o menor sentido na manutenção da prisão, por exemplo, da idosa golpista de Tubarão nem das demais “buchas de canhão” com “síndrome do Coringa”, que cumprem pena nos presídios brasileiros por ordem do STF.

 

•                        Um país criado no chicote segue mostrando sua cara. Por Rachel Quintiliano

Tem sido estarrecedor acompanhar o noticiário, desde a deflagração da operação da Polícia Federal, que resultou na prisão de agentes de segurança pública e o indiciamento de mais de 30 pessoas, incluindo o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro e integrantes das Forças Armadas e outras instâncias de segurança pública. Eles são investigados golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de integrar organização criminosa que inclusive planejava o assassinato do presidente da República, do vice-presidente e de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Curiosamente, no caso das prisões, essas pessoas estavam em serviço durante a cúpula de chefes de Estado do G20, que, dias antes, havia recebido o C20, um evento repleto de proposições voltadas para questões econômicas e também sociais.

As prisões e os indiciamentos nos remetem imediatamente ao 8 de janeiro de 2023, quando a Presidência da República, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso foram invadidos e depredados. A operação da da Polícia Federal, ainda que tenha como objetivo investigar sobre o ocorrido nos primeiros dias daquele ano, também nos coloca frente a cinco séculos de história que podem, em alguma medida, ajudar a compreender por que o Brasil do carnaval, do futebol e da hospitalidade ainda não superou suas contradições mais profundas.

Apesar dos esforços realizados ao longo de tantos anos, parece que o chicote que fundou esta nação, controversa, segue estalando. Em outras palavras, um país, como tantos outros, criado na base da violência ainda reflete esse traço em sua estrutura atual.

O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, um sistema que desumanizava sistematicamente a população negra escravizada. Empreendeu campanhas que quase aniquilaram a população indígena e usou o estupro como arma de guerra.

Experimentou regimes autoritários, repressivos e violentos entre 1964 e 1985, que contabilizaram mais de 400 mortos e desaparecidos em todo o território nacional.

Mais recentemente,o Brasil se tornou-se o país que mais mata pessoas trans e promove ações violentas contra a população LGBTQIA+, além de registrar números alarmantes de mortes causadas pela atuação violenta de forças policiais.

Como se não bastasse, agora nos deparamos com agentes de segurança do Estado — aqueles que deveriam proteger os cidadãos, a nação, o território e a soberania nacional — sendo suspeitos de planejar um golpe de Estado e o assassinato do presidente, Luis Inácio Lula da Silva, do vice-presidente, Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.

O chicote, que por tanto tempo sustentou a monarquia, agora estala no lombo da democracia.

 

•                        Mais uma vez, vingança: o relatório da Polícia Federal. Por Sara Goes

Eu não deveria fazer tantas confidências nos meus textos, tampouco começar com uma. Esperei a divulgação do relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado como um cachorro que assiste a um frango na padaria. Além de passar boa parte da tarde perturbando advogados que pudessem acessar o arquivo, mobilizei uma pequena rede de apoio para me ajudar com o meu bebê e, assim, ter tempo e condições necessárias para me dedicar às 884 páginas do documento. Às vezes, eu até escuto uma voz que é uma mistura da voz do meu pai, um cruzamento de ex-namorados e alguns ex-professores me dizendo que eu implodo qualquer possibilidade de credibilidade quando faço isso, mas eu ignoro: foi uma delícia de ler. O relatório foi a materialização de uma realidade histórica evidente, a de que a tentativa de golpe de Estado não é um episódio isolado, mas parte de um ciclo contínuo de negligência e impunidade que sustenta o autoritarismo no Brasil. Ele expõe, com clareza, como os erros do passado — especialmente a ausência de responsabilização pelos crimes da ditadura militar — criaram as condições para que práticas antidemocráticas continuem a surgir e se adaptar ao longo do tempo.

Mas depois da confidência, eu me defendo. Cresci em uma família profundamente marcada por prisões, torturas, resistência e um orgulho comunista que desenhava nosso cotidiano. Minha avó, Lourdes Miranda, era conhecida como a “mãe da anistia”. Seis dos meus tios foram presos e torturados, e a casa da minha família servia como ponto de apoio para comunistas em fuga e estudantes subversivos que chegavam a Fortaleza sem muitas opções. Ali viveram figuras como José Genoíno e outros companheiros de luta, cuja dor e coragem se misturavam ao ambiente da casa. Os relatos, as fotos, os documentos e até os surtos ocasionais de sobreviventes da ditadura foram parte da nossa vida. Nada disso era escondido ou explicado para mim, para meus irmãos ou meus primos e só na adolescência percebi que nem toda família era comunista. Isso, claro, não é uma queixa. Tenho um orgulho danado da força e da história que carregamos. No entanto, ser criada por pessoas fragmentadas por um período de terror deixa suas marcas: o ódio e o horror aos militares delirantes por um suposto "poder moderador".

