Intolerância
religiosa e associação com criminalidade: os preconceitos que a cultura negra
ainda sofre no Brasil
No
Brasil, a cultura negra ainda enfrenta uma série de preconceitos enraizados que
refletem as desigualdades históricas e estruturais vividas pela população
negra. Esses preconceitos se manifestam de diversas formas, desde a demonização
de religiões de matriz africana até a associação equivocada entre a cultura
negra e criminalidade, que perpetua estigmas nocivos.
A
seguir, confira 6 preconceitos que a cultura negra ainda sofre no Brasil:
• Demonização das
religiões afro-brasileiras
Religiões
de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, carregam significados
profundos e uma rica herança cultural, mas enfrentam intolerância religiosa e
preconceito no Brasil. Muitos brasileiros veem essas práticas como "cultos
ao mal" ou "feitiçaria", uma visão enraizada na desinformação e
no preconceito. Esse estigma resulta na demonização de símbolos sagrados, como
os orixás, e contribui para ataques e depredações de terreiros, intensificando
a marginalização de seus praticantes.
• Desvalorização das
expressões musicais negras
Estilos
musicais de origem negra, como funk e rap, muitas vezes são associados à
"violência" e enfrentam preconceito elitista. Essas expressões
culturais, que refletem as vivências e identidades da população negra, são
desvalorizadas e tratadas como "ameaças" em vez de serem reconhecidas
como patrimônios culturais e artísticos legítimos.
• Folclorização das festas
e tradições negras
Festas
e celebrações com raízes africanas, como a Congada, o Maracatu e o Afoxé, são
frequentemente estereotipadas como meros "atrativos turísticos",
esvaziadas de sua profundidade cultural e religiosa. Essa folclorização reforça
uma visão exótica e superficial, que ignora a importância histórica e
espiritual dessas tradições.
Associação
entre cultura negra e criminalidade
A
associação equivocada entre cultura negra e criminalidade é um dos estigmas
mais prejudiciais. Eventos culturais negros, como bailes funk, rodas de
capoeira e encontros de rap, são frequentemente associados ao crime, reforçando
um imaginário social que vê pessoas negras como "perigosas". Isso não
só desqualifica essas manifestações culturais, mas também aumenta a repressão
policial nessas comunidades.
• Invisibilização da moda
e estética negra
Características
estéticas negras, como cabelos crespos, tranças e turbantes, que possuem
significados culturais e identitários profundos, frequentemente enfrentam
preconceito. Em ambientes formais, a estética negra ainda é estigmatizada como
"não profissional" ou "desleixada", pressionando muitas
pessoas negras a alterar suas características naturais para evitar
discriminação.
• Apropriação cultural
A
cultura negra também costuma ser apropriada sem o devido reconhecimento.
Elementos culturais como o uso de turbantes, aspectos do hip-hop e a estética
do funk são absorvidos por outros grupos, mas sem valorizar a contribuição das
pessoas negras. Essa apropriação reforça o apagamento cultural, pois desassocia
esses elementos de suas origens e significados, transformando eles em
"moda" ou "tendência".
• Entenda o que é racismo
silencioso - e veja se você pratica no seu dia a dia
O
racismo silencioso é um conjunto de atitudes e comportamentos discriminatórios
sutis e, muitas vezes, quase imperceptíveis que reforçam desigualdades raciais
sem manifestações explícitas de preconceito. Ele pode ocorrer em interações
diárias, em ambientes profissionais, educacionais e sociais, sendo
caracterizado pela exclusão indireta, insinuações e suposições negativas
baseadas em estereótipos raciais.
Enquanto
o racismo explícito é evidente e direto, o racismo silencioso frequentemente se
disfarça em ações e palavras que parecem neutras, mas que carregam uma base
preconceituosa.
Comentários
como "você fala muito bem para uma pessoa negra" são exemplos de
atitudes que, ainda que inconscientes, revelam preconceitos subjacentes. Além
disso, o racismo silencioso está presente em práticas de exclusão social
disfarçada, como a tendência de evitar ou desconfiar de pessoas negras em
ambientes predominantemente brancos, ou na negação de oportunidades
profissionais e educacionais com justificativas que desconsideram a
qualificação da pessoa afetada.
Esse
tipo de racismo, justamente por ser sutil e menos visível, pode passar
despercebido, também sendo muitas vezes difícil para quem o pratica reconhecer
o seu comportamento.
