Brasil
deve pensar regulação das redes sociais que reflita realidade do Sul Global,
diz analista
Em
outubro, o bloqueio por quase 40 dias da rede social X fez retomar as
discussões sobre a necessidade de regulação do setor. Diante disso, o Supremo
Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (27) discussões se as
plataformas são responsáveis ou não pelo conteúdo publicado por usuários no
Brasil.
Depois
de descumprir diversas decisões judiciais e ainda fechar a representação da
empresa no Brasil, um cabo de guerra foi iniciado entre a rede social X, de
propriedade do bilionário Elon Musk, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes,
que chegou a determinar o bloqueio da plataforma no Brasil.
Em
meio às acusações de Musk, que chegou a se recusar a cumprir as determinações,
a rede ficou com acesso interrompido por 39 dias, até que foram pagas as multas
e indicado um novo escritório no país. Tudo isso começou por conta da recusa da
empresa em suspender perfis acusados de compartilharem notícias falsas e
incentivarem um golpe de Estado.
A
situação retomou os questionamentos sobre os limites das empresas responsáveis
pelas redes sociais disponíveis no país. Conforme o Marco Civil da Internet,
legislação que regula o setor sancionada ainda em 2014, durante o governo da
ex-presidente Dilma Rousseff (PT), as plataformas são isentas de
responsabilidade sobre o que é compartilhado pelos usuários, com exceção de
eventuais ordens judiciais que determinem a retirada do conteúdo.
A
regra prevista no artigo 19 é alvo de julgamento que foi iniciado pelo STF
nesta quarta-feira (27), que também discute se decisões judiciais podem
suspender a atividade das empresas, como ocorreu com o X – as discussões serão
retomadas na quinta (28).
Muito
antes da polêmica com Musk no Brasil, o ministro Gilmar Mendes chegou a
defender no ano passado que a atual lei brasileira é ultrapassada e não
consegue atender mais a nova realidade.
Isso
porque, entre 2013 e 2023, o número de usuários de Internet no país saltou de
13% para 85% da população, que ainda passa em média 3 horas e 46 minutos por
dia nas redes (o segundo maior tempo entre os países pesquisados, conforme o
Banco Mundial, enquanto a média global é de 2 horas e 31 minutos).
A
coordenadora da pós-graduação em direito digital da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), Chiara de Teffé, explica à Sputnik Brasil que o que está
em jogo é se o artigo 19 é constitucional ou não.
"Ele
determina que a obrigação de remover um conteúdo só vem através de uma ordem
judicial. O que está sendo questionado é se essa obrigação só pode vir através
da Justiça. É um artigo que envolve sempre o conteúdo que um usuário publica na
plataforma, não um conteúdo próprio. E qual seria a responsabilidade disso da
rede social. É isso que está sendo debatido e se as plataformas deveriam ter
mais responsabilidades e moderar mais os conteúdos e, por consequência,
retirando-os das redes", explica.
Apesar
disso, a legislação não impede que, após uma denúncia, a própria rede possa
retirar o conteúdo mesmo sem exigência judicial. Porém, a decisão é interna e
cada empresa tem a sua regra.
"O
dever de retirar só vai nascer se eu entrar com uma ação judicial e o juiz
determinar a retirada, essa é a regra, que só tem duas exceções: na divulgação
de imagem íntima ou se o conteúdo é protegido por direito autoral",
acrescenta.
Porém,
a especialista considera que o artigo 19 não é inconstitucional, situação que é
questionada pelo Facebook (plataforma proibida na Rússia por extremismo).
"É
importante ter uma interpretação conforme a Constituição e esse é o caminho. E
como que se faz isso? A regra é mantida, porém são acrescentadas mais exceções,
que são hipóteses em que os provedores devem agir mesmo antes de uma
notificação judicial", pontua.
Como
possíveis situações, a coordenadora da UERJ cita casos como conteúdos que
tragam desinformação grave ou que violem o direito de crianças e adolescentes.
"O
Marco Civil da Internet é uma lei muito importante, foi a primeira no Brasil
para assegurar direitos e princípios na Internet. E o artigo 19 está muito
alinhado com a perspectiva de liberdade de expressão, de evitar a censura, mas
um ponto que é importante seria deixar claro ao provador que, caso ele entenda
que o conteúdo é lesivo, pode ser retirado. Só que a regra fala que a obrigação
legal só vai nascer perante a ordem judicial."
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Qual é a nova rede social do momento?
A
cada ano, surgem novas plataformas, enquanto outras entram em desuso ou são
extintas. No Brasil, a mais utilizada está ligada ao envio de mensagens
instantâneas. Atualmente, há opções para a denúncia de conteúdos ofensivos, que
não respeitem a lei ou spam, que passam por uma moderação das próprias
empresas.
"As
plataformas fazem esse processo tanto com humanos quanto utilizando
inteligência artificial. Mas o que falta é uma análise um pouco mais profunda
sobre temas sensíveis. Seria importante que as empresas fizessem esse papel com
um pouco mais de cuidado e dessem mais transparência sobre os seus termos de
uso. É muito importante que tenham previsões claras sobre o que pode ou não ser
postado na plataforma e que, a partir disso, as empresas possam implementar uma
moderação transparente e que também respeite as questões culturais",
defendeu Chiara de Teffé.
