Brasil
Paralelo: o que é, o que faz e quem financia a produtora de extrema direita
A
Brasil Paralelo, uma produtora que autodenomina seu conteúdo como educacional,
é conhecida por produzir filmes, documentários e séries que desafiam consensos
históricos e científicos, como a crise climática e medidas de saúde pública
durante a pandemia.
Para
elucidar seus objetivos e ideologia, o Intercept Brasil elaborou respostas para
10 das perguntas mais feitas no Google sobre a empresa, baseadas em reportagens
já publicadas aqui mesmo e em outros veículos, além de documentos públicos e
fontes abertas e verificáveis.
• Brasil Paralelo é de
direita? Qual é sua ideologia?
A
produtora Brasil Paralelo diz ser imparcial, mas produz conteúdos que condizem
com a ideologia da extrema direita, questionando o feminismo, associando-o a
uma mudança “moral” e ao ataque a homens, o direito ao aborto e o aquecimento
global, como em um documentário que relativiza o papel do agronegócio.
A
empresa diz estar em busca da verdade e se posiciona como combatente do chamado
marxismo cultural, a teoria popularizada por Olavo de Carvalho sobre um suposto
domínio da esquerda nos espaços de poder no mundo. Sabe o que o ex-coach e
ex-candidato Pablo Marçal ficava repetindo como “consórcio comunista do
Brasil”? É mais ou menos isso, mas de um jeito um pouco mais sofisticado. Há um
episódio inteiro sobre o tema na série Magna Carta.
Suas
produções, de forma geral, questionam pautas progressistas e contam com figuras
proeminentes da extrema direita, como a senadora Damares Alves, do
Republicanos, o próprio ex-coach Pablo Marçal, o deputado federal Marcel Van
Hattem, do Novo gaúcho, e Ricardo Gomes,
vice-prefeito de Porto Alegre.
• O que tem na Brasil
Paralelo?
A
Brasil Paralelo produz artigos, colunas, livros, documentários e outras formas
de conteúdo. Sua missão, segundo o site, é resgatar “os bons valores, ideias e
sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Na prática, a produtora
apresenta uma visão de mundo que busca combater o chamado progressismo – ou
seja, a influência do marxismo e ideias de esquerda – nas instituições,
sobretudo nas educacionais e de história.
Há
documentários que questionam o feminismo, relativizam a tortura na ditadura
militar brasileira e tratam da influência da esquerda nas universidades
públicas brasileiras. Há também conteúdos infantis e de entretenimento
selecionados a partir de uma curadoria que valoriza narrativas conservadoras,
como a série infantil Pindorama, que reconta a “descoberta do Brasil” a partir
da perspectiva colonialista portuguesa – em outras palavras, o que se aprendia
na escola décadas atrás.
Também
há produções internacionais. Recentemente, a Brasil Paralelo lançou o
documentário From the River to the Sea, que promete cobrir o genocídio em Gaza
imparcialmente. Mas essa promessa é descumprida nos primeiros minutos, em que o
sionismo é definido como um movimento que luta pelo retorno dos judeus. Porém,
o movimento sionista é uma das justificativas do governo israelense e seus
apoiadores à colonização e genocídio do povo palestino.
Últimas
Cruzadas, uma série produzida pela empresa, distorce os acontecimentos
históricos do Brasil, através da glorificação da colonização europeia e
associação de termos como “emburrecido” aos povos indígenas. Com ela, a
produtora promete “[resgatar] nossa verdadeira história – muito mais gloriosa e
digna de orgulho do que a escola nos ensinou”.
A
produtora também fez um episódio inteiro do Investigação Paralela, uma série
original que investiga crimes famosos brasileiros, sobre o caso de Maria da
Penha, que ficou paraplégica após ser vítima de violência doméstica e nomeia a
lei brasileira. O episódio relativiza o ocorrido com a vítima, dizendo que a
história “tem nuances”, e apresenta a visão do agressor.
O
roteirista do episódio afirmou em uma reunião com membros que “o caso da Maria
Penha não era bem assim como diziam”.
Depois que o episódio foi ao ar, Maria da Penha passou a receber
ameaças.
• Quem financia a Brasil
Paralelo?
