sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Governo Lula busca reconquistar a classe média e compra briga com o andar de cima da sociedade

O anúncio de que o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto para ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) até R$ 5 mil mensais, ao lado da proposta de uma tributação mínima para os mais ricos, é mais que uma mudança técnica no sistema tributário. Trata-se de uma tentativa estratégica de reposicionar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante a classe média, ao mesmo tempo em que confronta setores economicamente privilegiados.

A medida, estimada pelo Ministério da Fazenda em um impacto fiscal de R$ 35 bilhões anuais, representa alívio imediato para milhões de brasileiros. Hoje, apenas aqueles que ganham até R$ 2.824 (dois salários mínimos) estão isentos, o que deixa uma ampla fatia da classe média pagando tributos em um sistema considerado injusto por especialistas. Caso o projeto seja aprovado, o número de isentos saltará de 14,5 milhões para 30,6 milhões, dobrando o impacto positivo para consumidores que enfrentam a corrosão do poder de compra diante de uma tributação pesada.

Para bancar a ampliação da isenção, o governo propõe uma alíquota mínima efetiva de 10% para contribuintes com rendas mensais acima de R$ 50 mil. A medida atinge diretamente uma parcela da elite econômica, especialmente aqueles que hoje se beneficiam de rendas isentas, como lucros, dividendos e rendimentos financeiros. É, em essência, uma redistribuição de encargos tributários que promete abrir um novo capítulo no debate político e econômico brasileiro.

•                        A classe média no centro da disputa

A classe média é o alvo central dessa iniciativa. Por décadas, o sistema tributário brasileiro tem sido criticado por onerar mais fortemente os assalariados, enquanto as rendas de capital permanecem amplamente protegidas. Ao colocar o debate da justiça tributária em pauta, o governo Lula tenta se reposicionar como defensor de uma base social que se sente pressionada economicamente e distante dos benefícios de políticas públicas.

A batalha agora estará no Congresso Nacional, onde o projeto precisará superar resistências e ser ajustado para mitigar potenciais falhas. Parlamentares alinhados a interesses do setor financeiro e de grandes fortunas já deram sinais de que a proposta encontrará obstáculos.

Ao mesmo tempo, a classe média, beneficiada diretamente pela isenção, pode se tornar uma aliada do governo na pressão por sua aprovação. Para isso, será necessário comunicar com clareza os ganhos da medida, destacando que ela não representa apenas um alívio fiscal imediato, mas um esforço para tornar o sistema tributário mais equilibrado e sustentável.

•                        O impacto político

O governo Lula, que já enfrenta desafios na articulação legislativa e nas negociações com o mercado, parece apostar na polarização entre justiça social e privilégios econômicos como uma estratégia política. Caso consiga aprovar a medida, a proposta pode consolidar uma base mais sólida entre os setores médios da sociedade. Por outro lado, o confronto com os mais ricos pode desencadear uma oposição ainda mais intensa de setores conservadores e econômicos.

No centro desse embate, está a promessa de que o Brasil pode finalmente dar passos concretos rumo a uma tributação progressiva, algo que há décadas é apontado como um dos principais gargalos do sistema fiscal nacional. A pergunta agora é: o governo conseguirá transformar essa ambição em realidade ou ficará preso nas amarras políticas e econômicas do Congresso?

 

•                        Aposta de Haddad na classe média abre espaço para politização da sociedade brasileira. Por Leonardo Attuch

O pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em rede nacional de televisão na noite de ontem, sinalizou uma guinada estratégica no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A proposta de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) até R$ 5 mil mensais, combinada com uma tributação mínima para os mais ricos, não é apenas uma reforma fiscal. É um movimento político audacioso que visa reconectar a classe média ao projeto representado pelo Partido dos Trabalhadores, ao mesmo tempo em que enfrenta o poder das elites econômicas e midiáticas. Essa é também uma iniciativa que projeta Haddad como um nome forte para suceder o presidente  Lula, seja em 2026 ou em 2030.

