sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Brasil deve pensar regulação das redes sociais que reflita realidade do Sul Global, diz analista

Em outubro, o bloqueio por quase 40 dias da rede social X fez retomar as discussões sobre a necessidade de regulação do setor. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (27) discussões se as plataformas são responsáveis ou não pelo conteúdo publicado por usuários no Brasil.

Depois de descumprir diversas decisões judiciais e ainda fechar a representação da empresa no Brasil, um cabo de guerra foi iniciado entre a rede social X, de propriedade do bilionário Elon Musk, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, que chegou a determinar o bloqueio da plataforma no Brasil.

Em meio às acusações de Musk, que chegou a se recusar a cumprir as determinações, a rede ficou com acesso interrompido por 39 dias, até que foram pagas as multas e indicado um novo escritório no país. Tudo isso começou por conta da recusa da empresa em suspender perfis acusados de compartilharem notícias falsas e incentivarem um golpe de Estado.

A situação retomou os questionamentos sobre os limites das empresas responsáveis pelas redes sociais disponíveis no país. Conforme o Marco Civil da Internet, legislação que regula o setor sancionada ainda em 2014, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), as plataformas são isentas de responsabilidade sobre o que é compartilhado pelos usuários, com exceção de eventuais ordens judiciais que determinem a retirada do conteúdo.

A regra prevista no artigo 19 é alvo de julgamento que foi iniciado pelo STF nesta quarta-feira (27), que também discute se decisões judiciais podem suspender a atividade das empresas, como ocorreu com o X – as discussões serão retomadas na quinta (28).

Muito antes da polêmica com Musk no Brasil, o ministro Gilmar Mendes chegou a defender no ano passado que a atual lei brasileira é ultrapassada e não consegue atender mais a nova realidade.

Isso porque, entre 2013 e 2023, o número de usuários de Internet no país saltou de 13% para 85% da população, que ainda passa em média 3 horas e 46 minutos por dia nas redes (o segundo maior tempo entre os países pesquisados, conforme o Banco Mundial, enquanto a média global é de 2 horas e 31 minutos).

A coordenadora da pós-graduação em direito digital da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Chiara de Teffé, explica à Sputnik Brasil que o que está em jogo é se o artigo 19 é constitucional ou não.

"Ele determina que a obrigação de remover um conteúdo só vem através de uma ordem judicial. O que está sendo questionado é se essa obrigação só pode vir através da Justiça. É um artigo que envolve sempre o conteúdo que um usuário publica na plataforma, não um conteúdo próprio. E qual seria a responsabilidade disso da rede social. É isso que está sendo debatido e se as plataformas deveriam ter mais responsabilidades e moderar mais os conteúdos e, por consequência, retirando-os das redes", explica.

Apesar disso, a legislação não impede que, após uma denúncia, a própria rede possa retirar o conteúdo mesmo sem exigência judicial. Porém, a decisão é interna e cada empresa tem a sua regra.

"O dever de retirar só vai nascer se eu entrar com uma ação judicial e o juiz determinar a retirada, essa é a regra, que só tem duas exceções: na divulgação de imagem íntima ou se o conteúdo é protegido por direito autoral", acrescenta.

Porém, a especialista considera que o artigo 19 não é inconstitucional, situação que é questionada pelo Facebook (plataforma proibida na Rússia por extremismo).

"É importante ter uma interpretação conforme a Constituição e esse é o caminho. E como que se faz isso? A regra é mantida, porém são acrescentadas mais exceções, que são hipóteses em que os provedores devem agir mesmo antes de uma notificação judicial", pontua.

Como possíveis situações, a coordenadora da UERJ cita casos como conteúdos que tragam desinformação grave ou que violem o direito de crianças e adolescentes.

"O Marco Civil da Internet é uma lei muito importante, foi a primeira no Brasil para assegurar direitos e princípios na Internet. E o artigo 19 está muito alinhado com a perspectiva de liberdade de expressão, de evitar a censura, mas um ponto que é importante seria deixar claro ao provador que, caso ele entenda que o conteúdo é lesivo, pode ser retirado. Só que a regra fala que a obrigação legal só vai nascer perante a ordem judicial."

<><> Qual é a nova rede social do momento?

A cada ano, surgem novas plataformas, enquanto outras entram em desuso ou são extintas. No Brasil, a mais utilizada está ligada ao envio de mensagens instantâneas. Atualmente, há opções para a denúncia de conteúdos ofensivos, que não respeitem a lei ou spam, que passam por uma moderação das próprias empresas.

"As plataformas fazem esse processo tanto com humanos quanto utilizando inteligência artificial. Mas o que falta é uma análise um pouco mais profunda sobre temas sensíveis. Seria importante que as empresas fizessem esse papel com um pouco mais de cuidado e dessem mais transparência sobre os seus termos de uso. É muito importante que tenham previsões claras sobre o que pode ou não ser postado na plataforma e que, a partir disso, as empresas possam implementar uma moderação transparente e que também respeite as questões culturais", defendeu Chiara de Teffé.