Essa percepção ficou mais evidente ao ler o relatório. Ele confirmou que não se tratava de um comportamento meramente impulsivo, mas de uma estratégia bem elaborada. Jair Bolsonaro, ao longo de seu governo, testou os limites da lei e explorou as brechas institucionais para alimentar sua narrativa autoritária. Desde 2019, ele investiu pesado na deslegitimação do sistema eleitoral, criando uma base de apoio radicalizada e consolidando a ideia de que apenas ele poderia "proteger" o Brasil de uma fraude inexistente. Essa retórica se traduziu em ações concretas, como a tentativa de arrastar Alexandre de Moraes para um ringue pessoal, buscando desmoralizá-lo a fim de gerar suspeição nos processos judiciais. De besta, Bolsonaro só tem a cara.

O relatório revela que o plano golpista foi sustentado por três pilares principais: desacreditar o sistema eleitoral, mobilizar apoio militar e implementar ações diretas para consolidar a ruptura democrática. Bolsonaro contou com figuras-chave para operacionalizar essa estratégia. Augusto Heleno comandaria um "Gabinete Institucional de Gestão da Crise"; Braga Netto articulava o apoio militar; e meu conterrâneo, o general Estevam Theóphilo planejava ações práticas, como a prisão de ministros do STF. Empresários e políticos, como Valdemar Costa Neto, também desempenharam papéis fundamentais no financiamento e na legitimação das narrativas golpistas. Apesar das articulações, o golpe enfrentou resistências dentro do próprio alto comando militar. Generais como Freire Gomes e Baptista Júnior recusaram-se a apoiar a ruptura, o que minou o plano. Contudo, isso não apaga a responsabilidade coletiva de uma estrutura militar que, por décadas, foi marcada pela ociosidade bem paga e pela impunidade.

A Lei da Anistia de 1979 não apenas perdoou torturadores e responsáveis por graves violações de direitos humanos, como também calcificou uma cultura de silêncio e negligência institucional. Esse pacto de "reconciliação", feito com a faca no pescoço de presos e perseguidos políticos, blindou os agentes do regime autoritário e permitiu que valores antidemocráticos continuassem a permear as estruturas de poder no Brasil.

Essa permanência de princípios autoritários parecia, por um tempo, distante da minha realidade. Em 2003, o mundo mudou para minha família e para mim. Lula se tornou presidente e o Brasil parecia estar entrando em um novo ciclo de transformação. Eu estava na universidade, meus pais, aos 46 anos, finalmente conseguiram ter apenas um emprego cada um, a casa estava quitada, e eu acreditava que as conquistas sociais, arduamente perseguidas pela luta política da minha família, estavam escritas sobre pedra. Parecia impossível imaginar que alguém quisesse abalar a estabilidade que finalmente vivíamos.

Por isso, quando em 2005 conheci o Laboratório das Nacionalidades, na Universidade Estadual do Ceará, e fui apresentada ao núcleo de estudos sobre militares, coordenado pelo professor Manuel Domingos Neto, achei curioso. Ele, que havia sido preso junto com  um dos meus tios durante a ditadura, liderava um trabalho que, à época, me parecia anacrônico. Para mim, estudar militares parecia algo do passado, um tema superado em um Brasil que, naquela época, respirava transformações sociais e políticas profundas.

Só mais tarde compreendi o quanto estava equivocada. Os militares nunca realmente deixaram o poder; sua influência foi apenas reconfigurada, permeando as instituições e os debates políticos de maneira menos evidente, mas igualmente perigosa. O relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022 veio como uma confirmação de que o autoritarismo no Brasil não é uma sombra distante, mas uma força presente e contínua que ressurge de forma explícita quando encontra espaço para prosperar.

