Financiamento
climático pode ajudar produtores da Amazônia?
De barco por águas rasas, José Cristo de Oliveira tenta chegar
aos produtores de guaraná antes dos atravessadores. A situação é crítica: a
seca severa na Amazônia isolou as propriedades, afetou a produção e atrapalha a
viagem do produto até o mercado justo.
Cristo, como é chamado, tenta salvar a colheita dos mais de cem
membros da Associação dos Agricultores Familiares do Alto Urupadí (Aafau),
Amazonas. A falta de água e o calor extremo não pouparam o fruto, que brotou em
menor quantidade neste ano - e no passado, que também foi seco demais.
"Estamos indo a cada guaranazal para ter uma expectativa e
dando um adiantamento para as famílias justamente para elas não venderem para
os atravessadores. Assim, a gente consegue manter a nossa produção",
explica Cristo à DW.
A associação conseguiu 300 mil reais extras para a missão. O
dinheiro vem de um empréstimo a custos bem menores que o do mercado financeiro
e ajuda as comunidades a sobreviverem aos impactos da seca na Amazônia, evento
climático extremo que tem se tornado mais frequente com o aquecimento do
planeta.
"O impacto é muito profundo porque é uma região muito
vulnerável. Eles precisam daquele dinheiro na hora para a retirada do guaraná,
para a alimentação, o recurso não pode esperar", diz Ana Beatriz Villela,
coordenadora sênior de investimento de impacto da Sitawi, organização sem fins
lucrativos voltada a negócios socioambientais credora da Aafau.
<><> Quem paga a conta?
A cadeia do guaraná se soma a muitas outras no mundo afetadas
pelos impactos das mudanças climáticas. Na fria Baku, capital do Azerbaijão, o
debate sobre dinheiro para apoiar países mais pobres no enfrentamento a este
cenário alimenta a discussão da atual edição da Conferência das Nações Unidas
sobre as Mudanças Climáticas (COP29).
"Não há suporte financeiro suficiente no momento e as
comunidades estão pagando praticamente sozinhas todo o custo. É preciso
aumentar dramaticamente o dinheiro para adaptação e para a resposta aos eventos
climáticos extremos", diz à DW Avinash Persaud, do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
As negociações estão travadas nesta reta final. O impasse gira
em torno de decisões sobre o quanto e quem tem que pagar pelo financiamento
climático das nações menos desenvolvidas. Nos documentos oficiais, esse
"fundo" a ser construído tem o nome de Nova Meta Coletiva
Quantificada (NCQG, na sigla em inglês).
A conta é alta. Seriam necessários mais de um trilhão de dólares
para apoiar governos a prepararem cidades, comunidades, cadeias de
abastecimento para o impacto das mudanças climáticas.
"Um resultado seria países ricos se comprometerem a
contribuir 300 bilhões de dólares anualmente. Parte significativa desse
montante poderia ser fornecida através de empréstimos a longo prazo de bancos
multilaterais de desenvolvimento", sugere Persaud, adicionando que
acionistas teriam que injetar uma quantidade relativamente pequena de capital
adicional.
• O
papel e os interesses do Brasil
Com uma boa reputação no mundo da diplomacia e anfitrião da
próxima conferência, o Brasil foi convocado de última hora para mediar os
conflitos em Baku. O próprio presidente da COP29, o ministro azeri Mukhtar
Babayev, deu ao país um papel inédito na tarde desta segunda-feira (18/11),
junto com o Reino Unido: garantir que todos os temas que geram discórdia entre
os países sejam contemplados no documento final de forma equilibrada.
"O objetivo é um pacote completo de decisões. O novo
objetivo de financiamento; a finalização do artigo 6; os indicadores para as
metas de adaptação; transição justa; mitigação; mecanismos de tecnologia; e o
diálogo sobre o balanço global", disse à imprensa brasileira a embaixadora
Liliam Beatris Chagas de Moura, no fim do dia.
O pedido de socorro foi inteligente, analisa Claudio Angelo,
Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. "A
presidência não está dando conta, tem menos tradição neste processo
multilateral", diz.
A briga é para garantir que as nações mais ricas e maiores
responsáveis pelas emissões de gases estufa acumulados na atmosfera – que
acelera as mudanças climáticas – arque com a conta.
"O Brasil negocia para deixar bem clara a definição do que
é financiamento climático e para manter o processo vivo, principalmente em
solidariedade aos países mais pobres. Mas ainda não sabemos quanto vai custar a
adaptação no país, pois o plano nacional ainda está em construção", pontua
Angelo.
• Investimento
Enquanto as negociações climáticas seguem no Azerbaijão, Cristo,
em meio à seca na Amazônia, tenta evitar o pior. A compra da safra de guaraná
dos produtores quer garantir um preço justo na venda final e dar condições para
os agricultores continuarem ali.
"O clima está mudando, e o nosso jeito de trabalhar, de ler
a natureza, não está mais funcionando bem. O ano passado a gente teve uma crise
e este ano está pior, uma quentura e uma seca muito forte", diz Cristo.
