Por que
Brasil terá missão mais dramática como sede da COP 30 em 2025
Após muita negociação e momentos de apreensão, o Brasil
completou um ano bem-sucedido na presidência do G20, com uma declaração
consensual na Cúpula de Líderes, que se encerra nesta terça-feira (18/11),
avaliam analistas de política externa ouvidos pela BBC News Brasil.
O país conseguiu emplacar novidades no grupo, como a criação de
uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza — bandeira histórica do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva — e uma menção inédita à importância de taxar os
super-ricos no comunicado final.
Por outro lado, ambientalistas ouvidos pela reportagem
consideram que os compromissos firmados pelo G20 neste ano na agenda climática
ficaram aquém do necessário para enfrentar o aquecimento global e são um
prenúncio das dificuldades ainda maiores que virão em 2025, quando o Brasil
sediará a COP 30, trigésima Cúpula do Clima das Nações Unidas.
Num momento em que o mundo tenta evitar que a temperatura média
da terra suba demais, é na COP que as nações negociam cortes de emissões de
gases causadores do aquecimento global e de onde virá o dinheiro para enfrentar
a crise climática — duas questões que mexem diretamente com a economia e o
"bolso" dos países.
São agendas em que a construção de consensos já é difícil quando
os governos estão interessados em negociar, desafio que aumenta com a eleição
de Donald Trump como futuro presidente dos Estados Unidos.
O republicano, que toma posse em 20 de janeiro, é conhecido
opositor dos esforços multilaterais para reduzir o aquecimento global.
Em seu primeiro governo, ele deixou o Acordo de Paris, em que os
países se comprometem a reduzir emissões, decisão que foi revertida pelo atual
presidente Joe Biden.
Durante a última corrida eleitoral, Trump disse, ainda, que as
mudanças climáticas são uma "fraude" e prometeu ampliar a exploração
de petróleo.
"A eleição do Trump mudou a história. É uma tragédia",
resume um diplomata brasileiro que acompanha a agenda ambiental.
Analista político e professor de Relações Internacionais da
FGV-SP, Oliver Stuenkel diz que está "muito pessimista" para a COP
30.
"Todo mundo sabe que as coisas vão ficar mais complicadas
no ano que vem", constata.
Segundo Stuenkel, é "muito pouco provável que haja
acordos" também no G20 no próximo ano, quando a África do Sul presidirá o
grupo. Ele lembra que, no primeiro governo Trump, os comunicados finais vinham
com ressalvas sobre a discordância dos Estados Unidos.
"Os sul-africanos terão uma tarefa basicamente impossível.
Acho que vamos voltar para o esquema do G20 quando os diplomatas falavam de 19
+ 1, porque é praticamente impossível hoje conseguir identificar acordos, uma
vez que o Trump estiver de volta", reforçou.
• Argentina
de Milei
Para o professor da FGV, o grupo já sentiu um pouco do clima do
próximo ano com a postura da Argentina nas negociações da Cúpula do Rio.
O país, presidido por Javier Milei, aliado de Trump,
intensificou sua resistência a vários pontos da declaração final negociada pelo
Brasil, como a taxação dos super-ricos, igualdade de gênero e toda a Agenda
2030, ligada aos objetivos de desenvolvimento sustentáveis firmados pelos
países na ONU.
Diante de seu isolamento no grupo, porém, a Casa Rosada aceitou
a declaração final e emitiu um comunicado próprio reforçando sua oposição em
diversos temas.
"Certamente o Milei atuará de forma mais assertiva no ano
que vem, porque toda atenção estará em Trump. Então, sua atuação neste ano deu
uma pequena noção das dificuldades do ano que vem", diz Stuenkel.
Na sua avaliação, o saldo para o Brasil no G20 foi
"positivo", porque "é muito difícil conseguir negociar
declarações mais específicas, com tanta divergência entre países-membros".
O grupo é formado por 19 países (as maiores economias do mundo)
mais União Europeia e União Africana.
Além das resistências da Argentina, o Itamaraty também teve que
mediar as negociações entre as potências ocidentais, Rússia, China e países em
desenvolvimento sobre as duas guerras que mais mobilizam as atenções do planeta
no momento: a invasão russa na Ucrânia e os conflitos no Oriente Médio,
envolvendo Israel, Líbano, Irã e a ocupação da Faixa de Gaza.