<><> Quando a liberdade de expressão passa a ser crime?

Entre os principais críticos sobre a inclusão de regras que limitem a atuação das redes sociais, a defesa da liberdade de expressão é colocada a todo momento. Na ocasião do bloqueio do X, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a falar também em censura, assim como outros políticos do mesmo grupo. Porém, a especialista enfatiza que esse direito não é absoluto e que a Constituição impõe limites.

"Por exemplo, é proibida qualquer forma de discriminação, racismo, há também proteções claras aos direitos da personalidade, da imagem e da honra. E tudo isso é ponderado com a liberdade de expressão, que inclusive o STF já deixou claro que não é absoluta [...]. Ainda que seja um direito muito importante para a democracia e que deve ser preservado, também também há previsões que protegem especialmente os grupos mais vulneráveis", diz.

Além disso, Teffé lembra que as redes sociais são também um ambiente de desenvolvimento de relações, inclusive profissionais, e por isso têm se tornado cada vez mais um espaço muito relevante na sociedade brasileira.

"E quando tem essa dimensão e há um controle por um número restrito de atores [que são as plataformas], isso se torna preocupante em vários aspectos. Seria saudável se tivéssemos mais agentes nesse mercado, players e ambientes florescendo. Essa concentração é preocupante em vários níveis", destaca.

<><> O que é regulamentação das mídias sociais?

A regulação é uma forma em que os governos passam a ter instrumentos legais para combater problemas como a disseminação de informações falsas nas redes sociais.

No Brasil, o tema é alvo de um projeto de lei em tramitação desde 2020, mas ainda divide o Congresso Nacional mesmo após quatro anos.

A coordenadora da pós-graduação de direito digital na UERJ explica que não há um modelo "perfeito" e também não recomenda "simplesmente importar" as regras aplicadas na Europa, por exemplo.

"O modelo europeu é pensado para o contexto local, a cultura europeia. Temos que pensar em um modelo que responda adequadamente às demandas do Brasil, enquanto um país do Sul Global, e que se adeque às nossas necessidades e instituições. Porém, algumas iniciativas são interessantes, como a preocupação com que chamam de riscos sistêmicos, que traz a ideia de que alguns conteúdos merecem receber uma moderação maior, uma atenção especial das plataformas. É um caminho interessante", finaliza.

 

¨      Brasil deve ter arsenal legal para retaliar contra medidas protecionistas de Trump, diz analista

Donald Trump aplicará tarifas e usará a OEA para retomar o controle dos EUA sobre a América Latina. Brasil deve mobilizar sua legislação para responder à altura contra medidas mais assertivas de Trump na região, alerta analista ouvido pela Sputnik Brasil.

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, articula a indicação de candidato conservador para a diretoria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) e quer utilizar o órgão para promover a política externa dos EUA na América Latina, informou o portal UOL.

De acordo com o jornalista Jamil Chade, Donald Trump recebeu o chanceler do Paraguai, Rubén Ramírez Lezcano, em sua residência em Mar-a-Lago, para fortalecer a campanha do líder conservador para assumir a liderança da OEA.

Após priorizar temas como a imigração durante o processo eleitoral e nomear um latino, Marco Rubio, para o posto mais alto da diplomacia norte-americana, analistas sugerem um foco renovado de Trump na América Latina.

A OEA servirá como ponta de lança para avançar a agenda conservadora de Trump, direcionada principalmente para a contenção de Cuba, Nicarágua e Venezuela. Por arcar com 60% do orçamento da OEA, Washington estará empenhado em transformar o seu peso financeiro em peso político para definir a agenda da instituição.

Para a especialista em América Latina e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Regiane Bressan, a postura mais incisiva de Trump contra governos à esquerda de Washington poderá acirrar a polarização regional.

"Essa abordagem acirrada deve se intensificar, com ênfase na retórica anticomunista e nos usos de organizações como a OEA para pressionar governos que não se alinham aos interesses dos EUA", disse Bressan à Sputnik Brasil. "Isso poderá gerar uma polarização, já que muitos países da região têm governos de esquerda ou centro-esquerda, que poderão resistir à retomada de políticas intervencionistas ou sanções unilaterais promovidas pelos EUA."

Apesar dos EUA arcarem com parte significativa do orçamento da OEA, isso em tese não deveria garantir maior poder político a Washington. No entanto, na prática, as organizações internacionais estão sujeitas ao poder financeiro de países ricos.

"Mensuramos o poder das organizações pela sua legitimidade, por quanto elas conseguem garantir que suas regras sejam cumpridas. Mas podemos adotar uma abordagem mais realista e entender que as organizações variam de acordo com a influência de países individuais", explicou Bressan. "Nesse caso, quem paga mais geralmente terá uma influência maior. E a OEA não é exceção."