A
Brasil Paralelo tem diversas fontes de financiamento. Jorge Gerdau, dono de uma
das maiores siderúrgicas do mundo e listado como conselheiro da produtora até
2021, já repassou cerca de R$ 1,5 milhão para a empresa.
De
acordo com a produtora, uma parte significativa também vem de suas assinaturas
e membros. As assinaturas para apoiadores terem acesso a conteúdos exclusivos
varia, atualmente, de R$ 19 a R$ 65 mensais, com a produtora contendo mais de
500 mil assinantes já em 2023.
Já
o programa Mecenas, que capta financiadores pessoa física para fornecer acesso
a materiais da produtora para escolas e ONGs por todo o território nacional,
contava com mais de 3 mil membros em junho de 2024.
A
Brasil Paralelo também foi a empresa brasileira que mais gastou em anúncios na
Meta entre 2020 e 2024. Entre agosto de 2020 e junho de 2024, a produtora pagou
cerca de R$ 25 milhões em anúncios nas plataformas.
Sendo
assim, grande parte de seu financiamento vem de sua base de apoiadores, que
frequentemente se autodenominam de direita e conservadores.
• Quem fundou a Brasil
Paralelo?
A
empresa foi fundada em 2016, em Porto Alegre, por Lucas Ferrugem de Souza,
Henrique Leopoldo Damasceno Viana e Filipe Schossler Valerim. Associado à
ideologia bolsonarista, Viana já afirmou em entrevistas que a produtora foi
fundada baseada em materiais da extrema direita: “as primeiras referências
foram a do Instituto Mises Brasil” e “outra fonte principal foi o COF (Cursos
Online de Filosofia) e os vídeos do Olavo de Carvalho no YouTube”.
Formados
em marketing, os fundadores utilizam táticas digitais para ampliar sua base e
radicalizar seu público, segundo especialistas em estratégias digitais.
• Tem político na Brasil
Paralelo?
A
Brasil Paralelo afirma que é apartidária. Mesmo assim, conta com Ricardo Gomes,
vice-prefeito de Porto Alegre e ex-filiado ao Partido Liberal, o PL, como
apresentador do programa Magna Carta.
Em
seu mestrado, a historiadora Mayara Balestro identificou um núcleo duro de
intelectuais que mais marcam presença nas produções da Brasil Paralelo ao longo
do tempo – todos eles de direita.
Eram
personalidades como o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, hoje no PL
de São Paulo, Helio Beltrão, do Instituto Millenium e Mises Brasil, e
influenciadores como Flavio Morgenstern e Leandro Ruschel. Jair e Eduardo
Bolsonaro também eram presenças frequentes, segundo o levantamento de Balestro.
Mais
recentemente, o deputado federal Marcel Van Hattem, do Novo gaúcho, passou a
ser presença frequente nos programas e reuniões. Nas últimas eleições, Pablo
Marçal, então candidato à prefeitura de São Paulo, foi uma das estrelas do
programa de entrevistas da produtora.
Em
2021, a Brasil Paralelo também foi alvo da CPI da Pandemia. A investigação
pediu quebras de sigilos, pois suspeitava que a empresa era parte da
“radicalização política” do governo Bolsonaro. O pedido de quebra de sigilo foi
suspenso pelo ministro Gilmar Mendes.
A
produtora também já foi acusada de ter tido acesso privilegiado a figuras
políticas relacionadas a Bolsonaro. Em 2016, a Brasil Paralelo realizou uma
palestra com presença do ex-ministro Mendonça Filho, Olavo de Carvalho e outras
figuras proeminentes, indicando fortes relações com políticos de extrema
direita.
• Por que a Brasil
Paralelo foi “censurada”?
Em
outubro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, decidiu desmonetizar o
canal de YouTube da Brasil Paralelo até o final do segundo turno das eleições.
Seu documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro? também foi tirado do ar
temporariamente pelo TSE, que classificou os conteúdos como desinformação e
ataques à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.
A
suspensão e desmonetização não podem ser categorizadas como censura, segundo o
ministro Benedito Gonçalves, relator da ação. Foram, na verdade, uma restrição
a estratégias publicitárias financiadas por uma empresa – no caso, a Brasil
Paralelo – que, no entendimento da Justiça Eleitoral, favoreceriam a
candidatura de Jair Bolsonaro.
