Brasil
cria aliança global inédita contra fome e pobreza, e Argentina só adere no
último minuto
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa
inédita liderada pelo Brasil como forma de marcar sua liderança do G20, teve de
última hora a adesão da Argentina, que
voltou atrás em sua posição de não integrar a nova instituição.
A Aliança foi lançada oficialmente na segunda-feira (18/11) no
Rio de Janeiro, onde a Cúpula de Líderes do grupo das maiores economias do mundo ocorre por dois dias, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como anfitrião.
A Aliança nasce com 148 membros fundadores, incluindo 82 países,
a União Africana e a União Europeia, grandes instituições internacionais, como
o Banco Mundial e organismos das Nações Unidas (ONU).
A Argentina seria, entre os membros do G20, o único que não iria
aderir à iniciativa.
A mudança de posição veio depois de Lula oficializar a aliança.
O país, presidido por Javier Milei, tem apresentado
resistência a diferentes agendas multilaterais, desde que seu aliado, Donald
Trump, foi eleito como novo presidente americano.
A postura argentina está, inclusive, dificultado que os líderes fechem uma declaração consensual para
a Cúpula.
Em nota oficial divulgada no fim da tarde, a Casa Rosada
afirmou, no entanto, que o governo argentino não deverá barrar a declaração
final, apesar de apresentar sua oposição a diversos dos termos adotados.
A nota afirma que o governo Milei é particularmente contra
"a promoção da limitação da liberdade de expressão em redes sociais, o
esquema de imposição e vulnerabilização da soberania das instituições de
governança global, o tratamento desigual perante à lei e, especialmente, a
noção de que uma maior intervenção estatal é a forma de lutar contra a
fome".
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Tema 'mais agregador'
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza faz parte da
estratégia do Brasil de, diante da missão espinhosa de presidir o G20 em meio a
conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio e à maior crise climática da história,
colocar no centro da agenda o combate à fome e à pobreza, bandeira que marca
os governos Lula.
Diplomatas brasileiros e de outros países ouvidos pela BBC News
Brasil concordam que foi uma boa decisão trazer um tema mais agregador para a
mesa de negociações, o que possibilitou a criação de uma iniciativa considerada
inédita, por seu formato e peso político.
A aliança é apontada como um raro exemplo de um impacto concreto
do G20, que costuma se restringir a declarações de intenções dos seus membros —
mas sua eficácia ainda será testada e dependerá, sobretudo, da capacidade de
liberar recursos, ressaltou à reportagem o economista-chefe da Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o peruano Maximo
Torero.
A iniciativa pretende facilitar a implementação de políticas
públicas já testadas com sucesso em diferentes países — como o Bolsa Família,
programas de merenda escolar, agricultura familiar e microcrédito — em nações
pobres ou de renda média baixa, que careçam de ações estruturadas
nacionalmente.
Além disso, a aliança pretende ser um facilitador dos fluxos de
financiamento, tornando menos burocrático o acesso desses países a recursos
existentes em instituições financeiras multilaterais, como Fundo Monetário
Internacional (FMI) e Banco Mundial, e outras fontes.
Um dos membros, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
se comprometeu a fornecer até US$ 25 bilhões (R$ 140 bilhões) em financiamento
para apoiar países em políticas contra a fome e a pobreza.
As primeiras metas anunciadas preveem a ampliação de programas
de transferência de renda em países como Togo, Chile e Nigéria, com previsão de
atingir 500 milhões de pessoas.
Também está previsto dobrar a quantidade de crianças com acesso
a alimentação escolar em países pobres, alcançando 150 milhões de alunos até
2030. Do outro lado, países como França, Alemanha e Noruega se comprometeram a
apoiar financeiramente a expansão de refeições escolares.
Segundo dados da ONU, havia 733 milhões de pessoas famintas no
mundo em 2023, um aumento de 152 milhões em comparação com 2019. A projeção
atual é que, sem esforços adicionais, não será possível atingir o objetivo
firmado em 2015 de zerar a fome global até 2030.
"A aliança vem como objetivo de colocar e depois manter o
combate à pobreza no alto das prioridades", disse à BBC News Brasil Renato
Godinho, assessor especial de Assuntos Internacionais do Ministério do
Desenvolvimento Social e um dos coordenadores técnicos da iniciativa.
"A ideia é voltar ao básico com a consciência de que, se a
gente não consegue vencer a fome e a pobreza, que é mais fácil do que
solucionar a questão do clima e construir a paz mundial, não vamos conseguir
resolver essas outras crises", destacou ainda.
Os membros são aceitos após firmarem compromisso e podem
participar de três formas: como financiadores, fornecedores de conhecimento
(políticas públicas bem-sucedidas) ou como implementadores desses programas em
escala nacional.
