quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Ataques domésticos no Brasil: Um olhar sobre a Capital Federal

No dia 13 de novembro de 2024, Brasília foi palco de mais um ataque violento, marcado por duas explosões na Praça dos Três Poderes, que resultaram em uma vítima fatal (o próprio autor). Artefatos explosivos foram encontrados junto ao corpo do responsável, um automóvel foi incendiado cerca de 400 metros do Supremo Tribunal Federal, e um trailer com explosivos foi localizado próximo ao veículo. Além disso, uma residência nas proximidades da Capital também foi encontrada com explosivos. Este evento reforça o sinal de alerta para a escalada de ataques em Brasília e o aumento de ações individuais (lobos solitários) que planejam e executam ataques direcionados.

Este artigo não se propõe a esmiuçar os eventos em seus pormenores, mas, sim, a refletir sobre as lacunas e insuficiências nas medidas de segurança adotadas na capital do país, que se repetem ao longo da história com mudanças que não acompanham a escala de tensão político-psicológico que o Brasil presencia atualmente. O governo brasileiro e suas instituições devem estar aptos a atuar como inibidores de ataques, executando ações de contrainteligência, somadas ao reforço essencial e aos pontos críticos da segurança interna.

Como sempre explanado nos artigos deste autor, segurança e defesa são temas sensíveis e que trabalham nas sombras; uma possível falha, falta de investimento ou mau planejamento pode ocasionar um desastre. Se a “segurança invisível” se tornar visível, é porque algo não está bem. Nesta área, não há publicidade; mas há ação efetiva no silêncio.

A capital da Nação possui um histórico de atentados e tentativas de ataque que marcam sua trajetória e sinalizam falhas na Segurança Institucional e/ou Segurança Interna Brasileira. É fundamental considerar que aqueles que ocupam os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, personificam a nação brasileira, representando o país em sua mais alta expressão. Da mesma forma, os senadores, deputados, ministros de Estado e ministros dos tribunais superiores, entre outros, simbolizam a Nação e as instituições às quais pertencem. Qualquer ataque desferido contra essas autoridades não se restringe ao indivíduo que ocupa o cargo, mas constitui uma afronta contra toda a Nação Brasileira, atingindo-a em sua dignidade, essência e suas bases institucionais.

No dia 29 de setembro de 1988, a aeronave Boeing 737-317, prefixo PP-SNT, que operava o voo VP 375 da VASP, com rota de Confins, em Belo Horizonte/MG, ao Rio de Janeiro foi alvo de um sequestro em pleno voo por um RNAC. Um homem de 28 anos armado com um revólver calibre .32 e uma caixa de munição, tinha como objetivo forçar o piloto a colidir a aeronave contra o Palácio do Planalto. O evento resultou na morte do copiloto Salvador Evangelista.

Durante o episódio, o comandante Murilo demonstrou heroísmo ímpar ao agir com extrema habilidade e coragem, salvando inúmeras vidas. Sob sua liderança, a aeronave foi redirecionada para um pouso (inimaginável) em Goiânia, culminando na prisão do sequestrador, que viria a falecer pouco tempo depois.

Esta passagem em nossa história foi abordada no artigo intitulado “O Dia do Quase 11 de Setembro no Brasil – O Sequestro do Voo VASP 375” e também foi retratada na produção cinematográfica “O Sequestro do Voo 375”.

Em 30 de maio de 1989, por volta das 18h20, um motorista de 34 anos, embriagado, roubou um ônibus na estação rodoviária e colidiu com o salão principal do Palácio do Planalto. Apesar da gravidade do evento, não houve vítimas, e o homem foi contido no local. O incidente causou extensos danos estruturais ao prédio e motivou a construção do espelho d’água em frente ao Palácio como medida de proteção contra ações semelhantes.

Trazendo luz as ameaças mais recentes, vale relembrar que em 2022 havia uma preocupação acerca da “Segurança Presidencial: A Segurança Invisível e os Ataques Domésticos”, no qual se destacava a importância crucial da segurança presidencial e Institucional, salientou-se a necessidade de um planejamento antecipado e da cooperação entre agências para interceptar células que planejam ataques, atentados ou ações de perturbação para a posse presidencial, que felizmente, não houve problemas.

