quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Financiamento climático pode ajudar produtores da Amazônia?

De barco por águas rasas, José Cristo de Oliveira tenta chegar aos produtores de guaraná antes dos atravessadores. A situação é crítica: a seca severa na Amazônia isolou as propriedades, afetou a produção e atrapalha a viagem do produto até o mercado justo.

Cristo, como é chamado, tenta salvar a colheita dos mais de cem membros da Associação dos Agricultores Familiares do Alto Urupadí (Aafau), Amazonas. A falta de água e o calor extremo não pouparam o fruto, que brotou em menor quantidade neste ano - e no passado, que também foi seco demais.

"Estamos indo a cada guaranazal para ter uma expectativa e dando um adiantamento para as famílias justamente para elas não venderem para os atravessadores. Assim, a gente consegue manter a nossa produção", explica Cristo à DW.

A associação conseguiu 300 mil reais extras para a missão. O dinheiro vem de um empréstimo a custos bem menores que o do mercado financeiro e ajuda as comunidades a sobreviverem aos impactos da seca na Amazônia, evento climático extremo que tem se tornado mais frequente com o aquecimento do planeta.

"O impacto é muito profundo porque é uma região muito vulnerável. Eles precisam daquele dinheiro na hora para a retirada do guaraná, para a alimentação, o recurso não pode esperar", diz Ana Beatriz Villela, coordenadora sênior de investimento de impacto da Sitawi, organização sem fins lucrativos voltada a negócios socioambientais credora da Aafau.

<><> Quem paga a conta?

A cadeia do guaraná se soma a muitas outras no mundo afetadas pelos impactos das mudanças climáticas. Na fria Baku, capital do Azerbaijão, o debate sobre dinheiro para apoiar países mais pobres no enfrentamento a este cenário alimenta a discussão da atual edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29).

"Não há suporte financeiro suficiente no momento e as comunidades estão pagando praticamente sozinhas todo o custo. É preciso aumentar dramaticamente o dinheiro para adaptação e para a resposta aos eventos climáticos extremos", diz à DW Avinash Persaud, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

As negociações estão travadas nesta reta final. O impasse gira em torno de decisões sobre o quanto e quem tem que pagar pelo financiamento climático das nações menos desenvolvidas. Nos documentos oficiais, esse "fundo" a ser construído tem o nome de Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG, na sigla em inglês).

A conta é alta. Seriam necessários mais de um trilhão de dólares para apoiar governos a prepararem cidades, comunidades, cadeias de abastecimento para o impacto das mudanças climáticas.

"Um resultado seria países ricos se comprometerem a contribuir 300 bilhões de dólares anualmente. Parte significativa desse montante poderia ser fornecida através de empréstimos a longo prazo de bancos multilaterais de desenvolvimento", sugere Persaud, adicionando que acionistas teriam que injetar uma quantidade relativamente pequena de capital adicional.

•                                    O papel e os interesses do Brasil

Com uma boa reputação no mundo da diplomacia e anfitrião da próxima conferência, o Brasil foi convocado de última hora para mediar os conflitos em Baku. O próprio presidente da COP29, o ministro azeri Mukhtar Babayev, deu ao país um papel inédito na tarde desta segunda-feira (18/11), junto com o Reino Unido: garantir que todos os temas que geram discórdia entre os países sejam contemplados no documento final de forma equilibrada.

"O objetivo é um pacote completo de decisões. O novo objetivo de financiamento; a finalização do artigo 6; os indicadores para as metas de adaptação; transição justa; mitigação; mecanismos de tecnologia; e o diálogo sobre o balanço global", disse à imprensa brasileira a embaixadora Liliam Beatris Chagas de Moura, no fim do dia.

O pedido de socorro foi inteligente, analisa Claudio Angelo, Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima. "A presidência não está dando conta, tem menos tradição neste processo multilateral", diz.

A briga é para garantir que as nações mais ricas e maiores responsáveis pelas emissões de gases estufa acumulados na atmosfera – que acelera as mudanças climáticas – arque com a conta.

"O Brasil negocia para deixar bem clara a definição do que é financiamento climático e para manter o processo vivo, principalmente em solidariedade aos países mais pobres. Mas ainda não sabemos quanto vai custar a adaptação no país, pois o plano nacional ainda está em construção", pontua Angelo.

•                                    Investimento

Enquanto as negociações climáticas seguem no Azerbaijão, Cristo, em meio à seca na Amazônia, tenta evitar o pior. A compra da safra de guaraná dos produtores quer garantir um preço justo na venda final e dar condições para os agricultores continuarem ali.

"O clima está mudando, e o nosso jeito de trabalhar, de ler a natureza, não está mais funcionando bem. O ano passado a gente teve uma crise e este ano está pior, uma quentura e uma seca muito forte", diz Cristo.

