Governo Lula
busca reconquistar a classe média e compra briga com o andar de cima da
sociedade
O
anúncio de que o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto para ampliar
a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) até R$ 5 mil mensais, ao lado da
proposta de uma tributação mínima para os mais ricos, é mais que uma mudança
técnica no sistema tributário. Trata-se de uma tentativa estratégica de
reposicionar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante a classe
média, ao mesmo tempo em que confronta setores economicamente privilegiados.
A
medida, estimada pelo Ministério da Fazenda em um impacto fiscal de R$ 35
bilhões anuais, representa alívio imediato para milhões de brasileiros. Hoje,
apenas aqueles que ganham até R$ 2.824 (dois salários mínimos) estão isentos, o
que deixa uma ampla fatia da classe média pagando tributos em um sistema
considerado injusto por especialistas. Caso o projeto seja aprovado, o número
de isentos saltará de 14,5 milhões para 30,6 milhões, dobrando o impacto
positivo para consumidores que enfrentam a corrosão do poder de compra diante
de uma tributação pesada.
Para
bancar a ampliação da isenção, o governo propõe uma alíquota mínima efetiva de
10% para contribuintes com rendas mensais acima de R$ 50 mil. A medida atinge
diretamente uma parcela da elite econômica, especialmente aqueles que hoje se
beneficiam de rendas isentas, como lucros, dividendos e rendimentos
financeiros. É, em essência, uma redistribuição de encargos tributários que
promete abrir um novo capítulo no debate político e econômico brasileiro.
• A classe média no centro
da disputa
A
classe média é o alvo central dessa iniciativa. Por décadas, o sistema
tributário brasileiro tem sido criticado por onerar mais fortemente os
assalariados, enquanto as rendas de capital permanecem amplamente protegidas.
Ao colocar o debate da justiça tributária em pauta, o governo Lula tenta se
reposicionar como defensor de uma base social que se sente pressionada
economicamente e distante dos benefícios de políticas públicas.
A
batalha agora estará no Congresso Nacional, onde o projeto precisará superar
resistências e ser ajustado para mitigar potenciais falhas. Parlamentares
alinhados a interesses do setor financeiro e de grandes fortunas já deram
sinais de que a proposta encontrará obstáculos.
Ao
mesmo tempo, a classe média, beneficiada diretamente pela isenção, pode se
tornar uma aliada do governo na pressão por sua aprovação. Para isso, será
necessário comunicar com clareza os ganhos da medida, destacando que ela não
representa apenas um alívio fiscal imediato, mas um esforço para tornar o
sistema tributário mais equilibrado e sustentável.
• O impacto político
O
governo Lula, que já enfrenta desafios na articulação legislativa e nas
negociações com o mercado, parece apostar na polarização entre justiça social e
privilégios econômicos como uma estratégia política. Caso consiga aprovar a
medida, a proposta pode consolidar uma base mais sólida entre os setores médios
da sociedade. Por outro lado, o confronto com os mais ricos pode desencadear
uma oposição ainda mais intensa de setores conservadores e econômicos.
No
centro desse embate, está a promessa de que o Brasil pode finalmente dar passos
concretos rumo a uma tributação progressiva, algo que há décadas é apontado
como um dos principais gargalos do sistema fiscal nacional. A pergunta agora é:
o governo conseguirá transformar essa ambição em realidade ou ficará preso nas
amarras políticas e econômicas do Congresso?
• Aposta de Haddad na
classe média abre espaço para politização da sociedade brasileira. Por Leonardo
Attuch
O
pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em rede nacional de
televisão na noite de ontem, sinalizou uma guinada estratégica no governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta de ampliar a faixa de isenção
do Imposto de Renda (IR) até R$ 5 mil mensais, combinada com uma tributação
mínima para os mais ricos, não é apenas uma reforma fiscal. É um movimento
político audacioso que visa reconectar a classe média ao projeto representado
pelo Partido dos Trabalhadores, ao mesmo tempo em que enfrenta o poder das
elites econômicas e midiáticas. Essa é também uma iniciativa que projeta Haddad
como um nome forte para suceder o presidente
Lula, seja em 2026 ou em 2030.