Para quem não viveu os governos Lula 1 e Lula 2, sempre é bom lembrar que ambos foram marcados por uma transformação social sem precedentes, com cerca de 40 milhões de brasileiros saindo da pobreza graças a políticas como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e o acesso ampliado ao crédito. Nos governos Dilma Rousseff, o pleno emprego foi alcançado, e o objetivo declarado era consolidar o Brasil como um país de renda média.

Esse ciclo virtuoso foi abruptamente interrompido pelo golpe parlamentar de 2016. Com Michel Temer e Jair Bolsonaro no poder, várias políticas regressivas foram implementadas, a renda voltou a se concentrar nas mãos dos mais ricos e a classe média, esmagada pela perda de poder aquisitivo, ficou órfã de representação política, mas acabou capturada por discursos lavajatistas ou de extrema-direita.

Foi apenas durante a pandemia de covid-19 que o auxílio emergencial de R$ 600, ainda que insuficiente, devolveu algum alívio às camadas mais pobres da população. A classe média, no entanto, permaneceu esquecida – um vácuo que agora Haddad tenta preencher.

Haddad parece compreender que, para reconstruir o pacto social destruído pelo golpe de 2016, é necessário oferecer à classe média um caminho que a atraia para fora da órbita dos interesses do "andar de cima". Historicamente, esse segmento oscilou entre o apoio ao PT, como ocorreu em 2002 e 2006, e a adesão às narrativas conservadoras que emergiram com força nos últimos anos. Reconectar-se com essa base exige mais do que medidas fiscais. Exige também comunicação eficaz, que explique as distorções do sistema tributário e desmascare o privilégio de poucos à custa de muitos.

A proposta de Haddad, ao dobrar o número de isentos do IR para mais de 30 milhões, é um passo nessa direção. Ao propor uma alíquota mínima de 10% para rendimentos acima de R$ 50 mil, o ministro acena para a justiça fiscal, mas também desafia diretamente os interesses do topo da pirâmide social. E os donos do capital controlam praticamente todos os aparelhos ideológicos, como rádios, jornais, televisões e até mesmo igrejas.

Para Haddad, a missão vai além de corrigir as injustiças tributárias. Ele terá que enfrentar uma máquina ideológica poderosa, capaz de manipular o discurso público e resistir a qualquer tentativa de redistribuição de renda. O confronto com a elite econômica será feroz, e o sucesso dependerá da capacidade de mobilizar a classe média e resgatar o protagonismo social desse segmento, como já ocorreu no passado.

Se a proposta de Haddad prosperar, o Brasil poderá dar um passo histórico rumo à progressividade fiscal e à reconstrução de um pacto social baseado na equidade. Caso contrário, permanecerá refém de um modelo que perpetua privilégios e engessa não apenas o desenvolvimento do País, como o próprio debate de ideias.

A classe média, que já foi central na consolidação de projetos progressistas no passado, será novamente decisiva. A dúvida é se Haddad conseguirá conquistar essa base e pavimentar o caminho para um novo ciclo de transformações sociais no Brasil.

 

•                        Isenção de IR até R$ 5 mil valerá apenas a partir de 2026, se passar pelo Congresso

O governo federal anunciou nesta quarta-feira (27) um pacote fiscal que promete gerar uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos, mas a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil — promessa de campanha do presidente Lula — ficará fora deste conjunto de medidas. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a proposta será enviada ao Congresso como lei complementar em 2024 e, se aprovada, entrará em vigor apenas em 2026.

De acordo com Haddad, a medida será implementada de forma escalonada para evitar aumentos abruptos de imposto em faixas intermediárias. "Quem ganha até R$ 5 mil terá isenção integral, mas haverá uma transição para quem ganha até R$ 7.500, de modo a não gerar saltos tributários", explicou o ministro. A compensação virá do aumento na tributação de rendas mais altas, especialmente sobre quem acumula ganhos de até R$ 600 mil anuais em fontes não tributadas, como dividendos e receitas de pessoa jurídica.

<><> Pacote fiscal: principais medidas

O pacote fiscal do governo combina mudanças em benefícios sociais, ajustes no salário mínimo e novos critérios para programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o abono salarial, além de alterações que impactam categorias como militares e artistas beneficiados pela Lei Aldir Blanc. Entre os principais pontos, estão:

•                        Salário mínimo: A correção, que atualmente considera a inflação mais o crescimento do PIB de dois anos antes, será ajustada às novas regras do arcabouço fiscal. A mudança deve gerar economia crescente, de R$ 2,5 bilhões em 2024 a R$ 30 bilhões até 2030, devido ao impacto no INSS e em outros benefícios atrelados ao piso salarial.