Em 11 de janeiro de 2023, menos de 03 dias após os eventos ocorridos em 8 de janeiro, foi publicado o artigo “O que o Brasil Aprendeu sobre a Segurança Institucional na Capital Federal em 10 Anos?”, que já apontava, desde dezembro de 2022, o aumento dos indícios de perturbação, ataques a prédios institucionais, vandalismo, ameaças e danos ao patrimônio público e privado. Foram registrados também episódios crescentes de apreensões de armamentos e a confecção e colocação de explosivos em áreas de grande circulação, enquadrando tais atos como terrorismo. O aumento das tensões de cunho terrorista gerou preocupação com a segurança da posse do presidente Lula em 1º de janeiro de 2023, evento no qual, felizmente, as medidas de segurança foram eficazes, não resultando em prejuízos humanos ou materiais. Contudo, a Segurança Institucional Brasileira precisava permanecer em alerta para futuras intercorrências além da posse, focando em manter padrões de segurança contínuos, especialmente devido às motivações políticas exacerbadas e polarizadas – algo que, aparentemente, não ocorreu de forma plena.

Cabe mencionar episódios de “invasões” populares que causaram danos à Capital em outros momentos históricos: em 1983, durante o movimento “Diretas Já”; em 2013, durante as “Jornadas de Junho”, que resultaram em invasões à Praça dos Três Poderes, depredações de prédios públicos e confrontos com forças de segurança; e em 2017, com uma nova série de invasões e danos a oito prédios públicos, à catedral e a outros bens públicos, que foram, de certa forma, contidos pelas autoridades.

Em um período de 10 anos desde os eventos de 2013, a cena de “invasão” em Brasília se repetiu com a presença de manifestantes que realizaram atos terroristas em 8 de janeiro de 2023, ocupando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional, o STF e o entorno da Praça dos Três Poderes. Desta vez, no entanto, o ataque foi marcado por destruição efetiva e uma resposta ineficaz para conter o avanço, evidenciando a fragilidade da segurança. Os atos resultaram no acesso e roubo de armamento do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), demonstrando uma alarmante vulnerabilidade e apresentando a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) sem incentivo institucional para protagonismo na segurança interna.

Até o momento, os atos de 8 de janeiro de 2023 levaram o STF a condenar 265 pessoas, das quais 223 foram sentenciadas por crimes mais graves, devido à depredação de patrimônio. 42 por crimes menos graves, relacionados à incitação de tentativa de golpe. O Supremo Tribunal Federal também homologou acordos com 476 acusados e absolveu quatro indivíduos. Até 18 de novembro, mais 15 pessoas, que se recusaram a firmar acordos, serão julgadas por crimes leves.

Os episódios de 2013, 2017 e 2023, de certo modo, eram previsíveis. Havia informações sobre a quantidade média de participantes, locais de concentração, chegada atípica de ônibus, possíveis invasões e alvos de vandalismo. Apesar dos alertas e das evidências, constatou-se uma significativa falha no planejamento e uma preocupante falta de seriedade em relação à segurança da capital federal.

É essencial ter em mente a importância da segurança institucional no país, onde “o Brasil não pode subestimar o Brasil! Temos que nos levar a sério!” – um alerta sobre a necessidade de reforçar a vigilância e os protocolos de segurança em âmbito nacional, aumentando o investimento de todas as agências e órgãos do país, a começar pela ABIN, GSI e outros, como a contratação de mais profissionais para somar esforços.

•                                    Explosão em Brasília

No dia 13 de novembro de 2024, a capital federal se deparou com mais um episódio de violência, desta vez envolvendo uma explosão na Praça dos Três Poderes, perpetrada, a princípio, por um “lobo solitário”. Este novo atentado reitera os desafios contínuos e urgentes que a segurança institucional enfrenta para proteger os símbolos da democracia brasileira e preservar a estabilidade do país.