O texto final menciona as duas guerras, mas deu mais espaço para
o conflito no Oriente Médio, algo visto como vitória dos países em
desenvolvimento.
O comunicado aponta, inclusive, a importância de dois Estados —
um Palestino e um Israelense — como caminho para a paz na região.
Outro tema que deu trabalho, segundo diplomatas ouvidos pela
reportagem, foi a discussão sobre o financiamento de ações contra as mudanças
climáticas.
Países europeus queriam que grandes economias emergentes do G20,
como China, Brasil e Índia, passassem a contribuir para financiar ações de
enfrentamento às mudanças climáticas em nações pobres — algo que só recai sobre
nações ricas atualmente.
Os emergentes resistem e argumentam que as nações ricas não
estão cumprindo com a meta de destinar US$ 100 bilhões ao ano para essas ações.
O acordo final acabou saindo sem esse ponto.
Segundo um diplomata brasileiro, as potências ocidentais
cederam, pois entendiam que era importante ter um comunicado final no G20.
"É interesse do Ocidente que a declaração saia bem. O
Brasil é um país ponte entre Ocidente e Brics [grupo que reúne países
emergentes], como a Índia também era [quando presidiu o G20 em 2023]",
disse essa fonte, quando as negociações ainda estavam em curso.
A professora de Relações Internacionais da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Ana Saggioro Garcia lembra que o G20 ampliou
muito seu escopo nos últimos 15 anos, após a crise financeira global de 2008.
Enquanto antes o grupo era focado na temática financeira, nota
ela, hoje "aborda de tudo", de conflitos e terrorismo à inteligência
artificial, passando por saúde, meio ambiente e empoderamento das mulheres.
"O desempenho do Brasil foi positivo, apesar das limitações
e dos desafios do contexto geopolítico. Desde que o G20 ampliou muito seu foco,
as declarações são um pouco mais vagas, no sentido de que é difícil encontrar
consenso sobre tantos temas diversos", explica a professora.
Na sua visão, o desafio será ainda maior na COP, justamente
porque a Cúpula do Clima tem um tema mais específico e ocorrerá sob a oposição
do governo americano.
"Trump é claramente contra os espaços multilaterais. No
meio da pandemia, ele retirou os Estados Unidos da Organização Mundial da
Saúde. Então, é uma pessoa que claramente não quer estar nos espaços
multilaterais e vai fazer negociações bilaterais que interessem aos Estados
Unidos", destacou.
• Países
em desenvolvimento cobram trilhões de dólares para o clima
O ambientalista Délcio Rodrigues, da organização Climainfo, diz
enxergar uma conexão entre o G20 e as negociações da COP29 — que ocorre neste
momento em Baku, no Azerbaijão — e da COP30.
Ele explica que um dos pontos mais sensíveis das discussões na
COP29 é a definição da chamada nova meta coletiva quantificada (NQCG), que
substituirá os US$ 100 bilhões anuais acertados há 15 anos.
Os países em desenvolvimento demandam uma meta de pelo menos US$
1 trilhão por ano a partir de 2030. Por outro lado, os países ricos se recusam
a aceitar este número.
Para os países mais vulneráveis, esse valor é considerado
essencial para pôr em prática planos de ação climática mais ambiciosos.
Os países desenvolvidos alegam que os recursos públicos
disponíveis para o financiamento climático internacional já teriam chegado ao
limite e que a solução passaria por ampliar o rol de países doadores.
Em menção a este embate, o presidente Lula cobrou os países
desenvolvidos durante um discurso nesta terça-feira (19/11), na sessão sobre
desenvolvimento sustentável e transição climática da Cúpula de Líderes.
"Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem
suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040 ou até 2045. Sem assumir
suas responsabilidades históricas, as nações ricas não terão credibilidade para
exigir ambição dos demais", disse Lula.
Desde que assumiu seu terceiro mandato, o petista vem cobrando
os países ricos a cumprir a meta de US$ 100 bilhões anuais para o financiamento
climático.