A colheita em 2024 deve ficar em 15 toneladas, cinco a menos do que inicialmente previsto. "Mais de 240 são beneficiadas pelo nosso trabalho. A gente briga muito para preservar o território, brigamos contra madeireiros, para vender direto para o mercado. A gente só quer continuar produzindo nosso guaraná na Amazônia", justifica.

Vinda do mercado financeiro tradicional, Ana Beatriz Villela, há quatro anos na Sitawi, diz que os empréstimos ajudam populações vulneráveis, povos tradicionais, ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas a melhorarem as condições de vida e a se adaptarem, com construção de poços artesianos e sistema de energia solar, por exemplo.

"No caso da Aafau, eles pagarão de volta o empréstimo em 12 meses, com seis de carência. E a nossa taxa de inadimplência é baixa, em torno de 5%", diz Villela. 

A Sitawi oferece microempréstimos, mas, num contexto de crise global, os bancos multilaterais podem ganhar mais relevância no financiamento climático, diz Avinash Persaud, do BID.

"Investir em resiliência é criar uma poupança para o futuro. Para cada dólar investido, quatro dólares são economizados. É o quanto se deixa de gastar com as perdas provocadas pelos impactos das mudanças climáticas, como perdas de produção, infraestrutura, problemas de saúde", cita Persaud.

 

•                                    Povos indígenas protestam no rio Tapajós (PA) contra o projeto da Ferrogrão, durante o 7º Grito Ancestral

O eco do grito de cerca de 400 indígenas contra o projeto da Ferrogrão ressoou nas águas do rio Tapajós no último sábado (16), durante o 7º Grito Ancestral. Do alto dos pedrais da ilha de Ilagé, localizada na aldeia Jacaré, os manifestantes paralisaram de forma pacífica por cerca de seis horas o transporte fluvial no rio Tapajós, em Santarém, no Pará.

“Nós estamos aqui […], para reivindicar a defesa do território, a defesa de nossas vidas”, reafirma Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá.

O grito esse ano denunciou o projeto de construção da EF-170, a Ferrogrão, corredor ferroviário de quase 1000 km que pretende ligar a cidade de Sinop (MT) ao distrito de Miritituba, em Itaituba (PA), para ampliar o corredor logístico do agronegócio pelos rios da Bacia Amazônica.

A bordo dos barcos, barcaças e bajaras que trafegam pelo rio, representantes dos povos hastearam faixas e bandeiras em repúdio ao projeto que cortará ao menos seis terras indígenas, onde vivem 2,6 mil pessoas, além de 17 unidades de conservação. Além disso, o aumento do escoamento da produção de grãos prevê a intensificação do volume de exportação de grãos pelo rio Tapajós.

O ato reuniu povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara, Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós e de Montanha e Mangabal, que durante os dias 15 a 17 participaram do 7o Grito Ancestral, unindo forças para protestar contra o “projeto de morte” da Ferrogrão, mas também para se fortalecerem em sua espiritualidade e ancestralidade.

Os rituais entoados nesse espaço sagrado emanaram a força da ancestralidade em defesa da vida: rio, água, povo. Os protestos dos povos indígenas deste fim de semana demonstram a importância de escutar as vozes dos povos originários, que dependem diretamente do equilíbrio ambiental para sua sobrevivência.

“[…] Nós vivemos uma pressão muito grande aqui dos comboios de balsa que passam todo dia no nosso território, carregados com grãos […] Então, nesse sentido, nós temos chamado a atenção, porque está impactando diretamente nós, que moramos aqui, e agora, com a Ferrogrão, que é um grande projeto, e vai aumentar ainda mais a quantidade de soja que vai vir a ser transportada, aumentando a pressão sobre os nossos territórios, sobre nossos rios”, relata Raquel Tupinambá.

A Aliança contra a Ferrogrão reúne 39 movimentos e organizações da sociedade civil, incluindo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Regional Pará/Equipe Itaituba, que esteve presente apoiando o ato.

<><>  7º Grito Ancestral

O ato deste ano marca o 7º ano do grito, que pelo 2º ano consecutivo acontece nos pedrais da Ilha de Ilagé, na aldeia Jacaré, dentro da Reserva Tapajós-Arapiuns (PA), no território indígena Tupinambá, local sagrado para os indígenas por ser um berço de reprodução de várias espécies aquáticas. Esse espaço sagrado corre riscos reais de ser destruído se houver a necessidade de dragagem do rio Tapajós.

“Há uma possibilidade real de escavação e explosão dos pedrais, que são espaços encantados, espaços de reprodução dos peixes. Isso vai representar para nós que vivemos do peixe, um grande prejuízo. Então, nesse sentido, nós estamos aqui também para reivindicar, para chamar a atenção do poder público, dos governantes, para que nossos direitos sejam respeitados. Chega de violação de direitos, e é por isso que nós estamos aqui, para dizer não à Ferrogrão”, enfatiza Raquel.

 

Fonte: DW Brasil/CPT

 

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