Por volta das 19h30 daquele dia, um veículo com placas do estado de Santa Catarina explodiu no estacionamento situado entre o STF e o Anexo IV da Câmara dos Deputados. No porta-malas do automóvel, foram localizados fogos de artifício e tijolos. Pouco depois, o autor do ataque, identificado como Francisco Wanderley Luiz, veio a óbito em uma nova explosão ocorrida no local. Antes disso, ele tentou, sem sucesso, adentrar o prédio do Supremo Tribunal Federal. Registros indicam que, pela manhã, por volta das 8h15, o responsável foi ao banheiro no Anexo IV da Câmara dos Deputados.

Em depoimento prestado à Polícia Civil, um segurança do STF relatou que Francisco Wanderley estava carregando uma mochila, retirou da mala uma blusa, alguns artefatos e um extintor. A vestimenta foi lançada sobre a estátua em frente ao Supremo. Quando o segurança tentou abordá-lo, o autor “abriu a camisa”, revelando um dispositivo semelhante a um relógio digital, o que levou o segurança a acreditar que se tratava de um explosivo. Na sequência, F.W.L. lançou dois ou três artefatos, que explodiram, e deitou-se ao chão, acendendo o último explosivo, que posicionou sob sua cabeça.

No momento do incidente, ocorria uma sessão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, ambas foram suspensas imediatamente. As atividades no STF já haviam sido encerradas, e tanto ministros quanto servidores foram retirados com segurança. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, já havia deixado o Palácio do Planalto e não houve ordem de evacuação do prédio presidencial.

A investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) trata o caso como um ato terrorista, explorando a hipótese de motivação política dos ataques. De acordo com a Lei Antiterrorismo, em vigor desde 2016, configura-se ato terrorista: “o uso ou ameaça de uso, transporte, armazenamento, porte ou posse de explosivos, gases tóxicos, venenos, substâncias biológicas, químicas, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa”.

Embora os artefatos utilizados fossem de fabricação artesanal, apresentavam elevado potencial lesivo. Os tijolos presentes no veículo indicavam uma intenção de direcionar a explosão. Durante a operação de varredura, o esquadrão antibombas identificou um relógio com contagem regressiva no corpo do autor, além de dois artefatos explosivos em seu cinto e um próximo ao seu corpo. Também foi encontrado um extintor de incêndio adaptado para fins explosivos. Próximo ao local dos ataques, foi descoberto um trailer alugado pelo autor, vedado de forma a demandar o uso de explosivos para acessá-lo. Em seu interior, foram encontrados artefatos similares aos utilizados no atentado, um telefone celular (que será submetido a perícia) e uma caixa enterrada ainda a ser analisada.

O autor, residia na região Sul do país, e alugou uma residência em Ceilândia,  cerca de 35 km da Praça dos Três Poderes, onde foram localizados outros artefatos explosivos caseiros, um dos quais foi detonado durante a abertura de uma gaveta por um robô especializado.

Mensagens encontradas no celular e em redes sociais (posteriormente apagadas) revelam que o autor manifestava a intenção de cometer autoextermínio e realizar atentados a bomba contra pessoas e instituições, além de ameaçar novos atos.

O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, declarou que o episódio “não é um fato isolado” e está “conectado a várias outras ações investigadas pela PF no período recente”. Um inquérito policial foi instaurado, sob sigilo, e a PF trabalha com a hipótese de um atentado contra o Estado Democrático de Direito e a realização de atos terroristas. O caso será, ainda, apurado pelo Supremo Tribunal Federal. O diretor-geral disse ainda que “há indícios de um planejamento de longo prazo”.

Todos os atos descritos, juntamente com outros ocorridos na capital federal, impõem uma reflexão profunda e estabelece um estudo de caso para compreender as razões que impediram a inibição precoce dessas ações, resultando na concretização de ataques às instituições. Este cenário evidencia a necessidade imperiosa de que o Brasil se mantenha vigilante, constante e efetivo em sua segurança institucional.