Para os ambientalistas entrevistados, porém, todos os países do
G20 — grupo responsável por 77% das emissões poluentes — têm que fazer um
esforço maior.
Segundo Rodrigues, existe uma espécie de “efeito cascata”
conectando o G20 às COPs 29 e 30.
"A ideia era que o G20 enviasse sinais à COP29 para que as
negociações do financiamento climático fossem destravadas agora, em Baku. Tudo
isso para que essa pressão por uma solução sobre o assunto não se acumulasse e
explodisse na COP30, que será presidida pelo Brasil", diz.
A avaliação é de que se parte dessa negociação sobre os
mecanismos de financiamento não for resolvida ainda em Baku, o desafio para a
COP30, no Brasil, será ainda maior.
O secretário-executivo da organização não-governamental
Observatório do Clima, Márcio Astrini, afirma à BBC News Brasil a expectativa
de que o G20 pudesse contribuir com a COP29 não foi concretizada.
"A declaração feita pelo G20 não tem nada forte o
suficiente para destravar as negociações que estão discutidas na COP29. Ela
teria que apontar quais os valores que os países do grupo estão dispostos a dar
e quais os mecanismos que seriam usados. Se tivesse vindo uma orientação clara
do grupo, o ambiente aqui mudaria", diz Astrini, que está em Baku, capital
do Azerbaijão, onde se realiza a COP29.
O texto divulgado ontem reconhece a urgência climática, mas não
estabelece prazos ou metas conjuntas para a redução nas emissões de gases do
efeito estufa ou valores para financiamento de ações voltadas para a transição
energética.
Astrini avalia ainda que o Brasil terá que lidar com um
esvaziamento da COP30 em função da vitória de Donald Trump.
"Vamos ter uma baixa na participação por conta da vitória
de Trump. Só precisamos saber qual vai ser o modelo. Eles podem não estar na
mesa de negociação ou podem ir à mesa para atrapalhar o processo", afirma
o ambientalista.
• Lula
destaca diálogo e participação social para avanços, em discurso de encerramento
do G20 no Rio
"Trabalhamos com afinco, mesmo cientes de que apenas
arranhamos a superfície dos desafios que o mundo tem que enfrentar",
declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta terça-feira (19), no
encerramento da cúpula dos líderes do G20, no Museu de Arte Moderna (MAM) do
Rio de Janeiro.
Ao listar alguns princípios e compromissos acordados e firmados
no encontro, Lula destacou que a lição que fica é que "quanto maior for a
interação entre os sherpas e a trilha de finanças, maiores e mais
significativos serão os resultados dos trabalhos […]. Fizemos um chamado à ação
por reformas que tornem a governança global mais efetiva e representativa, e
dialogamos com a sociedade por meio do G20 Social".
Ele destacou que foram realizadas mais de 140 reuniões em 15
cidades brasileiras.
Ao passar o bastão da presidência rotativa do grupo para o
presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, ele exaltou os laços históricos e
culturais com o continente africano:
"Depois da presidência sul-africana, todos os países do G20
terão exercido pelo menos uma vez a liderança do grupo. Será um momento
propício para avaliar o papel que desempenhamos até agora e como devemos atuar
daqui em diante. Temos a responsabilidade de fazer melhor. É com essa esperança
que passo o martelo da presidência do G20 para o presidente Ramaphosa. Esta não
é uma transmissão de presidência comum, é a expressão concreta dos vínculos
históricos, econômicos, sociais e culturais que unem a América Latina e a
África", afirmou o presidente brasileiro.
Lula finalizou o discurso parafraseando o ex-presidente
sul-africano Nelson Mandela (1918–2013):
"É fácil demolir e destruir; os heróis são aqueles que
constroem. Vamos seguir construindo um mundo justo e um planeta
sustentável."
A presidência brasileira elencou como foco do evento o
desenvolvimento sustentável e a urgência de combater as mudanças climáticas. No
documento, os líderes também exaltaram a iniciativa contra a insegurança
alimentar, formalizada na Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no
evento, e reconheceram a necessidade de uma reforma da governança global
baseada em soluções multilateralmente acordadas, inclusive no órgão máximo das
Nações Unidas, o Conselho de Segurança.
Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil
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