sábado, 30 de novembro de 2024

Brasil Paralelo: o que é, o que faz e quem financia a produtora de extrema direita

A Brasil Paralelo, uma produtora que autodenomina seu conteúdo como educacional, é conhecida por produzir filmes, documentários e séries que desafiam consensos históricos e científicos, como a crise climática e medidas de saúde pública durante a pandemia.

Para elucidar seus objetivos e ideologia, o Intercept Brasil elaborou respostas para 10 das perguntas mais feitas no Google sobre a empresa, baseadas em reportagens já publicadas aqui mesmo e em outros veículos, além de documentos públicos e fontes abertas e verificáveis.

•                        Brasil Paralelo é de direita? Qual é sua ideologia?

A produtora Brasil Paralelo diz ser imparcial, mas produz conteúdos que condizem com a ideologia da extrema direita, questionando o feminismo, associando-o a uma mudança “moral” e ao ataque a homens, o direito ao aborto e o aquecimento global, como em um documentário que relativiza o papel do agronegócio.

A empresa diz estar em busca da verdade e se posiciona como combatente do chamado marxismo cultural, a teoria popularizada por Olavo de Carvalho sobre um suposto domínio da esquerda nos espaços de poder no mundo. Sabe o que o ex-coach e ex-candidato Pablo Marçal ficava repetindo como “consórcio comunista do Brasil”? É mais ou menos isso, mas de um jeito um pouco mais sofisticado. Há um episódio inteiro sobre o tema na série Magna Carta.

Suas produções, de forma geral, questionam pautas progressistas e contam com figuras proeminentes da extrema direita, como a senadora Damares Alves, do Republicanos, o próprio ex-coach Pablo Marçal, o deputado federal Marcel Van Hattem, do Novo gaúcho, e  Ricardo Gomes, vice-prefeito de Porto Alegre.

•                        O que tem na Brasil Paralelo?

A Brasil Paralelo produz artigos, colunas, livros, documentários e outras formas de conteúdo. Sua missão, segundo o site, é resgatar “os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Na prática, a produtora apresenta uma visão de mundo que busca combater o chamado progressismo – ou seja, a influência do marxismo e ideias de esquerda – nas instituições, sobretudo nas educacionais e de história. 

Há documentários que questionam o feminismo, relativizam a tortura na ditadura militar brasileira e tratam da influência da esquerda nas universidades públicas brasileiras. Há também conteúdos infantis e de entretenimento selecionados a partir de uma curadoria que valoriza narrativas conservadoras, como a série infantil Pindorama, que reconta a “descoberta do Brasil” a partir da perspectiva colonialista portuguesa – em outras palavras, o que se aprendia na escola décadas atrás.

Também há produções internacionais. Recentemente, a Brasil Paralelo lançou o documentário From the River to the Sea, que promete cobrir o genocídio em Gaza imparcialmente. Mas essa promessa é descumprida nos primeiros minutos, em que o sionismo é definido como um movimento que luta pelo retorno dos judeus. Porém, o movimento sionista é uma das justificativas do governo israelense e seus apoiadores à colonização e genocídio do povo palestino.

Últimas Cruzadas, uma série produzida pela empresa, distorce os acontecimentos históricos do Brasil, através da glorificação da colonização europeia e associação de termos como “emburrecido” aos povos indígenas. Com ela, a produtora promete “[resgatar] nossa verdadeira história – muito mais gloriosa e digna de orgulho do que a escola nos ensinou”.

A produtora também fez um episódio inteiro do Investigação Paralela, uma série original que investiga crimes famosos brasileiros, sobre o caso de Maria da Penha, que ficou paraplégica após ser vítima de violência doméstica e nomeia a lei brasileira. O episódio relativiza o ocorrido com a vítima, dizendo que a história “tem nuances”, e apresenta a visão do agressor.

O roteirista do episódio afirmou em uma reunião com membros que “o caso da Maria Penha não era bem assim como diziam”.  Depois que o episódio foi ao ar, Maria da Penha passou a receber ameaças.

•                        Quem financia a Brasil Paralelo?