Segundo ela, o mesmo ocorre em organizações como o Mercosul, no qual "o Brasil paga mais, e por isso tem uma influência maior", e na União Europeia, na qual o preso desproporcional da Alemanha também reflete o seu peso no orçamento da instituição.

Um homem passa por um mural do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, durante

"Não que essa prática seja correta, afinal organização boa é aquela que mantém todo mundo na mesma régua", notou Bressan. "Mas não podemos ignorar que as organizações são suscetíveis à influência do país que paga mais e o peso financeiro, sim, deve ser considerado."

<><> Credibilidade em baixa

No entanto, a falta de credibilidade da OEA perante diversos governos da região pode minar a capacidade de Trump de utilizar a organização para influenciar os rumos da América Latina.

"Ainda que os EUA tentem utilizar a OEA, não sabemos se terão êxito nessa atuação", avaliou Bressan. "Como a política de Trump será focada em contenção ideológica […], o uso da OEA não fortaleceria a instituição, mas a deixaria ainda mais polarizada e mais alinhada à direita."

Segundo Bressan, a credibilidade da OEA é maculada por uma percepção de que a organização é parcial e funciona sob influência desproporcional dos EUA.

"Muitos presidentes, analistas e políticos argumentam, com razão, que as decisões da OEA refletem mais os interesses de Washington do que os dos demais países da organização", disse Bressan. "A OEA se encontra esvaziada e esquecida, por ser vista como um instrumento da política externa dos EUA na região."

De acordo com o professor de Relações Internacionais da ESPM Ricardo Leães, a OEA teria cometido um "pecado original" no início de sua história, ao excluir Cuba da organização em 1962. Países da região solicitaram a readmissão da ilha à OEA durante décadas, gerando desgaste no trabalho da agremiação.

"A exclusão de Cuba é o que gera a formação de organizações regionais alternativas, particularmente a CELAC [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]", disse Leães à Sputnik Brasil. "Posteriormente, tivemos o episódio no qual a OEA se portou de maneira lamentável durante o golpe de Estado na Bolívia [em 2019]."

Na ocasião, a OEA apoiou erroneamente a tese da oposição boliviana de que haveria fraude no processo eleitoral do país. De acordo com relatório do Centro de Investigação em Economia e Política (CEPR, na sigla em inglês), sediado nos EUA, a OEA utilizou estatísticas equivocadas para sustentar a tese de fraude, reportou o Brasil de Fato .

"Está claro que o relatório que a OEA apresentou como se fosse a última palavra sobre o que aconteceu nas eleições da Bolívia não possuía as evidências necessárias para demonstrar que uma fraude teria afetado os resultados eleitorais", disse um dos pesquisadores envolvidos no estudo, Jake Johnston. "Na verdade, parece haver a intenção de justificar acusações feitas pela OEA no dia seguinte às eleições, que foram apressadas, e, em últimas instâncias, indefensáveis, mas muito prejudiciais."

<><> Brasil na encruzilhada

De acordo com a reportagem de Jamil Chade, Donald Trump estaria cogitando o uso de corte ligada à OEA para processar o Brasil, em função do embate entre o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, e o dono da plataforma X, Elon Musk.

Apesar da ameaça, a OEA não é parte significativa da estratégia brasileira para a América Latina e pode não ter capacidade de prejudicar os rumos da política externa lulista, acredita Bressan.

"O papel da OEA na política brasileira contemporânea é um papel muito periférico. Historicamente, o Brasil prioriza organizações da América do Sul, como o Mercosul e UNASUL, ou investe na revitalização da CELAC", explicou Bressan. "Esses espaços promovem uma integração voltada aos interesses políticos e econômicos da América do Sul, e afastam a presença mais abrangente dos EUA."

Para Ricardo Leães, o Brasil deverá estar pronto para se defender contra possíveis ações assertivas da nova administração Trump. De acordo com o especialista, o Brasil deve se preparar para adotar medidas de reciprocidade, em caso de imposição de tarifas ou outras barreiras às exportações para os EUA.

O futuro presidente norte-americano já anunciou a intenção de impor restrições ao comércio com seus parceiros México e Canadá, e se referiu a tarifas como "a palavra mais bonita do dicionário".

"Trump já deu mostras de que considera o uso de tarifas fundamental [...] e precisamos estar preparados para retaliações econômicas. O ideal seria preparar uma legislação que transformasse a reciprocidade nesse caso em uma medida automática, que evitasse o desgaste político", propôs Leães.

Ademais, o futuro presidente dos EUA já prometeu medidas incisivas contra países que tentem evitar o uso do dólar em suas transações internacionais, agenda na qual o Brasil se engaja no âmbito do BRICS e do Mercosul.

"O mais importante é estar ciente do desafio. Não há como prescrever o remédio sem saber qual a doença. E o Brasil, durante a administração Biden, nutriu um otimismo irresponsável e não soube avaliar as ameaças. Dessa vez, com Trump, teremos que fazer um diagnóstico mais realista", concluiu o especialista.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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