A guerra
de Tarcísio, em SP, contra a o meio ambiente
O
governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vetou o Projeto de Lei nº 80/2023, que
incluía conteúdos sobre as mudanças climáticas na grade curricular das escolas
estaduais de São Paulo, 12 dias após ter anunciado o programa Agro Jovem,
destinado a “incentivar a participação da juventude no agronegócio paulista”. O
PL havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e
recebeu a oposição do governo paulista no mês passado. Segundo especialistas
ouvidos pela Agência Pública, o movimento “oficializa” a oposição da gestão à
educação climática.
A
Pública apurou que a equipe mais próxima ao governador está envolvida na
elaboração do Agro Jovem, que inclui ações educativas em universidades e
escolas estaduais de ensinos médio e fundamental II e prevê o recrutamento de
estudantes para compor um “conselho” da juventude rural. O programa também
oferecerá 200 vagas de estágios na Secretaria de Agricultura e Abastecimento e
premiações de projetos desenvolvidos pelos estudantes, mas ainda depende de
decreto para ser instituído.
As
emissões de gases causadores do efeito estufa pela agropecuária corresponderam
a 22,7% do total emitido em 2023 pelo estado de São Paulo, segundo o Sistema de
Estimativas de Emissões de Gases (Seeg), do Observatório do Clima. O setor
ocupa a segunda posição no ranking de maiores emissores do estado, ficando
atrás apenas do de energia.
O
veto de Tarcísio ao PL 80/2023 foi publicado no Diário Oficial em 8
de outubro. De autoria do deputado Guilherme Cortez (PSOL), o projeto previa a
inclusão de conteúdos sobre as mudanças climáticas no programa de ensino da
rede estadual, de maneira transversal e interdisciplinar. O texto havia sido
aprovado pela Alesp em votação simbólica, quando a maioria dos parlamentares é
favorável à proposta e apenas os votos contrários são computados. Somente oito
dos 94 deputados votaram contra o projeto.
Em
entrevista à Pública, Cortez afirmou que planeja dialogar com a base
bolsonarista da Assembleia para derrubar o veto do governador. “O veto é uma
sinalização clara do negacionismo que existe no governo e da pressão de setores
econômicos que não querem o avanço da consciência da população em relação à
mudança climática. Sabemos dos interesses políticos e econômicos dessa
administração, que impedem o governador de ter uma postura coerente com o
tema”, disse o parlamentar.
“O
agronegócio é predominante no estado de São Paulo, principalmente no interior.
É um setor que trabalha com métodos que são insustentáveis e causam emissão de
poluentes na atmosfera, como as queimadas, o uso indiscriminado de agrotóxicos
e as formas antiquadas e predatórias de uso do solo. É um setor que
economicamente apoia o governo e para o qual o governo faz todas as
sinalizações possíveis”, complementa Cortez.
A
abertura para valorização do agronegócio nas escolas, como prevê o programa
Agro Jovem, acentua um posicionamento do governo paulista quanto à priorização
da educação climática. “A educação ambiental climática é realmente antagônica a
essa dita educação sobre o agro, que parece muito com o movimento Escola Sem
Partido. O agronegócio é o modelo da insustentabilidade”, afirma Rachel
Trajber, coordenadora do Cemaden Educação, programa
do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.
·
Escola Sem Partido à
la agro
O
programa Agro Jovem foi apresentado durante o seminário Agrotalk Mind, cujo
anfitrião foi o próprio governo paulista. Com o tema “A educação brasileira e o
ecossistema da indústria agrocultural”, o encontro reuniu mais de 150
produtores rurais no Salão Nobre da Secretaria de Agricultura, no dia 26 de
setembro. O evento teve ares de festa e foi organizado pela AGX Estratégias,
agência de marketing comandada por Aryane Garcia, que integrou a campanha à
reeleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador Tarcísio.
O
secretário-executivo de Agricultura, Edson Fernandes, apresentou o Agro Jovem
no evento, que teve participação do deputado estadual Lucas Bove (PL),
vice-presidente da Comissão de Educação da Alesp e que votou contra a aprovação
do PL de educação climática, e da presidente da associação De Olho no Material
Escolar, Letícia Jacintho.
A
De Olho no Material Escolar foi criada em 2021 com o objetivo de “contribuir
para uma educação positiva e atualizada sobre o agro”. A associação faz lobby entre os parlamentares e atua para
revisar material didático que “demonizaria” o agro – tendo, inclusive, chamado
atenção após ter criticado questões do Enem 2023 que envolviam o agronegócio.
Jacintho,
que vem de família ruralista, disse em entrevista ao podcast da revista
agropecuária Coopercitrus que “pode-se fazer propaganda dizendo que o ‘agro é
pop’ e o ‘agro é tudo’ ou qualquer outro tipo de publicidade, mas se não consertarmos
a base, que é a educação, será muito difícil conseguir mostrar toda a grandeza
do agronegócio”.