• Brasil Paralelo é
imparcial?
Em
pronunciamentos oficiais, a Brasil Paralelo se apresenta como apartidária,
imparcial e com atuação para “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no
coração de todos os brasileiros”. Porém, seus conteúdos são criticados por
distorcerem fatos históricos e científicos.
Em
uma entrevista ao Intercept publicada em 2021, Mayara Balestro explica as
influências da Brasil Paralelo: “a produtora surgiu no contexto do golpe de
2016 e ficou famosa entre conservadores, tendo Olavo como ‘padrinho’
intelectual e articulando-se com outras organizações da nova direita”.
Naquele
ano, a historiadora defendeu a dissertação “Agenda conservadora,
ultraliberalismo e ‘guerra cultural’: Brasil Paralelo e a hegemonia das
direitas no Brasil contemporâneo (2016-2020)” – e foi notificada pela Brasil
Paralelo, que tentava distanciar sua imagem de Olavo de Carvalho, o ideólogo
guru do bolsonarismo.
Uma
reportagem de 2021 da revista piauí mostrou como foi o rebranding da produtora:
preocupada com a queda de popularidade de Bolsonaro, a Brasil Paralelo tentava
se descolar do então presidente. Até os verbetes na Wikipedia sobre a produtora
foram palco de uma disputa.
Hoje,
a produtora segue se identificando como independente e imparcial, mas
constantemente se posiciona contra o direito ao aborto, a favor de Israel
(usando termos como ‘terrorista’ para descrever o Hamas, mas não para descrever
o governo israelense) e contrária a outras pautas progressistas.
• Brasil Paralelo é contra
a esquerda?
Os
conteúdos produzidos pela Brasil Paralelo deixam claro que a produtora se opõe
à esquerda e a muitas ideias progressistas. Promovem uma narrativa
ultraconservadora que se alinha à ideologia da extrema direita.
A
empresa já foi muitas vezes acusada de atacar a candidatura de Luiz Inácio da
Silva Lula e disseminar mentiras sobre eventos históricos, como o golpe militar
de 1964. Também é conhecida por usar notificações e ações judiciais contra
críticos, especialmente aqueles que se alinham à esquerda.
Contra
a Wikimedia Foundation, instalada em Los Angeles, a Brasil Paralelo pediu
indenização por danos morais em outubro de 2020; contra Folha, Editora 247 e
Editora Globo, pede direito de resposta – nas petições iniciais, as três
datadas de 13 de agosto de 2021, há trechos idênticos ao das cartas destinadas
aos historiadores.
• Brasil Paralelo é
confiável?
A
Brasil Paralelo distorce eventos históricos e apresenta versões distantes do
consenso científico. Questiona o papel do agronegócio no aquecimento global,
por exemplo. Sua agenda é clara em promover ideias ultraconservadoras – e
lucrar com isso.
“Sabemos
que o progressismo investe há décadas em falsos projetos sociais com o objetivo
de emburrecer o povo, destruir valores familiares, normalizar o crime,
incentivar o aborto. Não tendo condições de se defender, essas famílias acabam
sendo reféns desse ‘cativeiro cultural’, tornando-se massa de manobra
eleitoral”, explica uma uma mensagem enviada por um dos representantes da
empresa a um interessado em entrar para o seu programa Mecenas, deixando claro
o objetivo do projeto.
• Brasil Paralelo é
bolsonarista?
Comunicados
oficiais da Brasil Paralelo afirmam que a produtora não promove nenhum
político, não querendo ter seu nome associado ao de Jair Bolsonaro. Porém, as
desinformações disseminadas em seus conteúdos refletem ideias bolsonaristas e
de extrema direita. Um artigo mostra como a produtora foi central na
disseminação da ideologia do ex-presidente Bolsonaro.
Seus
documentários contam com entrevistados associados a Bolsonaro, como Olavo de
Carvalho. Henrique Viana, um dos fundadores da empresa, também já afirmou que o
astrólogo bolsonarista foi essencial para a produtora. A presença do
vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes, ex-PL, como apresentador de um de
seus maiores programas também reafirma a ideologia bolsonarista da produtora.
Fonte:
Por Julia Cabral, em The Intercept
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