A Brasil Paralelo tem diversas fontes de financiamento. Jorge Gerdau, dono de uma das maiores siderúrgicas do mundo e listado como conselheiro da produtora até 2021, já repassou cerca de R$ 1,5 milhão para a empresa.

De acordo com a produtora, uma parte significativa também vem de suas assinaturas e membros. As assinaturas para apoiadores terem acesso a conteúdos exclusivos varia, atualmente, de R$ 19 a R$ 65 mensais, com a produtora contendo mais de 500 mil assinantes já em 2023.

Já o programa Mecenas, que capta financiadores pessoa física para fornecer acesso a materiais da produtora para escolas e ONGs por todo o território nacional, contava com mais de 3 mil membros em junho de 2024.

A Brasil Paralelo também foi a empresa brasileira que mais gastou em anúncios na Meta entre 2020 e 2024. Entre agosto de 2020 e junho de 2024, a produtora pagou cerca de R$ 25 milhões em anúncios nas plataformas.

Sendo assim, grande parte de seu financiamento vem de sua base de apoiadores, que frequentemente se autodenominam de direita e conservadores.

•                        Quem fundou a Brasil Paralelo?

A empresa foi fundada em 2016, em Porto Alegre, por Lucas Ferrugem de Souza, Henrique Leopoldo Damasceno Viana e Filipe Schossler Valerim. Associado à ideologia bolsonarista, Viana já afirmou em entrevistas que a produtora foi fundada baseada em materiais da extrema direita: “as primeiras referências foram a do Instituto Mises Brasil” e “outra fonte principal foi o COF (Cursos Online de Filosofia) e os vídeos do Olavo de Carvalho no YouTube”.

Formados em marketing, os fundadores utilizam táticas digitais para ampliar sua base e radicalizar seu público, segundo especialistas em estratégias digitais.

•                        Tem político na Brasil Paralelo?

A Brasil Paralelo afirma que é apartidária. Mesmo assim, conta com Ricardo Gomes, vice-prefeito de Porto Alegre e ex-filiado ao Partido Liberal, o PL, como apresentador do programa Magna Carta.

Em seu mestrado, a historiadora Mayara Balestro identificou um núcleo duro de intelectuais que mais marcam presença nas produções da Brasil Paralelo ao longo do tempo – todos eles de direita.

Eram personalidades como o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, hoje no PL de São Paulo, Helio Beltrão, do Instituto Millenium e Mises Brasil, e influenciadores como Flavio Morgenstern e Leandro Ruschel. Jair e Eduardo Bolsonaro também eram presenças frequentes, segundo o levantamento de Balestro.

Mais recentemente, o deputado federal Marcel Van Hattem, do Novo gaúcho, passou a ser presença frequente nos programas e reuniões. Nas últimas eleições, Pablo Marçal, então candidato à prefeitura de São Paulo, foi uma das estrelas do programa de entrevistas da produtora.

Em 2021, a Brasil Paralelo também foi alvo da CPI da Pandemia. A investigação pediu quebras de sigilos, pois suspeitava que a empresa era parte da “radicalização política” do governo Bolsonaro. O pedido de quebra de sigilo foi suspenso pelo ministro Gilmar Mendes.

A produtora também já foi acusada de ter tido acesso privilegiado a figuras políticas relacionadas a Bolsonaro. Em 2016, a Brasil Paralelo realizou uma palestra com presença do ex-ministro Mendonça Filho, Olavo de Carvalho e outras figuras proeminentes, indicando fortes relações com políticos de extrema direita.

•                        Por que a Brasil Paralelo foi “censurada”?

Em outubro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE, decidiu desmonetizar o canal de YouTube da Brasil Paralelo até o final do segundo turno das eleições. Seu documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro? também foi tirado do ar temporariamente pelo TSE, que classificou os conteúdos como desinformação e ataques à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva.

A suspensão e desmonetização não podem ser categorizadas como censura, segundo o ministro Benedito Gonçalves, relator da ação. Foram, na verdade, uma restrição a estratégias publicitárias financiadas por uma empresa – no caso, a Brasil Paralelo – que, no entendimento da Justiça Eleitoral, favoreceriam a candidatura de Jair Bolsonaro.