À luz do recente ataque de 13 de novembro, aparentemente perpetrado por um indivíduo isolado, é possível identificar um desafio significativo para a segurança interna. A detecção de ataques realizados por “lobos solitários” apresenta complexidades consideráveis para os serviços de inteligência de qualquer nação. Ao contrário de organizações com hierarquias, redes de comunicação e estrutura organizacional definidas, os lobos solitários operam de maneira clandestina, sem deixar rastros evidentes, como mensagens codificadas, movimentações financeiras suspeitas ou registros de deslocamentos em grupo. Esses indivíduos, frequentemente, agem de forma furtiva, em contextos que não despertam suspeitas ou, quando externalizam suas intenções, muitas vezes não são levados a sério por familiares, amigos ou pessoas de seu convívio ou rede.

Outro aspecto que agrava essa situação é a diversidade de motivações e o perfil psicológico dos autores desses atos. Movidos por uma gama abrangente de fatores, que podem incluir questões políticas (que aparenta ser o caso em tela), ideológicas, religiosas ou pessoais. Os lobos solitários frequentemente apresentam motivações difíceis de serem previstas e que não seguem padrões claros ou lineares. Diferentemente de células organizadas ou grupos ideológicos com ações coordenadas, esses indivíduos operam conforme uma lógica própria, que escapa aos métodos tradicionais de monitoramento e vigilância.

Esses atores isolados têm a capacidade de construir dispositivos caseiros, utilizar materiais de fácil acesso e explorar vulnerabilidades locais de maneira criativa e imprevisível, tornando ainda mais difícil sua detecção. Comportamentos que poderiam ser interpretados como “sinais de alerta” nem sempre são reconhecidos ou considerados graves, visto que muitas vezes se apresentam de forma isolada e inofensiva. Nesse contexto, indivíduos como Francisco, que, apesar de externar “sinais” em suas redes sociais, representam um dos maiores desafios contemporâneos para a segurança nacional e global.

Portanto, a segurança institucional e interna assume um papel central na proteção da estabilidade do Estado, defendendo autoridades, instituições e o funcionamento democrático contra ameaças e ataques. Isso é essencial para garantir a continuidade das funções governamentais, preservar a ordem pública e assegurar a confiança da população nas estruturas de poder e na proteção de seus direitos fundamentais.

Diante deste exposto, preliminarmente, este autor ousa em explanar que não houve falha de segurança no contexto de alvo do indivíduo do ataque de 13 de novembro, pois, felizmente, não conseguiu lograr êxito em adentrar ao STF portando dispositivos explosivos, não feriu seu alvo e não feriu terceiros, aparentemente, não houve danos ao patrimônio público e privado, salvo o próprio carro. Além disso, não causou danos colaterais. Nesse ínterim, o planejamento e execução de segurança funcionou naquele órgão. Há, porém, diversos pontos que devem e vão ser levantados durante toda a investigação, como por exemplo, o não controle de uso do trailer estacionado próximo à Praça dos Três Poderes, a não abordagem como arma não letal no primeiro lançamento de artefato, dentre outros.

De maneira geral, o Brasil necessita mudar urgentemente sua cultura de deixar em segundo plano o planejamento estratégico de segurança para ameaças internas e externas. Nosso país merece uma gestão da segurança, defesa e inteligência eficazes em todos os níveis (segurança interna e defesa nacional) com os devidos investimentos.

A capital da nação deve ser, ou pelo menos deveria ser, o lugar mais bem protegido do país; e isso não ocorreu e não ocorre efetivamente, quando analisamos o contexto de ataques domésticos, sobretudo nesta escala de tensão de “ideologias políticas radicais” que começamos a ver com certa constância.

Talvez seja o momento de se pensar em uma espécie de “zona de exclusão” na área da Esplanada dos Ministérios com a segurança realizada por órgãos federais (Força Nacional, PF, Forças Armadas, outros) sob o guarda-chuva da ABIN, com apoio da força de segurança distrital? Aumento da segurança permanente de contenção no entorno? São muitos pontos a serem estudados para a mudança na mentalidade de segurança e defesa de Brasília.

“Que nossa história nunca fique esquecida e que as gerações do presente e futuro, possam entender a importância e o reflexo dos acontecimentos passados em nossa sociedade atual, bem como, as ações do presente e seus impactos no futuro” – Fabrício Robson de Oliveira (2021).

 

Fonte: Por Fabrício Robson de Oliveira, no Le Monde

 

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