Câncer de
próstata: 10 mil pacientes não têm acesso à radioterapia no SUS ao ano
Uma
análise feita pela Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) mostra que, do
total de 32 mil pessoas que deveriam estar em tratamento para câncer de
próstata com radioterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), ao menos 10 mil não
tem acesso ao procedimento por ano.
A
análise usa dados do Ministério da Saúde e do DataSUS, que apontam para o total
de 71 mil casos de câncer de próstata diagnosticados por ano no Brasil. Desses,
75% dependem exclusivamente do SUS para o tratamento, ou seja, mais de 53 mil
pacientes com a doença procuram a rede pública.
A
radioterapia, segundo a SBRT, é indicada em 60% dos casos da doença,
totalizando 32 mil pacientes, mas somente 22.541 realizaram a radioterapia pelo
sistema público em 2023.
“A
radioterapia tem papel fundamental no tratamento do câncer de próstata, pois
pode ser indicada como terapia primária, ou em complementação à prostatectomia
radical. Ou seja, é muito importante que os pacientes tenham acesso a esta
modalidade”, afirma o médico radio-oncologista Elton Trigo Teixeira Leite,
diretor científico da SBRT.
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O que o Ministério da Saúde diz?
Procurado
pela CNN, o Ministério da Saúde afirma que o tratamento para o câncer de
próstata localizado não se limita apenas à radioterapia e pode ser realizado
também, por meio de cirurgia, como a prostatectomia radical [cirurgia para
remover a próstata e as vesículas seminais], dependendo das características do
paciente e da doença.
“Assim,
afirmar que 60% dos casos deveriam ser tratados com radioterapia, pode ser
considerado um posicionamento arbitrário, pois não leva em conta a
individualização do tratamento, que deve ser baseada em diversos fatores
clínicos e nas preferências do paciente”, diz nota enviada à CNN.
Além
disso, a pasta afirma que promove estratégias e investimentos para ampliar o
acesso ao cuidado adequado para o tratamento do câncer. “Entre 2023 e julho de
2024, a pasta investiu mais de R$ 167 milhões para a realização de
procedimentos cirúrgicos de câncer de próstata. Para o mesmo período, foram
investidos mais de R$ 501 milhões para a realização de quimioterapia de câncer
de próstata e R$ 225 milhões para radioterapia”, diz.
“Com
o Plano de Expansão da Radioterapia no SUS, por meio do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), foram implantadas 62 soluções de radioterapia, sendo que
60 estão em operação e atendendo aos usuários e outras duas em processo final
de tramitação para implementação dos serviços, representando um aumento de
22,7% da capacidade instalada de radioterapia no SUS. Entre 2017 e 2024, a
ampliação representa o aumento de aproximadamente 36 mil procedimentos por
ano”, completa a nota.
A
pasta cita, ainda, o Programa Radioterapia, que substituiu 38 equipamentos
obsoletos em hospitais de alta complexidade de oncologia, segundo nota, e o
Programa Mais Acesso a Especialista (PMAE), que busca acelerar o acesso às
consultas e exames especializados.
“Por
meio das ações, foi registrado um aumento de 15,4% no número de radioterapias
realizadas no SUS entre 2022 (3.976.414 procedimentos) e 2024 (4.590.651
procedimentos), sendo esse último ano uma projeção de acordo com o ritmo que o
procedimento é feito. Com relação à quimioterapia, em 2022 foram realizadas
3.908.323 e em 2024 há uma projeção de 4.511.270 procedimentos, além de 444.162
cintilografia realizadas em 2022 e projeção de 522.018 até o fim de 2024”,
finaliza a nota.
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Para quais casos a radioterapia é indicada?
O
tratamento do câncer de próstata varia de acordo com as características do
tumor e estágio da doença. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), para
a doença localizada — ou seja, que atingiu apenas a próstata e ainda não se
espalhou para outros órgãos — a cirurgia, radioterapia e observação vigilante
podem ser oferecidos.
Para
a doença localmente avançada, a radioterapia ou cirurgia em combinação com
tratamento hormonal têm sido utilizados, de acordo com o Inca. Já para a doença
metastática, ou seja, que já se espalhou para outras partes do corpo, o
tratamento mais indicado é a terapia hormonal.
