sábado, 30 de novembro de 2024

Toffoli ameaça derrubar artigo do Marco Civil que garante a liberdade de expressão na internet brasileira

O ministro Dias Toffoli sinalizou, durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que poderá votar pela derrubada do artigo 19 do Marco Civil da Internet, peça fundamental para a garantia da liberdade de expressão no Brasil. O julgamento, que discute a constitucionalidade desse dispositivo, começou nesta semana e pode culminar na responsabilização das plataformas digitais por conteúdos de terceiros mesmo sem decisão judicial prévia. Para críticos, a mudança ameaça o equilíbrio entre liberdade e moderação, prejudicando o ecossistema democrático da internet brasileira.

A decisão de Toffoli, ainda em construção, alinha-se ao movimento de figuras como o advogado-geral da União, Jorge Messias, que defendeu a inconstitucionalidade do artigo sob o argumento de que o dispositivo favorece a manutenção da desinformação. Essa visão, no entanto, contrasta com a defesa histórica do artigo 19 como um modelo eficaz para proteger a pluralidade, permitindo que decisões sobre remoção de conteúdo passem pelo crivo judicial, em vez de ficarem nas mãos das plataformas ou de notificações privadas.

<><> Os riscos de um modelo restritivo

A possível derrubada do artigo 19 desperta preocupações sobre censura preventiva e o enfraquecimento do jornalismo independente. Sob um modelo em que notificações extrajudiciais possam obrigar a remoção de conteúdos, há o risco de que plataformas ajam de forma automática e indiscriminada, eliminando conteúdos legítimos por medo de represálias legais. Isso ameaça especialmente as vozes dissidentes e críticas, que encontram na internet um espaço para questionar os grandes conglomerados midiáticos e o poder político.

A experiência internacional, frequentemente citada como justificativa para a mudança, é muito distinta da realidade brasileira. Na União Europeia, por exemplo, há uma comunicação pública robusta e menos desigualdade no acesso à informação. No Brasil, a dependência das plataformas digitais como meio de expressão torna o artigo 19 ainda mais relevante para a proteção da democracia e da pluralidade.

<><> Pressão da Globo e interesses por trás da mudança

O editorial publicado pelo jornal O Globo na véspera do julgamento evidencia as pressões que o STF enfrenta. Defendendo a revogação do artigo, a Globo argumenta que a medida seria necessária para combater desinformação e discursos de ódio. Contudo, críticos enxergam nesse posicionamento um interesse subjacente de restringir a concorrência e limitar o alcance de vozes independentes na internet.

Historicamente, a Globo enfrentou dificuldades em se adaptar ao ambiente digital, onde emergiram novas plataformas de jornalismo e opinião que desafiam sua hegemonia. Sob a proteção do artigo 19, veículos independentes cresceram, ampliando o debate público e trazendo à tona narrativas frequentemente ignoradas pela grande mídia. A defesa de um modelo mais restritivo é vista como uma tentativa de restaurar o controle sobre o fluxo de informações.

<><> A importância do artigo 19 para a internet brasileira

Desde sua criação, o Marco Civil da Internet tem sido um marco global no equilíbrio entre liberdade de expressão e responsabilidade. O artigo 19, em particular, garante que a moderação de conteúdos seja conduzida com critérios claros, evitando censura arbitrária e garantindo que plataformas não sejam responsabilizadas indevidamente por conteúdos de terceiros.

Essa estrutura tem permitido que a internet brasileira se mantenha como um espaço plural e democrático, enquanto oferece mecanismos para coibir abusos, sempre com respaldo do Judiciário. Derrubar o artigo significaria retroceder nesse equilíbrio, colocando em risco conquistas essenciais para o debate público.

Com o julgamento ainda em andamento, o Brasil se encontra em um momento decisivo para o futuro de sua democracia digital. Entre a manutenção de um sistema que valoriza a pluralidade e a adoção de um modelo que pode favorecer a censura e a concentração de poder, o país assiste ao STF decidir não apenas sobre um artigo, mas sobre os próprios alicerces da liberdade de expressão na era digital.

 

•                        "Ataque ao marco civil da internet é um sinal verde contra a imprensa independente", diz Breno Altman

A possível derrubada do artigo 19 do Marco Civil da Internet, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), pode representar um duro golpe contra a imprensa independente no Brasil. O jornalista Breno Altman, editor do Opera Mundi, utilizou suas redes sociais nesta quarta-feira para alertar sobre os riscos dessa decisão, classificando-a como uma ameaça direta à imprensa independente e à pluralidade de ideias. “Seria sinal verde contra a imprensa independente”, afirmou.

O julgamento, iniciado nesta semana, pode culminar na responsabilização das plataformas digitais por conteúdos publicados por terceiros, mesmo sem decisão judicial. O artigo 19, vigente desde a aprovação do Marco Civil da Internet em 2014, estabelece que a remoção de conteúdos pelas plataformas deve ser feita apenas mediante determinação judicial, garantindo, assim, um equilíbrio entre liberdade de expressão e moderação. Entretanto, ministros como Dias Toffoli já indicaram inclinação para derrubar o dispositivo, o que, segundo Altman, significaria entregar “imenso poder aos grandes oligopólios que controlam as plataformas de comunicação”.