•                        Abono salarial: O congelamento do teto de elegibilidade em R$ 2.640 será ajustado pela inflação. No longo prazo, o benefício será restrito a quem recebe até 1,5 salário mínimo.

•                        Militares: Acabará o benefício conhecido como "morte ficta", que permitia pensões para familiares de militares expulsos. Também será instituída uma contribuição de 3,5% para o sistema de saúde das Forças Armadas.

•                        Lei Aldir Blanc: O orçamento de R$ 3 bilhões será condicionado à execução orçamentária.

Além disso, haverá novos limites para supersalários no setor público e exigências para o uso de recursos do Fundeb, priorizando a educação integral.

<><> Impacto na tributação e redistribuição

A tão aguardada isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil será separada do ajuste fiscal e tratada em lei complementar. Para garantir equilíbrio nas contas, a proposta inclui tributação mínima de 10% para rendas altas não tributadas. Já quem recebe altos salários pela CLT, sujeito à alíquota máxima de 27,5%, não será impactado.

Caso as medidas não alcancem os objetivos fiscais, o governo prevê novos gatilhos no arcabouço fiscal. Esses dispositivos incluem bloqueios de despesas e ajustes adicionais, reforçando o compromisso com a sustentabilidade das contas públicas.

•                        Impacto da isenção do IR até R$ 5 mil soma R$ 35 bilhões, mas pode ser compensado com a tributação dos mais ricos

O Ministério da Fazenda estimou que a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para rendas de até R$ 5 mil por mês terá um impacto fiscal de R$ 35 bilhões anuais. Essa renúncia de receita será compensada por mudanças na tributação de contribuintes de alta renda, mas a implementação da proposta ainda depende de aprovação pelo Congresso Nacional.

Na noite desta quarta-feira (27), o ministro Fernando Haddad anunciou que o governo enviará ao Legislativo um projeto de lei para concretizar a promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atualmente, estão isentos contribuintes que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.824). Com a ampliação, cerca de 30,6 milhões de brasileiros se tornarão isentos, quase o dobro dos atuais 14,5 milhões.

Para viabilizar a medida, o governo propõe uma alíquota mínima efetiva de 10% sobre rendas totais acima de R$ 50 mil por mês, considerando todos os tipos de receita, como lucros, dividendos e rendimentos financeiros atualmente isentos. Segundo reportagem do Valor Econômico, o modelo prevê alíquotas progressivas, com a cobrança integral para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão por ano.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco Nacional) aponta que o impacto fiscal pode ser maior, alcançando R$ 45 bilhões anuais. O presidente da entidade, Mauro Silva, defendeu a isenção como uma medida justa, mas alertou para desafios na implementação: “O impacto positivo é evidente, especialmente para a classe média, mas a compensação de receitas exige planejamento e ajustes robustos para evitar distorções.”

Silva também destacou a necessidade de proteger contribuintes com rendas próximas ao novo limite de isenção: “Quem ganha um pouco acima de R$ 5 mil pode acabar sendo desproporcionalmente penalizado. É fundamental que a tabela seja ajustada para evitar essas injustiças.”

A proposta reflete o esforço do governo em tornar o sistema tributário mais progressivo. Contudo, o sucesso da medida dependerá da capacidade de o Congresso Nacional aprovar o projeto e de garantir que as compensações sejam suficientes para evitar desequilíbrios fiscais.

 

•                        Como políticos, setores da economia e o dólar reagiram aos anúncios de Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou uma série de cortes de gastos e ajustes fiscais para equilibrar as contas do governo.

Entre as medidas, há mudanças no imposto de renda — uma isenção para quem ganha menos de R$ 5 mil e uma taxa de 10% para quem ganha R$ 50 mil —, na previdência dos militares, no aumento do salário mínimo e em programas sociais do governo (conheça todos os detalhes aqui).