Ao mergulhar em suas 884 páginas, me deliciei com a leitura. Não porque isso seja um gesto de imaturidade política ou uma busca por esclarecimento cívico – nada tão elevado assim. O fato é que, e olhe lá eu confessando de novo, há em mim um desejo de vingança. Um desejo de ver, finalmente, os responsáveis pela perpetuação do autoritarismo e pela tentativa de ruptura democrática sendo expostos e confrontados pela Justiça.

É nesse contexto que a tese da vingança política de Espinosa se torna essencial. Espinosa nos fala que a vingança, quando guiada pela razão, pode deixar de ser um impulso destrutivo para se transformar em uma força capaz de regenerar as instituições políticas. No Brasil, aplicar essa lógica significa ir além do simples ajuste de contas com o passado. Responsabilizar os golpistas e reabrir o debate sobre os crimes da ditadura é reafirmar, de maneira concreta e inequívoca, que a democracia não está aberta a negociações.

Mais do que isso, essa "vingança política", como Espinosa define, é um gesto necessário para romper a lógica da impunidade que permitiu o fortalecimento de valores autoritários ao longo das décadas. Longe de ser um ato de retaliação irracional, trata-se de uma ação consciente para prevenir novas ameaças ao Estado Democrático de Direito, consolidando um pacto político que rejeita qualquer retorno ao autoritarismo.

O Brasil tem diante de si uma oportunidade histórica. Transformar essa indignação coletiva em justiça não é apenas uma questão de vontade, mas de necessidade. Punir os responsáveis pela tentativa de golpe e revisitar os crimes da ditadura são passos fundamentais para romper o ciclo de impunidade que ainda corrói nossas instituições.

Deliciar-me com o relatório foi também um ato de perceber o quanto estamos num momento crítico. Não há mais espaço para a complacência que marcou tantas transições inacabadas em nossa história política. A tese da vingança política de Espinosa ilumina meu caminho: canalizar minha indignação não como retaliação destrutiva, mas como um movimento transformador. Ao responsabilizar aqueles que atentaram contra a democracia, não estamos apenas corrigindo os erros do passado, mas também construindo o futuro.

Como Espinosa bem lembra, os afetos humanos, quando direcionados pela razão, são o motor das grandes transformações. Que o nosso desejo de justiça – e, sim, de vingança – se transforme na força que consolida um pacto democrático sólido, onde o golpismo não tenha mais espaço para se esconder, se adaptar ou ressurgir. É hora de tornar a democracia inegociável e de reafirmar que as sombras do passado não têm mais lugar no presente.

 

•                        Bolsonarista tem nova prisão decretada após quebrar tornozeleira e desafiar Moraes

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou nesta quarta-feira (27) a prisão do bolsonarista radical Roque Saldanha, radialista de Governador Valadares (MG), por violação de medidas cautelares.

Na terça-feira (26), Saldanha divulgou um vídeo nas redes sociais anunciando que quebrou sua tornozeleira eletrônica e que não usaria mais o aparelho. Ele ainda xinga Alexandre de Moraes com termos de baixo calão e desafia o ministro.

Roque Saldanha foi preso pela Polícia Federal em janeiro de 2023 no âmbito das operações da Polícia Federal (PF) contra os atos golpistas e ficou 10 dias detidos, sendo liberado com a condição de cumprir medidas restritivas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica. Ele fazia publicações diárias nas redes sociais colocando em xeque o sistema eleitoral brasileiro, incentivava atos contra a democracia e ameaçava resolver tudo "na bala".

No vídeo que motivou a nova ordem de prisão, Saldanha mostra a tornozeleira eletrônica arrebentada e promete não cumprir determinações da Justiça, desferindo ofensas a Moraes.

“O senhor está sabendo que eu não posso usar isso mais [a tornozeleira] porque minha perna 'tava' toda ‘comida’, tem fotos e vídeos protocolados no processo. Estado Democrático de Direito do cu do senhor, da caçapa do seu cu, entendeu. Pega essa tornozeleira e abre seu cu e enfia lá dentro, rapaz. Eu sou homem. Se você quiser conversar só eu e o senhor, nós dois juntos. Você confia muito na Federal. Inclusive, esses delegados tem que tomar vergonha na cara, porque ficam trabalhando em prol de bandido do STF”, disparou o bolsonarista.

Moraes afirma, na nova ordem de prisão expedida contra Roque Saldanha, que o bolsonarista cometeu oito irregularidades referentes ao uso da tornozeleira eletrônica entre abril e maio deste ano. Neste momento, o bolsonarista é considerado foragido pela polícia.

 

Fonte: Brasil 247/Fórum

 

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