Para
quem não viveu os governos Lula 1 e Lula 2, sempre é bom lembrar que ambos
foram marcados por uma transformação social sem precedentes, com cerca de 40
milhões de brasileiros saindo da pobreza graças a políticas como o Bolsa
Família, a valorização do salário mínimo e o acesso ampliado ao crédito. Nos
governos Dilma Rousseff, o pleno emprego foi alcançado, e o objetivo declarado
era consolidar o Brasil como um país de renda média.
Esse
ciclo virtuoso foi abruptamente interrompido pelo golpe parlamentar de 2016.
Com Michel Temer e Jair Bolsonaro no poder, várias políticas regressivas foram
implementadas, a renda voltou a se concentrar nas mãos dos mais ricos e a
classe média, esmagada pela perda de poder aquisitivo, ficou órfã de
representação política, mas acabou capturada por discursos lavajatistas ou de
extrema-direita.
Foi
apenas durante a pandemia de covid-19 que o auxílio emergencial de R$ 600,
ainda que insuficiente, devolveu algum alívio às camadas mais pobres da
população. A classe média, no entanto, permaneceu esquecida – um vácuo que
agora Haddad tenta preencher.
Haddad
parece compreender que, para reconstruir o pacto social destruído pelo golpe de
2016, é necessário oferecer à classe média um caminho que a atraia para fora da
órbita dos interesses do "andar de cima". Historicamente, esse
segmento oscilou entre o apoio ao PT, como ocorreu em 2002 e 2006, e a adesão
às narrativas conservadoras que emergiram com força nos últimos anos.
Reconectar-se com essa base exige mais do que medidas fiscais. Exige também
comunicação eficaz, que explique as distorções do sistema tributário e
desmascare o privilégio de poucos à custa de muitos.
A
proposta de Haddad, ao dobrar o número de isentos do IR para mais de 30
milhões, é um passo nessa direção. Ao propor uma alíquota mínima de 10% para
rendimentos acima de R$ 50 mil, o ministro acena para a justiça fiscal, mas
também desafia diretamente os interesses do topo da pirâmide social. E os donos
do capital controlam praticamente todos os aparelhos ideológicos, como rádios,
jornais, televisões e até mesmo igrejas.
Para
Haddad, a missão vai além de corrigir as injustiças tributárias. Ele terá que
enfrentar uma máquina ideológica poderosa, capaz de manipular o discurso
público e resistir a qualquer tentativa de redistribuição de renda. O confronto
com a elite econômica será feroz, e o sucesso dependerá da capacidade de
mobilizar a classe média e resgatar o protagonismo social desse segmento, como
já ocorreu no passado.
Se
a proposta de Haddad prosperar, o Brasil poderá dar um passo histórico rumo à
progressividade fiscal e à reconstrução de um pacto social baseado na equidade.
Caso contrário, permanecerá refém de um modelo que perpetua privilégios e
engessa não apenas o desenvolvimento do País, como o próprio debate de ideias.
A
classe média, que já foi central na consolidação de projetos progressistas no
passado, será novamente decisiva. A dúvida é se Haddad conseguirá conquistar
essa base e pavimentar o caminho para um novo ciclo de transformações sociais
no Brasil.
• Isenção de IR até R$ 5
mil valerá apenas a partir de 2026, se passar pelo Congresso
O
governo federal anunciou nesta quarta-feira (27) um pacote fiscal que promete
gerar uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos, mas a isenção do Imposto de
Renda para quem ganha até R$ 5 mil — promessa de campanha do presidente Lula —
ficará fora deste conjunto de medidas. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, a proposta será enviada ao Congresso como lei complementar em 2024 e,
se aprovada, entrará em vigor apenas em 2026.
De
acordo com Haddad, a medida será implementada de forma escalonada para evitar
aumentos abruptos de imposto em faixas intermediárias. "Quem ganha até R$
5 mil terá isenção integral, mas haverá uma transição para quem ganha até R$
7.500, de modo a não gerar saltos tributários", explicou o ministro. A
compensação virá do aumento na tributação de rendas mais altas, especialmente
sobre quem acumula ganhos de até R$ 600 mil anuais em fontes não tributadas,
como dividendos e receitas de pessoa jurídica.
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Pacote fiscal: principais medidas
O
pacote fiscal do governo combina mudanças em benefícios sociais, ajustes no
salário mínimo e novos critérios para programas como o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) e o abono salarial, além de alterações que impactam categorias
como militares e artistas beneficiados pela Lei Aldir Blanc. Entre os
principais pontos, estão:
• Salário mínimo: A
correção, que atualmente considera a inflação mais o crescimento do PIB de dois
anos antes, será ajustada às novas regras do arcabouço fiscal. A mudança deve
gerar economia crescente, de R$ 2,5 bilhões em 2024 a R$ 30 bilhões até 2030, devido
ao impacto no INSS e em outros benefícios atrelados ao piso salarial.