O governo calcula que o corte de gastos anunciado vai gerar um impacto de R$ 327 bilhões entre 2025 a 2030.

Veja a seguir como políticos, setores da economia e o câmbio responderam às novidades.

<><> Reação na classe política

O deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara dos Deputados, escreveu no X (o antigo Twitter) que "o presidente Lula não governa para o mercado, mas para todas as brasileiras e brasileiros".

"O conjunto de medidas anunciadas pelo governo é um avanço na organização das contas públicas fazendo justiça fiscal e social. O ajuste é um complemento da reforma tributária sem criar impostos", declarou ele.

Um discurso parecido foi adotado por Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado Federal.

Ao comemorar o corte de impostos para quem ganha até R$ 5 mil, ele lembrou que "esse foi mais um compromisso de campanha do presidente Lula para melhorar o bolso e a vida do povo brasileiro".

O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), ironizou as mudanças no abono salarial anunciadas por Haddad. Ele compartilhou uma imagem de um texto publicado no site do Partido dos Trabalhadores em 2019 com o título: "Reforma da Previdência rouba abono salarial de 13 milhões de trabalhadores".

"PT acusa o ministro Haddad de roubar abono salarial de 13 milhões de trabalhadores brasileiros! Ops, isso foi quando nós aprovamos a reforma da Previdência. Parece, agora, que o PT mudou de ideia", escreveu Marinho.

O senador Flávio Bolsonaro usou o X para dizer que "a economia já está sofrendo""

"O dólar provavelmente vai bater R$ 6,00 ainda hoje! Nada do que o petista [Lula] faz é pensando no bem do Brasil; são apenas medidas populistas para tentar se viabilizar politicamente até 2026", escreveu ele.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediu um "esforço concentrado" dos deputados e um "empenho das bancadas" em dezembro, para que o pacote de corte de gastos seja debatido e votado até o final do ano.

A ideia é que as medidas tramitem como uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei complementar (PLP).

Já Rodrigo Pacheco (PSD-MG) declarou que a votação de pacote fiscal "será prioridade" nas últimas três semanas de trabalho de 2024.

<><> O dólar e o mercado

Com a expectativa do anúncio pelo governo, o dólar disparou, chegando ao maior valor nominal (sem considerar a inflação) da história na quarta-feira (27/11): R$ 5,91.

Na manhã de quinta (28/11), a tendência de alta se manteve — e o câmbio em relação à moeda americana ultrapassou os R$ 6.

Muitos agentes do mercado veem o aumento da isenção do imposto de renda como ineficaz no controle das contas públicas.

Haddad defendeu a decisão e argumentou que "a nova medida não trará impacto fiscal".

"Porque quem tem renda superior a R$ 50 mil por mês pagará um pouco mais. Tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados", assegurou ele.

"Essa reforma não visa nem aumentar e nem diminuir a arrecadação. O que buscamos é eficiência e justiça tributária", afirmou o ministro.

O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, a B3, opera em baixa.

Em entrevista ao Estadão, Sidney Lima, analista da Ouro Preto investimentos, avaliou que o pronunciamento de Haddad sobre o pacote fiscal "teve um tom de propaganda do governo ao anunciar a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil".

"Ponto positivo se deu sobre o anúncio do corte de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, algo que já era esperado pelo mercado. O ponto mais significativo foi a proposta de 'proibir benefícios tributários em caso de déficit primário', o que pode resultar em uma maior arrecadação para a União, além de reforçar a confiança na gestão das contas públicas", disse ele.

Já um artigo do jornal Valor Econômico, destaca que "o pacote fiscal anunciado pelo governo segue a estratégia gradual de ajuste das contas públicas e, para o Banco Central, não representa o choque positivo que poderia ajudar no controle da inflação e evitar doses mais fortes na administração da taxa básica de juros".

Na Exame, Felipe Salto, economista-chefe da Warren, avalia que "o pacote [anunciado pelo governo] contém ações corretas, que mexem em pontos sensíveis do gasto obrigatório, mas não na intensidade necessária para estabilizar a relação dívida/PIB em dois ou três anos".

 

Fonte: Brasil 247/BBC News Brasil

 

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