•                        Brasil Paralelo é imparcial?

Em pronunciamentos oficiais, a Brasil Paralelo se apresenta como apartidária, imparcial e com atuação para “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Porém, seus conteúdos são criticados por distorcerem fatos históricos e científicos.

Em uma entrevista ao Intercept publicada em 2021, Mayara Balestro explica as influências da Brasil Paralelo: “a produtora surgiu no contexto do golpe de 2016 e ficou famosa entre conservadores, tendo Olavo como ‘padrinho’ intelectual e articulando-se com outras organizações da nova direita”.

Naquele ano, a historiadora defendeu a dissertação “Agenda conservadora, ultraliberalismo e ‘guerra cultural’: Brasil Paralelo e a hegemonia das direitas no Brasil contemporâneo (2016-2020)” – e foi notificada pela Brasil Paralelo, que tentava distanciar sua imagem de Olavo de Carvalho, o ideólogo guru do bolsonarismo.

Uma reportagem de 2021 da revista piauí mostrou como foi o rebranding da produtora: preocupada com a queda de popularidade de Bolsonaro, a Brasil Paralelo tentava se descolar do então presidente. Até os verbetes na Wikipedia sobre a produtora foram palco de uma disputa.

Hoje, a produtora segue se identificando como independente e imparcial, mas constantemente se posiciona contra o direito ao aborto, a favor de Israel (usando termos como ‘terrorista’ para descrever o Hamas, mas não para descrever o governo israelense) e contrária a outras pautas progressistas.

•                        Brasil Paralelo é contra a esquerda?

Os conteúdos produzidos pela Brasil Paralelo deixam claro que a produtora se opõe à esquerda e a muitas ideias progressistas. Promovem uma narrativa ultraconservadora que se alinha à ideologia da extrema direita.

A empresa já foi muitas vezes acusada de atacar a candidatura de Luiz Inácio da Silva Lula e disseminar mentiras sobre eventos históricos, como o golpe militar de 1964. Também é conhecida por usar notificações e ações judiciais contra críticos, especialmente aqueles que se alinham à esquerda.

Contra a Wikimedia Foundation, instalada em Los Angeles, a Brasil Paralelo pediu indenização por danos morais em outubro de 2020; contra Folha, Editora 247 e Editora Globo, pede direito de resposta – nas petições iniciais, as três datadas de 13 de agosto de 2021, há trechos idênticos ao das cartas destinadas aos historiadores.

•                        Brasil Paralelo é confiável?

A Brasil Paralelo distorce eventos históricos e apresenta versões distantes do consenso científico. Questiona o papel do agronegócio no aquecimento global, por exemplo. Sua agenda é clara em promover ideias ultraconservadoras – e lucrar com isso.

“Sabemos que o progressismo investe há décadas em falsos projetos sociais com o objetivo de emburrecer o povo, destruir valores familiares, normalizar o crime, incentivar o aborto. Não tendo condições de se defender, essas famílias acabam sendo reféns desse ‘cativeiro cultural’, tornando-se massa de manobra eleitoral”, explica uma uma mensagem enviada por um dos representantes da empresa a um interessado em entrar para o seu programa Mecenas, deixando claro o objetivo do projeto.

•                        Brasil Paralelo é bolsonarista?

Comunicados oficiais da Brasil Paralelo afirmam que a produtora não promove nenhum político, não querendo ter seu nome associado ao de Jair Bolsonaro. Porém, as desinformações disseminadas em seus conteúdos refletem ideias bolsonaristas e de extrema direita. Um artigo mostra como a produtora foi central na disseminação da ideologia do ex-presidente Bolsonaro.

Seus documentários contam com entrevistados associados a Bolsonaro, como Olavo de Carvalho. Henrique Viana, um dos fundadores da empresa, também já afirmou que o astrólogo bolsonarista foi essencial para a produtora. A presença do vice-prefeito de Porto Alegre Ricardo Gomes, ex-PL, como apresentador de um de seus maiores programas também reafirma a ideologia bolsonarista da produtora.

 

Fonte: Por Julia Cabral, em The Intercept

 

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