A
orientação vigente da American Cancer Society (ACS) é que a radioterapia pode
ser indicada como primeiro tratamento, com taxas de cura similares às de homens
submetidos à prostatectomia radical, para o câncer de próstata inicial, sem
metástases.
Segundo
Leite, o câncer de próstata costuma crescer de forma lenta e, em alguns casos
iniciais, os pacientes podem ser colocados em protocolo de vigilância ativa,
sem radioterapia ou cirurgia, mas seguindo uma rotina de consultas e exames
periódicos.
“Passamos
a tratar somente se o paciente evolui para um risco intermediário, o que
acontece quando o tumor altera as suas características patológicas ou o exame
PSA (antígeno prostático específico) começa a subir rápido demais”, explica o
radio-oncologista.
A
radioterapia também é recomendada como primeiro tratamento quando o tumor
extravasou a cápsula prostática ou invadiu a vesícula seminal. Esses pacientes
podem se beneficiar da radioterapia associada ao bloqueio hormonal.
Após
a cirurgia, a radioterapia pode ser aplicada de forma adjuvante, para os casos
em que as células tumorais não foram completamente removidas; quando extravasam
a cápsula e/ou invadem as vesículas seminais, ou em caso de recidiva do PSA, a
chamada recidiva bioquímica.
“Por
ser um marcador altamente sensível, atualmente, nós damos a preferência para a
radioterapia de resgate em detrimento da radioterapia adjuvante. Entretanto,
para uma eficácia equivalente, é importante que este resgate seja realizado de
forma precoce, ou seja, deflagrar a radioterapia assim que o PSA começar a
subir consistentemente, e já com valores acima de 0,1ng/ml”, finaliza Teixeira.
Na
doença metastática, a radioterapia pode ser empregada nas lesões secundárias,
como forma de controle local e/ou de sintomas. Em pacientes selecionados, que
possuem poucas metástases, a radioterapia da próstata também pode ser indicada,
como orientam evidências mais atuais.
• 60% dos casos de câncer
de próstata são em negros, alerta especialista
O
câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens no Brasil, atrás
apenas do câncer de pele não melanoma, segundo o Instituto Nacional do Câncer
(Inca). Entre os fatores de risco estão a idade (a partir dos 60 anos),
histórico familiar da doença, sedentarismo e obesidade. No entanto, homens
negros também podem estar em maior risco, segundo especialistas e estudos
recentes.
De
acordo com Jorge Abissamra Filho, coordenador da Oncologia da Hapvida Notredame
Intermédica, cerca de 60% dos casos de câncer de próstata ocorrem em homens
negros. “Os casos tendem a ser mais agressivos e a maior parte dos diagnósticos
é tardio, o que dificulta o tratamento e diminui as chances de cura”, afirma.
O
especialista explica que homens negros apresentam mais polimorfismos, ou seja,
variações genéticas que conferem grau de agressividade potencialmente maior ao
quadro de câncer de próstata. “Homens negros também têm mais sensibilidade
androgênica, ou seja, o organismo é mais sensível à ação da testosterona,
favorecendo o surgimento do câncer que está diretamente ligado a ação desse
hormônio”, acrescenta.
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O que dizem os estudos?
A
maior prevalência de câncer de próstata na população negra já foi observada por
diferentes estudos. Um trabalho publicado no período Cancer, da Sociedade
Americana do Câncer, em 2017, por exemplo, mostrou que cerca de 30% a 43% dos
homens negros desenvolvem o tumor pré-clínico — ou seja, em fase que não
apresenta sintomas — aos 85 anos. Isso representa um risco 28% a 56% maior do
que entre homens de qualquer raça, segundo os pesquisadores.
O
estudo apontou, ainda, que entre os pacientes com doença pré-clínica, os homens
negros têm um risco semelhante de serem diagnosticados com câncer de próstata
(35% a 49%) em comparação com a população em geral (32% a 44%) na ausência de
triagem.