A intenção, explicou Renato Godinho, é fomentar ações de larga
escala, lideradas pelos Estados, já que o diagnóstico é que hoje as iniciativas
de combate à pobreza e à fome são fragmentadas e, muitas vezes, lideradas por
organizações filantrópicas, com impacto limitado.
"A gente tem a metáfora dos aplicativos sociais [de
paquera]: 'dar o match' entre os vários parceiros que queiram fazer essa
implementação [da aliança]. O próprio mecanismo não vai receber recurso para
implementar nada. Vai ser uma costura que vai ser feita [entre os
participantes], e os acordos específicos para implementar os projetos vão ser
firmados entre esses parceiros", explica Godinho.
A FAO está apoiando a iniciativa e abrigará o escritório
principal da aliança em Roma, mas a nova instituição terá atuação independente
da ONU e do prórpio G20. Os custos operacionais estão orçados em cerca de US$ 3
milhões (R$ 17,2 milhões) ao ano até 2030, e o Brasil se comprometeu a bancar a
metade disso.
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Otimismo menor após
eleição de Trump
Para Maximo Torero, da FAO, a aliança é um mecanismo inédito ao
juntar dois elementos: o fortalecimento do compromisso político das grandes
economias com a agenda de combate à fome e à pobreza e um formato inovador de
articulação entre boas práticas, fontes de financiamento e países que precisam
dessas ações.
No entanto, ele considera que ainda há grandes desafios para
conseguir destravar o acesso aos recursos, algo que dependerá de uma melhor
coordenação das instituições financeiras multilaterais.
"A probabilidade [de a aliança trazer resultados robustos],
para mim, no momento, é otimista, mas baixa. Se virmos mudança no pilar
financeiro da aliança, o otimismo pode ser alto", disse à reportagem.
Torero reconhece, ainda, que "estava mais otimista duas
semanas atrás", antes de Donald Trump ser eleito como
futuro presidente dos Estados Unidos, país que tem as maiores cotas no FMI e no
Banco Mundial, com importante peso nas votações dessas instituições.
O governo atual, de Joe Biden, manifestou forte apoio à aliança.
Na visão do economista-chefe da FAO, não está clara qual será a posição do
próximo presidente americano, que costuma ser avesso a coordenações
multilaterais.
Por outro lado, pondera, Trump pode apoiar agenda de combate à
fome e à pobreza no mundo, se entender que isso pode reduzir a imigração para
os Estados Unidos, uma das suas principais promessas.
"O panorama político mudou desde a eleição [de Trump], e
isso coloca um desafio. Então, minha posição para o Brasil é que precisamos
fazer o FMI, o Banco Mundial e os bancos regionais terem um plano claro de como
eles vão se coordenar para atingir essas metas", disse ainda.
A presidência brasileira do G20 também priorizou neste ano a
reforma dessas instituições. O grupo aprovou por consenso em outubro um
documento com diretrizes para tornar os bancos multilaterais maiores e mais
eficientes, ampliando sua capacidade de empréstimo, algo que mira também
projetos na área ambiental.
Além disso, houve um evento simbólico em Washington no mesmo mês
para adesão dessas instituições à aliança, com representantes de FMI, Banco
Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e Novo Banco de
Desenvolvimento, entre outros.
No entanto, Torero, que já foi diretor-executivo do Banco
Mundial, representando países da América do Sul como Argentina e Chile, diz que
será preciso contínua pressão dos membros do G20 para a reforma dessas
instituições de fato deslanchar, o que dependerá da vontade política dos
governos.
Estimativas da ONU indicam que é preciso mobilizar US$ 540
bilhões adicionais até 2030 para erradicar a fome no mundo.
Uma das apostas do Brasil para ampliar os recursos disponíveis é
o uso dos Direitos Especiais de Saque (DES) do FMI para empréstimos, medida que
foi aprovada em maio pelo fundo, mas cuja implemantação é complexa e ainda está
em andamento.
Os DES são uma reserva que os países têm no FMI para usar em
situações de emergência, com regras restritas de uso. A expectativa inicial é
que parte desses instrumento seja usado por bancos multilaterais em
financiamentos para ações sobre clima e enfrentamento da pobreza, podendo
mobilizar até US$ 140 bilhões.
"Das opções à mesa, essa é a que poderia oferecer maior
potencial, embora haja restrições [ainda para a implementação] que são também
normais, porque é um mecanismo inovador", disse à BBC News Brasil a
diplomata e secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda,
Tatiana Rosito, que comandou a "Trilha de Finanças" do G20 durante a
presidência brasileira.
Outra ideia, ressalta a embaixadora, é ampliar operações de
troca de dívidas — ou seja, que países pobres endividados sejam autorizados a
usar o dinheiro que iria para o pagamento dessas dívidas em programas
chancelados pela aliança.