A colheita em 2024 deve ficar em 15 toneladas, cinco a menos do
que inicialmente previsto. "Mais de 240 são beneficiadas pelo nosso
trabalho. A gente briga muito para preservar o território, brigamos contra
madeireiros, para vender direto para o mercado. A gente só quer continuar
produzindo nosso guaraná na Amazônia", justifica.
Vinda do mercado financeiro tradicional, Ana Beatriz Villela, há
quatro anos na Sitawi, diz que os empréstimos ajudam populações vulneráveis,
povos tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas a melhorarem as
condições de vida e a se adaptarem, com construção de poços artesianos e
sistema de energia solar, por exemplo.
"No caso da Aafau, eles pagarão de volta o empréstimo em 12
meses, com seis de carência. E a nossa taxa de inadimplência é baixa, em torno
de 5%", diz Villela.
A Sitawi oferece microempréstimos, mas, num contexto de crise
global, os bancos multilaterais podem ganhar mais relevância no financiamento
climático, diz Avinash Persaud, do BID.
"Investir em resiliência é criar uma poupança para o
futuro. Para cada dólar investido, quatro dólares são economizados. É o quanto
se deixa de gastar com as perdas provocadas pelos impactos das mudanças
climáticas, como perdas de produção, infraestrutura, problemas de saúde",
cita Persaud.
• Povos
indígenas protestam no rio Tapajós (PA) contra o projeto da Ferrogrão, durante
o 7º Grito Ancestral
O eco do grito de cerca de 400 indígenas contra o projeto da
Ferrogrão ressoou nas águas do rio Tapajós no último sábado (16), durante o 7º
Grito Ancestral. Do alto dos pedrais da ilha de Ilagé, localizada na aldeia
Jacaré, os manifestantes paralisaram de forma pacífica por cerca de seis horas
o transporte fluvial no rio Tapajós, em Santarém, no Pará.
“Nós estamos aqui […], para reivindicar a defesa do território,
a defesa de nossas vidas”, reafirma Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho
Indígena Tupinambá.
O grito esse ano denunciou o projeto de construção da EF-170, a
Ferrogrão, corredor ferroviário de quase 1000 km que pretende ligar a cidade de
Sinop (MT) ao distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), para ampliar o corredor
logístico do agronegócio pelos rios da Bacia Amazônica.
A bordo dos barcos, barcaças e bajaras que trafegam pelo rio,
representantes dos povos hastearam faixas e bandeiras em repúdio ao projeto que
cortará ao menos seis terras indígenas, onde vivem 2,6 mil pessoas, além de 17
unidades de conservação. Além disso, o aumento do escoamento da produção de
grãos prevê a intensificação do volume de exportação de grãos pelo rio Tapajós.
O ato reuniu povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara,
Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do Baixo
Tapajós e de Montanha e Mangabal, que durante os dias 15 a 17 participaram do
7o Grito Ancestral, unindo forças para protestar contra o “projeto de morte” da
Ferrogrão, mas também para se fortalecerem em sua espiritualidade e
ancestralidade.
Os rituais entoados nesse espaço sagrado emanaram a força da
ancestralidade em defesa da vida: rio, água, povo. Os protestos dos povos
indígenas deste fim de semana demonstram a importância de escutar as vozes dos
povos originários, que dependem diretamente do equilíbrio ambiental para sua
sobrevivência.
“[…] Nós vivemos uma pressão muito grande aqui dos comboios de
balsa que passam todo dia no nosso território, carregados com grãos […] Então,
nesse sentido, nós temos chamado a atenção, porque está impactando diretamente
nós, que moramos aqui, e agora, com a Ferrogrão, que é um grande projeto, e vai
aumentar ainda mais a quantidade de soja que vai vir a ser transportada,
aumentando a pressão sobre os nossos territórios, sobre nossos rios”, relata
Raquel Tupinambá.
A Aliança contra a Ferrogrão reúne 39 movimentos e organizações
da sociedade civil, incluindo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional
Pará/Equipe Itaituba, que esteve presente apoiando o ato.
<><> 7º Grito
Ancestral
O ato deste ano marca o 7º ano do grito, que pelo 2º ano
consecutivo acontece nos pedrais da Ilha de Ilagé, na aldeia Jacaré, dentro da
Reserva Tapajós-Arapiuns (PA), no território indígena Tupinambá, local sagrado
para os indígenas por ser um berço de reprodução de várias espécies aquáticas.
Esse espaço sagrado corre riscos reais de ser destruído se houver a necessidade
de dragagem do rio Tapajós.
“Há uma possibilidade real de escavação e explosão dos pedrais,
que são espaços encantados, espaços de reprodução dos peixes. Isso vai
representar para nós que vivemos do peixe, um grande prejuízo. Então, nesse
sentido, nós estamos aqui também para reivindicar, para chamar a atenção do
poder público, dos governantes, para que nossos direitos sejam respeitados.
Chega de violação de direitos, e é por isso que nós estamos aqui, para dizer
não à Ferrogrão”, enfatiza Raquel.
Fonte: DW Brasil/CPT
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