• Abono salarial: O
congelamento do teto de elegibilidade em R$ 2.640 será ajustado pela inflação.
No longo prazo, o benefício será restrito a quem recebe até 1,5 salário mínimo.
• Militares: Acabará o
benefício conhecido como "morte ficta", que permitia pensões para
familiares de militares expulsos. Também será instituída uma contribuição de
3,5% para o sistema de saúde das Forças Armadas.
• Lei Aldir Blanc: O
orçamento de R$ 3 bilhões será condicionado à execução orçamentária.
Além
disso, haverá novos limites para supersalários no setor público e exigências
para o uso de recursos do Fundeb, priorizando a educação integral.
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Impacto na tributação e redistribuição
A
tão aguardada isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil será separada do
ajuste fiscal e tratada em lei complementar. Para garantir equilíbrio nas
contas, a proposta inclui tributação mínima de 10% para rendas altas não
tributadas. Já quem recebe altos salários pela CLT, sujeito à alíquota máxima
de 27,5%, não será impactado.
Caso
as medidas não alcancem os objetivos fiscais, o governo prevê novos gatilhos no
arcabouço fiscal. Esses dispositivos incluem bloqueios de despesas e ajustes
adicionais, reforçando o compromisso com a sustentabilidade das contas
públicas.
• Impacto da isenção do IR
até R$ 5 mil soma R$ 35 bilhões, mas pode ser compensado com a tributação dos
mais ricos
O
Ministério da Fazenda estimou que a ampliação da faixa de isenção do Imposto de
Renda (IR) para rendas de até R$ 5 mil por mês terá um impacto fiscal de R$ 35
bilhões anuais. Essa renúncia de receita será compensada por mudanças na
tributação de contribuintes de alta renda, mas a implementação da proposta
ainda depende de aprovação pelo Congresso Nacional.
Na
noite desta quarta-feira (27), o ministro Fernando Haddad anunciou que o
governo enviará ao Legislativo um projeto de lei para concretizar a promessa de
campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, estão isentos
contribuintes que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.824). Com a ampliação,
cerca de 30,6 milhões de brasileiros se tornarão isentos, quase o dobro dos
atuais 14,5 milhões.
Para
viabilizar a medida, o governo propõe uma alíquota mínima efetiva de 10% sobre
rendas totais acima de R$ 50 mil por mês, considerando todos os tipos de
receita, como lucros, dividendos e rendimentos financeiros atualmente isentos.
Segundo reportagem do Valor Econômico, o modelo prevê alíquotas progressivas,
com a cobrança integral para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão por ano.
A
Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco
Nacional) aponta que o impacto fiscal pode ser maior, alcançando R$ 45 bilhões
anuais. O presidente da entidade, Mauro Silva, defendeu a isenção como uma
medida justa, mas alertou para desafios na implementação: “O impacto positivo é
evidente, especialmente para a classe média, mas a compensação de receitas
exige planejamento e ajustes robustos para evitar distorções.”
Silva
também destacou a necessidade de proteger contribuintes com rendas próximas ao
novo limite de isenção: “Quem ganha um pouco acima de R$ 5 mil pode acabar
sendo desproporcionalmente penalizado. É fundamental que a tabela seja ajustada
para evitar essas injustiças.”
A
proposta reflete o esforço do governo em tornar o sistema tributário mais
progressivo. Contudo, o sucesso da medida dependerá da capacidade de o
Congresso Nacional aprovar o projeto e de garantir que as compensações sejam
suficientes para evitar desequilíbrios fiscais.
• Como políticos, setores
da economia e o dólar reagiram aos anúncios de Haddad
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou uma série de cortes de gastos e
ajustes fiscais para equilibrar as contas do governo.
Entre
as medidas, há mudanças no imposto de renda — uma isenção para quem ganha menos
de R$ 5 mil e uma taxa de 10% para quem ganha R$ 50 mil —, na previdência dos
militares, no aumento do salário mínimo e em programas sociais do governo
(conheça todos os detalhes aqui).
O
governo calcula que o corte de gastos anunciado vai gerar um impacto de R$ 327
bilhões entre 2025 a 2030.