<><> A pressão da mídia tradicional e os interesses por trás da mudança

A decisão do STF ocorre em meio a pressões de setores tradicionais da mídia, como evidenciado no editorial do jornal O Globo, que defendeu a revogação do artigo 19 sob o argumento de que isso fortaleceria o combate à desinformação e ao discurso de ódio. No entanto, críticos apontam que tal narrativa encobre interesses comerciais, visando restringir a concorrência e limitar o alcance de veículos independentes.

O Marco Civil da Internet possibilitou o crescimento de empresas jornalísticas alternativas, que se consolidaram como contrapeso ao oligopólio midiático. A possível derrubada do artigo 19 é vista por analistas como um retrocesso que pode concentrar ainda mais poder na grande mídia e nas big techs, prejudicando a diversidade de vozes no debate público.

•                        A internet não é terra sem lei e o art. 19 do Marco Civil é a garantia da liberdade de expressão no ambiente digital. Por Leonardo Attuch

Está em curso no Supremo Tribunal Federal um julgamento que pode significar o fim da liberdade de expressão na internet brasileira. Trata-se da análise da constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet. Este artigo determina que uma big tech não é responsável pelos conteúdos postados por terceiros e só deve remover conteúdos após uma determinação judicial. Um exemplo: se um comentarista de qualquer canal de notícias, como por exemplo a TV 247, argumentar que determinado político é corrupto, o Youtube, o Facebook ou o X, plataformas pelas quais tal conteúdo é transmitido, não podem ser responsabilizadas juridicamente – a menos se desrespeitarem ordens judiciais.

Os que se levantam contra este artigo frequentemente alegam que a internet brasileira seria uma “terra sem lei". É um argumento falso e sem amparo nenhum na realidade. Isso porque todos os canais de notícias ou indivíduos que publicam notícias nas plataformas digitais podem ser acionados judicialmente por aqueles que eventualmente se sintam atingidos por suas reportagens, análises ou comentários. Tanto isso é verdade que todos os canais de notícias, de esquerda, centro ou direita, respondem a diversos processos judiciais, de acordo com a lei brasileira. Se a internet fosse mesmo “terra sem lei", os ministros do Supremo Tribunal Federal deveriam fazer a gentileza de anular todos os processos judiciais contra veículos de comunicação digitais.

Há ainda aqueles que dizem que a regulação seria urgente porque um determinado cidadão, Francisco Wanderley Luiz, teria planejado um ataque terrorista contra o Supremo Tribunal Federal. Ora, antes mesmo do surgimento da internet, já houve casos de indivíduos que tentaram invadir o Palácio do Planalto. O argumento seria o de que tais pessoas só estariam radicalizadas pelo ódio porque teriam sido “deformadas” pelas redes sociais. Mas como explicar então o apoio popular ao golpe militar de 1964 e a existência do “comando de caça aos comunistas”, quando não havia internet?  Como justificar as manifestações populares pelo golpe parlamentar de 2016, contra a ex-presidente Dilma Rousseff, quando as convocatórias eram feitas pelos “jornalistas profissionais” dos grandes grupos de comunicação, com destaque para a Rede Globo?

É a Globo, por sinal, a principal interessada no fim do artigo 19 do Marco Civil da internet. Alavancada durante a ditadura militar, a emissora da família Marinho acostumou-se a eleger presidentes, derrubar presidentes, nomear ministros e reinar sozinha no mercado publicitário. Sua dominação hoje se dá pelo preferência na obtenção de recursos publicitários e também no acesso privilegiado a informações que deveriam ser divulgadas publicamente – o que reforça o seu poder de mercado. Mas isso não parece ser o bastante. A Globo deseja o fim do artigo 19, e tem feito campanha insistente nesta direção há vários anos, porque tal conquista representaria a volta do monopólio no mercado da informação.

Se um político acusado de corrupção puder processar uma big tech por determinado conteúdo, ou obter sua remoção sumária sem ordem judicial, as consequências serão nefastas para a democracia. Haverá censura prévia em massa, por parte das plataformas digitais, autocensura por parte dos veículos de comunicação, e estes poderão até mesmo ser eliminados das plataformas, por decisão unilateral destas empresas, que poderiam se concentrar não mais em notícias, mas em fotos de bichinhos fofinhos – o que, aliás, já ocorreu com o Facebook, que praticamente eliminou a difusão de notícias de sua plataforma.

Para completar esse quadro ameaçador, há ainda ministros que argumentam que as redes precisam ser reguladas para que o jornalismo possa ser feito novamente pelos “jornalistas profissionais". Este argumento parece desconhecer que a estrutura da comunicação brasileira hoje é totalmente dominada pelo grande capital. Se “jornalismo profissional” é aquele feito por jornalistas que trabalham em empresas controladas pelo poder econômico, isso significará a volta do pensamento único no Brasil. Um pensamento que será neoliberal, antinacional, antipovo e até mesmo antipetista. Diante deste quadro, a questão que se coloca é: por que o governo do Partido dos Trabalhadores está chancelando uma iniciativa que pode significar a morte dos veículos de comunicação que sustentaram a democracia nos momentos mais duros da história recente do País?

¨      O QUE DIZ O Art. 19 da Lei Nº 12.965, de 23 de Abril de 2014

Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.

§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.

§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.

§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º, poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

 

Fonte: Brasil 247

 

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