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Exemplos de racismo silencioso no cotidiano
#
Microagressões:
-
são comentários ou atitudes que, de forma implícita, perpetuam estereótipos
raciais. Exemplos incluem elogiar uma pessoa negra por ser "bem
articulada" ou questionar a origem de um indivíduo negro com a frase
"de onde você realmente é?". Embora pareçam inofensivos, esses
comentários subentendem que a pessoa negra não é esperada naquele contexto.
#
Suposições automáticas:
-
outro exemplo comum é supor que uma pessoa negra seja menos qualificada para
cargos de alta posição ou que seu lugar no ambiente acadêmico ou profissional
tenha sido obtido necessariamente através de políticas de cotas, sem considerar
seu mérito individual.
#
Evasão de temas relacionados à raça:
-
pessoas brancas muitas vezes evitam abordar questões raciais por medo de
desconforto, o que é uma forma de racismo silencioso. Issopode impedir
discussões importantes sobre igualdade e justiça racial.
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Como identificar e combater o racismo silencioso
Para
combater o racismo silencioso, é importante exercitar a autorreflexão e estar
atento aos próprios comportamentos e pensamentos. Isso inclui se questionar
sobre a forma como você percebe e trata pessoas negras.
Ler
sobre questões raciais, ouvir relatos de pessoas negras e praticar a empatia
são formas essenciais de desenvolver uma consciência mais inclusiva. Reconhecer
o racismo silencioso é o primeiro passo para eliminar atitudes racistas do
cotidiano.
• Conheça história da
santa negra que vendeu joias compradas com dinheiro de prostituição e doou aos
pobres
Nascida
na África Ocidental, no Benim, Rosa Egipcíaca foi trazida ao Brasil como
escravizada em 1725, aos seis anos de idade. Vendida e submetida a anos de
exploração, sua trajetória é uma das mais fascinantes do Brasil colonial. Rosa
não apenas enfrentou as violências da escravidão e da prostituição forçada, mas
também transcendeu essas condições, tornando-se uma figura considerada santa
por muitos devotos.
Durante
oito anos, ela viveu como escrava doméstica no Rio de Janeiro antes de ser
enviada para Minas Gerais, onde foi submetida à prostituição, uma prática comum
imposta às mulheres escravizadas na época. Entre abusos e exploração, Rosa
acumulou joias e roupas que, anos mais tarde, seriam vendidas para ajudar os
pobres.
Quanto
tinha cerca de 30 anos, enfrentou uma grave enfermidade no estômago que causava
intensas dores. Nesse mesmo período, Rosa começou a ter visões místicas. Essa
experiência a levou a mudar de vida: abandonou a prostituição, vendeu suas
roupas e joias e doou aos pobres.
Rosa
passou a frequentar missas e começou a ser reconhecida como profetisa em
cidades mineiras como Mariana, Ouro Preto e São João del Rei. Inspirada por
Santa Maria Egipcíaca, também uma ex-prostituta convertida em santa segundo a
tradição, Rosa adotou o nome Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz.
Em
1751, retornou ao Rio de Janeiro e foi acolhida pelo Convento de Santo Antônio,
onde recebeu orientação do padre Francisco Gonçalves Lopes, conhecido como
"Xota-Diabos". Nesse mesmo período, ela fundou o Recolhimento do
Parto, uma casa que abrigava mulheres, especialmente ex-prostitutas e negras.
Após
aprender a ler, Rosa escreveu "Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas
Peregrinas", o primeiro livro conhecido de autoria de uma mulher negra no
Brasil. A obra, composta por mais de 250 páginas, narrava suas experiências
místicas e sua relação com o divino. Rosa relatava ter recebido o título de
"Mãe da Justiça" do menino Jesus e afirmava ser a esposa da
Santíssima Trindade.
Apesar
de sua devoção e das ações caridosas, Rosa não escapou da vigilância da Igreja.
Suas práticas religiosas, que misturavam elementos cristãos e afro-brasileiros,
despertaram suspeitas entre as autoridades religiosas. Em 1762, a Igreja
Católica a acusou de ser herege e falsa santa.
Denunciada
ao Tribunal da Inquisição, ela foi enviada para Lisboa junto ao padre
Francisco. Durante o julgamento, Rosa não desmentiu suas visões nem suas
declarações místicas. Em uma visão, Rosa disse que um dilúvio iria inundar o
Rio de Janeiro e que apenas os que estivessem no Recolhimento do Parto seriam
salvos, pois o local se transformaria em uma arca.
Rosa
Egipcíaca permaneceu presa pelo Santo Ofício até sua morte por causas naturais,
deixando um legado que mescla fé, resistência e controvérsia. No ano passado, a
escola de samba do Rio de Janeiro, Unidos do Viradouro, homenageou Rosa no
Carnaval 2023.
Fonte:
Redação Nós
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