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O panorama da fome no
mundo
A aliança está prevista para funcionar ao menos até 2030, prazo
para o mundo alcançar os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável, um
conjunto de metas estabelecidas pelos membros das Nações Unidas.
Erradicar a fome e a pobreza são duas dessas metas, mas diversos
fatores têm dificultado esses objetivos, segundo a ONU, como conflitos, crise
climática, inflação e a pandemia do coronavírus.
Um relatório de julho da organização estimou que 733 milhões de
pessoas no mundo estavam em situação de fome em 2023.
O documento mostrou que a fome tem sido crescente na África,
continente que tem 298 milhões de subnutridos (cerca de 20% da sua população)
Já a Ásia abriga o maior número absoluto de famintos — 384
milhões, 8% da população — e tem registrado estabilidade nesses números.
Por outro lado, a fome tem recuado na América Latina e no
Caribe, com destaque para bons resultados no Brasil. A região abriga 41 milhões
de pessoas afetadas (6% da população).
Para o economista-chefe da FAO, Maximo Torero, a liderança do
Brasil e de Lula foram "super importantes" para a criação da aliança,
seja devido ao sucesso do país na redução da fome e da pobreza nas últimas
décadas e ainda hoje, seja devido à capacidade de "atração política"
do presidente brasileiro "para alcançar consensos".
Na sua avaliação, há uma "janela de oportunidade" no
próximo ano, quando o Brasil vai presidir o Brics — grupo de nações que inclui
a China — e sediará, no final do ano, a COP 30, a trigésima edição da cúpula do
clima da ONU.
"É importante lincar a aliança com a agenda climática.
Então, o fato de o Brasil estar liderando o G20, coordenando isso de perto com
o G7, presidido pela Itália, e passando ano que vem para o Brics e depois para
a COP 30 é uma grande oportunidade para atrair também as questões climáticas
para a segurança alimentar", defendeu.
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Milei aderiu à Aliança
Global do G20 porque reconhece pobreza na Argentina, diz ministro do Brasil
O ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e
Combate à Fome, Wellington Dias, concedeu coletiva na tarde desta segunda-feira
(18) para detalhar a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, oficializada por
lideranças do G20.
A aliança funcionará como uma plataforma independente, com o
objetivo de erradicar a fome e a pobreza até 2030. Dias frisou que cada país
que aderiu à aliança apresentará planos para a redução da pobreza, com
alternativas que se mostrem comprovadamente eficientes.
Ele acrescentou que esse plano será traçado de forma soberana,
mas aqueles que necessitarem apoio poderão contar com financiamento de países
dispostos a colaborar.
Questionando sobre a decisão do presidente argentino, Javier
Milei, de aderir à aliança, Dias afirmou que a Argentina já vinha participando
de reuniões sobre o tema.
Segundo Dias, Milei defende o liberalismo, mas reconhece o
avanço da pobreza em seu país.
"Ele [Milei] próprio reconheceu que a Argentina, um país
que lá atrás tinha um nível de pobreza entre os mais baixos da nossa região e
do mundo, agora ultrapassou 50% em situação de pobreza", afirmou o
ministro.
Dias afirmou ainda que o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) anunciou financiamento de US$ 25 bilhões para a Aliança, o equivalente a
cerca de R$ 143 bilhões, além de contribuir com dinheiro não reembolsável e
empréstimos com juros baixos e prazos adequados.
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Brasil fecha nova
cooperação com entidade da ONU de combate à fome para atuar na América Latina
Medida também vai viabilizar a implementação do Marco de
Programa para o Brasil 2024-2027, que traz as prioridades para a parceria, e
também um projeto de cooperação para apoiar as populações vulneráveis em áreas
urbanas e periurbanas.
Em meio à extensa programação do G20 no Rio de Janeiro e o
lançamento pelo Brasil da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, a Agência
Brasileira de Cooperação (ABC), ligada ao Ministério das Relações Exteriores,
assinou neste domingo (17) dois documentos que reforçam a parceria com a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla
em inglês).
O objetivo da medida é viabilizar um projeto de cooperação
Sul-Sul, com a participação do Ministério do Desenvolvimento e Assistência
Social, Família e Combate à Fome (MDS), para apoiar as populações vulneráveis
que vivem em áreas urbanas e periurbanas da América Latina e Caribe. A
assinatura ocorreu no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
Além do diretor-geral da FAO, Qu Dongyu, assinaram o documento
os ministros do MDS, Wellington Dias, e do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar, Paulo Teixeira; e o diretor da ABC, embaixador Ruy
Pereira.
Antes da solenidade, dirigentes da FAO visitaram a comunidade
Appreili, na região de Itaipu, em Niterói, local que realiza práticas
sustentáveis de pesca e inovação no processamento de pescados.
Fonte: BBC News Brasil/Sputnik Brasil
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