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No
entanto, seu risco de progressão para doença avançada no momento em que são
diagnosticados é de 44% a 75% maior do que na população em geral (um risco de
12% a 13% em homens negros em comparação a um risco de 7% a 9% na população em
geral).
Outra
pesquisa, também publicada no periódico Cancer, em 2023, indicou que homens
negros têm mais probabilidade de ter câncer de próstata do que homens brancos,
mesmo apresentando o mesmo nível de PSA (antígeno prostático específico) — um
marcador importante para o tumor.
Uma
das formas de rastrear o câncer de próstata é realizando exame de PSA, feito a
partir da coleta de sangue, que permite medir os níveis da molécula no
organismo. Níveis elevados de PSA no sangue podem indicar a necessidade de
investigação para confirmar a presença da doença.
O
estudo sugere que os homens negros possuem risco maior de câncer de próstata do
que homens brancos mesmo com níveis mais baixos de PSA. Os resultados indicam a
importância do rastreamento precoce e mais frequente do câncer de próstata em
homens negros.
Uma
pesquisa mais recente, publicada no último dia 15 no JAMA Network, analisou
mais de 6,5 milhões de veteranos dos Estados Unidos e descobriu que pacientes
negros tiveram um risco mais de duas vezes maior do que pacientes brancos em
todos os estágios do câncer de próstata.
O
risco de progressão da doença variou de acordo com o estado do tumor, raça e
etnia, com pacientes negros e hispânicos tendo riscos de progressão mais altos
em estágios iniciais, mas riscos mais baixos nas fases posteriores.
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Negros também são sub-representados em ensaios clínicos
O
oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer, explica que,
além dos fatores biológicos, existem outros fatores relacionados ao maior risco
de câncer de próstata na população negra. Entre eles, estão questões
socioeconômicas — que podem dificultar o acesso ao diagnóstico precoce e
tratamentos mais modernos — e a sub-representação em ensaios clínicos
oncológicos, que estudam novas formas de tratamento e rastreamento para a
doença.
“Certamente,
os pacientes negros do Brasil têm um poder socioeconômico menor do que
pacientes caucasianos. Isso vale não só para pacientes com câncer de próstata,
mas pacientes com outras doenças. Essa é uma triste realidade brasileira”,
afirma. “Além disso, esses pacientes também são menos representados nos
protocolos de pesquisa”, acrescenta Maluf.
A
inclusão de participantes negros nesse tipo de estudo é uma oportunidade de
oferecer medicamentos inovadores para o tratamento de câncer de próstata,
principalmente em casos mais avançados e cujas terapias convencionais não estão
tendo resultados significativos. Com uma menor representatividade negra nesses
ensaios, essa população tem menor chance de contar com essa oportunidade.
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Rastreamento do câncer de próstata em negros deve começar aos 45 anos
Por
estarem em maior risco, homens negros devem iniciar o acompanhamento para
rastreamento do câncer de próstata mais cedo do que a população geral, segundo
Abissamra Filho. “Nesse caso, orientamos a iniciar os exames a partir dos 45
anos, enquanto a população geral, a orientação é a partir dos 50”, completa.
O
rastreamento é importante para a detecção precoce do tumor, que aumenta a
chance de tratamento bem-sucedido. De acordo com o Inca, o diagnóstico em
estágio inicial pode ser feito por meio desses exames do toque retal e do exame
de sangue para avaliar a dosagem do PSA, com pessoas com sinais e sintomas
sugestivos da doença ou de pessoas sem sintomas, mas com maior risco para
desenvolver o câncer.
“É
importante abrangermos ainda mais as políticas de conscientização como o
Novembro Azul, não só para a população negra, mas para todos os homens em idade
adulta”, observa Abissamra Filho.
“O
Brasil ainda passa por uma barreira cultural muito importante em relação ao
acompanhamento do câncer de próstata, pelo preconceito do toque retal, e que
infelizmente acaba matando muitos homens de todas as etnias. A conscientização
é o principal remédio para combater o preconceito e a desinformação. Os negros,
ainda mais por ser um grupo de risco ainda maior”, finaliza.
Fonte:
CNN Brasil
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