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Quando a liberdade de expressão passa a ser crime?
Entre
os principais críticos sobre a inclusão de regras que limitem a atuação das
redes sociais, a defesa da liberdade de expressão é colocada a todo momento. Na
ocasião do bloqueio do X, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a falar
também em censura, assim como outros políticos do mesmo grupo. Porém, a
especialista enfatiza que esse direito não é absoluto e que a Constituição
impõe limites.
"Por
exemplo, é proibida qualquer forma de discriminação, racismo, há também
proteções claras aos direitos da personalidade, da imagem e da honra. E tudo
isso é ponderado com a liberdade de expressão, que inclusive o STF já deixou
claro que não é absoluta [...]. Ainda que seja um direito muito importante para
a democracia e que deve ser preservado, também também há previsões que protegem
especialmente os grupos mais vulneráveis", diz.
Além
disso, Teffé lembra que as redes sociais são também um ambiente de
desenvolvimento de relações, inclusive profissionais, e por isso têm se tornado
cada vez mais um espaço muito relevante na sociedade brasileira.
"E
quando tem essa dimensão e há um controle por um número restrito de atores [que
são as plataformas], isso se torna preocupante em vários aspectos. Seria
saudável se tivéssemos mais agentes nesse mercado, players e ambientes
florescendo. Essa concentração é preocupante em vários níveis", destaca.
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O que é regulamentação das mídias sociais?
A
regulação é uma forma em que os governos passam a ter instrumentos legais para
combater problemas como a disseminação de informações falsas nas redes sociais.
No
Brasil, o tema é alvo de um projeto de lei em tramitação desde 2020, mas ainda
divide o Congresso Nacional mesmo após quatro anos.
A
coordenadora da pós-graduação de direito digital na UERJ explica que não há um
modelo "perfeito" e também não recomenda "simplesmente
importar" as regras aplicadas na Europa, por exemplo.
"O
modelo europeu é pensado para o contexto local, a cultura europeia. Temos que
pensar em um modelo que responda adequadamente às demandas do Brasil, enquanto
um país do Sul Global, e que se adeque às nossas necessidades e instituições.
Porém, algumas iniciativas são interessantes, como a preocupação com que chamam
de riscos sistêmicos, que traz a ideia de que alguns conteúdos merecem receber
uma moderação maior, uma atenção especial das plataformas. É um caminho
interessante", finaliza.
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Brasil deve ter
arsenal legal para retaliar contra medidas protecionistas de Trump, diz
analista
Donald
Trump aplicará tarifas e usará a OEA para retomar o controle dos EUA sobre a
América Latina. Brasil deve mobilizar sua legislação para responder à altura
contra medidas mais assertivas de Trump na região, alerta analista ouvido pela
Sputnik Brasil.
O
presidente eleito dos EUA, Donald Trump, articula a indicação de candidato
conservador para a diretoria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)
e quer utilizar o órgão para promover a política externa dos EUA na América
Latina, informou o portal UOL.
De
acordo com o jornalista Jamil Chade, Donald Trump recebeu o chanceler do
Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano, em sua residência em Mar-a-Lago, para
fortalecer a campanha do líder conservador para assumir a liderança da OEA.
Após
priorizar temas como a imigração durante o processo eleitoral e nomear um
latino, Marco Rubio, para o posto mais alto da diplomacia norte-americana,
analistas sugerem um foco renovado de Trump na América Latina.
A
OEA servirá como ponta de lança para avançar a agenda conservadora de Trump,
direcionada principalmente para a contenção de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Por
arcar com 60% do orçamento da OEA, Washington estará empenhado em transformar o
seu peso financeiro em peso político para definir a agenda da instituição.
Para
a especialista em América Latina e professora de Relações Internacionais da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, a postura mais
incisiva de Trump contra governos à esquerda de Washington poderá acirrar a
polarização regional.
"Essa
abordagem acirrada deve se intensificar, com ênfase na retórica anticomunista e
nos usos de organizações como a OEA para pressionar governos que não se alinham
aos interesses dos EUA", disse Bressan à Sputnik Brasil. "Isso poderá
gerar uma polarização, já que muitos países da região têm governos de esquerda
ou centro-esquerda, que poderão resistir à retomada de políticas
intervencionistas ou sanções unilaterais promovidas pelos EUA."
Apesar
dos EUA arcarem com parte significativa do orçamento da OEA, isso em tese não
deveria garantir maior poder político a Washington. No entanto, na prática, as
organizações internacionais estão sujeitas ao poder financeiro de países ricos.
"Mensuramos
o poder das organizações pela sua legitimidade, por quanto elas conseguem
garantir que suas regras sejam cumpridas. Mas podemos adotar uma abordagem mais
realista e entender que as organizações variam de acordo com a influência de
países individuais", explicou Bressan. "Nesse caso, quem paga mais
geralmente terá uma influência maior. E a OEA não é exceção."