Em
entrevista ao Canal Rural durante o
Agrotalk Mind, o deputado Lucas Bove enalteceu o foco do evento no que chamou
de “doutrinação nas escolas contra o agronegócio”. “A ideia [do Agro Jovem] é
justamente fazer com que esse tipo de problema não ocorra mais e que a gente
possa, de fato, ter uma educação de qualidade que não prejudique o nosso
agronegócio e também ajude o produtor rural”, disse o parlamentar.
“Nós
[lideranças do agronegócio] estamos correndo atrás do prejuízo e do tempo em
que não nos envolvíamos com política e não fazíamos questão de debater o que
nossos filhos estão aprendendo na escola. Eu vejo vídeos de meninas e meninos
que mudaram completamente a personalidade e estão irreconhecíveis por conta
daquilo que é ensinado ideologicamente nas escolas”, afirmou Aryane Garcia,
idealizadora do Agrotalk Mind, em entrevista ao portal Notícias Agrícolas.
Durante
o evento, foi assinado um protocolo de intenções entre a Secretaria de
Agricultura e o Instituto Presbiteriano Mackenzie, com o objetivo de firmar um
“projeto de qualificação e formação especializada, teórico e prático de
estudantes universitários e a transferência de conhecimento por meio de
estágios”. O diretor do instituto, Milton Flávio, recebeu a “joia do agro”,
banhada em ouro de 18 quilates.
·
Diálogo e coincidência
de objetivos
À
Pública, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento afirmou que o programa
Agro Jovem “busca fortalecer o diálogo entre a sociedade civil e o poder
público, estimulando o desenvolvimento de soluções inovadoras e a formação de
uma nova geração de profissionais qualificados para o agronegócio”.
A
pasta negou que o Agro Jovem tenha qualquer relação com a associação De Olho no
Material Escolar, “apesar de ambos possuírem objetivos convergentes, como
capacitação da juventude, divulgação do setor agropecuário e difusão das
características do segmento”.
A
secretaria acrescentou que “tem diálogo aberto e recebe os pleitos desta e
qualquer outra iniciativa com objetivo pedagógico e de conscientização, quando
fundamentadas na produção científica e acadêmica disponível e que demonstram a
sustentabilidade e contribuição social da agropecuária para o desenvolvimento
da sociedade”.
Procurada,
a De Olho no Material Escolar afirmou que “iniciativas que tenham os mesmos
princípios e propósitos são bem recebidas”. A entidade negou que tenha qualquer
participação no programa Agro Jovem. Em relação ao PL de educação climática
vetado por Tarcísio, a De Olho afirmou que “desconhece seu teor e, portanto,
reserva-se à posição de não comentá-lo”.
A
reportagem também procurou o governo de São Paulo, mas não houve retorno até a
publicação.
·
Na contramão da
tendência nacional e internacional
Tarcísio
de Freitas apresentou dois programas estaduais como razões para o veto ao
projeto de lei: o “Escola Mais Segura”, que trata sobre resiliência estrutural
das escolas e não cita educação climática, e “Alfabetização Ambiental”, que
promove temáticas socioambientais no ensino público.
Para
a professora de educomunicação na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA-USP) e membro da Coalizão Brasileira pela
Educação Climática Thaís Brianezi, as justificativas apresentadas pelo
governador durante o veto ao PL não seriam suficientes para garantir a
implementação da educação climática.
“Há
uma certa distância entre a educação ambiental e as ciências do clima. Por
isso, o governo federal considerou importante que a educação climática fosse
uma prioridade e constasse como um destaque dentro da política de educação. Cai
por terra a justificativa do Tarcísio, porque, senão, o governo Lula também
teria reconhecido que não era necessário fazer essa inclusão.”
Em
julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a Lei nº 14.926/2024, fruto de
um projeto de lei apresentado pelo Senado. A legislação inclui as mudanças do
clima, a proteção da biodiversidade e os riscos e vulnerabilidades a desastres
socioambientais na Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), instituída
em 1999. Na prática, o veto de Tarcísio à educação climática não impede as
escolas estaduais de abordarem o tema em sala de aula, já que a atualização na
PNEA supre essa lacuna.
Diretrizes
para a educação sobre mudanças climáticas também estão estabelecidas por
organizações internacionais. A Unesco, órgão das Nações Unidas para a educação,
promove a iniciativa Greening Education Partnership, que estimula a colaboração
entre governos e a sociedade civil para incentivar a educação climática. A 29ª
Conferência do Clima da ONU (COP29), que se encerrou na semana passada, também
teve programações voltadas para a educação.
“É
lamentável, simboliza uma não priorização do tema”, analisa Brianezi. “Da
maneira como foram pautados esses dois movimentos antagônicos, um ganhando
projeção e espaço na agenda [a educação sobre o agro], e o outro sendo
simplesmente vetado [a educação climática], passa a mensagem de que o
governador não quer rever os privilégios que o agronegócio desfruta e nem
repensar as práticas da agricultura industrial. Quando o governador veta, ele
está se comportando como o capitão do Titanic, que não deixou soar os sinos da
emergência.”
Fonte:
Por Gabriel Gama, na Pública
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