Veja
a seguir como políticos, setores da economia e o câmbio responderam às
novidades.
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Reação na classe política
O
deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos
Deputados, escreveu no X (o antigo Twitter) que "o presidente Lula não
governa para o mercado, mas para todas as brasileiras e brasileiros".
"O
conjunto de medidas anunciadas pelo governo é um avanço na organização das
contas públicas fazendo justiça fiscal e social. O ajuste é um complemento da
reforma tributária sem criar impostos", declarou ele.
Um
discurso parecido foi adotado por Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no
Senado Federal.
Ao
comemorar o corte de impostos para quem ganha até R$ 5 mil, ele lembrou que
"esse foi mais um compromisso de campanha do presidente Lula para melhorar
o bolso e a vida do povo brasileiro".
O
líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), ironizou as mudanças no
abono salarial anunciadas por Haddad. Ele compartilhou uma imagem de um texto
publicado no site do Partido dos Trabalhadores em 2019 com o título:
"Reforma da Previdência rouba abono salarial de 13 milhões de
trabalhadores".
"PT
acusa o ministro Haddad de roubar abono salarial de 13 milhões de trabalhadores
brasileiros! Ops, isso foi quando nós aprovamos a reforma da Previdência.
Parece, agora, que o PT mudou de ideia", escreveu Marinho.
O
senador Flávio Bolsonaro usou o X para dizer que "a economia já está
sofrendo""
"O
dólar provavelmente vai bater R$ 6,00 ainda hoje! Nada do que o petista [Lula]
faz é pensando no bem do Brasil; são apenas medidas populistas para tentar se
viabilizar politicamente até 2026", escreveu ele.
O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu um "esforço
concentrado" dos deputados e um "empenho das bancadas" em
dezembro, para que o pacote de corte de gastos seja debatido e votado até o
final do ano.
A
ideia é que as medidas tramitem como uma proposta de Emenda à Constituição
(PEC) e um projeto de lei complementar (PLP).
Já
Rodrigo Pacheco (PSD-MG) declarou que a votação de pacote fiscal "será
prioridade" nas últimas três semanas de trabalho de 2024.
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O dólar e o mercado
Com
a expectativa do anúncio pelo governo, o dólar disparou, chegando ao maior
valor nominal (sem considerar a inflação) da história na quarta-feira (27/11):
R$ 5,91.
Na
manhã de quinta (28/11), a tendência de alta se manteve — e o câmbio em relação
à moeda americana ultrapassou os R$ 6.
Muitos
agentes do mercado veem o aumento da isenção do imposto de renda como ineficaz
no controle das contas públicas.
Haddad
defendeu a decisão e argumentou que "a nova medida não trará impacto
fiscal".
"Porque
quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais. Tudo sem
excessos e respeitando padrões internacionais consagrados", assegurou ele.
"Essa
reforma não visa nem aumentar e nem diminuir a arrecadação. O que buscamos é
eficiência e justiça tributária", afirmou o ministro.
O
Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, a B3, opera em
baixa.
Em
entrevista ao Estadão, Sidney Lima, analista da Ouro Preto investimentos,
avaliou que o pronunciamento de Haddad sobre o pacote fiscal "teve um tom
de propaganda do governo ao anunciar a isenção de IR para quem ganha até R$ 5
mil".
"Ponto
positivo se deu sobre o anúncio do corte de R$ 70 bilhões nos próximos dois
anos, algo que já era esperado pelo mercado. O ponto mais significativo foi a
proposta de 'proibir benefícios tributários em caso de déficit primário', o que
pode resultar em uma maior arrecadação para a União, além de reforçar a
confiança na gestão das contas públicas", disse ele.
Já
um artigo do jornal Valor Econômico, destaca que "o pacote fiscal
anunciado pelo governo segue a estratégia gradual de ajuste das contas públicas
e, para o Banco Central, não representa o choque positivo que poderia ajudar no
controle da inflação e evitar doses mais fortes na administração da taxa básica
de juros".
Na
Exame, Felipe Salto, economista-chefe da Warren, avalia que "o pacote
[anunciado pelo governo] contém ações corretas, que mexem em pontos sensíveis
do gasto obrigatório, mas não na intensidade necessária para estabilizar a
relação dívida/PIB em dois ou três anos".
Fonte:
Brasil 247/BBC News Brasil
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