Segundo
ela, o mesmo ocorre em organizações como o Mercosul, no qual "o Brasil
paga mais, e por isso tem uma influência maior", e na União Europeia, na
qual o preso desproporcional da Alemanha também reflete o seu peso no orçamento
da instituição.
Um
homem passa por um mural do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, durante
"Não
que essa prática seja correta, afinal organização boa é aquela que mantém todo
mundo na mesma régua", notou Bressan. "Mas não podemos ignorar que as
organizações são suscetíveis à influência do país que paga mais e o peso
financeiro, sim, deve ser considerado."
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Credibilidade em baixa
No
entanto, a falta de credibilidade da OEA perante diversos governos da região
pode minar a capacidade de Trump de utilizar a organização para influenciar os
rumos da América Latina.
"Ainda
que os EUA tentem utilizar a OEA, não sabemos se terão êxito nessa
atuação", avaliou Bressan. "Como a política de Trump será focada em
contenção ideológica […], o uso da OEA não fortaleceria a instituição, mas a
deixaria ainda mais polarizada e mais alinhada à direita."
Segundo
Bressan, a credibilidade da OEA é maculada por uma percepção de que a
organização é parcial e funciona sob influência desproporcional dos EUA.
"Muitos
presidentes, analistas e políticos argumentam, com razão, que as decisões da
OEA refletem mais os interesses de Washington do que os dos demais países da
organização", disse Bressan. "A OEA se encontra esvaziada e
esquecida, por ser vista como um instrumento da política externa dos EUA na
região."
De
acordo com o professor de Relações Internacionais da ESPM Ricardo Leães, a OEA
teria cometido um "pecado original" no início de sua história, ao
excluir Cuba da organização em 1962. Países da região solicitaram a readmissão
da ilha à OEA durante décadas, gerando desgaste no trabalho da agremiação.
"A
exclusão de Cuba é o que gera a formação de organizações regionais
alternativas, particularmente a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos]", disse Leães à Sputnik Brasil. "Posteriormente,
tivemos o episódio no qual a OEA se portou de maneira lamentável durante o
golpe de Estado na Bolívia [em 2019]."
Na
ocasião, a OEA apoiou erroneamente a tese da oposição boliviana de que haveria
fraude no processo eleitoral do país. De acordo com relatório do Centro de
Investigação em Economia e Política (CEPR, na sigla em inglês), sediado nos
EUA, a OEA utilizou estatísticas equivocadas para sustentar a tese de fraude,
reportou o Brasil de Fato .
"Está
claro que o relatório que a OEA apresentou como se fosse a última palavra sobre
o que aconteceu nas eleições da Bolívia não possuía as evidências necessárias
para demonstrar que uma fraude teria afetado os resultados eleitorais",
disse um dos pesquisadores envolvidos no estudo, Jake Johnston. "Na
verdade, parece haver a intenção de justificar acusações feitas pela OEA no dia
seguinte às eleições, que foram apressadas, e, em últimas instâncias,
indefensáveis, mas muito prejudiciais."
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Brasil na encruzilhada
De
acordo com a reportagem de Jamil Chade, Donald Trump estaria cogitando o uso de
corte ligada à OEA para processar o Brasil, em função do embate entre o
ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e o dono da
plataforma X, Elon Musk.
Apesar
da ameaça, a OEA não é parte significativa da estratégia brasileira para a
América Latina e pode não ter capacidade de prejudicar os rumos da política
externa lulista, acredita Bressan.
"O
papel da OEA na política brasileira contemporânea é um papel muito periférico.
Historicamente, o Brasil prioriza organizações da América do Sul, como o
Mercosul e UNASUL, ou investe na revitalização da CELAC", explicou
Bressan. "Esses espaços promovem uma integração voltada aos interesses
políticos e econômicos da América do Sul, e afastam a presença mais abrangente
dos EUA."
Para
Ricardo Leães, o Brasil deverá estar pronto para se defender contra possíveis
ações assertivas da nova administração Trump. De acordo com o especialista, o
Brasil deve se preparar para adotar medidas de reciprocidade, em caso de
imposição de tarifas ou outras barreiras às exportações para os EUA.
O
futuro presidente norte-americano já anunciou a intenção de impor restrições ao
comércio com seus parceiros México e Canadá, e se referiu a tarifas como
"a palavra mais bonita do dicionário".
"Trump
já deu mostras de que considera o uso de tarifas fundamental [...] e precisamos
estar preparados para retaliações econômicas. O ideal seria preparar uma
legislação que transformasse a reciprocidade nesse caso em uma medida
automática, que evitasse o desgaste político", propôs Leães.
Ademais,
o futuro presidente dos EUA já prometeu medidas incisivas contra países que
tentem evitar o uso do dólar em suas transações internacionais, agenda na qual
o Brasil se engaja no âmbito do BRICS e do Mercosul.
"O
mais importante é estar ciente do desafio. Não há como prescrever o remédio sem
saber qual a doença. E o Brasil, durante a administração Biden, nutriu um
otimismo irresponsável e não soube avaliar as ameaças. Dessa vez, com Trump,
teremos que fazer um diagnóstico mais realista", concluiu o especialista.
Fonte:
Sputnik Brasil
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